sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Morre geógrafo e ambientalista Carlos Walter Porto-Gonçalves



Professor na Pós-graduação em Geografia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e no departamento de Ciências Humanas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Carlos Walter Porto-Gonçalves morreu aos 74 anos na noite de quarta, 6, em Florianópolis. A causa da morte ainda não foi confirmada pela família ou por amigos próximos.

Carlos Walter foi sem dúvida um dos pensadores latino-americanos mais importantes das questões ambientais recentes. Porto-Gonçalves tem um dos melhores trabalhos acadêmicos sobre apropriação da água pelo sistema financeiro internacional. Ninguém condenou de maneira mais abrangente a problemática da privatização da água. Ele tem que continuar vivo dentro de todos nós! Carlos Walter presente!

A obra em resumo

  • Geo-grafias: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentabilidad. México, D.F: Siglo XXI, 2001
  • Geografando nos varadouros do mundo: da territorialidade seringalista (o seringal) à territorialidade seringueira (a Reserva Extrativista). Brasília: Edições Ibama, 2003
  • A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006
  • Geografia da violência no campo brasileiro: o que dizem os dados de 2003. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 75, p. 139-169, 2006
  • Os (des)caminhos do meio ambiente. 1ª edição. São Paulo: Contexto, 1989


Em 2012, o EDUCOM - Aprenda a Ler a Mídia publicou uma série de cinco artigos do professor Porto-Gonçalves intitulada 'Água não se nega a ninguém'. Vale a pena relê-los e os textos (em formato PDF) também podem ser baixados aqui


Com informações da Wikipédia e foto de Giorgia Prates/Senge-RJ

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Mineradoras: câncer ambiental que suga água e destrói ecossistemas

Por Zilda Ferreira*



As mineradoras estão poluindo o solo, o ar e a água. Os minerodutos, tubulações usadas para transporte rápido e barato de minérios a longas distâncias, estão sendo multiplicados. Sem conhecimento da população e das autoridades, as mineradoras sugam, através dessas tubulações, milhões de litros de água, secando nascentes e regiões onde a água era outrora abundante.

Pequiá de Baixo, bairro rural de Açailândia (MA), exemplifica bem esse cenário, sendo considerado "O inferno siderúrgico na Amazônia", com cinco unidades de produção de ferro gusa, liderada da Companhia Vale. A justiça já reconheceu que a vida no lugar é inviável e solicitou o reassentamento da população em outro lugar. Para agravar essa situação de desequilíbrio ambiental, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras das siderúrgicas fez de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

E são raras as denúncias de ONGs ou de pesquisadores sobre a catástrofe ambiental que as mineradoras têm provocado. Coincidentemente, essas mineradoras patrocinam ONGs, financiam pesquisas acadêmicas, e nas últimas eleições, foram as maiores doadoras de recursos às campanhas legislativas, estaduais e federais.

Não só na Amazônia elas sugam e envenenam a água, na Bahia também foi constatado situação parecida, veja link abaixo. Em Minas Gerais há exemplos desse cenário de desvio dos recursos hídricos. A Samarco, que já em possui dois minerodutos ativos, que ligam Germano, em Mariana(MG) a Ubu, em Anchieta (ES), projeta construir mais três - ligando MG ao litoral. Esse sistema dutoviário, que consiste no transporte dos minérios através de um líquido, no caso a água, traz danos ao meio ambiente. Tal sistema impacta no abastecimento doméstico, em função da drenagem excessiva de água que abastece os dutos. (Mineração na Caatinga: o pesadelo das comunidades rurais)

A Lei das águas 9433/97 prevê pagamento de Royalties, em outorgas. A mesma Lei estabelece que as águas subterrâneas são de Domínio Estadual e não Federal. O geólogo Milton Matta assegurou que as mineradoras usam de graça as águas subterrâneas. Milton é conhecido pelo seu trabalho junto à Universidade Federal do Pará-UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre o potencial do Aquífero Alter do Chão, na Amazônia (que tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani).

Diante desse cenário, vale destacar a importância das águas subterrâneas na estrutura hídrica brasileira: ainda não há números oficiais apurados, mas cientistas afirmam que volumes subterrâneos já são maiores que volumes superficiais.Como grandes empresas, incluindo mineradoras, compram terras em cima de aquíferos, o Brasil está perdendo a soberania de suas águas subterrâneas, uma vez que o controle é de responsabilidade estadual,não cabendo intervenção federal.

Essa situação de degradação não é novidade. Há 18 anos, em 1997, participei de uma expedição com a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) para percorrer o Caminho Contrário dos Irmãos Vilas-Boas. A ideia era trazer o conhecimento indígena à civilização e estudar também o avanço do agronegócio e das mineradoras no entorno do Parque do Xingu.O Grupo multidisciplinar era coordenado pelo Geólogo José Domingues Godói Filho, chefe do Departamento de Geologia da UFMT. Ao longo dessa expedição me explicaram sobre o “Projeto” que eles haviam ironicamente denominado “Projeto Amansa a Terra".


“A mídia espalha que há muito ouro, ou pedras preciosas e os garimpeiros todos rumam para o lugar. Depois, as ONGs, patrocinadas pelas empresas, denunciam que os garimpeiros acabaram com o meio ambiente. Em seguida, as mineradoras se instalavam e as denúncias cessavam. Isso, não é apenas ironia, acontecia e continua acontecendo”. Atualmente, aqui no Brasil, quase todos desconhecem as denúncias de que uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas no Peru. E por coincidência, a cidade mais poluída do Continente Sul Americano fica nos Andes, no Peru, La Oroya, pólo minerador. 

Leia também:
Manobra tenta aprovar Código da Mineração

A luta pelo direito a água na Rio + 20

Um inferno siderúrgico na Amazônia


Secaram São Paulo e podem secar o Brasil


Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Telesur: Privatización global del agua por "megabancos" de Wall Street y el Banco Mundial


* Zilda Ferreira é editora do blog e especialista em Educação Ambiental.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Secaram São Paulo e podem secar o Brasil

Por Zilda Ferreira*

Imaginem o Brasil, o mais rico do planeta em água, com sede. O País, conforme novas descobertas, tem água para saciar a sede da população mundial. Possui as duas maiores bacias hidrográficas; Amazônica e do Prata, além de ter  os dois maiores aquíferos; Alter do Chão e Guarani. Mas não tem uma legislação que proteja os rios aéreos, e as águas subterrâneas são de domínios dos Estados, conforme a Lei das Águas de 1997. Para agravar não há políticas públicas para gerir esses recursos em benefício do Estado e da população. Parece até que o Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA) aderiram a política das empresas do mercado da água de privar para privatizar (Leia A obscura ameaça de privatização das águas, "Água não se nega a Ninguém parte 5/5" e "Brasil o país mais rico em água do planeta").

A destruição do Bioma Cerrados que congrega o Planalto Central, onde nascem quase todos os grandes rios brasileiros, atualmente contaminados e destruídos pelo agronegócio, principalmente suas nascentes e matas ciliares, sem dúvida é também responsável  por essa iminente catástrofe. São Paulo foi a primeira vítima, mesmo ficando  em cima do aquífero Guarani e na Bacia do Prata. O agronegócio e a produção de biocombustíveis nesse Estado consomem aproximadamente 80% de água e suas industrias mais de 20%. Além disso, São Paulo foi primeiro Estado da Federação a incentivar  a privatização da água em seus municípios, através de concessões, e não investiu na rede de abastecimento - apesar do consumo doméstico ser prioritário por lei - o acesso foi negado com a falta de água, contrariando a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano ("Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos"). Não deixe de ler: Novo secretário de Recursos Hídricos reacende ameaça de privatização da Sabesp

MINERADORAS PODEM SECAR O BRASIL

Agora, os Brasileiros devem temer que esse problema se espalhe pelo país porque as mineradoras, principalmente as multinacionais, podem secar a Amazônia, o cofre hídrico do continente. Há denúncias de que  uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas, no Peru. Em Alter do Chão, distrito de Santarém, PA, à beira do Rio Tapajós, dois engenheiros argumentavam com uma jornalista que  o maior problema da poluição e do desequilíbrio ambiental da Amazônia são as mineradoras e não desmatamento (Leia "Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros" e "Um inferno siderúrgico na Amazônia").

Durante um simpósio em Tucuruí/PA, um engenheiro Florestal assegurava que a ALCOA -empresa líder mundial na produção de alumínio - consumia mais energia que toda a população de São Luis, além da grande quantidade de água e de envenenar os rios. Em seguida, um outro palestrante usou uma metáfora para explicar a importância  de não poluir as águas: "Os rios são como veias de um corpo e as barragens como um grande coágulo, se as mineradoras não envenenassem esse sangue da terra e não sugassem tanta água, a natureza regeneraria. Mas, elas não permitem" (Leia: "Um povo cercado por um anel de ferro"  e "Água: as mineradoras têm (muita) sede").


OS CONVERTIDOS DA MÍDIA

Alheios às causas que geram a crise hídrica os convertidos da mídia infernizam vizinhos, convocam reuniões de condôminos para discutir a crise da água. O clima desses encontros é tenso. Normalmente, pedem novas regras de consumo de água, denunciam vizinhos, e querem instalações urgentes de medidores individuais em prédios antigos. Numa dessas reuniões, na Tijuca, um bairro de classe média do Rio de Janeiro, uma moradora resolveu indagar se alguém sabia  que o agronegócio consumia mais de 70%, as indústrias mais de 20% e que consumo doméstico não chegava 8%, lembrando que a água tratava é cara. Todos desconheciam essa informação, mesmo uma bióloga ambientalista e uma jornalista que trabalhava para uma ONGs de Educação Ambiental. (Leia "Água: mídia alternativa e EBC se redem ao ecomercado").

Enquanto esse discurso da mídia  tem azedado relações entre vizinhos e gerado até brigas sérias, parece que o mercado está satisfeito. Recentemente um empreendimento imobiliário - detalhes no link -  fazia grande  propaganda de um oásis, preparado através da mudança   do curso de um rio, especialmente aos paulistas que quisessem fugir do drama da falta de água para viver num clima de abundância hídrica, com águas cristalinas. Um verdadeiro sonho para quem pudesse pagar (Leia "Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos").

Entretanto, com as empresas a mídia é benevolente e tem evitado atritos, não divulga quem consome mais água e nem o nome de uma empresa de bebidas que desviou o curso de um rio para beneficiar sua fábrica. Pouca gente sabe que a Sadia é a empresa que mais consome água do Aquífero Guarani e também uma das maiores poluidoras da cidade de Toledo, no Paraná. É bom lembrar que só para produzir um quilo de frango são necessários dois mil litros de água. Ninguém divulga também que os irmãos Marinhos nos anos 90 compraram terras exatamente em cima do Aquífero Guarani, embora essa denúncia tenha sido feita por professores de universidades paulistas, na ocasião (Leia: "Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos").

Esses fatos e a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano são escondidos para que a população não proteste contra o processo de privatização desse bem comum e essencial à vida (Leia: "A luta pelo direito à água na Rio+20" e "Agora, água para todos").

O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

Atualmente há dois grupos que defendem subliminarmente a privatização da água e se revezam no comando da política hídrica brasileira: os tecnicistas, com inovações tecnológicas descontaminantes, debitando na conta do cidadão o problema de escassez da água; e os conservacionista da natureza, com discurso  da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza e da cultura. A capacidade de perversão e sedução desse discurso e tão alienante que modifica hábitos do povo para economizar água até para escovar os dentes.

É difícil separar esses dois grupos, porque os interesses deles são mais ou menos os mesmos. Por exemplo, o grupo que atualmente dirige a SABESP e a política hídrica do Estado de São Paulo é formado por técnicos altamente especializados, ex- dirigentes da Agência Nacional de Águas (ANA) - considerados tecnicistas - mentores da  atual política hídrica brasileira, implantada no governo FHC, dentro dos princípios neoliberais científicos e tecnológicos de dominação do homem e da natureza.

É importante lembrar que a atual ministra do Meio ambienta, Isabela Teixeira, tem formação acadêmica na COPPE/UFRJ - instituição dominada na área hídrica pela Suez Lyonnaise des Eaux, segunda maior empresa do mercado mundial da Água e GDF Suez também francesa, considerado o segundo grupo de energia do mundo. Isabela é uma tecnocrata, discípula desses grupos e talvez por isso tenha endossado políticas do Conselho Mundial da Água, que congrega as maiores empresas do mercado da Água, defensoras da privatização - Ficou claro no VI Fórum Mundial da Água em Marselha, em 2012 (Leia "Olho na governança Global da Água" e "Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado").

SUSTENTABILIDADE?

E quem sonhava com o discurso de sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva, já percebeu que a realidade é uma catástrofe ainda maior. Os conservacionistas com o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza, têm como estratégia de poder o hiper-realismo da globalização no ocultamento dos mecanismo de repressão, a fim de dilapidar recursos ambientais e ficarem impunes. Defendem até a federalização do mundo, e assim, a  governança dos ativos ambientais brasileiros seria entregue às nações hegemônicas.(Para entender o que esconde o marketing ambiental dos conservacionistas leia "A disputa pela Terra em Copenhague" e "O agronegócio e o ecomercado ameaçam a vida"). 

Não há esperança a vista. Imaginem a que ponto chegamos, o Financial Times divulgou que uma das causas para o impeachment de Dilma seria a falta de Água. O voracidade do mercado e a mídia perderam a noção, mas parece que contam com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que jamais foi criticada pelo Globo e pela mídia em geral. 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Desmatamento na Amazônia e as secas no Sudeste

Caro leitor, em seguida trazemos artigo do meteorologista Luiz Carlos Molion sobre as secas que atualmente assolam o Sudeste. Há duas opiniões sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, por sinal uma crise prevista pelos especialistas. Qual é a sua opinião? Importante lembrar que água é um Direito Humano previsto na Resolução da ONU 64/292 (veja no pé do post entrevista do relator especial da ONU, o brasileiro Leo Heller). Mais. O estado de São Paulo está sobre o Aquífero Guarani e dentro da Bacia do Prata. Além disso, é de conhecimento que o consumo doméstico de água representa menos de 10% do total, o agronegócio (irrigação) aproximadamente 70% e indústrias - principalmente agroindústrias e metalúrgicas - em torno de 20%.
Zilda Ferreira, editora do EDUCOM

Por Luiz Carlos Baldicero Molion, PhD em Meteorologia
A afirmação de que as secas da Região Sudeste estão sendo causadas pelo desmatamento da Amazônia é leviana, não tem base científica, pois não sobrevive a uma análise de dados climáticos, além de ser contrária ao bom senso. A anomalia climática pela qual São Paulo está passando é decorrente da variabilidade natural do clima e já ocorreu, até com intensidade maior, no passado. O gráfico abaixo representa a variação dos desvios de precipitação padronizados para a Estação da Luz, no centro da capital paulista, que tem dados observados de chuva desde 1888. Nesse gráfico, notam-se desvios fortemente negativos em anos como 1933 e 1936,e na década dos anos 1960, como 1963, 1968 e 1969. Séries de precipitação mais curtas, a partir dos anos 1950, também registram as secas da década de 1960 que afetou a Região Sudeste. Ou seja, a Região já esteve submetida a secas severas no passado quando o desmatamento  da Amazônia era incipiente.


















A floresta está lá porque as condições climáticas globais, notadamente o transporte de umidade vindo do Oceano Atlântico Norte, criam as condições propícias para que ela exista. É claro que, após a instalação da floresta, há complexos mecanismos de interação floresta-atmosfera que tornam o clima local mais úmido. Antes do soerguimento dos Andes a 70 milhões de anos atrás, a floresta não existia como ela é vista hoje. E no pico da última era glacial, há 15 mil anos, há evidências que também não existia uma floresta extensa e contínua, mas apenas algumas "ilhas de vegetação” ou "refúgios” na denominação de Aziz Ab’Saber e Paulo Vanzolini. Portanto, é o clima global atual que permite a existência da floresta extensa e contínua, como observada modernamente, e não o contrário!

A umidade para as chuvas do Sudeste não é produzida na Amazônia. Ela vem do Oceano Atlântico Norte e, notem,apenas passa sobre a Amazônia e interage com a floresta. Como essa floresta produz atrito ao escoamento do ar que sai do oceano[como um carrinho elétrico que passa da cerâmica (superfície lisa) para cima de um tapete (superfície rugoso)], essa rugosidade cria intensa turbulência vertical e nuvens convectivas que convertem mais eficientemente parte da umidade transportada pelos ventos em chuva.O restante do fluxo de umidade oceânica segue seu caminho para fora da Região. Afirmação que “uma árvore cuja copa tenha 10 metros de raio, fornece mil litros de água por dia para a atmosfera”, tem o objetivo de sensibilizar o público leigo e usa, de forma inadvertida, resultados, por exemplo, obtidos no Experimento Micrometeorológico na Amazônia (ARME), organizado e dirigido por nós na década dos anos 1980 na Amazônia Central próximo a Manaus. No ARME, concluímos que a evapotranspiração [evaporação + transpiração da vegetação] injetava na atmosfera 3,4 mm por dia, ou 3,4 litros de água por metro quadrado por dia [l/m2/d], um número bem inferior ao que era tido como verdadeiro na época. Ora, um círculo de 10 metros de raio possui uma área de cerca de 300 metros quadrados que, multiplicada pela taxa de evapotranspiração acima, de 3,4 l/m2/d, resulta em 1000 litros por dia. A pergunta que cabe aqui é de onde essa tal árvore retirou a umidade que está transferindo para a atmosfera? E a resposta óbvia é“a umidade foi retirada da chuva que se infiltrou no solo”. Sabe-se que 98%a 99% da umidade que a vegetação retira do solo são utilizados apenas para manter baixa a temperatura de sua folhagem por meio do processo físico de vaporização da água, que consome grandes quantidades de energia solar e refrigera a folhagem. Se a evaporação não ocorresse, a temperatura da folhagem poderia atingir valores superiores a 34°C-35°C e danificaria os tecidos da folhagem severamente, ou seja, a floreta não sobreviveria. Portanto, apenas 1% a 2% da água retirada do solo ficam incorporados nas árvores. A floresta não é fonte de umidade, ela é apenas um transdutor da água da chuva, que é derivada do fluxo de umidade oceânica transportado pelos ventos para dentro do continente. A floresta recicla 98% a 99% da água da chuva, devolvendo-a para o escoamento atmosférico que a transporta para outras regiões do país. Na eventual hipótese absurda de se desmatar completamente a Amazônia, a rugosidade da floresta deixaria de existir, choveria menos na Amazônia e, pode se dizer, um fluxo de umidade um pouquinho maior do que o atual seria transportado para o Sudeste, possivelmente aumentando suas chuvas.

É fato observado e incontestável que áreas dentro da própria Amazônia e ao sul da mesma apresentam uma estação seca bem definida ao longo do ano.No Centro Oeste e Sudeste, por exemplo, a estação seca chega a ser de seis meses, notadamente entre abril e setembro. Por que não chove nessas regiões se a floresta está em pleno funcionamento e transferindo umidade para o ar?  É porque o clima global não permite a umidade existente na superfície seja convertida em chuva regionalmente. Durante a estação seca, e em anos de seca, essas regiões estão sobre o domínio de um sistema de alta pressão atmosférica de milhares de quilômetros de extensão e a inversão térmica associada a ele e existente a cerca de 2 km de altura, inibe a formação e o desenvolvimento de nuvens de chuva. Além do ciclo anual, o clima do Brasil apresenta variabilidade interanual decorrente de fenômenos de escala global como os eventos El Niño que, afirma-se, produzem secas severas sobre a Amazônia, mesmo com toda umidade que, em princípio, seria fornecida pela floresta. Em adição, existe uma variabilidade climática na escala decadal resultante da variabilidade da temperatura da superfície (TSM) dos Oceanos Pacífico e Atlântico que, juntos, ocupam 54% da superfície do planeta. Durante o período que o Pacífico Tropical ficou, em média, ligeiramente mais frio, entre 1946 e 1976, chovia 10% a 20% a menos no país de maneira geral. Isso porque a atmosfera [e, como consequência, o clima] é aquecida por baixo, o ar se aquece em contato com a superfície. Se as TSM ficam mais frias, o clima também se resfria, a evaporação dos oceanos se reduz, o transporte do fluxo de umidade para cima dos continentes é diminuído e uma atmosfera mais fria e mais seca produz menos chuva na região tropical. A partir de 1999, o Pacífico começou a se resfriar e o estado energético do clima parece estar semelhante ao do período 1946-1976 quando o Pacífico se resfriou e, portanto, mais baixo que o do período 1976-1998 recém-passado, em que o pacífico estava mais aquecido e o estado energético do clima era mais elevado e chovia mais. Admitindo que o ciclo de resfriamento/aquecimento do Pacífico seja de 50-60 anos, conforme publicado na literatura especializada, o Pacífico deve permanecer, em média, ligeiramente mais frio até os anos 2025-2030. Sob considerações meramente baseadas na dinâmica do clima global observada ao longo dos últimos 100 anos, se este se assemelhar ao período frio passado [1946-1976], as chuvas devem se reduzir em todo país, notadamente no Sudeste e Centro Oeste, independentemente de se acabar com o desmatamento e recuperar as áreas degradadas na Amazônia. Não queremos dizer, com isso, que somos favoráveis ao desmatamento na Amazônia. Muito pelo contrário, somos contra o desmatamento da Amazônia, em função da fantástica biodiversidade nela existente e dos serviços ambientais por ela prestados à sociedade. E os produtores rurais da Amazônia tem plena consciência disso.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Por Zilda Ferreira, fundadora e editora do EDUCOM

Água é um bem comum. Sem água não existe vida. Mas não lemos nenhuma linha na mídia sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento, determinados pela Resolução 64/292 das Nações Unidas. Nada foi publicado sobre esse direito nem mesmo no Dia Internacional da Água, 22 de março último, apesar de três bilhões de pessoas no mundo não terem acesso a água corrente em casa, segundo dados da ONU.

Em julho de 2010, 122 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram a Resolução 64, com 41 abstenções e nenhum voto contra. Os Estados Unidos se abstiveram, como outros Estados industrializados, entre eles Áustria, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Japão e Suécia. Nos debates houve clara divisão entre as nações do Norte e do Sul, como já era esperado. Durante a Rio+20, em 2012, os Estados da União Européia e outras nações industrializadas tentaram derrubá-la. Desde 2010, o ecomercado centraliza o tema água, apresentando-a como commodity e de maneira subliminar, utilizando sofisticado marketing ambiental e cooptando a imprensa alternativa.

Na sua edição de março de 2014, a Folha do Meio Ambiente abriu dez páginas para lembrar todas as campanhas da água desde 1994, quando foi criado o Dia Internacional. Ao citar 2010, no entanto, omitiu a aprovação da Resolução 64/292 em 28 de julho e considerada por muitos a maior conquista do início do século. Carta Capital, publicação preferida de muitos militantes da esquerda, ignorou o Dia Internacional. Tendo oferecido pouco ou nenhum destaque ao 22 de março, a mídia alternativa mostrou-se cooptada pelo sofisticado marketing do ecomercado. Que dizer então da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação e que, portanto, deveria estar imune aos interesses do mercado para informar corretamente e expor a manipulação? Acabou também escancarando sua cooptação, ao ouvir uma porta-voz dos grupos financeiros e de conglomerados de mídia, a ONG WWF-Brasil. ONG esta que já foi presidida pelo senhor José Roberto Marinho.

Como já era de se esperar, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre os problemas de água em Manaus. Mas apontou como vilão o indivíduo que desperdiça água tratada, não observando os vazamentos domésticos... Essa abordagem a respeito do abastecimento de água em Manaus é cruel. Primeiro porque há muitas pessoas que não têm água em suas torneiras há muito tempo e, por isso, deixaram de pagar a conta. Atualmente, elas não têm crédito porque seus nomes estão no SPC. Segundo, e o mais importante, Manaus está sobre o maior aquífero do mundo, o Alter do Chão, que tem água de boa qualidade. Há denúncias de que a concessionária que abastece Manaus é estrangeira, não investe e cobra caríssimo pela água que fornece. Quem não não pode pagar não tem.


Voltando ao assunto manipulações da mídia, pasme, os meios alternativos passaram a usar dados do ecomercado sobre informações essenciais. Quando esteve recentemente no Brasil a relatora da ONU para os Direitos Humanos a Água e Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque, colocaram para assessorá-la um representante da mídia alternativa que defendia os créditos de carbono. Em uma entrevista coletiva não-divulgada para a maioria dos jornalistas especializados, a relatora apresentou dados positivos apenas de cidades abastecidas por concessionárias privadas. Albuquerque certamente recebeu esses dados de sua assessoria brasileira, uma vez que é contra a privatização. Grande surpresa para os fluminenses bem informados sobre o tema, Niterói foi uma das cidades bem avaliadas - fato repercutido pelas mídias. Não faz muito tempo, a "cidade sorriso" foi palco de um drama: ao sair do hospital onde tratava um câncer, a mãe de um jornalista encontrou a água de sua casa cortada por falta de pagamento, em razão da absurda taxa que os familiares não puderam pagar.

Assim, depois de muito tempo entendi a frase lapidar do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves: "Quanto mais se fala em meio ambiente, pior fica". Por isso ficaremos em silêncio por algum tempo, até que possamos fazer uma campanha robusta sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento.

Não deixe de ler:
Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida
Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água
A luta pelo direito à água na Rio+20

quarta-feira, 12 de março de 2014

As semelhanças entre 1964 e 2014

04/03/2014 - Luis Nassif - GGN

Santos Vahlis, hoje em dia, é mais conhecido pelos edifícios que deixou no Rio de Janeiro e pelas festas que proporcionou nos anos 50. Foi um dos grandes construtores do bairro de Copacabana.

Venezuelano, mudou-se para o Brasil, trabalhou com a importação de gasolina e tentou se engatar nas concessões de refinarias no governo Dutra. Foi derrotado pela maior influência dos grupos cariocas já estabelecidos.

Nos anos seguintes, foi um dos financiadores da campanha do general Estillac Leal [foto] para a presidência do Clube Militar, em torno da bandeira do monopólio estatal do petróleo. Torna-se amigo de Leonel Brizola, defensor de Jango.

Provavelmente graças ao fato de ser bom cliente dos jornais, com seus anúncios imobiliários, tinha uma coluna no Correio da Manhã, cujo ghost writer era o grande Franklin de Oliveira.


Tentou adquirir o jornal “A Noite” para fortalecer a imprensa pró-Jango. Foi atropelado pelo pessoal do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, em vez de comprar o jornal, comprou sua opinião por Cr$ 5 milhões. A CPI que investigou a transação teve como integrante o deputado Ruben Paiva.


Por sua atuação, Vahlis sofreu ataques de toda ordem.


Contra ele, levantaram a história de que teria feito uma naturalização ilegal. Em 1961, em pleno inverno, foi preso e jogado nu em uma cela de cadeia, a ponto do detetive que o prendeu temer por sua vida.

Como era possível a perseguição implacável dos IPMs (Inquéritos Policial Militares), de delegados e dos Ministérios Públicos estaduais, contra aliados do próprio governo?


Esse mesmo fenômeno observou-se nos últimos anos, com os abusos cometidos no julgamento da AP 470, envolvendo não um ou dois Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas cinco, seis deles, endossando arbitrariedades que escandalizaram juristas conservadores.

Características da democracia

Para tentar entender o fenômeno, andei trabalhando em um estudo que pretendo apresentar no evento “50 anos da ditadura”, que ocorrerá a partir da semana que vem no Recife.

Aqui, um pequeno quadro esquemático que explica porque 2014 é tão semelhante a 1964 – embora torçamos por um desfecho diferente.


1.     A democracia é um processo permanente de inclusões sucessivas. Também é o regime de maior instabilidade (e medo) das pessoas. Nos regimes autoritários, na monarquia, nos sistemas de castas, não há ascensão vertical das pessoas – nem sua queda.


Na democracia de mercado há a instabilidade permanente, mesmo para os bem situados. Teme-se o dia seguinte, a perda do emprego, das posses, do status.

2.     Além disso, há repartição entre os poderes que abre espaço para a montagem de alianças e acordos econômicos, nos quais os grandes grupos econômicos se aliam aos grupos de mídia, através deles infuenciam os diversos poderes de Estado.


3.     Cada época de inclusão gera novas classes de incluídos que cumprem seu papel de entrar no mercado de trabalho, ganhar capacidade de consumo e, no momento seguinte, cidadania e capacidade de organização. Gera resistências tanto na classe média (medo da perda de status) quanto nos de cima (perda de influência).


Aí, cria-se uma divisão no mercado de opinião que será explorado a seguir.


O mercado de opinião

Simplificadamente, dividi o mercado de opinião em dois grupos.

O primeiro é o mercado liderado pelos Grupos de Mídia.


Por definição, é um mercado que influencia preponderantemente os setores já estabelecidos que já passaram pela fase da inclusão, do emprego, da carreira, integrando-se no mercado de opinião aos estabelecidos da fase anterior.


Por suas características, os grupos mais resistentes ao novo são os estamentos militar, jurídico, alta hierarquia pública e a alta e média classes médias – especialmente os estamentos que trabalham em grandes companhias hierarquizadas. E também a classe média profissional liberal, que depende de redes de relacionamentos.


A razão é simples. Vivem em estruturas burocráticas, hierarquizadas, nas quais cumprem uma carreira, sujeitando-se a promoções ao longo de sua vida útil. Por isso mesmo, a renovação se dá de forma muito lenta, proporcional à lentidão com que mudam os lugares nessas corporações. São os mais apegados ao status quo.


Por todas essas características – da insegurança, da carreira construída passo a passo – esses grupos são extremamente influenciados por movimentos de manada. Por segurança, querem pensar do mesmo modo que a maioria, ou que o status quo do seu grupo (ou de suas chefias).


Esse grupo pode ser denominado conceitualmente de opinião pública midiática. Ele detém o poder, a capacidade de influenciar leis, julgamentos, posições.


Mas não detém voto. Mesmo porque, quem têm votos é a maioria.


O segundo grupo é o dos novos incluídos econômicos e dos incluídos políticos mas que não tem posição de hegemonia.


Entram aí sindicatos, organizações sociais, o povão pré-organização etc, enfim, a maioria da população – especialmente em países com tão grandes diferenças de renda.


E entra o Congresso Nacional.


Os canais de informação desse público são os sindicatos, organizações sociais e os partidos políticos.


É um público que detém os votos, mas não detém poder.


O conflito entre poder e voto



Em cada período de inclusão, o partido que entende as necessidades dos novos incluídos ganha as eleições. Foi assim nos EUA com o Partido Republicano no século 19, com o Partido Democrata no século 20.

Processos de inclusão diminuem as diferenças de renda, ampliam a classe média e, quando o país se civiliza, garantem a estabilidade política – porque a maioria se torna classe média.


Mas em países culturalmente atrasados – como o Brasil – qualquer gesto em direção à inclusão sofre enormes resistências dos setores tradicionais. 


Não se trata de viés político, ideológico (no sentido mais amplo), mas de atraso mesmo, um atraso entranhado, anti-civilizatório, que atinge não apenas os hommers simpsons, mas acadêmicos conservadores, magistrados, empresários sem visão. E, especialmente, os grupos de mídia. Os de baixo temem perder status; os de cima, temem perder poder.


O partido que entende os novos movimentos colhe eleitor de baciada.


O único fator capaz de derrubá-lo são as crises econômicas (o fenômeno do populismo é o de procurar satisfazer de qualquer maneira as massas descuidando-se da economia) ou o golpe.


A reação através do golpe

Sem perspectivas eleitorais, os segmentos incluídos na chamada opinião pública midiática recorrem ao golpismo puro e simples.

Consiste em fomentar diuturnamente o discurso do ódio e levar a vendetta para o campo jurídico-policial. É o que levou à prisão de Santos Vahlis e aos abusos da AP 470.


O movimento foi bem sucedido em 1964 e consistia no seguinte:


1.     Para mobilizar a classe média, a mídia levanta fantasmas capazes de despertar medos ancestrais: o fantasma do comunismo, que destrói famílias e propriedades, do golpe que estaria sendo preparado pelo governo, da corrupção que se alastra etc.


2.     A campanha midiática cria o clima de ódio que se torna cada vez mais vociferante quanto menores são as chances de mudar o governo pela via eleitoral.


3.     Com a influência sobre o Judiciário e o Ministério Público, além de denúncias concretas, qualquer fato vira denúncia grave e, na ponta, haverá um inquérito para criminaliza-lo.


4.     Aí se entra no ponto central: as agressões, os atentados ao direito, as manipulações provocam reações entre aliados do governo. 


Qualquer reação, por mais insignificante, serve para alimentar a versão de que o governo planeja um golpe.


O ponto central do golpe consiste em fomentar reações que materializem as suspeitas de que é o governo que planeja o golpe.


É nesse ponto que o golpismo e o radicalismo de esquerda se dão as mãos.


Confiram esse vídeo aqui do Arnaldo Jabor, sobre uma proposta de um deputado obscuro do PT.


O próprio Jabor considera-o obscuro. Mas repare nas conclusões que tira. Foi buscá-las em uma nave do tempo diretamente de 1964.




O grande problema de Jango foram os aliados iludidos pela revolução cubana e pela própria campanha da mídia - que superestimava, intencionalmente, os poderes das ligas camponesas e quetais.


O histórico trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos, em 1962, expôs de forma magistral e trágica  como se dava essa manipulação das reações.


Esse mesmo clima em relação às ligas camponesas, a mídia tentou recriar com as fantasias sobre a influências das Farcs no Brasil, sobre os dólares cubanos transportados em garrafas de rum e um sem-número de artigos de colunistas denunciando o suposto autoritarismo de Lula.


Lula e Dilma fugiram à armadilha, recorrendo ao que chamei, na época, de republicanismo ingênuo, às vezes até com um cuidado excessivo.


Não tomaram nenhuma atitude contra a mídia; não pressionaram o STF; têm sido cautelosos de maneira até exagerada; não permitiram que o PT saísse às ruas em protesto contra os abusos da AP 470.


Apesar de entender esse caminho, Jango não conseguiu segurar os seus. 


Houve radicalização intensa, conduzida por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, pelo PCB de Luiz Carlos Prestes e por lideranças sindicais, que acabaram proporcionando o álibi de que os golpistas precisavam.


Hoje em dia não há mais a guerra fria, não há uma republiqueta encravada em um continente golpista, não há o descuido com a economia.


No entanto, há um ponto em comum nos dois períodos: o ódio que a campanha midiática provocou em diversos setores de classe média crescerá em razão inversamente proporcional ao crescimento eleitoral da oposição.

E o mote central será  a Copa do Mundo e a convicção de que o governo gastou em estádios o dinheiro da saúde.

Há uma guerra de comunicação central.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/as-semelhancas-entre-1964-e-2014

terça-feira, 11 de março de 2014

O planejamento frio de uma sentença

28/02/2014 - Estadão: como Joaquim Barbosa planejou friamente sentença e pena para fechar José Dirceu na cadeia
- Fernando Brito - Tijolaço

Não é um petista, embora seja um desafeto do Ministro Joaquim Barbosa, que já o mandou chafurdar no lixo.

É Felipe Recondo [foto], o repórter que o Estadão, corretamente, bancou como setorista do Supremo Tribunal Federal contra a vontade de seu presidente que, inclusive, tentou vingar-se sobre a mulher do jornalista, funcionária concursada do tribunal.

Ele narra, com detalhes escabrosos da perfídia, como Joaquim Barbosa deliberou condenar sem provas o ex-ministro José Dirceu e “calculou” a pena de forma que, além de não haver prescrição, garantisse a prisão do réu em regime fechado.

Uma armação que, quando apontada pelo Ministro Luís Roberto Barroso [foto], a megalomania de Barbosa o fez admitir com um ”Foi para isso mesmo, ora!

Diz Recondo, e eu grifo:

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28 de fevereiro de 2014 - Análise: As operações aritméticas do ministro Joaquim Barbosa - Felipe Recondo (*) - O Estado de S. Paulo

Em meio às falas sobrepostas na sessão de quarta do STF, o ministro Joaquim Barbosa soltou uma frase que guardava consigo há pelos menos três anos: "Foi para isso mesmo, ora!"

Barbosa acabava de admitir abertamente o que o ministro Luís Roberto Barroso dizia com certos pudores.

A pena para os condenados pelo crime de formação de quadrilha no julgamento do mensalão foi calculada, por ele, Barbosa, para evitar a prescrição.

Por tabela, disse Barroso, o artifício matemático fez com que réus que cumpririam pena em regime semiaberto passassem para o regime fechado.

Barbosa admitiu que penas por formação de quadrilha foram calculadas para evitar prescrição.

A assertiva de Barroso não era uma abstração ou um discurso meramente político.

A mesma convicção teve, para citar apenas um, o ministro Marco Aurélio Mello [foto]. Em seu voto, ele reconheceu a existência de uma quadrilha, mas considerou que as penas eram desproporcionais. E votou para reduzi-las a patamares que levariam, ao fim e ao cabo, à prescrição. Algo que Barbosa há muito temia, como se verá a seguir.

Foi essa suposição de Barroso que principiou a saraivada de acusações e insinuações do presidente do STF contra os demais ministros. Eram 17h33, quando Barroso apenas repetiu o que os advogados falavam desde 2012 e que outros ministros falavam em caráter reservado.

Joaquim Barbosa acompanhava a sessão de pé, reticente ao voto de Barroso, mas ainda calmo. Ao ouvir a ilação, sentou-se de forma apressada e puxou para si os microfones que ficam à sua frente. Parecia que dali viria um desmentido categórico, afinal a acusação que lhe era feita foi grave.

Mas Joaquim Barbosa não repeliu a acusação. Se o fizesse, de fato, estaria faltando com a sua verdade, não estaria de acordo com a sua consciência. 

Três anos antes, em março de 2011, Joaquim Barbosa estava de pé em seu gabinete. Não se sentava por conta do problema que ainda supunha atacar suas costas. Foi saber depois, que suas dores tinham origem no quadril.

“A porta mal abrira e ele (Barbosa) iniciava um desabafo. Dizia estar muito preocupado com o julgamento do mensalão. A instrução criminal, com depoimentos e coleta de provas e perícias, tinha acabado.

E, disse o ministro, não havia provas contra o principal dos envolvidos, o ministro José Dirceu [foto]

O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fizera um trabalho deficiente, nas palavras do ministro.

Piorava a situação à passagem do tempo.

Disse então o ministro: em setembro daquele ano, o crime de formação de quadrilha estaria prescrito. Afinal, transcorreram quatro anos desde o recebimento da denúncia contra o mensalão, em 2007.

Barbosa levava em conta, ao dizer isso, que a pena de quadrilha não passaria de dois anos. Com a pena nesse patamar, a prescrição estaria dada. Traçou, naquele dia em seu gabinete, um cenário catastrófico.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 26 de março de 2011, uma matéria que expunha as preocupações que vinham de dentro do Supremo. O título era: “Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão”.

Dias depois, o assunto provocava debates na televisão.

Novamente, Joaquim Barbosa, de pé em seu gabinete, pergunta de onde saiu aquela informação. A pergunta era surpreendente. Afinal, a informação tinha saído de sua boca. Ele então questiona com certa ironia: “E se eu der (como pena) 2 anos e 1 semana?”.

Trata-se, portanto, de uma inversão completa da ética da magistratura e do princípio da impessoalidade na aplicação da lei.

Joaquim Barbosa, como relator do processo definiu a sentença e a pena que desejava para o acusado e não, ao contrário, escrutinou a culpabilidade nos autos e a ela adequou sentença e pena.

Sim, ele calculara as penas para evitar a prescrição. Ora!, diz Recondo.

(*) Felipe Recondo é repórter do jornal O Estado de S. Paulo em Brasília.

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O que o repórter do Estadão narra não é um comportamento de magistrado, é um comportamento inadmissível, perante a ótica e a ética do exercício da magistratura.

Luís Roberto Barroso [foto], diz o repórter, “não sabia dessa conversa ao atribuir ao tribunal uma manobra para punir José Dirceu e companhia e manter vivo um dos símbolos do escândalo: a quadrilha montada no centro do governo Lula“…

Mas “apenas repetiu o que os advogados falavam desde 2012 e que outros ministros falavam em caráter reservado.

Agora é público, e é um escândalo.

Não houve alguém que veio “com o voto pronto”, como acusou Barbosa a Barroso.

Houve alguém, relator do processo, que veio com uma sentença e uma pena prontas, independentes dos autos, com o propósito específico e deliberado de evitar uma prescrição e encarcerar um réu em regime fechado.

É, em tese, crime de responsabilidade.

Mas não há nem onde nem quem possa ser capaz de julgar o imperador.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=14744

segunda-feira, 10 de março de 2014

"Mãeie... bateram em mim..."

04/03/2014 - Lute por mim, coitadinho de mim...
- 3/3/2014 - James Howard Kunstler [*] do Blog Clusterfuck Nation “Let’s You and Him Fight” [1]
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Quer dizer então que, agora, estamos ameaçando iniciar a IIIª Guerra Mundial, porque a Rússia está tentando controlar o caos num estado falido junto às suas fronteiras – estado que os “nossos” doidos norte-americanos empurraram diretamente para o buraco?

A última vez que conferi, havia uma lista de países para onde, recentemente, os EUA enviaram soldados, navios armados, aviões armados, e por razões semelhantes às da Rússia na Crimeia: ex-Iugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia, nenhum desses sequer próximos das fronteiras dos EUA.

Não me lembro de a Rússia ameaçar confrontações militares, por causa dessas aventuras tresloucadas dos EUA.

Os telefones da Casa Branca e dos gabinetes do Congresso têm de estar totalmente congestionados, tantos são os cidadãos norte-americanos furiosos, contra a postura de nossos representantes e governantes eleitos. 

Tem de haver multidões levantando cartazes na praça Farragut, para lembrar aos hóspedes da Avenida  Pennsylvania nº 1.400 o papel ridículo em que nos puseram.

Os fabricantes de guerras no The New York Times falavam como promotores da Federação Universal de Luta Livre. A matéria de primeira página, ontem [02 mar], dizia:

"A ocupação russa na Crimeia desafiou o Sr. Obama, mais que qualquer outra crise internacional. E, no olho do furacão, a mesma questão volta, obrigatória: o Sr. Obama terá coragem para enfrentar o ex-coronel da KGB no Kremlin?"

Será que perderam, de vez, as respectivas cabeça-de-ovo?

Parece roteiro do velho manual [de Análise Transacional] de Eric Berne, Os Jogos que as Pessoas Jogam, do “tipo” “lutem por mim, coitadinho de mim” [Orig. Let’s You and Him Fight]. [1]

O presidente da Rússia, Vladimir Putin chegando à Crimeia 

O que os EUA e seus paus-mandados na União Europeia têm de fazer é cuidar da própria vida e parar com essas ameaças patéticas.

Eles mesmos montaram a cena para o colapso da Ucrânia, ao tentar manobrar o governo como quisessem, financiando um movimento pró-Eurolândia, só para, na sequência, verem seus fantoches pagos (e caros), cederem tudo a uma gangue de neonazistas armados, cujo primeiro ato oficial foi banir do país todos os cidadãos falantes de russo, num país onde há milhões de falantes de russo.

Isso nada tem a ver, claro, com o fato de que a Ucrânia, até bem recentemente, foi estado do ex-império russo soviético.

O secretário de Estado John Kerry [caricatura] – um penteado à procura de um cérebro – vai a Kiev amanhã [04 mar], para fingir que os EUA estão interessadíssimos e preocupadíssimos com o destino da Ucrânia.

Dado que o comportamento dos EUA é tão visível e claramente hipócrita, resta uma perguntinha básica: quais os nossos motivos?

Não acho que sejam qualquer coisa além de ostentação internacional – baseada na ilusão de que teríamos o poder e o direito de controlar tudo no planeta, ilusão que, por sua vez, brota do sentimento no qual estamos todos mergulhados, de extrema insegurança, agora que quantidade enorme de más escolhas que fizemos, puseram a mesa para um banquete de consequências.

Os EUA não estão conseguindo sequer dar conta das próprias dificuldades.

Ignoramos nossa crise de energia, repetindo para nós mesmos o conto de fadas de que o combustível de xisto nos permitirá continuar a ir de carro até o WalMart mais próximo, para sempre.

Escondemos de nós mesmos toda a nossa degenerescência financeira e fazemos vista grossa ante os crimes dos criminosos financeiros.

A infraestrutura, nos EUA, está caindo aos pedaços.

Estamos construindo uma montanha de aparelhos de vigilância e controle social que faria esverdear de inveja no túmulo o Dr. Joseph Goebbels, enquanto consumimos nosso já esvaído capital social, em estúpidas batalhas sobre confusão “de gêneros”. 

Tropas russas e ucranianas ocuparam entradas e saídas da península da Crimeia

Os russos, por sua vez, têm integral direito de proteger seus próprios interesses junto à sua própria fronteira, de proteger a vida e as propriedades dos ucranianos falantes de russo (os quais, não faz muito tempo, eram cidadãos de uma Rússia maior), para desestimular atividades neonazistas no seu quintal, e, principalmente, para estabilizar uma região que tem história curta e pouca experiência de independência.

Eles também têm de enfrentar a bancarrota da Ucrânia, que talvez seja a principal causa dos atuais problemas. A Ucrânia deve muito à Rússia, mas também deve uma enormidade a uma vasta rede de bancos ocidentais.

Ainda não se sabe se o calote dessas obrigações, todas conectadas, pode levar a uma onda de contágio que atinja todo o sistema financeiro global. Falta só um floco de neve para levar a montanha à avalanche.

Bem-vindos todos à era dos estados falidos. Já há vários por todo o mundo, e mais haverá, com a escassez de recursos e de capitais fazendo cair todos os padrões de vida e baixar o horizonte de confiança.

O mundo não está andando na direção em que Tom Friedman e os globalistas supuseram que andaria.

Tudo que esteja organizado em escala gigante está hoje por um fio – e, de modo muito especial, os estados-nação.

Os EUA não são imunes a esse movimento, seja qual for a ilusão que alimentemos ainda sobre nós mesmos, hoje.

Nota dos tradutores
[1] Referência a Games people play, manual de Análise Transacional, de Eric Berne, dos anos 50. Um dos “jogos” que as pessoas jogam, segundo esse modelo é o de fazerem-se de “coitados” e estimular outros a lutar pela autodesignada “vítima”.
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[*] James Howard Kunstler (nascido em 19 de outubro de 1948) é um autor americano, crítico social, orador público, e blogueiro. Ele é mais conhecido por seus livros The Geography of Nowhere (1994), uma história dos subúrbios americanos e desenvolvimento urbano, The Long Emergency (2005) e, mais recentemente, Too Much Magic (2012). Em The Long Emergency, ele argumenta que o declínio da produção de petróleo é provável que resulte no fim da sociedade industrializada como a conhecemos e forçar os americanos a viver em menor escala, comunidades localizadas, agrárias (ou semi-agrárias). Começando com World Made by Hand em 2008, Kunstler tem escrito uma série de romances de ficção científica conjecturando a cultura do futuro.Dá palestras sobre temas relacionados ao subúrbio, desenvolvimento urbano e os desafios do que ele chama de “The Global Oil Predicament” (O Fim da Era do Petróleo), e a mudança resultante no “American Way of Life”. Foi conferencista no American Institute of Architects, no National Trust for Historic Preservation, no International Council of Shopping Centers, na National Association of Science and Technology,, bem como em inúmeras Universidades, incluindo Yale, MIT, Harvard, Cornell, University of Illinois, DePaul, Texas A & M, West Point e Rutgers University.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/lute-por-mim-coitadinho-de-mim.html