quinta-feira, 13 de junho de 2013

A privatização da gestão pública


Tanto a privatização das empresas estatais como a privatização no sentido de concessão, contratualização, terceirização e parcerias necessitam do comando firme do Estado de Direito Democrático, sem o qual todos esses caminhos tornam-se verdadeiras barbáries.
  
Por Francisco Fonseca   Carta Maior
   
Muito se tem discutido, nas últimas três décadas, tanto internacionalmente como no Brasil, sobre o papel da iniciativa privada na Administração Pública e nas Políticas Públicas: desde a utilização de ferramentas e métodos empresariais na gestão pública às parcerias, terceirizações, concessões e contratos de gestão, entre outras práticas, em que o empresariado presta serviços e administra setores do Estado por meio de concessão. Ao lado dessas formas, a privatização em sentido estrito, isto é, a venda de empresas públicas ao setor privado, tem igualmente ocupado a agenda de debates.

Tema eivado de postulações programáticas (ideológicas), no sentido de afirmação ou do protagonismo estatal ou do setor privado (mercantil) e, desde os anos 1990, do assim chamado “setor público não estatal”, genérica e vagamente chamado de “terceiro setor”, há vários aspectos confusos neste debate, verdadeiro embate.

Notadamente desde a hegemonia neoliberal, “rolo compressor” propalado por think tanks, governos, mídia e comunidade empresarial, essa confusão tem aumentado substantivamente, uma vez que qualquer voz dissonante fora tida como anacrônica e extemporânea. Figuras como Von Mises, Von Hayek e Milton Friedman (e Roberto Campos, Gustavo Franco, entre tantos outros no Brasil), e governos como os de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, com apoio maciço da grande mídia – mundial e, no caso brasileiro, dos grandes conglomerados de comunicação – obstruíram qualquer discussão acerca do papel do Estado e do mercado. Sua ideologia obtusa – o neoliberalismo – não apenas obstou o debate como impactou profundamente as sociedades ao aumentar exponencialmente a desigualdade social em nome da “meritocracia”, tomada como crença ideológica. Essa “ideologia do mérito” supostamente implicaria a supremacia imanente do indivíduo sobre as classes sociais e a sociedade, e do mercado sobre o Estado.

A utilização de ferramentas de gestão de um setor por outro (do privado ao público e deste ao privado) é antiga, embora ocultada quando o assunto é a importância do Estado à iniciativa privada, caso, por exemplo, do planejamento e mesmo do papel estatal como protetor do capital privado em inúmeras guerras travadas ao longo da história. Mais importante, sem o Estado o capitalismo sequer existiria, como nos mostrou a clássica obra de Karl Palanyi (“A Grande Transformação: as origens de nossa época”, várias edições). Além do mais, as cíclicas crises capitalistas – como as de 1929 e 2008 – só tiveram resolução em razão do papel ativo do Estado em salvar empresas e o próprio sistema capitalista como um todo: momento em que cessam as críticas neoliberais ao “protagonismo” estatal. Aliás, a ação estatal tem sido, notadamente desde a crise de 2008, voltada às empresas e aos bancos, e não ao cidadão comum, como demonstra o volume de recursos empregados ao salvamento de setores empresarias em detrimento dos chamados “colchões sociais” capazes de proteger os mais vulneráveis, isto é, aquilo que o movimento social Occupy Wall Street sintetizou como “we are 99%”.

Pois bem, desde a chamada New Public Management a Administração Pública vem sendo coagida pelos adeptos poderosos da hegemonia neoliberal a aplicar métodos e técnicas gerenciais advindos do setor privado e sobretudo a conceder, contratualizar e terceirizar serviços e responsabilidades a empresários e a agentes tidos como “privados sem fins lucrativos” (ou “públicos não estatais”). Estas denominações são não apenas questionáveis conceitualmente como estão no mesmo contexto do que genericamente se chama de “sociedade civil” e de “bem comum”, dentre tantas outras caracterizadas pela polissemia e pelo baixo poder explicativo caso não se os defina conceitualmente, mas de uso corrente, notadamente midiático.

Mas deve-se notar igualmente o papel da privatização, em sentido estrito, assim como o protagonismo do setor privado no fornecimento de serviços, caso clássico do Sistema Único de Saúde e de inúmeras parcerias “público/privadas”. A privatização foi tomada como uma espécie de “panaceia milagrosa” capaz de nos salvar de todo o mal causado pela “doença do estatismo”, mote neoliberal asseverado como cantilena por Roberto Campos e diversos outros ideólogos do privatismo, devidamente divulgada pela velha mídia conservadora. Analisei esses processos de como a grande imprensa brasileira adotou esta agenda na história recente em dois livros: “O Consenso Forjado” e “Liberalismo Autoritário”.

Quanto à terceirização do serviço público e sobretudo da gestão pública, note-se que tem atingido limiares impressionantes no Brasil, a ponto de diversos setores estratégicos do Estado (notadamente no nível municipal) terem sido repassados a consultorias privadas. Aliás, consultorias têm vicejado – e obtido retorno financeiro – devido à fragilização do Estado que, muito mais do que contar com parcerias privadas, tem transferido, reitere-se, a gestão de setores estratégicos a grupos empresariais.

Deve-se notar, nesse debate, dois aspectos cruciais: a) a utilização de instrumentos privados pelo setor público (e vice-versa) não apenas é antigo como plenamente possível, como dissemos, mas desde que determinados requisitos estejam presentes. Dentre outros, ressalte-se a não delegação, em qualquer hipótese, dos chamados setores estratégicos dos governos (planejamento e gestão dos pilares constitucionais do Estado). Embora o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, editado na gestão Bresser Pereira quando titular do então Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), no primeiro governo FHC, deixasse claro quais seriam as funções exclusivas e não exclusivas do Estado, isso não impediu – ou talvez tenha “aberto a porteira” – para a privatização do Estado em sentido lato. Toda sorte de concessão e transferência tem sido adotada desde então, fragilizando ainda mais o poder público quanto ao cumprimento de suas funções constitucionais e à prestação de serviços de fato públicos, o que implica ceifar o poder do Estado como agente capaz de governar e contrariar interesses constituídos, notadamente os grandes interesses, pois voltados à apropriação privada do espaço e dos recursos públicos; b) a instituição das denominadas Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) tem como resultado, embora com exceções, a transformação de políticas públicas em apêndices dos grupos privados que, embora tidos como “sem fins lucrativos”, trazem a lógica do setor privado: valores; parâmetros de gestão; atuação voltada a grupos muito específicos, sem noção e articulação do todo; dependência, por vezes, de financiamento privado, no caso das Oscip; entre outros aspectos. Tal concessão aos agentes privados torna a gestão pública sem direção e sem capacidade de orientar e fiscalizar os agentes concessionários, contrariando o caráter monocêntrico do Estado.

O caso da prefeitura de São Paulo nas gestões José Serra e Gilberto Kassab é sintomático desse processo de privatização – que responde pelo nome de concessão, terceirização e contratualização, neste caso via OS e Oscip –, uma vez que vários setores, notadamente o (estratégico) da Saúde pulverizou-se de tal forma que o poder público municipal se tornou mero “espectador” da gestão dos serviços médicos públicos. Em outras palavras, na principal cidade do país, em diversas dimensões, o poder público foi esvaziado e fragilizado pelo amplo processo de privatização, em sentido lato, da gestão pública, devido à crença neoliberal acerca da falaciosa “eficiência” do setor privado, uma vez que tomada como imanente – e devidamente apoiada pelo BID, Bird e outros agentes de financiamento internacionais –, ao lado da própria privatização da vida política brasileira, entendida aqui como o domínio dos interesses privados sobre o público.

Cidades como São Paulo, entre inúmeras outras Brasil afora, sintetizam os efeitos perversos daquilo que – para determinados segmentos sociais – foi uma tentativa de “modernizar” e “arejar” os serviços públicos, saindo da “camisa-de-força” das regras que regem o Serviço Público: quanto aos funcionários, às contratações, às licitações, ao orçamento etc. Tal “modernidade” – termo sempre fugidio e problemático por ser utilizado com sentidos e significados distintos – tem, contudo, liquidado o sentido “público” de Estado, por mais que haja dificuldade teórica e empírica em definir o sentido do que é “público” na sociedade capitalista, como nos alerta Norberto Bobbio no livro “O Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo”. Isso não significa que o Estado tenha necessariamente de agir sozinho, assim como suas ações só serão efetivas se houver transparência, participação e sobretudo “capacidade de governar”: aquilo que Carlos Matus chamou, em seu conhecido método “Planejamento Estratégico Situacional”, de “triângulo de governo”.

Os processos de concessão de serviços públicos a agentes privados, por meios diversos e com finalidades distintas, poderiam ser utilizados desde que moderadamente, isto é, sem descaracterizar a ação do Estado e seu papel estratégico, e sobretudo mantendo-se suas capacidades de direcionamento e fiscalização perante os agentes concessionários. Concretamente, isto quer dizer um conjunto de poderes do Estado: a) voltado ao direcionamento político/administrativo (ressalte-se) no que tange à implementação de políticas públicas, o que implica a coordenação dos agentes concessionários que, sem isso, agem de forma autônoma justamente pela inexistência de diretrizes estatais e pela tibieza política do poder público; b) de natureza técnica e política, com o objetivo de enfrentar os poderes constituídos, especialmente os que tendem a se apropriar privadamente dos recursos públicos; c) voltado à fiscalização dos agentes privados, o que implica impor-lhes punições severas caso transgridam as regras estabelecidas. Para tanto, aparatos técnicos estatais qualificados, regras claras e transparentes e efetividade nas ações do Estado são pressupostos para a atuação do poder público; e d) por meio da abertura à sociedade daquilo que se denomina “controle social”: conceito bastante propalado mas pouco institucionalizado.

No caso da prefeitura de São Paulo na gestão Serra/Kassab, e muito do que se sabe a respeito de diversas gestões Brasil afora, houve a privatização no sentido de conceder, terceirizar e contratualizar sem as capacidades acima delineadas. Dessa forma, houve a privatização do Estado no sentido mais destrutivo deste termo, sem que houvesse diretrizes e fiscalização burocrático/institucional efetivos (sem contar o desmonte da descentralização nas subprefeituras). Nesse sentido, é significativa a recente declaração do candidato do PSDB à presidência da República, o senador “mineiro/carioca” Aécio Neves (o governador “gerencialista”): de ser o PSDB o “partido das privatizações”!

Se à gestão pública – e ao pensamento político e administrativo – não cabe oposição programática pura e simples quanto à utilização de ferramentas e parcerias com o setor privado, é sabido, pela observação da história recente, que tal utilização não pode ser vista como panaceia, assim como ao Estado cabe o papel de governar, priorizando os próprios instrumentos da gestão pública: seus funcionários e suas ferramentas – que podem e devem ser incentivados e inovados – tendo em vista os objetivos do poder público.

A “moderna” gestão pública significa a existência regular de concursos públicos, carreiras públicas (estrutura de cargos e salários atrativos), treinamento e qualificação constante do corpo burocrático, ampliação dos percentuais de funcionários públicos em cargos estratégicos, transparência, abertura de canais de participação popular e controle social, e sobretudo a compreensão de que a gestão pública tem pressupostos, características e objetivos distintos da administração privada. Antes de abrir-se a terceiros, deve-se qualificar o poder público para que seja eficaz, eficiente e efetivo. Ainda assim, por mais que se possa, reitere-se, utilizar ferramentas da gestão privada na gestão pública – como é o caso, por exemplo, do programa Gespública do Governo Federal –, a grande inovação desta (a gestão pública), que se faz e refaz continuamente, é criar seus próprios mecanismos capazes de induzir comportamentos (em diversas dimensões), diminuir desigualdades, ofertar políticas públicas de qualidade, entre tantos outros objetivos advindos da Constituição Federal de 1988 e das demandas democráticas de movimentos sociais e do pensamento progressista.

Tanto a privatização das empresas estatais (venda de ativos públicos ao capital) como a privatização no sentido de concessão, contratualização, terceirização e parcerias, entre outras formas, necessitam do comando firme e forte do Estado de Direito Democrático, sem o qual todas as formas de privatização tornam-se verdadeiras barbáries!

Francisco Fonseca, cientista político e historiador, é professor de ciência política no curso de Administração Pública e Governo na FGV/SP. É autor de “O Consenso Forjado – a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil” (São Paulo, Editora Hucitec, 2005) e organizador, em coautoria, do livro “Controle Social da Administração Pública – cenário, avanços e dilemas no Brasil” (São Paulo, Editora Unesp, 2010), entre outros livros e artigos.

Fonte: ://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6127

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O charlatanismo econômico por trás das agências de risco


Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. 

Por J. Carlos de Assis*   Carta Maior
   
Uma agência de risco diz que pode rebaixar a nota brasileira. A grande mídia faz disso o maior estardalhaço. É como se fôssemos alunos de escola primária ameaçados de reprovação. Algumas autoridades do próprio governo, por sua vez, intimidadas, passam a dar justificativas no sentido de atenuar a previsão - o que resulta, em última análise, num procedimento de legitimação de espúria intervenção de uma entidade privada internacional na condução da política econômica do país.

As agências de classificação de risco não conseguiram prever a maior crise da história do capitalismo iniciada em 2008. Classificaram como bons créditos, hipotecas e bancos podres. Interrogados por representantes de uma comissão especial do Congresso norte-americano, seus gestores alegaram que apenas emitiam opiniões. Foi a maior confissão de subjetivismo jamais feita por parte de instituições que influem em grande parte do movimento de crédito do mundo. Puro charlatanismo econômico.

Para compreensão da atividade atual dessas agências, é preciso recuar não propriamente a sua criação, mas ao papel que passaram a ter, sobretudo em relação a países em desenvolvimento, depois da crise da dívida externa dos anos 80. Até então, o papel de xerife das políticas econômicas dos países em desenvolvimento era exercido pelo FMI. Com a crise da dívida, esse papel tomou dimensões exorbitantes na forma de condicionalidades para financiar nações em dificuldade.

Entretanto, na medida em que os países, por conta própria, ou auxiliados pelo boom de exportações de commodities para a China a partir do início do anos 2000, começaram a constituir grandes reservas internacionais em relação ao tamanho de suas economias, sua dependência do FMI caiu até desaparecer completamente. O Brasil, por exemplo, pagou ao Fundo a dívida de US$ 30 bilhões feita no fim do governo FHC dele herdada e acabou no Governo Lula tornando-se credor ele por um empréstimo de US$ 10 bilhões.

Diante desse contexto, quem assumiu o papel de xerife da política econômica dos países em desenvolvimento? O FMI, naturalmente, não poderia mais exercê-lo através de condicionalidades, pois os países já não precisavam de seus empréstimos. Foi então que entrou em cena, com todo o seu peso bancado pela ideologia neoliberal, as agências de risco. Embora sendo privadas, elas se arrogam a prerrogativa de fiscalizar e avaliar a atuação de governos a pretexto de estabelecer escalas de risco dos países. Com isso, influem nas decisões de investimento dos fundos e dos bancos.

Nos países em crise da zona do euro a situação permanece sob o controle tríplice da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI (a troika). Este último acaba de emitir relatório reconhecendo que a política de austeridade imposta a países como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha trouxe conseqüências em termos de queda de crescimento e alta do desemprego bem mais altas que as previstos. Isso apenas acentua o caráter regressivo das políticas neoliberais que, agora, entre nós, fora do âmbito do FMI, querem nos exigir via agências de risco privadas.

Agências de risco existem há décadas. Em tese, seriam úteis a investidores que não têm, eles próprios, departamentos de acompanhamento de performance para avaliação de risco de países, créditos e títulos. Os grandes atores do sistema financeiro internacional, contudo, dispõem internamente de seus analistas. Pelo que as agências de risco assumiram crescentemente um papel ideológico, infelizmente corroborado, no caso de países, por governos que pagam, eles próprios, pela avaliação. Com isso, o pais abre mão de soberania economia em favor do mercado.

Que, nos tempos heroicos do desenvolvimento brasileiro, o papel das agências de risco era irrisório ou ineficaz pode ser aquilatado pelo governo, que rompeu com o FMI confiante nos créditos do setor bancário privado, os quais, por sinal, não pediram permissão às agências para concedê-los. Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. Resta saber se o governo agirá de acordo com os interesses do desenvolvimento nacional ou segundo os ditames de agências corrompidas pelo interesse privado imediato e pelo interesse eleitoral que se seguirá.

*Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros de economia política, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” (co-autoria com o matemático Francisco Antonio Doria) e “A Razão de Deus”, pela ed. Civilização Brasileira.

Fonte: Carta Maior..http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22173



terça-feira, 11 de junho de 2013

Inflação? Que inflação?

10/06/2013 - Inflação? Só que não! - Joao Pedro Stedile
- Com Texto Livre

Revista Exame, do grupo Abril do finado Robert Civita, mostra o gráfico:

Desculpe a nossa falha, não é o gráfico da urubóloga.
O desempenho da inflação mês a mês até maio.
IPCA ficou em 0,37% no mês; veja os dados por período e por grupo

Design: Juliana Pimenta
Apuração: Lilian Alvares
Fonte: IBGE

Fonte na Revista Exame
[http://exame.abril.com.br/economia/noticias/o-desempenho-da-inflacao-mes-a-mes-ate-maio]

PARANOIA DA INFLAÇÃO E HIPOCRISIA DA BURGUESIA
A imprensa burguesa tem propagandeado que a inflação está fora do controle com a divulgação de noticias, artigos e comentários de políticos de oposição ao governo federal.

Com isso, colocam o tema dos preços como um fantasma atrás da porta de cada família brasileira, prestes a assaltá-la e tomar o seu dinheiro.

A construção dessa paranoia começou com a divulgação de matérias sensacionalistas sobre o aumento do preço do tomate, como se a valorização desse alimento tivesse de forma isolada incidência real na inflação dos gastos da maioria da população.

Qualquer estudante do primeiro ano de economia já sabe que os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas têm diversos itens do orçamento doméstico médio dos brasileiros, sobre o qual se calcula o aumento da inflação real para as famílias.

Depois da criação da “crise do tomate”, a mídia burguesa tem apelado a cada dia para outros produtos, tentando criar novos factoides.

Essa manipulação grosseira se baseia em duas táticas complementares.

A primeira delas é criar na população paranoias e preocupações desnecessárias que resultem em ações de massa que desgastem o governo.

Essa tática deu resultado, por exemplo, com o boato de que a Bolsa Família iria acabar.

Com isso, 900 mil representantes das famílias mais pobres, desinformados ou mal informadas, correram para as agências da Caixa, provocando um verdadeiro tumulto, sobretudo nas cidades do Nordeste.

Hipocrisia descarada
A segunda tática da burguesia é jogar uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros problemas do país, lançando mão da hipocrisia descarada.

Em primeiro lugar, a burguesia e seus meios de comunicação sabem que existe uma tendência geral de aumento dos preços de todas as mercadorias que estão na sociedade, independente do preço de um único produto.

Ora, se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias, quem são os atores econômicos que aumentam os preços?

São exatamente os capitalistas proprietários das fábricas, supermercados ou lojas do comércio.

Portanto, é a base social tucana que opera o aumento dos preços, beneficiando-se com o aumento dos seus lucros.

Assim, o discurso por trás da inflação esconde interesses de classes.

Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que exageram nas notícias sobre um “descontrole inflacionário”, fazem pressão pelo aumento das taxas de juros.

Nós, brasileiros, já pagamos os juros mais altos do mundo.
A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos consumidores é de 58% ao ano.

Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de lucro líquido, com a inflação em torno de 6% ao ano.
Não existe paralelo no mundo para a lucratividade dos bancos com crédito no Brasil.

Com isso, os brasileiros ficam endividados no cartão de crédito ou no cheque especial, que têm taxas que ultrapassam em média 100% ao ano…
Ou seja, é um verdadeiro assalto.

Para efeito de comparação, a taxa média de lucro nas economias centrais é de 13% ao ano. Essa taxa já faz brilhar os olhos dos capitalistas nesses países…
Nenhum porta-voz da burguesia brasileira protesta nos jornais, revistas e nas TVs contra esse assalto aos brasileiros que o capital financeiro pratica todos os dias.

Ao contrário.
Esses ideólogos defendem aumentos das taxas de juros como uma pretensa medida para controlar o consumo das massas e impedir o tal descontrole da inflação.

A terceira hipocrisia da burguesia é omitir que a taxa de câmbio da nossa moeda em relação ao dólar é irreal.
A comparação dos preços das mercadorias em dólar nos Estados Unidos e em real no Brasil indica uma taxa de câmbio necessária ao redor de U$S1,00 por R$3,00.

Essa posição é defendida por diversos especialistas da área.
A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização das exportações.

A produção das manufaturas, que geram emprego e valor agregado, não consegue mais competir no mercado internacional.

Essa taxa de cambio é provocada pela emissão descontrolada do papel dólar pelo governo dos Estados Unidos e pela avalanche de capital financeiro especulativo em nosso país, que vem para cá se proteger da crise.

Nenhuma palavra dos porta-vozes da burguesia sobre o “descontrole” da taxa de câmbio.

Ou seja, a mídia da classe dominante sequer protege sua fração industrial.

Controle dos alimentos
A quarta hipocrisia é esconder que grande parte dos produtos agrícolas que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um oligopólio formado por empresas transnacionais.

Depois da crise de 2008, houve uma corrida do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais sobre as chamadas commodities para se proteger da perda de dinheiro.

Assim, fizeram um brusco movimento especulativo, que fez com que os preços das commodities aumentassem em três anos, em todo mundo, nada menos do que 200%.

Esse aumento de preço foi repassado para os consumidores de alimentos.
Portanto, o aumento de certos produtos alimentícios tem como responsáveis os que multiplicaram os seus ganhos: as grandes empresas do agronegócio, como Bunge, Monsanto, Unilever, Cargill, Nestlé, Danone, entre outras.

A quinta hipocrisia da mídia burguesa é ignorar que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18 milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste.

Foram colhidas 60 milhões de toneladas de milho na última safra.
No entanto, diante da pior seca no Nordeste, morrem os animais criados por camponeses da região.

A morte desses animais será uma perda irreparável para a população nordestina, que pode demorar uma geração para repor o rebanho dizimado.

As famílias se salvaram da fome graças a saques, aos benefícios do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao programa Bolsa Família, que garantiram renda para fazer a feira e se alimentar.

Diante dessa situação, a presidenta Dilma Rousseff mandou seus ministérios tomarem providências.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu doar tratores produzidos no Sul para as prefeituras do Nordeste. Foi só um negócio que não alterou questões estruturais.

Independente da situação, o Ministério da Integração Nacional continuou com a distribuição de lotes de perímetros irrigados para empresários do Sul, em vez de beneficiar os camponeses da região que padecem com a falta de água.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a comprar milho para levar para o Nordeste e salvar o rebanho.

No entanto, a companhia fez vários editais e não encontrou quem vendesse milho suficiente para a demanda. Por quê?

A safra de milho é controlada por empresas transnacionais.

A Cargill e a Bunge exportaram nada menos que 18 milhões de toneladas de milho para os Estados Unidos no último ano.

Esse milho voltou ao país como etanol, importado por esses mesmas empresas.

Com isso, o preço do etanol se mantém bem acima do seu valor real.


João Pedro Stedile
Se o governo quisesse resolver o problema, poderia requisitar a produção de milho, proibir as exportações e salvar o rebanho no Nordeste, enfrentando o problema das mortes dos animais causado pela seca.

Nenhuma palavra na imprensa burguesa sobre a falta de milho no país campeão de produção agrícola.

Na verdade, foram escondidas as raízes da perda do rebanho no Nordeste.

Dessa forma, a mídia burguesa demonstra seu compromisso com o interesses do grande capital financeiro internacional.

Os meios de comunicação da classe dominante, “preocupados” com a inflação, omitem questões centrais relacionadas à formação dos preços no país.

Assim, os verdadeiros problemas que a sociedade brasileira enfrenta ficam submersos diante da manipulação e da hipocrisia dos donos de jornais, revistas e redes de televisão.

Fonte:
http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/06/inflacao-so-que-nao.html

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Não mostrem isso nas aulas de economia

07/06/2013 -  Fernando Brito - blog Tijolaço

O gráfico aí de cima mostra a trajetória da inflação, mês a mês, e foi publicado hoje [7/6] em O Globo, com o resultado de 0,37% do IPCA anunciado de manhã pelo IBGE.

Eu, que peguei a mania da Miriam Leitão (abaixo) de ficar usando gráfico para explicar as coisas, tomei a liberdade de colocar, junto dele, uma linha com a trajetória da taxa Selic do Banco Central.

O resultado é algo que não pode ser mostrado nas aulas de economia, porque contraria o manualzinho que diz que “inflação sobe, juro sobe” e “inflação cai, juro pode cair”.

E se você juntar aí a curva do consumo das famílias, aí é que a coisa dá um nó. Porque não se encontra, nem revirando o depósito das Casas Bahia, nenhuma corrida às compras que pudesse estar elevando preços.

Houve, é verdade, alta no preço dos alimentos, mas isso não se combate com alta de juros públicos.

A menos que se ache que os plantadores de tomate estão especulando com a taxa Selic.

Mas o perverso disso é que será, no mínimo, uma “meia-trava” no que há de melhor hoje, em nossa economia, que é o investimento produtivo – o melhor indicador do PIB foi a formação bruta de capital fixo – e o que ele projeta para a produção futura, para o emprego e para o consumo.

Bom, há uma alternativa: passar a ensinar, nos cursos universitários, que a mídia é “fundamento econômico”.

E que o papel da autoridade monetária é defender os ganhos dos especuladores.

Fonte:
http://www.tijolaco.com.br/index.php/nao-mostrem-isso-nas-aulas-de-economia/

Nota:
No ponto mais baixo do gráfico o correto é 0,08

domingo, 9 de junho de 2013

Megaprojetos na Amazônia ameaçam os povos indígenas isolados


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Fonte da notícia: Cimi - Conselho Indigenista Missinário

A equipe do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, de apoio aos povos indígenas isolados, reunida em Manaus nos dias 4 a 7 de junho/2013 fez uma análise dos impactos dos megaprojetos de infraestrutura projetados e em construção na Amazônia sobre esses povos.

Foi constatado que está em curso uma campanha contra os direitos dos povos indígenas veiculada diariamente pelos grandes meios de comunicação para respaldar os interesses dos empresários do agronegócio, latifundiários, mineradoras e a política desenvolvimentista do Governo Federal, caracterizada pelo autoritarismo, pelo uso da violência pelas forças repressivas (dois indígenas assassinados pela PF, um Munduruku/PA em novembro/2012 e outro Terena/MS em maio/2013), pelo desrespeito a Constituição, as convenções internacionais e a legislação ambiental.

Este cenário, que se materializa na Amazônia pelas obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, pelo avanço do desmatamento, do gado, da exploração madeireira, mineral e petrolífera, espalha os conflitos na região e é particularmente trágico para a vida e o futuro dos povos indígenas isolados.

No Maranhão os Awá Guajá tem o seu território sistematicamente invadido por madeireiros que agem impunemente há anos, inclusive em terras indígenas já regularizadas aonde vivem estes indígenas isolados. Este fato foi recentemente denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Os isolados Avá Canoeiro na Ilha do bananal Tocantins estão ameaçados pelos projetos de monocultura, que retiram água do rio Javaé e Formoso, assoreando e contaminando os rios, pelas invasões de pescadores, e pela projeção de duas estradas que cortarão a ilha ao meio.

As barragens de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira atingem cinco grupos indígenas isolados. A existência desses grupos só foi reconhecida após terem sido concedidas as licenças de instalação das obras. Estes grupos, em busca de um habitat mais seguro, estão se aproximando de fazendas e de aldeias de outros povos indígenas podendo gerar conflitos.

Na bacia do Rio Xingu, 06 grupos indígenas isolados sofrem a influência da barragem de Belo Monte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, em 29 de julho de 2011, determinou ao Estado brasileiro que adotasse medidas para a proteção da vida, a saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas em situação de isolamento. Após três anos, praticamente inexistem ações do governo para cumprir a solicitação.

A vida de outros 5 grupos de isolados será ameaçada caso sejam construídas as barragens, atualmente na fase de estudos, da bacia do rio Tapajós.

As empresas petrolíferas ameaçam os povos indígenas isolados no Departamento de Ucayali no lado peruano e no lado brasileiro, na terra indígena Vale do Javari no Amazonas e no Acre.  Na mesma região está em estudo a construção da ferrovia Cruzeiro do Sul-AC/Brasil – Pucalpa/Peru, cujo traçado incide diretamente sobre o território do povo indígena isolado do igarapé Tapada.

Denunciamos à sociedade brasileira que o risco a vida dos povos isolados vem aumentando nos últimos anos e tem-se agravado com a atual política do governo Dilma de imposição de um modelo macro econômico altamente agressivo e depredador.

Manaus, AM, 07 de junho de 2013.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados

 http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6961&action=read&page=34

sábado, 8 de junho de 2013

MST: Nota de Solidariedade aos Indígenas




O MST manifesta solidariedade aos indígenas que lutam no Mato Grosso do Sul em defesa dos seus territórios e contra a apropriação das terras pelo agronegócio.

O Estado brasileiro, com a decisão de expulsar os indígenas da fazenda Buriti e a ação da Polícia Federal para fazer a reintegração de posse no município de Sidrolândia, age para defender o direito dos fazendeiros, em vez de cumprir o que está previsto na Constituição.

O governo federal prioriza o atendimento dos interesses do agronegócio, que ameaça a vida dos camponeses, indígenas, quilombolas e povos tradicionais. A omissão diante da morte dos indígenas em luta revela a falta de sensibilidade das autoridades.

O agronegócio, enquanto modelo dominante de organização da agricultura e do meio rural no Brasil, é sustentado na aliança dos fazendeiros capitalistas com empresas transnacionais, que avançam para controlar as nossas terras e a produção agropecuária.

As políticas implementadas para fortalecer as empresas do agronegócio aprofundam os problemas históricos do nosso país, como a concentração de terra, a desigualdade social, a violência contra os povos que vivem do cultivo da terra e a subordinação econômica aos interesses do capital internacional.

Por isso, a consolidação desse modelo não representa desenvolvimento, mas a dilapidação das bases econômicas do Brasil para a organização da agricultura dentro de um modelo que atenda as necessidades do povo brasileiro no campo e nas cidades.

Para alcançar seus objetivos e realizar seus interesses econômicos, os latifundiários capitalizados pela grande burguesia financeira e internacional atuam para impedir os cumprimentos das leis que determinam a reforma agrária, a demarcação de territórios indígenas e a titulação de áreas quilombolas.

Com sua força no Congresso Nacional, paralelamente o agronegócio faz uma movimentação para mudar essas leis, “legalizando” o descumprimento da Constituição. Com isso, fazem uma campanha ideológica para desmoralizar os órgãos responsáveis pelo cumprimento dessas leis

Um dos exemplos mais representativos dessa estratégia foi a discussão em torno do Código Florestal. Os ruralistas, que descumpriam a lei que determinava a manutenção de reserva legal e das áreas de preservação permanente, fizeram antecipadamente um movimento para descredibilizar a legislação ambiental (que não corresponderia às necessidades econômicas do país) e a atuação do Ibama (que seria politizado). Logo depois, passaram a fazer pressão pela modificação da lei e pelo perdão às dívidas aplicadas pelo desmatamento.

O agronegócio repete a mesma fórmula para transformar em letra morta o artigo 231 da Constituição brasileira: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Os indígenas, assim como os sem-terra, os quilombolas e as florestas, representam um obstáculo para a expansão e consolidação de um modelo de produção agrícola, que concentra a terra para produzir monoculturas valorizadas no mercado para exportação, coloca nosso território e agricultura sob controle do capital internacional, expulsa a população do meio rural, destrói o meio ambiente e envenena as lavouras, lençóis freáticos e rios com a utilização excessiva de agrotóxicos.

Os movimentos de luta pela reforma agrária, a resistência dos indígenas e quilombolas e camponeses e os setores preocupados com a preservação do meio ambiente fazem campanhas e lutas em defesa dos interesses da sociedade brasileira. No entanto, não temos força suficiente para enfrentar a ofensiva do capital na agricultura.

Apenas com a organização e mobilização do conjunto da sociedade, especialmente da classe trabalhadora, será possível derrotar os responsáveis pelas mortes dos que lutam no campo, pela desnacionalização das nossas terras e pela submissão da nossa economia aos interesses do capital financeiro internacional.

Vamos intensificar as nossas mobilizações e realizar atividades por todo o país, em solidariedade aos povos indígenas em luta e, dessa forma, pavimentar na prática a unidade das forças progressistas em torno de um novo modelo de organização da agricultura e por mudanças estruturais no Brasil.

SECRETARIA NACIONAL DO MST

Fonte: Site do MST

sexta-feira, 7 de junho de 2013

pesticidas contaminam a fronteira agrícola da Amazônia




por Antonio Carlos Quinto, da Agência USP

A análise de três diferentes cenários agrícolas permitiu a cientistas brasileiros e do exterior avaliarem os prejuízos que podem ser causados pelo uso equivocado de pesticidas na fronteira agrícola da Amazônia brasileira, bem como apontar possíveis soluções. Uma das constatações se refere às ocasiões em que a frequência recomendada de utilização dos produtos foi excedida, chegando até 96% entre pequenos produtores.

De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Luís César Schiesari, do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH) da USP, os dados são referentes ao consumo de pesticidas e ao impacto nos mamíferos e organismos aquáticos daquela região. Os estudos tiveram início em 2005.

Num dos cenários os pesquisadores avaliaram a atuação de 220 pequenos produtores de frutas e verduras em quatro cidades da região central da Amazônia, na várzea do rio Solimões. “Foi lá que detectamos o excesso na frequência de uso dos pesticidas: em 96% dos casos, pesticidas foram usados com maior frequência do que a recomendação técnica”, conta Schiesari. Em parte, isso ocorreu porque estes produtores têm pouca informação e falta assistência técnica para que eles utilizem adequadamente os defensivos agrícolas.

Os outros dois cenários foram uma fazenda de cultivo de soja de 80 mil hectares (ha), no Mato Grosso, na borda da Amazônia, e outra grande propriedade (60 mil ha) com uma plantação de cana-de-açúcar ainda em formação, na região do rio Negro. “Com alto conhecimento técnico e recursos, mais expostos ao controle legal, e buscando mercados mais restritivos, grandes produtores aderiram mais fortemente às recomendações agronômicas e até mesmo substituíram voluntariamente compostos mais tóxicos por compostos menos tóxicos”, descreve Schiesari. “No entanto, mesmo assim, a pegada ecológica aumentou significativamente ao longo do tempo por causa de um aumento da dosagem, ou porque formulações que são menos tóxicas para a saúde humana podem ser mais tóxicas para outros organismos, como os organismos aquáticos que analisamos.”

Atenção especial

Para a professora Cristina Adams, da EACH, que integra a equipe de cientistas, há que se dar uma atenção especial à questão, principalmente na Amazônia. “Muitas fronteiras agrícolas, na atualidade, estão localizadas em regiões tropicais, que possuem ecossistemas naturais caracterizados por alta biodiversidade e presença de espécies sensíveis que nunca foram expostas a pesticidas, além de espécies endêmicas”, alerta. “Isso significa que são zonas onde devemos esperar uma grande perda de espécies no processo de conversão agrícola, mesmo não sendo o alvo dos pesticidas.”

Entre as soluções, a professora considera primordial se investir em pesquisas para determinar níveis ambientais seguros de exposição aos pesticidas nestes ambientes e desenvolver práticas agrícolas mais sustentáveis. Além disso, propõe ainda que se rediscuta a legislação, aumente a fiscalização e controle de uso e comercialização, entre outras medidas. “Não é uma tarefa fácil”, avalia. O uso adequado de pesticidas envolve múltiplos atores sociais (governo, produtores, universidades, ONGs) e uma estratégia de ação bem articulada.

Reconhecimento internacional

O trabalho desenvolvido pelo grupo de cientistas acaba de ser publicado na mais antiga revista científica do mundo, a Philosophical Transactions of The Royal Society. Editada pela primeira vez em 1665, a publicação britânica publicou o primeiro artigo de Isaac Newton. Entre outros cientistas, Charles Darwin e Edmund Halley também tiveram seus artigos publicados na revista.

O artigo Uso de pesticidas e conservação da biodiversidade da fronteira agrícola amazônica teve a participação de Andrea Waichman, da Universidade Federal do Amazonas, Theo Brock, do Instituto Alterra (Holanda), e Britta Grillitsch, da Universidade de Medicina Veterinária de Viena (Áustria).

* Publicado originalmente no site Agência USP.

Fonte: Site Envolverde


quinta-feira, 6 de junho de 2013

A nova "guerra justa" aos índios


Conflito

Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil


por Felipe Milanez , no seu blog - Carta Capital
 

A crise da questão indígena nas últimas semanas ganhou ares dramáticos. Conflitos antigos estão pipocando por todas as partes do Brasil, do Sul à Amazônia. Seja onde se constrói Belo Monte, seja na futura usina São Luiz do Tapajós, seja em fazendas no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, no Paraná, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, no Pará, na Bahia, ou madeireiros em Rondônia e no sul do Amazonas.

De repente todo o campo ganhou ares de fronteira, de velho oeste.

Protestos de indígenas são seguidos por pistolagem, e a polícia agindo para "dispersar" convulsões sociais - agora os ruralistas também estão pedindo o exército.

E as tristes mortes de Oziel Terena e Adenilson Kirixi Munduruku, com pífia resposta das autoridades que produziram essas mortes, a Polícia Federal, são apenas a parte mais exposta e visível desse grave problema que o governo tem mostrado não apenas incapacidade de resolver, mas uma capacidade de insuflar ainda mais, como tem sido as declarações dos ministros Gleisi Hoffman (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça), atacando a Funai e defendendo a PF, e o silêncio público da presidenta Dilma Rousseff.

Uma das razões pelas quais os conflitos se agravaram não é porque eles não existiam, mas porque agora os indígenas, e os aliados dos povos indígenas, decidiram responder e se manifestar. Contra eles, capitaneados pela bancada ruralista no Congresso e no governo federal, a violência explodiu. Tanto no campo, com mortes e repressão física, quanto na imprensa, com ataques racistas pela mídia e a inversão da lógica de quem é vítima.

As vítimas se tornam os agressores. "Índios invadem fazendas", aparece no noticiário. Mas não são as fazendas que invadiram estes mesmos territórios indígenas em conflitos?

No caso da Terra Indígena Buriti, onde ocorreu o conflito entre fazendeiros e Polícia Federal contra os indígenas, a resposta é clara, e está judicializada em dois tipos de ação.

Em uma das ações na Justiça, os fazendeiros, entre eles do ex-deputado estadual do PSDB Ricardo Bacha (que se considera "ambulante" na sua ficha), discute a portaria declaratória. Nela, o desembargador Luiz Stefanini, que votou contra os índios, teve suspeição alegada pela Funai, e negada pelo próprio tribunal.

A razão é que sua mulher é credora da Funai em outro conflito com indígenas Terena no estado, e seu sogro era uma liderança da associação de classe dos fazendeiros, a Famasul.

A suspeição foi negada com a alegação de que "ainda que o falecido sogro do excepto tenha sido filiado à aludida federação, nem por isso seria caso de acolher-se a exceção, simplesmente porque da premissa estabelecida pela excipiente não resulta a conclusão exposta" (sic), e que a Funai é que deve a esposa do desembargador, logo: "Ora, qual seria o interesse do juiz em julgar a causa em detrimento de sua devedora? Absolutamente nenhum!", decidiu o desembargador Nelton dos Santos.

Agressão desmedida da PF

A outra ação decorrente desse mesmo conflito é a reintegração de posse que visa a tirar os indígenas das áreas reocupadas dentro do limite declarado com base no argumento de que a decisão do Tribunal Federal diz que não é terra indígena e que por isso os indígenas não podem ficar lá. Acontece que, no momento que a decisão liminar que determinou a expulsão dos índios foi expedida, ocasionando a morte de Oziel, o que prevalecia era a área declarada pelo Ministro da Justiça em 2009 como TI Buriti, com 17200 hectares. A agressão desmedida da Polícia Federal apenas reforça o argumento de que as vítimas desse processo de expropriação, os índios, se tornaram vítimas da justiça e do governo. E os agressores viram falsas vítimas, passando a controlar o acesso as instituições em seu benefício.

No caso das demarcações, governo tem agido em movimentos coordenados pela elite rural anti-indígena, como foi a ida da ministra Gleisi Hoffmann ao Congresso. Nos últimos dias, os piores momentos da ditadura estão sendo lembrados, tanto por declarações do governo, capitaneadas pela ministra da Casa Civil - que vê a Embrapa, especializada em pesquisa agropecuária, como o órgão mais apto a pesquisas antropológicas – quanto por cartas de intelectuais e movimentos sociais denunciando essa violência.

Exemplo dessas manifestações é uma carta, assinada entre outros pelo jurista Dalmo Dallari, endereçada à presidenta Dilma Rousseff sobre a “desqualificação da Funai”:

"A decisão da Casa Civil da Presidência da República apresentada aos representantes do agronegócio e parlamentares do Mato Grosso do Sul, em reunião na semana passada em Brasília, de que a Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, “avaliarão e darão contribuições” aos estudos antropológicos realizados pela FUNAI, repete a ação do último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, capitaneado pelo general Venturini, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.

Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil com relação aos índios.

Utilizar as forças de repressão para atacar indígenas foi medida utilizada no passado, durante a ditadura, contra os ava-canoeiro, em Goiás, os waimiri-atroari, no Amazonas, os panara, no Mato Grosso, ou mesmo os kaingang, em São Paulo, logo antes do surgimento do Serviço de Proteção aos Índios, em 1910. Alguns desses crimes apareceram no relatório Figueiredo, que ficou desaparecido por 45 anos. Mas o relatório é anterior aos piores tempos da ditadura. E precisaria ser escrito um novo relatório sobre o que está acontecendo, hoje, em diferentes os cantos do país.

Se os ruralistas dão entrevistas, escrevem artigos, e aparecem por todos os lados sempre disponíveis, os índios ainda não têm chance de se expressar. A eles têm restado as redes sociais, pelas quais podem manifestar suas indignações. Expor, por exemplo, a crueldade de uma jornalista da TV Globo que invadiu um funeral para entregar uma intimação judicial a índios terenas durante o enterro de Oziel Terena. O que mais tem circulado nas redes sociais são manifestos que não encontram eco na mesma mídia que ataca os índios - mas que encontra meios de se fazer circular e provocar o debate.

As críticas se dirigem aos ruralistas, e junto deles, Gleisi e Dilma: "Como essa senhora consegue dormir sabendo que a parte mais desprotegida do povo brasileiro, os povos indígenas, está sendo assassinada a bala pela Polícia Federal em suas aldeias, as crianças indígenas são assassinadas por jagunços do agronegócio em suas terras invadidas por supostos fazendeiros?" perguntou no facebook o indigenista da Funai, Cláudio Romero, que trabalha há quase quatro décadas na fundação.

Kátia Abreu e Dilma

Durante o julgamento do caso da Raposa Serra do Sol, havia sido exposto que o juiz Carlos Alberto Menezes Direito poderia ter servido ao lobby de fazendeiros do sul do país para decidir contrariamente aos indígenas em Roraima. Para garantir a demarcação no Norte, Direito tentou legislar para impedir que os direitos de outros fossem garantidos. Tentou escolher na cara de quem a porta da Justiça iria se fechar.

Passou a soar uníssono entre ruralistas, governo e imprensa que as "regras não são claras" na Funai, como se todos fossem comentaristas de futebol tentando encontrar uma "a regra é clara".

Alegavam que a Funai não conseguia fazer uma "intermediação" com fazendeiros, e mais uma série de argumentos retóricos reproduzindo uma falsa vitimização da casa grande, cada vez mais poderosa com o avanço tecnológico na agricultura e a sede por commodities da China, e criminalizando quem está no pelourinho.

A desconstrução dos direitos indígenas segue a destruição dos direitos do meio ambiente, com o fim do Código Florestal e a sua substituição por um "novo" codex, a regular menos as florestas e mais as lavouras produtoras de commodities em grande escala.

O governo, em alguns momentos, tenta se colocar como "refém" dos poderosos ruralistas. Esse segmento, que construiu uma aliança com a bancada evangélica, saiu da "oposição" e veio para a "base aliada", sobretudo durante a campanha de Dilma.

E para ter uma chamada "governabilidade", o governo se aliou a esses setores. Até "ideologicamente", como tem repetido a senadora Kátia Abreu ao dizer que suas idéias são as mesmas de Dilma.

Essa aliança, além de tragédia no campo, tem também acirrado disputas internas no governo, entre esta ala reacionária e os setores mais progressistas, como os que defendem os indígenas e quilombolas, na Funai e INCRA, e o meio ambiente no Ibama.

Quando Dilma convocou uma reunião para decidir o futuro dos índios em meio à atual crise, não convidou representantes dos povos indígenas, e nem mesmo a Funai.

Dilma teria declarado querer que o índio tenha "autonomia econômica", algo que ressoa declarações da época da ditadura, como quando os militares tentaram impor aos xavantes o cultivo de arroz, que se revelou um desastre, econômico e social, ou impôs aos kayapo a extração predatória de madeira. Nas declarações que sucederam a reunião, não se falou de algo mais fundamental: a garantia dos direitos dos povos indígenas. Nem sequer apareceu termos como "etnodesenvolvimento" nas falas.

Esse movimento anti-indígena cada vez mais ganha áreas de uma "guerra justa".

Os índios são selvagenizados, desculturalizados, desterritorializados, desumanizados. Devem abrir caminho para a soja, a cana, o boi, e a energia hidrelétrica, sem opor resistência.

Caso contrário, toda violência contra eles é justificada e respaldada pelo Estado. Contra o índio, é tolerado partir para cima. Como nas "guerras justas" nos tempos a colonização utilizadas como justificativa para a escravização dos índios – escravização que ainda é o provável destino dos índios nas lavouras de cana no Mato Grosso do Sul, como acontecia no Brasil colônia.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/a-nova-guerra-justa-aos-indios-8151.html

CIMI: Novo genocídio ameaça povos indígenas do país



Dermi Azevedo - Carta Maior    

         De acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá.

         O aumento dos casos de violência que envolvem, de um lado, latifundiários e grileiros e, de outro lado, lideranças e povos indígenas do Brasil, apontam para um novo genocídio. É o que denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

         De acordo com o relatório sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá. Os índios Kaiowá chegaram a publicar uma carta que foi traduzida e divulgada em todo o mundo:

         “Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos em ser mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção: esta é a ultima decisão unânime diante do despache da Justiça”.

         “Se for para a gente se entregar – afirma a carta – nós não nos entregaremos fácil. É por causa da terra que estamos aqui; nós estamos unidos com o mesmo sentimento e com a mesma palavra para morrermos na nossa terra. Esta terra é nossa mesma! Os brancos querem nos atacar. Por isso nós dizemos: morreremos pela terra! Mas a ideia da gente se matar, ou se suicidar, nós não iremos fazer. Nós morreremos, se os fazendeiros nos atacarem. Aí poderemos morrer!”.

         Processos

         O município de Aral Moreira, no sul do Mato Grosso do Sul, lidera as estatísticas oficiais da violência contra os indígenas; nela, vivem 43 mil indígenas Guarani Kaiowá. Dos 43 mil, 32 mil vivem nessa área. A Justiça do Mato Grosso do Sul já examina mais de 100 processos que tratam da violência que envolvem os índios e os grandes fazendeiros. Entre os Kaiowá mortos, entre 2000 e 2011, 555 Guarani Kaiowá suicidaram-se. A grande maioria enforcou-se.

         De acordo com o CIMI, os conflitos pela terra, desde os anos 70, vêm representando um verdadeiro extermínio, com muitos indígenas feridos, torturados e humilhados pelos grandes latifundiários. Muitos índios tiveram que deixar sua condição de povos indígenas, para se tornarem “caboclos”, o que vem gerando a perda de territórios, para a criação dos seringais e sobretudo, a perda da identidade do povo indígena e de sua dignidade. Apesar dos crimes por encomenda, praticados por fazendeiros contra os Guarani Kaiowá, denuncia o CIMI, nenhum não-indígena cumpre pena de prisão por ter matado um índio, mesmo com provas contundentes, ou testemunhas idôneas e réus confessos.

         Numa ação clandestina conta a comunidade indígena Guaiviry, no município de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul em 18 de novembro de 2011, os fazendeiros orientaram os capangas para chegarem atirando, a começar contra as crianças, jovens e pessoas idosas. Na invasão da terra indígena, foram utilizadas seis armas calibre 12 com balas de borracha e moedas. De acordo com a Policia Federal, as moedas usadas nos canos das armas ferem mais, têm mais impacto e são mais letais.

         Em reação a esse quadro de genocídio, as redes sociais da internet criaram a campanha “Somos todos Guarani Kaiowá”. Nessa iniciativa solidária, no Facebook, os internautas acrescentaram o nome do povo Guarani Kaiowá ao seu próprio sobrenome.

Fonte:         http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22117

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Na terra da justiça


Por Janio de Freitas - No fAlha*


Uma sentença judicial não precisa se estender por folhas incontáveis para valer por uma aula. Em poucas palavras, a decisão da juíza Raquel Domingues do Amaral, da Justiça Federal, no caso dos índios terena, deu uma aula de direito brasileiro e ainda uma aula de história.

Em resposta à morte do índio Oziel Gabriel na quinta-feira, durante operação das polícias Federal e de Mato Grosso Sul que expulsou os terena invasores da fazenda Buriti, no dia seguinte deu-se nova invasão. Diante disso, a juíza determinou à Funai e à União a retirada dos índios em 48 horas e, se não cumprida tal ordem, multa diária de R$ 1 milhão para a União e, para o coordenador local da Funai e para o chefe da aldeia terena, multa de 1% do valor da causa. (Não ria desta obrigação imposta às finanças do índio).

A Funai não tem meios nem poder de retirar índios à força de lugar algum. A União tem um instrumento para a ação: a Polícia Federal. O prazo de 48 horas, no caso, só poderia significar ação imediata da Polícia Federal contra a anunciada disposição dos índios, exaltados com a morte de um deles, de resistir à força aos policiais.

A decisão da Justiça Federal determinou a ocorrência de um conflito. Ou seja, uma reprodução a mais dos atos que se revestiram dos formalismos judiciários para dar continuidade, mais atualizada, à relação histórica do poder branco com os donos originais da terra.

Já o confronto que resultou na morte do terena Oziel decorrera de sentença da Justiça Federal. Ao ver frustrada a audiência de acordo, sob sua coordenação, com a presença da Funai, do fazendeiro e ex-deputado Ricardo Bacha e de representante terena, o juiz Ronaldo José da Silva determinou a imediata retirada dos índios. As polícias agiram, para a retirada imediata, com a competência esperada e, também no seu caso, multissecular. Sentença cumprida.

Mas que terra é essa em que os terena não podem estar? A julgar pela mesma Justiça Federal que os dois juízes integram, é terra dos fazendeiros que a exploram, segundo sentença judicial; e é terra de ocupação permanente dos terena, segundo reconhecimento do Tribunal Regional Federal ao levantamento feito pela Funai e ao recurso judicial do Ministério da Justiça. E assim continua, como terra de uns e de outros, a depender de cada papel que saia do Poder Judiciário.

Mas, claro, no duplo reconhecimento de posse, só os fazendeiros ganham da Justiça Federal o direito de permanecer na terra e de explorá-la. Aos terena obriga-se a retirada imediata ou o confronto, de resultado conhecido por antecipação, com a Polícia Federal e com a polícia de Mato Grosso do Sul. É, sempre, o resultado histórico na disputa e posse da terra.

Janio de Freitas
No fAlha

Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/06/na-terra-da-justica.html

Nota do Educom: A setença dessa juíza demonstra também que, de modo geral, o judiciário brasileiro desconhece Educação Ambiental, defende  de fato o marketing ambiental, quando atua na defesa do meio ambiente. (Zilda FErreira)...

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida

Por Zilda Ferreira
A diferença básica entre agronegócio e ecomercado é que o primeiro já é letal, principalmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. O ecomercado ameaça a soberania do país e também será letal à natureza, no futuro. São dois temas complexos e de difícil comparação. Por isso merecem teses comparativas. Mas esse papel é para a academia. Aos jornalistas, cabe apenas denunciar e quando possível alertar. Em um blog como o nosso a limitação é ainda maior. 

Mas, nesta Semana do Meio Ambiente, a mercantilização da natureza tem nos deixado impotentes, além de preocupados. Por esse motivo decidimos contar alguns fatos que nos acenderam o sinal de alerta. O REDD - Redução de Emissões de Carbono por Desmatamento e Degradação, por exemplo, é praticamente desconhecido, não só pelo povo, como por profissionais liberais e políticos. A passividade diante da mercantilização dos nossos recursos naturais é perceptível até mesmo pelo olhar estrangeiro, de quem vem ao Brasil lucrar com este grande negócio.

Segundo funcionários de agências europeias com quem tenho conversado, os brasileiros desconhecem o significado, como atua e o que representa o REDD para o país. “Temos empresas européias com concessões florestais na Amazônia, em áreas maiores que a Suíça. Parece que não se incomodam com a perda dessas áreas”, ouvi recentemente de um deles (leia, abaixo, Amapá e Conservation International debatem economia verde e confira os links Quem ganha e quem perde com o REDD e Economia Verde e financeirização da Natureza).

Para facilitar a comparação entre agronegócio e ecomercado, no Brasil, vamos territorializar.  Nos cerrados brasileiros se concentra o agronegócio. E na Amazônia, o ecomercado. Isso não que dizer que estão limitados a essas regiões, é apenas para demonstrar se dá a maior ocorrência de cada um.

CERRADOS - a disputa pela terra tem como objetivo produzir commodities para exportação. Ali quem manda é o agronegócio. Os malefícios mais conhecidos são: uso indiscriminado de agrotóxicos, matança de índios, desertificação do solo, extinção de fitoterápicos específicos do bioma, erosão do solo, contaminação do lençol freático e de nascentes de rios importantes. Apesar dos cerrados serem considerados o celeiro do mundo, é nessa região onde morrem mais crianças indígenas de desnutrição (confira O Tsunami da fome nas aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul e A disputa pela terra em Copenhague).

AMAZÔNIA - o ecomercado foi colocado à sociedade brasileira como uma salvação às Mudanças Climáticas e foi abraçado ainda na gestão da ministra Marina Silva, que defende a economia verde. Esta tem como sustentáculo o mercado de carbono, o REDD. A financeirização da natureza é feita, atualmente, pela especulação através da Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio), conhecida como Bolsa Verde, implantada na Rio+20 pelo secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e ex-ministro Meio Ambiente Carlos Minc. No Brasil, o ativo ambiental mais cobiçado é a água, abundante na Amazônia (leia A Luta pelo direito à Água na Rio+20 e Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água).

‘Amazônia, pátria das Águas, cofre do Brasil’ (Thiago de Mello, poeta)
O vice-presidente da Coca-Cola, Jeff Seabright, enfatizou durante a Rio+20 que a água está no cerne do desenvolvimento sustentável e que é mais importante que petróleo, ao defender a economia verde. Uma completa radiografia – e também um alerta – sobre como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do  planeta pode ser visto no livro Ouro Azul, de Maude Barlow e Tony Clark. Como exemplo, podemos citar que os habitantes de Manaus pagam a água mais cara do país. Ali, o serviço foi privatizado e entregue a uma concessionária estrangeira subsidiária da francesa Suez. A capital amazonense fica em cima do aquífero Alter do Chão, o maior do mundo em volume de água. Os habitantes de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estão sobre o aquífero Guarani. Pagam ainda assim por um dos serviços de abastecimento de água mais caros do país.

Em Alter do Chão, distrito de Santarém, onde fica o Rio Tapajós, região dos grandes rios amazônicos, há uma ONG mantida pelo conglomerado financeiro britânico HSBC. O local foi escolhido para receber o príncipe Charles em suas visitas ao Brasil e fica no coração do aquífero Alter do Chão. Outro dado importante é a riqueza em fitoterápicos do cerradão, vegetação intermediária entre cerrados e mata amazônica. Nessa região há outra ONG, esta financiada pela Fundação Adenauer, por sua vez ligada à indústria farmacêutica (leia Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros).

Imagine a festa com as concessões florestais para REDD, em áreas maiores do que a Suíça. Vão poder se apropriar de água, biodiversidade e minérios. E com a mudança do Código Mineral, os ativos ambientais da Amazônia farão a reciclagem do capitalismo das nações hegemônicas. Por sua vez, os povos amazônicos vão continuar pobres com vida curta, mas como vagalumes, iluminando as matas para os estrangeiros.

Em Santarém, no Pará, ouvi de um engenheiro florestal que o maior problema ambiental da Amazônia Legal, atualmente, não é o desmatamento e sim a mineração (leia Um povo cercado por um anel de ferro). E que as concessões aos estrangeiros de grandes áreas para manejo florestal e REDD podem comprometer a soberania do país, além de intensificar a extração de minérios estratégicos desconhecidos pela maioria dos brasileiros.

O REDD está recebendo todo o apoio do Congresso Nacional e alguns representantes do agronegócio já viraram ambientalistas desde criancinhas. A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas promoveu um seminário no mês passado sobre o marco legal desta prática no Brasil, que ganhou uma nova denominação: é o REDD+. O REDD+ é uma estratégia em discussão na Convenção Quadro de Mudanças Climáticas e seu objetivo é oferecer incentivos para países em desenvolvimento reduzirem emissões de gases que provocam efeito estufa, para investirem em desenvolvimento sustentável e práticas de baixo carbono no uso da terra.

Ficou esclarecido, durante o seminário, que o financiamento virá de países desenvolvidos, conforme as regras que regem a Convenção do Clima. Apurei, novamente a partir do ouvi de representantes de agências europeias, que só a Alemanha deve investir um bilhão de euros no Fundo Amazônico. Isso prova que o REDD é mesmo um grande negócio. Será que agora vão entender por que Blairo Maggi ficou com a presidência da Comissão de Meio Ambiente do Senado e por que Marina Silva disse na Universidade Católica de Pernambuco que discriminá-lo por ser empresário era preconceito? 

Para entender como o Ecomercado é danoso e como ele ameaça a soberania do país e o futuro de novas gerações, basta viajar um pouco por esse país. Por mais que temamos o agronegócio, este ao menos é conhecido e criticado na academia. Como é um trator de destruição do meio ambiente, os movimentos sociais também o conhecem. Além disso, dificilmente avançará na Amazônia, porque as terras são impróprias para agricultura e a carne produzida nessa região não é boa. Ao contrário, o ecomercado não é conhecido, é extremamente sofisticado e é cobiçadíssimo pelo sistema financeiro, nacional e internacional, principalmente pelos banqueiros da União Europeía e do Reino Unido. A banca internacional ambiciona transformar seus recursos virtuais em ativos ambientais, dando concretude ao seu “direito” sobre as riquezas do Brasil. A força do ecomercado está no marketing e no baixo risco financeiro que oferece.
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Amapá e Conservation International debatem economia verde*

O governador Camilo Capiberibe está nos EUA onde mantém encontros com entidades governamentais e entidades ambientais. A viagem tem o objetivo de mostrar o que o Amapá está fazendo para fomentar a economia verde e a regulamentação das concessões florestais. 

Na sede da Conservation International (CI), Camilo falou sobre as experiências e desafios que o Governo do Amapá enfrenta para implementar uma economia sustentável, que gera riqueza agregando valor aos produtos da floresta e dos rios, criando empregos e renda nas áreas rurais e nas cidades. O governo está investindo R$ 50 milhões, nos quatro anos de mandato, em projetos para apoiar a produção de açaí, castanha-do-brasil, cipó-titica, pesca e agricultura familiar.

O Estado é o mais preservado do país, com 97% da sua cobertura florestal intacta, e com 72% do território em áreas protegidas. "Queremos algo em contrapartida para isso. Já que nós preservamos, queremos políticas, investimentos e tecnologias que nos permitam desenvolver a cadeia produtiva da floresta, agregando valor, gerando emprego, garantindo o desenvolvimento e a preservação da Amazônia", disse o governador.

Russell Mittermeier, presidente da CI, afirmou que "o elemento central de desenvolvimento sustentável é o capital natural, que o Amapá tem abundante. O Estado não tem só as florestas mais conservadas do país, mas também a maior quantidade de água per capita do mundo", ilustrou.

O diretor e chefe-executivo da CI, Peter Seligmann alertou para a necessidade de criar uma engenharia financeira capaz de valorizar e compensar a conservação desse capital natural para o bem do planeta. "Toda a equipe da Conservação Internacional está alinhada com o Amapá para ajudar no que for necessário. É o nosso compromisso de trabalhar juntos numa perspectiva de longo prazo, pois, apesar de todos os desafios, o exemplo do Amapá é um exemplo para o mundo seguir".

Como estradas, hidroelétricas e portos são importantes para o desenvolvimento do Amapá, mas trazem pressões sobre as florestas e outro recurso natural existe a preocupação em procurar apoio para preparar o Estado a enfrentar esses obstáculos, investindo em projetos que garantam uma vida digna para os produtores da floresta, que são provedores dos serviços ambientais, mantendo a floresta em pé.

domingo, 2 de junho de 2013

O esquema Globo de publicidade


Líder na arrecadação de verbas publicitárias entre todos os meios de comunicação, a Globo se vale de uma prática que os grandes grupos de mídia preferem ocultar: o pagamento das Bonificações por Volume (BV), apontado por especialistas como um dos responsáveis pelo monopólio da mídia no país. 

Por Patrícia Benvenuti, do Brasil de Fato
   
Mais de 16 milhões de comerciais por ano e um relacionamento com 6 mil agências. Esse é um resumo do desempenho da Rede Globo junto ao mercado publicitário brasileiro, orgulhosamente exibido na página de internet da emissora.

Líder na arrecadação de verbas publicitárias entre todos os meios de comunicação, a Globo também mostra sua força em cifrões. Somente em 2012, os canais de TV (abertos e por assinatura) das Organizações Globo arrecadaram R$ 20,8 bilhões de reais em anúncios, segundo informe divulgado pela corporação.

Por trás dos números, porém, se esconde uma prática que os grandes grupos de mídia preferem ocultar: o pagamento das Bonificações por Volume (BV), apontado por especialistas como um dos responsáveis pelo monopólio da mídia no país.

Monopólio
Desconhecidas pela grande maioria da população, as Bonificações por Volume são comissões repassadas pelos veículos de comunicação às agências de publicidade, que variam conforme o volume de propaganda negociado entre eles.

A prática existe no Brasil desde o início da década de 1960. Criada pela Rede Globo, seu objetivo seria oferecer um “incentivo” para o aperfeiçoamento das agências. Com o tempo, outros veículos aderiram ao mecanismo, que hoje é utilizado por todos os conglomerados midiáticos no Brasil.

O pagamento dos bônus, no entanto, é alvo de críticas de militantes do direito à comunicação, que argumentam que a prática impede a concorrência entre os meios de comunicação na busca por anunciantes. Isso porque, quanto mais clientes a agência direcionar a um mesmo veículo, maior será o seu faturamento em BVs.

Para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício Artur de Lima, a prática fortalece os grandes grupos, já que leva anunciantes aos meios que recebem publicidade. “Exatamente por terem um volume alto de publicidade é que eles [meios] podem oferecer vantagens de preço”, explica.

O resultado desse processo, segundo o professor, é a dificuldade de sobrevivência dos veículos de menor capacidade econômica, que não têm recursos para as bonificações. “Você compara um blog ou um portal pequeno com um portal da UOL, por exemplo. Não tem jeito de comparar, são coisas desiguais”, afirma.

Antes restrita às mídias tradicionais, as bonificações vão ganhando novos nichos. De acordo com agências de publicidade e com o presidente do Internet Advertising Bureau (IAB), Rafael Davini, atualmente o Google também utiliza BVs. Segundo informações do mercado, o Google seria hoje o segundo grupo em publicidade no Brasil, ficando apenas atrás da Rede Globo.

Líder em BVs
O exemplo mais forte da relação entre bônus e concentração, para o jornalista e presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, é o caso da televisão. “Todos os canais fazem isso, é uma forma de manter a fidelidade da agência de publicidade com o veículo. Só que, como a Globo é muito poderosa, a propina é muito maior”, diz.

De acordo com dados do Projeto Inter-Meios, da publicação Meio & Mensagem, a publicidade destinada à TV aberta em 2012 foi de R$ 19,51 bilhões. Cerca de dois terços desse valor ficaram com a Globo.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) e editor da Revista Fórum, Renato Rovai, outro procedimento adotado pela emissora é o repasse antecipado dos bônus. “A Globo estabelece uma bonificação por volume de publicidade colocada e antecipa o recurso. Aí a empresa fica presa a cumprir esse objetivo. É assim que fazem o processo de concentração”, ressalta.

Borges critica ainda o silêncio midiático em torno do assunto. “É um tema-tabu, nenhum veículo fala. Como todo mundo utiliza, ninguém pode reclamar. Fica todo mundo meio cúmplice”, dispara.

Regulamentação
Em 2008, as bonificações foram reconhecidas e regulamentadas pelo Conselho Executivo das Normas Padrão (CNPE), entidade criada pelo mercado publicitário para zelar as normas da atividade. O CNPE classifica os bônus como “planos de incentivo” para as agências.

Dois anos depois, as bonificações foram reconhecidas também por lei. Elas estão previstas na Lei nº 12.232, que regulamenta as licitações e contratos para a escolha de agências de publicidade em todas as esferas do poder público. Segundo o texto, “é facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência”.

Para Renato Rovai, a aprovação do texto agravou o problema. “É uma corrupção legalizada. Nenhum lobby é legalizado no Brasil, mas o BV é”, critica o presidente da Altercom.

A Lei nº 12.232 também foi objeto de polêmicas durante o julgamento da ação penal 470, no caso que ficou conhecido como “mensalão”. Isso porque o texto original da lei permitia que as agências ficassem com o bônus, mas só para contratos futuros. Entretanto, uma mudança feita na Comissão de Trabalho em 2008 estendeu a regra a contratos já finalizados. O fato gerou discordância entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ayres Britto chegou a afirmar que as alterações foram feitas para beneficiar os réus do “mensalão”, acusados de peculato referente a desvios de Bvs.

Mudanças
Mudar a legislação, na avaliação do presidente da Altercom, é um passo fundamental para acabar com a prática das bonificações por volume. No entanto, são necessárias mais medidas para reverter o quadro atual da mídia no país. “É preciso mudar a regulamentação e criar um novo marco legal, incluindo as agências”, defende Rovai. Uma das propostas para isso é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular para as Comunicações. Criado por organizações populares, o PL visa, dentre outros objetivos, combater o monopólio no setor e garantir mais pluralidade nos conteúdos.

Em seu artigo 18, o projeto propõe que “os órgãos reguladores devem monitorar permanentemente a existência de práticas anticompetitivas ou de abuso de poder de mercado em todos os serviços de comunicação social eletrônica”, citando “práticas comerciais das emissoras e programadoras com agências e anunciantes”. Para se transformar em um projeto de lei, a proposta precisa de um 1,3 milhão de assinaturas.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22128

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html

sábado, 1 de junho de 2013

As escolhas de Dilma

Por Saul Leblon - Carta Maior

As notícias que chegam dos correspondentes de Carta Maior na Europa formam um denso exclamativo de alerta.

A austeridade estala o relho do desemprego nas costas de quase 27 milhões de pessoas no continente –mais de 19 milhões só na zona do euro.

Um círculo vicioso de arrocho social, demência fiscal e privilégio às finanças escava o fundo do abismo.

Aleija o Estado; esquarteja o tecido social.

A fome está de volta numa sociedade que imaginava tê-la erradicado com a exuberância da política agrícola do pós- guerra, associada à rede de proteção do Estado social.

Quem não se lembra das montanhas de manteiga e trigo?

Inútil é a opulência quando a repartição se faz pela supremacia dos mercados desregulados.

Que meio milhão de pessoas passem fome no coração financeiro da Europa, como informa o correspondente em Londres, Marcelo Justo, nesta pág, deveria ser suficiente para afastar as ilusões na ‘solução ortodoxa’ para a crise sistêmica do capitalismo desregulado.

Mas a história não segue uma lógica moral; tampouco é imune a retrocessos.

A calibragem fina entre a barbárie e a libertação humana não está prevista nos manuais de economia.

Esse apanágio pertence à democracia.

Vale dizer, ao movimento das gigantescas massas de forças acumuladas na caldeira social de cada época.

A esquerda europeia, ao longo dos últimos 30 anos, jogou água fria no vapor.

Sua rendição histórica representa hoje o chão firme em que prospera a restauração conservadora.

A regressividade econômica se faz acompanhar da contrarrevolução sempre que a esquerda troca a resistência pela adesão à lógica cega dos mercados.

Os paralelepípedos de Paris assistem, estarrecidos, às marchas extremistas contra os direitos das minorias --num ensaio de assalto aos das maiorias, patrocinado pela tibiez do governo Hollande.

A França vive o seu ‘Maio de 68 de direita’.

Quem avisa, nesta pág, é o experiente jornalista Eduardo Febbro, correspondente de Carta Maior que tem o olho treinado na cobertura de grandes levantes sociais do Oriente Médio à América Latina.

A exceção alemã, ademais de suspeita num continente devastado, assenta-se em mecânica perversa.

Frau Merkel gaba-se de ter acrescentado 1,4 milhão de vagas ao mercado de trabalho germânico no século 21.

O feito encobre uma aritmética ardilosa.

Desde 2000, a classe trabalhadora alemã perdeu 1,6 milhão de empregos.

Vagas de tempo integral, com direitos plenos.

Substituídas por 3 milhões de contratações em regime precário, de tempo parcial.

O salário mínimo (hora/trabalho) do semi-emprego alemão só não é pior que o dos EUA de Obama.

É no alicerce das ruínas trabalhistas que repousa o sucesso das exportações germânicas, cantadas em redondilhas pelo jogral conservador aqui e alhures.

Exportando arrocho, o colosso alemão consegue vender mais do que consome internamente.

A fórmula espalha desemprego e ‘bons exemplos’ ao resto do mundo.

O ‘modelo alemão’, ademais, traz no DNA a singularidade que o torna inimitável: se todos acionarem o moedor de carne de Frau Merkel, quem vai comprar o excesso de salsicha?

O fundo do poço, enevoado neste caso pelo lusco-fusco da retomada norte-americana contrastada pela desaceleração asiática, é o ponto mais perigoso da crise. De qualquer crise.

As fragilidades estão no seu nível máximo.

E sempre surge alguém para propor que a hora é de escavar o porão com mais arrocho e desmanche social.

Roosevelt ouviu os conselhos dos ‘austeros’, em 1937, quando a economia dos EUA começava a respirar. O rebote depressivo foi tão longe que dele o país só saiu com o keynesianismo de guerra.

O próprio FMI alerta : nas condições atuais, cada unidade adicional de austeridade produz duas vezes mais decrescimento, do que no início do ‘ajuste’.

A ortodoxia acha que nada disso vale para o Brasil.

O país ingressa nesse capítulo do colapso neoliberal equilibrado em trunfos e flancos significativos.

Sua engrenagem econômica se ressente da mortífera sobrevalorização cambial que inibe exportações e transfere demanda para o exterior; as contas externas padecem, ademais, com a erosão nas cotações das commodities; o parque industrial retraído e defasado tecnologicamente é acossado pela invasão dos importados.

A determinação central, porém, é a luta pelo poder.

A disputa eleitoral de 2014 comanda o relógio dos mercados.

Os ponteiros do capital buscam candidaturas ‘amigáveis’.

Não investir na ampliação da oferta, capaz de domar a inflação, faz parte da campanha.

‘Culpa das incertezas’, justifica a mídia obsequiosa.

A mesma que encoraja a retranca aos investidores:

“Não façam agora o que poderá ser feito depois, lubrificado por ‘reformas desregulatórias’, caso a Dilma intervencionista seja derrotada”.

O BC endossa o cantochão.

Se não há investimento para atender a demanda, o equilíbrio virá pelo arrocho.

Pau nos juros.

A negociação do futuro não pode ficar restrita ao monólogo entre o mercado e o diretório do BC.

O saldo é mundialmente conhecido. As ruas da Europa dão seu testemunho.

O falso ‘remédio’ agrava a doença e calcifica o recuo do investimento.

Tudo adornado pela guarnição sabida: angu de desemprego com caroço de atrofia fiscal.

Perigosamente ilusória é a hipótese de curar essa indigestão com saltos nas grandes obras públicas.

O retrospecto não endossa a expectativa.

O Brasil já tem uma parte daquilo que as nações buscam desesperadamente (leia o artigo do economista Amir Khair, nesta pág.)

O singular trunfo brasileiro é o binômio ‘pleno emprego e demanda popular de massa’, parcialmente ancorado no Real 'forte'

Foi ele que protegeu o país da crise até agora.

É preciso erguer linhas de passagem para um novo ciclo. Mas essa é uma tarefa política e não contábil.

Se não dilatar o espaço da política na condução da economia, o governo corre o risco de perder o que já tem, sem obter o que a ortodoxia lhe promete.

Ao contrário da Europa, o Brasil tem forças sociais organizadas; suas centrais sindicais e a inteligência progressista dispõem de propostas críveis e sensatas.

Não foram desmoralizadas pela rendição ao neoliberalismo.

O governo construiu sólidas políticas sociais, ademais de estruturas de Estado para ampliá-las.

O conjunto permite à Presidenta Dilma negociar rumos e metas do desenvolvimento com a sociedade; bem como preservar seu mercado de massa com o reforço nas políticas sociais.

Acreditar que a ação do BC será suficiente para reordenar a economia no rumo dos investimentos é terceirizar o país à lógica conservadora, até agora restrita à exortação midiática.

Política é economia concentrada.

O governo Dilma tem escolhas a fazer. E legitimidade para exercê-las.

É a hora.


Fonte - Carta Maior - Blog das Frases - Saul Leblon..http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1257

Juro alto, crescimento baixo


Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Em abril, quando o Banco Central debatia a necessidade de elevar a taxa de juros, escrevi aqui neste espaço.
Permita-me recordar alguns parágrafos:

“Derrotados em agosto de 2011, quando o Banco Central jogou os juros para baixo, nossos rentistas não se conformam. Possuem um exército de analistas e consultores em militância permanente para a reabertura do cassino financeiro.

Nos últimos meses, o grande empresariado obteve mais do que imaginava. O governo desonerou a folha de pagamentos. Baixou a conta de luz para consumidores e empresas. Abriu concessões generosas à iniciativa privada na área de infraestrutura. O saldo é um crescimento econômico, sob novas bases, em torno de 3% e 4%. Não é muito, mas pode ser um bom começo.

A questão central do processo é e sempre foi o juro baixo. O consumidor precisa dele para ir às compras. O empresário também conta com isso para novos investimentos. A certeza do dinheiro barato estimula o crescimento. A incerteza inspira a retirada, o medo.

Não é preciso um aumento grande. Basta um movimento na direção aguardada. O impacto negativo será imenso e prolongado.

Não se manipula com expectativas bilionárias impunemente, como num jogo de videogame.

O problema é que o imenso capital improdutivo brasileiro, aquele que é tão poderoso e que tem tantas faces invisíveis - muitas só são reconhecidas quando autoridades aceitam bons empregos ao deixar o governo -, não sabe viver de outra forma. Desfalcado de uma imensa receita assegurada no mercado financeiro, prepara a revanche.

Está conseguindo colocar a inflação como ponto essencial da agenda. Quando isso acontece, o cidadão já sabe. A ‘defesa da moeda’ é a senha cívica para menos empregos, menos crescimento, menos crédito e menos consumo.

Do ponto de vista político, é uma armadilha para Dilma, que dentro de um ano e meio enfrentará as urnas onde vai buscar a reeleição.

Do ponto de vista da sociedade brasileira, é um retrocesso a um modelo concentrador de renda.

Do ponto de vista econômico, é um erro trágico e bisonho, que tem um antecedente mortífero.

Em novembro de 2011, o BC brasileiro cedeu às pressões do rentismo e deu um salto para cima nos juros – jogando a economia, já em declínio em relação ao ano anterior, num mar de incertezas e desconfiança. Erro semelhante, no final de 2008, criou amarras desnecessárias no esforço para livrar o país da catástrofe que se iniciou em 2008. O país recuperou-se em 2010, mas pagou um sofrimento que poderia ter sido evitado.

Ao explicar o colapso europeu dos últimos anos, o Premio Nobel Paul Krugmann vai direto ao ponto. Lembra que o Velho Mundo paga a conta de um Banco Central que fechava os olhos para o crescimento e tinha uma visão obsessiva pela redução da inflação. O resultado foi transformar a Europa num grande cemitério de empregos e esperanças.

Não vamos nos enganar”.

Quando o Banco Central, enfim, decidiu elevar os juros, ainda escrevi que gostaria de estar errado em minhas previsões.

O crescimento magérrimo do primeiro trimestre de 2013 mostra que aquela primeira elevação não contribuiu – como era previsível – para uma queda significativa da inflação e pode ter atrapalhado um esforço para retomar o crescimento.

Se os próximos meses repetirem aquilo que ocorreu neste início do ano, teremos um crescimento anual de 2,4%.

Mas é possível que ocorra uma retração ainda maior, pois o BC acaba de elevar os juros em 0,5%. Ou seja: o dinheiro ficou mais caro, situação clássica para o setor privado mostrar-se ainda mais cauteloso para aplicações em investimentos produtivos – e ainda mais tentado para voltar à ciranda financeira.

Há outros complicadores em frente, também. O juro eleva o gasto do governo com seu financiamento. Tudo se torna mais caro e difícil de pagar.

O problema é menor quando o crescimento se mantém num patamar razoável. As receitas sobem e as contas fecham.

A coisa se complica quando o crescimento diminui. Podemos apostar que, em breve, as pressões contra o “déficit”, a “gastança” e todos esses lugares-comuns irão subir de tom.

Nos próximos dias as pesquisas de confiança do empresário e do consumidor devem apontar uma previsível queda no otimismo.

Aos poucos, os adversários do governo irão chegar aonde sempre quiseram. Poderão questionar a política econômica em sua maior prioridade, que é a distribuição de renda e o estímulo ao consumo das camadas mais pobres. Mas os adversários não descansam. Preparam o momento de dizer que não existe almoço grátis.

Você acha que estou errado?

Fonte: Blog do Miro