por Clarinha Gloc, da IPS
Kristinn Hrafnsson junto a Natalia Viana, da agência de jornalismo investigativo Pública.
Para Hrafnsson, além do impacto inicial de algumas revelações, os efeitos reais do Wikileaks somente poderão ser avaliados dentro de alguns anos. Foi o que disse à IPS durante sua viagem ao Brasil, onde participou do VI Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado de 30 de junho a 2 de julho em São Paulo, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Na oportunidade anunciou a divulgação de quase três mil documentos da diplomacia norte-americana referentes ao Brasil. Entre eles, 63 despachos do Departamento de Estado dirigidos aos seus diplomatas no Brasil, e 2.919 telegramas enviados a Washington entre 2002 e 2010 pela embaixada em Brasília e pelos consulados de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
Publicados no dia 11 no site do Wikileaks, e desde junho no portal de sua associada no Brasil, a agência de jornalismo investigativo Pública, estes documentos fazem parte do pacote de 251.287 telegramas norte-americanos que vazaram para o Wikileaks, que começou a divulgá-los no dia 28 de novembro do ano passado. O Wikileaks “desafiou os meios tradicionais e tornou os jornalistas mais audazes, e eles voltaram a fazer perguntas difíceis”, disse Hrafnsson em sua exposição.
Pela primeira vez em muitos anos, diferentes meios de comunicação trabalharam em colaboração, recebendo e retransmitindo as notícias. Já há mais de 70 meios de comunicação analisando estes documentos, afirmou. Terminada a apresentação, Hrafnsson concedeu uma entrevista à IPS.
IPS: Como medir o impacto da divulgação de documentos confidenciais em diferentes países?
KRISTINN HRAFNSSON: Sempre soube que o material que tinha nas mãos causaria um grande efeito. Era difícil dizer de que tipo, como se concretizaria, mas foi extremamente importante ver que a informação que lançamos teve uma repercussão dramática sobre o que ocorria no Oriente Médio com a Primavera Árabe. Quando o material se fez sentir na Tunísia, no começo de dezembro, o presidente Zine El Abidine Ben Ali comandava, desde 1987, um regime muito corrupto. Isso não era surpresa para ninguém na Tunísia, onde já estavam indignados com a falta de liberdade e os problemas econômicos, enquanto o regime corrupto vivia no luxo. Porém, o alcance dessa corrupção e do nepotismo expostos nos telegramas alimentou ainda mais o público e lhe deu coragem para ir às ruas. E também causou impacto, na minha opinião, porque os cidadãos o conheceram na perspectiva alheia, em um informe detalhado enviado pelo Departamento de Estado. “Então eles sabem que tipo de ditador temos. E ainda assim o financiam”, pensaram.
O mesmo se aplica a Hosni Mubarak no Egito, acusado de ordenar torturas nas prisões de seu país. O Wikileaks não provocou a revolução na Tunísia, longe disso. O que a provocou foi o ato de um universitário que colocou fogo em seu corpo como protesto e morreu no dia 4 de janeiro. Dez dias depois, o governo caiu. Contudo, há outro fato: quando estas pessoas se uniram, deixaram de ter medo. Se organizaram em redes sociais, foi a primeira revolução pela internet. E isso se propagou para Egito, Iêmen e Síria. Portanto, vemos resultados em todos os lugares. É comum serem subestimados, apesar de serem tão importantes quanto a queda do Muro de Berlim. Estamos presenciando uma mudança fundamental no mundo árabe. E não são os fundamentalistas islâmicos que a promovem, nem os comunistas. Não tem nada a ver com as ideologias que todos temiam. Tem a ver com os direitos fundamentais básicos de liberdade, é por isso que as pessoas estão lutando. Querem bem-estar econômico, uma parte da riqueza do país e liberdade de expressão, de reunião. Querem democracia.
IPS: De algum modo o Wikileaks proporcionou apoio para perseverarem em suas revoluções?
KH: Absolutamente. Também vimos isso no Egito quando os Estados Unidos quiseram intervir em seus assuntos internos. O então presidente Hosni Mubarak estava em situação muito delicada e Washington pressionou para a escolha de um substituto. Nós divulgamos um comunicado afirmando que se tratava da mesma engrenagem de controle do país.
IPS: Como é a participação do Wikileaks neste processo de mudanças?
KH: Principalmente mediante o conceito geral de dar às pessoas informação a que têm direito, os registros históricos, o que é essencial. Estamos desmitificando os procedimentos diplomáticos. E estamos dando detalhes de uma guerra realizada secretamente. Até agora, só o que conseguíamos arrancar destas guerras era um jornalismo apático. Agora é diferente. Estamos incentivando um novo ideal. Espero que beneficiar as pessoas dessa região, como de outras, possa gerar mudanças. Não posso dar exemplos individuais, é difícil estabelecer uma relação de causa e efeito. Não vou tão longe. Entretanto, de um modo geral, os efeitos estão aí: mudam os sentimentos, a maneira de ver os fatos. E, de muitos modos, só vamos ter uma ideia deste impacto dentro de alguns anos, quando nos dermos conta do que o Wikileaks nos proporcionou. É mais fácil senti-lo do que colocá-lo com exatidão no preto e branco. Envolverde/IPS
Fonte: Envolverde/IPS