Vocês que vivem seguros
em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos,
pensem bem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não
(…)
Pensem que isto aconteceu:
e lhes mando essas palavras.
Gravem-na em seus corações,
estando em casa, andando na rua,
ao deitar, ao levantar
repitam-nas a seus filhos.
Ou senão, desmorone-se a sua casa,
a doença os torne inválidos,
aos seus filhos virem o rosto para não vê-los.
Primo Levi
1)A centralidade paradoxal da vida dos pobres nas metrópoles brasileiras: Biopoder versus Biopolítica
Como tudo no capitalismo, a favelização foi e é um processo contraditório. A chegada dos pobres nas cidades tem (pelo menos) dois grandes determinantes:
- o primeiro determinante é a persistência do latifúndio (inclusive graças à ditadura que reprimiu os movimentos camponeses e continua encontrando amplo apoio naquela mídia que lhe deve concessões estatais e proteção econômica), que expulsou a população rural do campo (do mesmo jeito que a abolição tardia da escravidão acabou empurrando os escravos libertos para a formação das primeiras favelas);
- o segundo determinante é o movimento de resistência que atravessou o país com o êxodo rural rumo a melhores condições de vida e trabalho, dentro do processo de urbanização e para além de sua capacidade de absorção industrial (da mesma forma que os quilombos, as favelas foram também zonas de autoconstrução de espaços urbanos de resistência, persistência dos pobres a viver, desejar, dançar, criar).
Assim, a fuga dos retirantes, a exemplo do Presidente Lula (o mais popular que o Brasil já teve e que proporciona ao país uma popularidade mundial sem precedentes) foi um movimento paradoxal: fruto de relações de poder iníquas (desiguais, racistas e neo-escravagistas) e, ao mesmo tempo, terreno de resistência, luta e invenção. As favelas (e as várias formas de ocupação ilegal, informal, desordenada do solo urbano – ou em via de urbanização) que constituíram nossas “pobres grandes cidades” são também o emblema dessa ambiguidade.
As favelas são, ao mesmo tempo, a vergonha de um poder que trata os pobres como lixo e o orgulho da resistência dos pobres que constituem tudo que é riqueza e valor do Rio de Janeiro e do Brasil. Elas são um estorvo que a elite neo-escravagista continua a sonhar em poder remover para a periferia, em tornar invisível. Mas, elas são também o espaço da dignidade das velhas e novas guardas de pobres que lutam e inventam, resistem e criam.
Em cidades como o Rio de Janeiro, mais do que em outras, as relações de poder e de produção atravessam e são atravessadas pelos embates que dizem respeito às favelas e aos pobres. O grande desafio do bloco de poder – uma mistura sui generis de elites arcaizantes bem representadas pelos grandes meios de comunicação, segmentos institucionais de tipo mafioso (ligados à corrupção e ao tráfico) e setores tecnocráticos (das grandes empresas e do aparelho do Estado) – tornou-se o de regular as vidas dos pobres por meio do controle do processo e do fenômeno de favelização. Por isso, esse bloco de poder se apresenta como um bloco de Biopoder, um poder organizado sobre a vida dos pobres. O grande desafio das lutas populares também passou a ser, com a abertura democrática, a organização dos pobres e a construção de uma forma de representação adequada a essa subjetividade social, uma subjetividade que se expressa e se constitui nas formas de resistência e construção da cidade pelos e para os pobres: nas favelas e nas várias formas de “informalidade”, quer dizer, nas formas de direito constituídas desde baixo, nas ruas, nas redes de socialização dos pobres, completamente separadas do formalismo jurídico do Estado.
A clivagem social e ética parece nítida: o poder, de um lado; os pobres do outro. Porém, uma vez traduzida em termos políticos, essa clivagem não se mantém mais. Os setores “progressistas” (modernizadores, poderíamos dizer) dos dois blocos (o da “direita” e o da “esquerda”) convergem numa visão negativa da pobreza e dos pobres; uma convergência que se traduz, por exemplo, no uso e no abuso – sempre pejorativo – do termo “populismo”. Os pobres são um problema, e se não aceitam as “soluções” tecnocráticas e burocráticas que os “governantes” pensam para eles, é que merecem mesmo a miséria na qual se encontram, e até o risco que correm por persistir em morar nos morros. Ou seja, são vidas que não merecem serem vividas! Emblemática a análise de André Singer (militante do PT) sobre o que ele chama de “lulismo”: um tipo de “bonapartismo” sustentado pela “base sub-proletária” que “não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”1.
No Rio de Janeiro, essa “direita” e essa “esquerda” constituíam (e, em parte ainda constituem) as duas faces de uma mesma moeda: a classe média e alta carioca, os ricos, e boa parte do funcionalismo público. Não por acaso, essa convergência aconteceu de fato em 1994, por ocasião de uma “com-juntura” (junção de duas “urgências” = conjuntura) favorável a essa inflexão: por um lado, a necessidade – da parte do poder – de evitar por todos os meios que a experiência operária do PT paulista se radicasse no Rio a partir da vitória eleitoral de uma mulher, negra e favelada (a Benedita), implementando um PT realmente carioca (um PT dos pobres); pelo outro, a opção pelo oportunismo de um político egresso do brizolismo.
Leia a íntegra: http://www.revistaglobalbrasil.com.br
Construir a cidadania a partir do exercício do direito de todos a expressão, comunicação e informação
sábado, 29 de maio de 2010
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Agrotóxico é problema de saúde pública
Por Igor Felippe Santos, da Página do MST
O Brasil bateu recorde no consumo de agrotóxicos no ano passado. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras. O país ocupa o primeiro lugar na lista de países consumidores desses produtos químicos.
Com a aplicação exagerada nas lavouras no Brasil, o uso de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transforma em um problema de saúde pública.
“Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas”, afirma o médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati, em entrevista exclusiva à Página do MST.
O pesquisador da Fiocruz, doutor em saúde e ambiente fez estudos sobre os impactos dos agrotóxicos no Mato Grosso, que demonstram que nas regiões com maior utilização de agrotóxicos é maior a incidência de problemas de saúde agudos e crônicos.
Por exemplo, intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia, distúrbios endócrinos, neurológicos, cardíacos, pulmonares e respiratórias, além de doenças subcrônicas, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão.
Abaixo, leia a entrevista com o professor Wanderlei Antonio Pignati.
Em 2009, o Brasil utilizou mais de 1 bilhão de litros de agrotóxicos. Por que a cada safra cresce a quantidade de venenos jogados nas lavouras?
O consumo de agrotóxicos dobrou nos últimos 10 anos. Passamos a ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos. No Mato Grosso, 105 milhões de litros de agrotóxicos foram usados na safra agrícola passada, com uma média de 10 litros por hectare de soja ou milho e 20 litros por hectare de algodão. Tem vários municípios que usaram até 7 milhões de litros em uma safra. Isso traz um impacto muito grande para a saúde e para o ambiente. A utilização tem aumentado porque a semente está dominada por seis ou sete indústrias no mundo todo, inclusive no Brasil. Essas sementes são selecionadas para que se utilize agrotóxicos e fertilizantes químicos. Isso para aumentar a produtividade e os lucros dessas empresas do agronegócio. Paralelamente, vem aumentando também o desmatamento, com a plantação de novas áreas, aumentando a demanda por agrotóxicos e fertilizantes químicos. No Mato Grosso, passou de 4 milhões para 10 milhões de hectares plantados na última safra. O desmatamento é a primeira etapa do agronegócio. Depois entra a indústria da madeira, a pecuária, a agricultura, o transporte e o armazenamento. Por fim, a verdadeira agroindústria, com a produção de óleos, de farelo e a usina de açúcar, álcool, curtumes, beneficiamento de algodão e os agrocombustíveis, que fazem parte do agronegócio. Isso vem se desenvolvendo muito, pela nossa dependência da exportação. Isso tudo fez com que aumentasse o consumo de agrotóxicos no Brasil.
Quanto mais avança o agronegócio, maior o consumo de agrotóxicos?
Sim. As sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem sementes livres desses produtos. Não criam sementes resistentes a várias pragas, sem a necessidade de agrotóxicos. Não fazem isso, porque são produtores de sementes e agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. Com os transgênicos, a situação piora mais ainda. No caso da soja, a produção é resistente a um herbicida, o glifosato, conhecido como roundup, patenteado pela Monsanto. Aí o uso é duas ou três vezes maior de roundup na soja. Isso também aumenta o consumo de agrotóxicos.
Mas a CTNBio liberou diversas variedades de transgênicos, com o argumento de que se diminuiria a necessidade de agrotóxicos.. .
É só pegar o exemplo da soja transgênica, que não é resistente a praga nenhuma, para perceber como é mentira. Temos que desmascarar a nível nacional e internacional. A soja transgênica não é resistente a pragas, mas a um herbicida, o glifosato. Então, é ainda maior a utilização de agrotóxicos. Eles usam antes de plantar, depois usam de novo no primeiro, no segundo e no terceiro mês. Dessa forma, aumenta em três vezes o uso do herbicida na soja transgênica. Agora vem o milho transgênico, que também é resistente ao glifosato. Com isso, vai aumentar ainda mais o consumo de agrotóxicos. Em geral, os transgênicos resistentes a pragas ainda são minoria.
Quais os efeitos dos agrotóxicos para a saúde e para o ambiente?
Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas. Ficam resíduos dos agrotóxicos nos poços artesianos de água potável, nos córregos, nos rios, na água de chuva e no ar. Isso faz com que a população absorva esses agrotóxicos.
Quais as consequências?
São agravos na saúde agudos e crônicos. Intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia (que causa câncer), distúrbios endócrinos (na tiroide, suprarrenal e alguns mimetizam diabetes), distúrbios neurológicos, distúrbios respiratórias (vários são irritantes pulmonares). Nos lagos e lagoas, acontece a extinção de várias espécies de animais, como peixes, anfíbios e répteis, por conta das modificações do ambiente por essas substâncias químicas. Os agrotóxicos são levados pela chuva para os córregos e rios. Os sedimento ficam no fundo e servem de alimentos para peixes, répteis, anfíbios, causando impactos em toda a biota em cima da terra.
Como vocês comprovaram esses casos?
Para fazer a comprovação desses casos, é preciso comparar dados epidemiológicos de doenças de regiões que usam muito agrotóxico com outras que usam pouco. Por exemplo, nas três regiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algodão há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda por agrotóxicos, comparando com outras 12 regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Analisando por regiões o sistema de notificação de intoxicação aguda da secretaria municipal, estadual e do Ministério da Saúde, percebemos que onde a produção é maior, há mais casos de intoxicação aguda, como diarréia, vômitos, desmaios, mortes, distúrbios cardíacos e pulmonares, além de doenças subcrônicas que aparecem um mês ou dois meses depois da exposição, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão. Há agrotóxicos que causam irritação ocular e auditiva. Outros dão lesão neurológica, com hemiplegia, neurite da coluna neurológica cervical. Além disso, essas regiões que produzem mais soja, milho e algodão apresentam incidência duas vezes maior de câncer em crianças e adultos e malformação em recém nascidos do que nas outras regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Isso porque estão usando vários agrotóxicos que são cancerígenos e teratogênicos.
Qual o perigo para os consumidores de alimentos? Quais as iniciativas da Anvisa para protegê-los?
A Anvisa está fazendo a revisão de 16 agrotóxicos, desde que lançou um edital em 2008. Quatorze deles são proibidos na União Europeia, nos Estados Unidos e Canadá por serem cancerígenos, teratogênicos, causam distúrbios neurológicos e endócrinos. Nessa revisão, já tem um resumo desses agrotóxicos, que são proibidos lá fora. Mas aqui são vendidos livremente, mesmo se sabendo desses efeitos crônicos. A Anvisa tem o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em alimentos, no qual faz a análise de 20 alimentos desde 2002. Nesses estudos, acharam resíduos nos alimentos, tanto de agrotóxicos não proibidos como acima do limite máximo permito. O endosulfan, por exemplo, é um inseticida clorado, que é cancerígeno e teratogênico, proibido há 20 anos na União Europeia, nos EUA e no Canadá. Não é proibido no Brasil, sendo muito usado na soja e milho. Esse limite máximo de resíduos é questionável, porque a sensibilidade é individual. Para uma pessoa, o limite máximo para desenvolver uma doença é 10 mg por dia e para outra basta 1 mg. Sem contar a contaminação na água, no ar, na chuva, porque devemos juntar todos esses fatores.
Como você avalia a legislação brasileira para os agrotóxicos e o trabalho da Anvisa?
A Anvisa vem fazendo um bom trabalho, com base na legislação. No entanto, todo dia os grandes burlam a lei. Não só a lei nacional sobre agrotóxicos, mas também o Código Florestal, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (que obrigada a dar os equipamentos aos trabalhadores) , as normas do Ministério da Agricultura (que impede a pulverização a menos de 250 metros da nascente de rios, córregos, lagoas e onde moram animais ou habitam pessoas). No Mato Grosso, passam todos os tipos de agrotóxicos de avião, não respeitando as normas.
Os fazendeiros dizem que, se usar corretamente os agrotóxicos, não há perigo.
Tem problema sim. Se o trabalhador ficar como um astronauta, usando todos os equipamentos de proteção individual necessário, pode não prejudicar a sua própria saúde, mas e o ambiente? Todo agrotóxicos é toxico, tanto da classe um como da classe quatro. Aonde vai o resíduo desse agrotóxico? Vai para a chuva, para os rios, para os córregos, para o ar e evapora e desce com a chuva. Não existe uso seguro e correto dos agrotóxicos para o ambiente. Temos que discutir que o uso de agrotóxicos é intencional. As ditas pragas da lavoura – que eu não chamo de pragas – seja um inseto, uma erva daninha ou um fungo, crescem no meio da plantação. Aí o fazendeiro polui o ambiente intencionalmente para tentar atingir essas pragas. Não tem como ele retirar especificamente as pragas, colocar em uma redoma e aplicar o agrotóxico. Ou seja, ele polui de maneira intencional o ambiente da plantação, o ambiente geral, o trabalhador e a produção. Uma parte dessa agrotóxicos fica nos alimentos.
As indústrias do agronegócio argumentam que é necessário o uso de grandes quantidades de agrotóxicos porque o Brasil é um país tropical, com grande diversidade climática. É verdade?
Não tem uma necessidade maior. Não é que o Brasil precise de mais por conta dessa questão climática. Nas monografias dos agrotóxicos, tem uma temperatura ideal para passar, em torno de 20º e 25º. Onde tem essa temperatura no Mato Grosso, por exemplo? Dá mais de 30 graus. Com isso, essas substâncias evaporam e usam ainda mais. Em vez de usar dois litros, colocam 2,5 litros por hectare. É um argumento falso. Tem que colocar agrotóxico porque a semente é dependente. Existem formas de fazer uma produção em grande escala sem a semente dependente de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Há vários exemplos no mundo e no Brasil. Mas 99% de toda a nossa produção agrícola depende das sementes da indústrias, que não faz a seleção para não precisar de químicos.
Dentro dessa quadro, qual é a tendência?
A tendência é aumentar a utilização de agrotóxicos. Por isso, é preciso uma política mais contundente do governo, dos movimentos de agroecologia e dos consumidores, que cada vez mais consomem agrotóxicos. É preciso discutir o modelo de produção agrícola que está ai. Com o milho transgênico, vai se utilizar mais glifosato. Há um clico de aumento dos agrotóxicos que não vai ter fim. Se analisar a resistência das pragas, há ervas daninhas resistentes ao glifosato. No primeiro momento, se aumenta a dose para vencer a praga. Em vez de cinco litros por hectare, usam sete litros. Num segundo momento se usa um herbicida ainda mais forte ou mais tóxico para combater a erva daninha resistente ao agrotóxico mais fraco. Isso não tem fim. Há grandes áreas de ervas daninhas resistentes nos Estados Unidos, na Argentina e está chegando no Brasil, no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Mato Grosso. É um modelo insustentável.
O Brasil bateu recorde no consumo de agrotóxicos no ano passado. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras. O país ocupa o primeiro lugar na lista de países consumidores desses produtos químicos.
Com a aplicação exagerada nas lavouras no Brasil, o uso de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transforma em um problema de saúde pública.
“Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas”, afirma o médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati, em entrevista exclusiva à Página do MST.
O pesquisador da Fiocruz, doutor em saúde e ambiente fez estudos sobre os impactos dos agrotóxicos no Mato Grosso, que demonstram que nas regiões com maior utilização de agrotóxicos é maior a incidência de problemas de saúde agudos e crônicos.
Por exemplo, intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia, distúrbios endócrinos, neurológicos, cardíacos, pulmonares e respiratórias, além de doenças subcrônicas, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão.
Abaixo, leia a entrevista com o professor Wanderlei Antonio Pignati.
Em 2009, o Brasil utilizou mais de 1 bilhão de litros de agrotóxicos. Por que a cada safra cresce a quantidade de venenos jogados nas lavouras?
O consumo de agrotóxicos dobrou nos últimos 10 anos. Passamos a ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos. No Mato Grosso, 105 milhões de litros de agrotóxicos foram usados na safra agrícola passada, com uma média de 10 litros por hectare de soja ou milho e 20 litros por hectare de algodão. Tem vários municípios que usaram até 7 milhões de litros em uma safra. Isso traz um impacto muito grande para a saúde e para o ambiente. A utilização tem aumentado porque a semente está dominada por seis ou sete indústrias no mundo todo, inclusive no Brasil. Essas sementes são selecionadas para que se utilize agrotóxicos e fertilizantes químicos. Isso para aumentar a produtividade e os lucros dessas empresas do agronegócio. Paralelamente, vem aumentando também o desmatamento, com a plantação de novas áreas, aumentando a demanda por agrotóxicos e fertilizantes químicos. No Mato Grosso, passou de 4 milhões para 10 milhões de hectares plantados na última safra. O desmatamento é a primeira etapa do agronegócio. Depois entra a indústria da madeira, a pecuária, a agricultura, o transporte e o armazenamento. Por fim, a verdadeira agroindústria, com a produção de óleos, de farelo e a usina de açúcar, álcool, curtumes, beneficiamento de algodão e os agrocombustíveis, que fazem parte do agronegócio. Isso vem se desenvolvendo muito, pela nossa dependência da exportação. Isso tudo fez com que aumentasse o consumo de agrotóxicos no Brasil.
Quanto mais avança o agronegócio, maior o consumo de agrotóxicos?
Sim. As sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem sementes livres desses produtos. Não criam sementes resistentes a várias pragas, sem a necessidade de agrotóxicos. Não fazem isso, porque são produtores de sementes e agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. Com os transgênicos, a situação piora mais ainda. No caso da soja, a produção é resistente a um herbicida, o glifosato, conhecido como roundup, patenteado pela Monsanto. Aí o uso é duas ou três vezes maior de roundup na soja. Isso também aumenta o consumo de agrotóxicos.
Mas a CTNBio liberou diversas variedades de transgênicos, com o argumento de que se diminuiria a necessidade de agrotóxicos.. .
É só pegar o exemplo da soja transgênica, que não é resistente a praga nenhuma, para perceber como é mentira. Temos que desmascarar a nível nacional e internacional. A soja transgênica não é resistente a pragas, mas a um herbicida, o glifosato. Então, é ainda maior a utilização de agrotóxicos. Eles usam antes de plantar, depois usam de novo no primeiro, no segundo e no terceiro mês. Dessa forma, aumenta em três vezes o uso do herbicida na soja transgênica. Agora vem o milho transgênico, que também é resistente ao glifosato. Com isso, vai aumentar ainda mais o consumo de agrotóxicos. Em geral, os transgênicos resistentes a pragas ainda são minoria.
Quais os efeitos dos agrotóxicos para a saúde e para o ambiente?
Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas. Ficam resíduos dos agrotóxicos nos poços artesianos de água potável, nos córregos, nos rios, na água de chuva e no ar. Isso faz com que a população absorva esses agrotóxicos.
Quais as consequências?
São agravos na saúde agudos e crônicos. Intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia (que causa câncer), distúrbios endócrinos (na tiroide, suprarrenal e alguns mimetizam diabetes), distúrbios neurológicos, distúrbios respiratórias (vários são irritantes pulmonares). Nos lagos e lagoas, acontece a extinção de várias espécies de animais, como peixes, anfíbios e répteis, por conta das modificações do ambiente por essas substâncias químicas. Os agrotóxicos são levados pela chuva para os córregos e rios. Os sedimento ficam no fundo e servem de alimentos para peixes, répteis, anfíbios, causando impactos em toda a biota em cima da terra.
Como vocês comprovaram esses casos?
Para fazer a comprovação desses casos, é preciso comparar dados epidemiológicos de doenças de regiões que usam muito agrotóxico com outras que usam pouco. Por exemplo, nas três regiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algodão há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda por agrotóxicos, comparando com outras 12 regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Analisando por regiões o sistema de notificação de intoxicação aguda da secretaria municipal, estadual e do Ministério da Saúde, percebemos que onde a produção é maior, há mais casos de intoxicação aguda, como diarréia, vômitos, desmaios, mortes, distúrbios cardíacos e pulmonares, além de doenças subcrônicas que aparecem um mês ou dois meses depois da exposição, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão. Há agrotóxicos que causam irritação ocular e auditiva. Outros dão lesão neurológica, com hemiplegia, neurite da coluna neurológica cervical. Além disso, essas regiões que produzem mais soja, milho e algodão apresentam incidência duas vezes maior de câncer em crianças e adultos e malformação em recém nascidos do que nas outras regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Isso porque estão usando vários agrotóxicos que são cancerígenos e teratogênicos.
Qual o perigo para os consumidores de alimentos? Quais as iniciativas da Anvisa para protegê-los?
A Anvisa está fazendo a revisão de 16 agrotóxicos, desde que lançou um edital em 2008. Quatorze deles são proibidos na União Europeia, nos Estados Unidos e Canadá por serem cancerígenos, teratogênicos, causam distúrbios neurológicos e endócrinos. Nessa revisão, já tem um resumo desses agrotóxicos, que são proibidos lá fora. Mas aqui são vendidos livremente, mesmo se sabendo desses efeitos crônicos. A Anvisa tem o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em alimentos, no qual faz a análise de 20 alimentos desde 2002. Nesses estudos, acharam resíduos nos alimentos, tanto de agrotóxicos não proibidos como acima do limite máximo permito. O endosulfan, por exemplo, é um inseticida clorado, que é cancerígeno e teratogênico, proibido há 20 anos na União Europeia, nos EUA e no Canadá. Não é proibido no Brasil, sendo muito usado na soja e milho. Esse limite máximo de resíduos é questionável, porque a sensibilidade é individual. Para uma pessoa, o limite máximo para desenvolver uma doença é 10 mg por dia e para outra basta 1 mg. Sem contar a contaminação na água, no ar, na chuva, porque devemos juntar todos esses fatores.
Como você avalia a legislação brasileira para os agrotóxicos e o trabalho da Anvisa?
A Anvisa vem fazendo um bom trabalho, com base na legislação. No entanto, todo dia os grandes burlam a lei. Não só a lei nacional sobre agrotóxicos, mas também o Código Florestal, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (que obrigada a dar os equipamentos aos trabalhadores) , as normas do Ministério da Agricultura (que impede a pulverização a menos de 250 metros da nascente de rios, córregos, lagoas e onde moram animais ou habitam pessoas). No Mato Grosso, passam todos os tipos de agrotóxicos de avião, não respeitando as normas.
Os fazendeiros dizem que, se usar corretamente os agrotóxicos, não há perigo.
Tem problema sim. Se o trabalhador ficar como um astronauta, usando todos os equipamentos de proteção individual necessário, pode não prejudicar a sua própria saúde, mas e o ambiente? Todo agrotóxicos é toxico, tanto da classe um como da classe quatro. Aonde vai o resíduo desse agrotóxico? Vai para a chuva, para os rios, para os córregos, para o ar e evapora e desce com a chuva. Não existe uso seguro e correto dos agrotóxicos para o ambiente. Temos que discutir que o uso de agrotóxicos é intencional. As ditas pragas da lavoura – que eu não chamo de pragas – seja um inseto, uma erva daninha ou um fungo, crescem no meio da plantação. Aí o fazendeiro polui o ambiente intencionalmente para tentar atingir essas pragas. Não tem como ele retirar especificamente as pragas, colocar em uma redoma e aplicar o agrotóxico. Ou seja, ele polui de maneira intencional o ambiente da plantação, o ambiente geral, o trabalhador e a produção. Uma parte dessa agrotóxicos fica nos alimentos.
As indústrias do agronegócio argumentam que é necessário o uso de grandes quantidades de agrotóxicos porque o Brasil é um país tropical, com grande diversidade climática. É verdade?
Não tem uma necessidade maior. Não é que o Brasil precise de mais por conta dessa questão climática. Nas monografias dos agrotóxicos, tem uma temperatura ideal para passar, em torno de 20º e 25º. Onde tem essa temperatura no Mato Grosso, por exemplo? Dá mais de 30 graus. Com isso, essas substâncias evaporam e usam ainda mais. Em vez de usar dois litros, colocam 2,5 litros por hectare. É um argumento falso. Tem que colocar agrotóxico porque a semente é dependente. Existem formas de fazer uma produção em grande escala sem a semente dependente de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Há vários exemplos no mundo e no Brasil. Mas 99% de toda a nossa produção agrícola depende das sementes da indústrias, que não faz a seleção para não precisar de químicos.
Dentro dessa quadro, qual é a tendência?
A tendência é aumentar a utilização de agrotóxicos. Por isso, é preciso uma política mais contundente do governo, dos movimentos de agroecologia e dos consumidores, que cada vez mais consomem agrotóxicos. É preciso discutir o modelo de produção agrícola que está ai. Com o milho transgênico, vai se utilizar mais glifosato. Há um clico de aumento dos agrotóxicos que não vai ter fim. Se analisar a resistência das pragas, há ervas daninhas resistentes ao glifosato. No primeiro momento, se aumenta a dose para vencer a praga. Em vez de cinco litros por hectare, usam sete litros. Num segundo momento se usa um herbicida ainda mais forte ou mais tóxico para combater a erva daninha resistente ao agrotóxico mais fraco. Isso não tem fim. Há grandes áreas de ervas daninhas resistentes nos Estados Unidos, na Argentina e está chegando no Brasil, no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Mato Grosso. É um modelo insustentável.
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Trabalho escravo ofende Constituição brasileira, diz Ayres Britto
Por Maurício Hashizume
Na abertura do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) destacou que combate à escravidão é uma obrigação do poder público e um desafio a sociedade. O trabalho escravo não ofende somente as suas vítimas, mas fere a própria Constituição brasileira. A declaração do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, de que a escravidão contemporânea é um atentado triplo aos preceitos constitucionais da primazia do trabalho, da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento marcou a cerimônia de abertura do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, na noite desta terça-feira (25).
Para o ministro do STF, portanto, o poder público tem a obrigação de enfrentar o crime em prol de uma sociedade "livre, justa e solidária" - como previsto na Carta Magna. Ele condenou o "resquício renitente e teimoso" estrutural, histórico e cultural dos "quase quatro séculos de escravidão" e admitiu inclusive a "contaminação" do Poder Judiciário por meio de "interpretações leninentes e frouxas, para não dizer cúmplices" da escravidão.
Na mesma cerimônia que reuniu autoridades dos três Poderes da República, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), lamentou a insistência de determinados "nichos" da sociedade que ainda tentam criar dúvidas relacionadas à ocorrência da escravidão.
A tentativa de confundir trabalho escravo (previsto expressamente no Art. 149 do Código Penal) com irregularidades trabalhistas pontuais foi desacreditada pelo integrante do Executivo, que realçou a importância das jornadas sobre o tema realizadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) no sentido da consolidação da política estatal.
O I Encontro Nacional, adicionou o ministro, pretende inaugurar uma série histórica para o fortalecimento dos esforços para a eliminação do crime nos próximos anos. "Em 2011, 2012 e 2013, mas espero que não em 2020".
A atuação incisiva dos auditores fiscais do trabalho para que o Brasil possa buscar sólida respeitabilidade foi realçada pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, durante a cerimônia. Os ataques aos resultados da repressão à exploração de mão de obra escrava, emendou, reflete a "incompreensá o e radicalização que não compreende a cidadania".
Carlos Lupi repeliu pressões que possam enfraquecer a "lista suja" do trabalho escravo - cadastro com empregadores flagrados pela fiscalização trabalhista - e destacou o envolvimento de agentes poderosos, fortemente articuladas do ponto de vista político e econômico. Conquista da respeitabilidade para o Brasil.
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no evento, Rolf Hackbart, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), salientou o distanciamento entre o avanço enorme das forças produtivas e o atraso nas relações sociais de produção. A sensibilização de jovens consumidores acerca das origens e dos custos reais embutidos nos produtos pode abrir novos horizontes para a quebra dessa lógica, indicou.
A união dos Poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo), acrescentou o senador José Nery (PSol-PA), é essencial não só para denunciar as tentativas de bloqueio ao combate à escravidão, mas também para reforçar o apoio a um instrumento central que permanece parado na Câmara dos Deputados: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que expropria a área onde houver trabalho escravo e destina a mesma para a reforma agrária.
Nesta quarta-feira (26), o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) deve receber um abaixo-assinado com centenas de milhares de adesões pela aprovação da emenda. "Se essa legislatura acabar, ficará uma dívida", comentou o senador, que é presidente da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo e da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo do Senado Federal.
Também participaram da mesa do encontro organizado pela SEDH e pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), José Gerardo Fontelles, o procurador-geral do Trabalho Otávio Brito e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Milton de Moura França. O ator Wagner Moura foi o mestre de cerimônias e a atriz Vic Militello leu manifesto pela aprovação da PEC 438/2001.
Sonho e realidade
Durante a abertura, foi apresentada uma mensagem gravada de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) que denunciou o trabalho escravo pela primeira vez em 1970, há 40 anos. Dom Pedro afirmou aos participantes que a luta contra o trabalho escravo precisa ser estrutural.
"A bancada ruralista, os fazendeiros e as empresas multinacionais não querem ver o rei nu", criticou o religioso. Ele convocou ainda a globalização solidária pela garantia de direitos, o estímulo à consciência com o intuito de "somar forças, sonhos e aspirações".
Diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para América Latina e Caribe, Jean Maninat louvou a decisão fundamental do país de assumir oficialmente o problema do trabalho escravo em 1995, que alavancou sucessivas ações práticas para o combate ao problema. "Mais de 36 mil pessoas recuperaram o status de seres humanos", sublinhou. Mencionou também o "exemplo formidável" do engajamento de companhias privadas que fazem parte do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e se comprometem a cortar relações econômicas com escravagistas. "Não podemos construir a sociedade do século XXI com práticas do século XIX".
A cerimônia contou ainda com a presença de Gulnara Shahinian, relatora especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão. Ela frisou a "forte vontade política para erradicar o trabalho escravo" e "lideranças e programas inspiradores" que servem de exemplo para outros países. Na avaliação da relatora, o Brasil tem tudo para erradicar o crime.
O descompasso entre as milhares de libertações e a realidade das escassas condenações fez parte das observações da subprocuradora- geral da República Deborah Duprat. Mesmo com a definição da competência da Justiça Federal para julgar casos de trabalho escravo (que foi colocada em pauta novamente em julgamento no STF) e mudanças recentes no Código Penal, as punições efetivas dos escravagistas, com efeito pedagógico, ainda são muito raras.
A subprocuradora repetiu a necessidade da aprovação da PEC do Trabalho Escravo para que os Poderes Legislativo e Judiciário possam contribuir mais efetivamente para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo.
*O jornalista viajou a convite da organização do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Na abertura do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) destacou que combate à escravidão é uma obrigação do poder público e um desafio a sociedade. O trabalho escravo não ofende somente as suas vítimas, mas fere a própria Constituição brasileira. A declaração do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, de que a escravidão contemporânea é um atentado triplo aos preceitos constitucionais da primazia do trabalho, da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento marcou a cerimônia de abertura do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, na noite desta terça-feira (25).
Para o ministro do STF, portanto, o poder público tem a obrigação de enfrentar o crime em prol de uma sociedade "livre, justa e solidária" - como previsto na Carta Magna. Ele condenou o "resquício renitente e teimoso" estrutural, histórico e cultural dos "quase quatro séculos de escravidão" e admitiu inclusive a "contaminação" do Poder Judiciário por meio de "interpretações leninentes e frouxas, para não dizer cúmplices" da escravidão.
Na mesma cerimônia que reuniu autoridades dos três Poderes da República, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), lamentou a insistência de determinados "nichos" da sociedade que ainda tentam criar dúvidas relacionadas à ocorrência da escravidão.
A tentativa de confundir trabalho escravo (previsto expressamente no Art. 149 do Código Penal) com irregularidades trabalhistas pontuais foi desacreditada pelo integrante do Executivo, que realçou a importância das jornadas sobre o tema realizadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) no sentido da consolidação da política estatal.
O I Encontro Nacional, adicionou o ministro, pretende inaugurar uma série histórica para o fortalecimento dos esforços para a eliminação do crime nos próximos anos. "Em 2011, 2012 e 2013, mas espero que não em 2020".
A atuação incisiva dos auditores fiscais do trabalho para que o Brasil possa buscar sólida respeitabilidade foi realçada pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, durante a cerimônia. Os ataques aos resultados da repressão à exploração de mão de obra escrava, emendou, reflete a "incompreensá o e radicalização que não compreende a cidadania".
Carlos Lupi repeliu pressões que possam enfraquecer a "lista suja" do trabalho escravo - cadastro com empregadores flagrados pela fiscalização trabalhista - e destacou o envolvimento de agentes poderosos, fortemente articuladas do ponto de vista político e econômico. Conquista da respeitabilidade para o Brasil.
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no evento, Rolf Hackbart, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), salientou o distanciamento entre o avanço enorme das forças produtivas e o atraso nas relações sociais de produção. A sensibilização de jovens consumidores acerca das origens e dos custos reais embutidos nos produtos pode abrir novos horizontes para a quebra dessa lógica, indicou.
A união dos Poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo), acrescentou o senador José Nery (PSol-PA), é essencial não só para denunciar as tentativas de bloqueio ao combate à escravidão, mas também para reforçar o apoio a um instrumento central que permanece parado na Câmara dos Deputados: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que expropria a área onde houver trabalho escravo e destina a mesma para a reforma agrária.
Nesta quarta-feira (26), o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) deve receber um abaixo-assinado com centenas de milhares de adesões pela aprovação da emenda. "Se essa legislatura acabar, ficará uma dívida", comentou o senador, que é presidente da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo e da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo do Senado Federal.
Também participaram da mesa do encontro organizado pela SEDH e pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), José Gerardo Fontelles, o procurador-geral do Trabalho Otávio Brito e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Milton de Moura França. O ator Wagner Moura foi o mestre de cerimônias e a atriz Vic Militello leu manifesto pela aprovação da PEC 438/2001.
Sonho e realidade
Durante a abertura, foi apresentada uma mensagem gravada de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) que denunciou o trabalho escravo pela primeira vez em 1970, há 40 anos. Dom Pedro afirmou aos participantes que a luta contra o trabalho escravo precisa ser estrutural.
"A bancada ruralista, os fazendeiros e as empresas multinacionais não querem ver o rei nu", criticou o religioso. Ele convocou ainda a globalização solidária pela garantia de direitos, o estímulo à consciência com o intuito de "somar forças, sonhos e aspirações".
Diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para América Latina e Caribe, Jean Maninat louvou a decisão fundamental do país de assumir oficialmente o problema do trabalho escravo em 1995, que alavancou sucessivas ações práticas para o combate ao problema. "Mais de 36 mil pessoas recuperaram o status de seres humanos", sublinhou. Mencionou também o "exemplo formidável" do engajamento de companhias privadas que fazem parte do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e se comprometem a cortar relações econômicas com escravagistas. "Não podemos construir a sociedade do século XXI com práticas do século XIX".
A cerimônia contou ainda com a presença de Gulnara Shahinian, relatora especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão. Ela frisou a "forte vontade política para erradicar o trabalho escravo" e "lideranças e programas inspiradores" que servem de exemplo para outros países. Na avaliação da relatora, o Brasil tem tudo para erradicar o crime.
O descompasso entre as milhares de libertações e a realidade das escassas condenações fez parte das observações da subprocuradora- geral da República Deborah Duprat. Mesmo com a definição da competência da Justiça Federal para julgar casos de trabalho escravo (que foi colocada em pauta novamente em julgamento no STF) e mudanças recentes no Código Penal, as punições efetivas dos escravagistas, com efeito pedagógico, ainda são muito raras.
A subprocuradora repetiu a necessidade da aprovação da PEC do Trabalho Escravo para que os Poderes Legislativo e Judiciário possam contribuir mais efetivamente para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo.
*O jornalista viajou a convite da organização do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
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terça-feira, 25 de maio de 2010
Oráculos da verdade
Por Frei Betto
O filósofo alemão Emmanuel Kant não anda muito em moda. Sobretudo por ter adotado em suas obras uma linguagem hermética. Porém, num de seus brilhantes textos O que é o Iluminismo? sublinha um fenômeno que, na cultura televisual que hoje impera, se torna cada vez mais generalizado: as pessoas renunciam a pensar por si mesmas. Preferem se colocar sob proteção dos oráculos da verdade: a revista semanal, o telejornal, o patrão, o chefe, o pároco ou o pastor.
Esses, os guardiões da verdade que, bondosamente, velam para não nos permitir incorrer em equívocos. Graças a seus alertas sabemos que as mortes de terroristas nas prisões made in USA de Bagdá e Guantánamo são apenas acidentes de percurso comparadas à morte de um preso comum, disfarçado de político, num hospital de Cuba, em decorrência de prolongada greve de fome.
São eles que nos tornam palatáveis os bombardeios dos EUA no Iraque e no Afeganistão, dizimando aldeias com crianças e mulheres, e nos fazem encarar com horror a pretensão de o Irã fazer uso pacífico da energia nuclear, enquanto seu vizinho, Israel, ostenta a bomba atômica.
São eles que nos induzem a repudiar o MST em sua luta por reforma agrária, enquanto o latifúndio, em nome do agronegócio, invade a Amazônia, desmata a floresta e utiliza mão de obra escrava.
É isso que, na opinião de Kant, faz do público Hausvieh, gado doméstico, arrebanhamento, de modo que todos aceitem, resignadamente, permanecer confinados no curral, cientes do risco de caminhar sozinho.
Kant aponta uma lista de oráculos da verdade: o mau governante, o militar, o professor, o sacerdote etc. Todos clamam: Não pensem! Obedeçam! Paguem! Creiam! O filósofo francês Dany-Robert Dufour sugere incluir o publicitário que, hoje, ordena ao rebanho de consumidores: Não pensem!
Gastem!
Tocqueville, autor de Da democracia na América (1840), opina em seu famoso livro que o tipo de despotismo que as nações democráticas deveriam temer é exatamente sua redução a um rebanho de animais tímidos e industriosos, livres da preocupação de pensar.
O velho Marx, que anda em moda por ter previsto as crises cíclicas do capitalismo, assinalou que elas decorreriam da superprodução, o que de fato ocorreu em 1929. Mas não foi o que vimos em 2008, cujos reflexos perduram. A crise atual não derivou da maximização da exploração do trabalhador, e sim da maximização da exploração dos consumidores. Consumo, logo existo, eis o princípio da lógica pós-moderna.
Para transformar o mundo num grande mercado, as técnicas do marketing contaram com a valiosa contribuição de Edward Bernays, duplo sobrinho estadunidense de Freud. Anna, irmã do criador da psicanálise e mãe de Bernays, era casada com o irmão de Martha, mulher de Freud. Os livros deste foram publicados pelo sobrinho nos EUA. Já em 1923, em Crystallizing Public Opinion, Bernays argumenta que governos e anunciantes são capazes de arregimentar a mente (do público) como os militares o fazem com o corpo.
Como gado, o consumidor busca sua segurança na identificação com o rebanho, capaz de homogeneizar seu comportamento, criando padrões universais de hábitos de consumo por meio de uma propaganda libidinal que nele imprime a sensação de ter o desejo correspondido pela mercadoria adquirida. E quanto mais cedo se inicia esse adestramento ao consumismo, tanto maior a maximização do lucro. O ideal é cada criança com um televisor no próprio quarto.
Para se atingir esse objetivo é preciso incrementar uma cultura do egoísmo como regra de vida. Não é por acaso que quase todas as peças publicitárias se baseiam na exacerbação de um dos sete pecados capitais. Todos eles, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.
A inveja é estimulada no anúncio da família que possui um carro melhor que o do vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira as peças publicitárias, do último modelo de telefone celular ao tênis de grife. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos assegurado por planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar ao sol.
A luxúria é marca registrada dos jovens esbeltos e das garotas esculturais que desfrutam vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula envenena a alimentação infantil na forma de chocolates, refrigerantes e biscoitos, induzindo a crer que sabores são prenúncios de amores.
Na sociedade neoliberal, a liberdade se restringe à variedade de escolhas consumistas; a democracia, em votar nos que dispõem de recursos milionários para bancar a campanha eleitoral; a virtude, em pensar primeiro em si mesmo e encarar o semelhante como concorrente. Essa, a verdade proclamada pelos oráculos do sistema.
Fonte: Correio Braziliense.
O filósofo alemão Emmanuel Kant não anda muito em moda. Sobretudo por ter adotado em suas obras uma linguagem hermética. Porém, num de seus brilhantes textos O que é o Iluminismo? sublinha um fenômeno que, na cultura televisual que hoje impera, se torna cada vez mais generalizado: as pessoas renunciam a pensar por si mesmas. Preferem se colocar sob proteção dos oráculos da verdade: a revista semanal, o telejornal, o patrão, o chefe, o pároco ou o pastor.
Esses, os guardiões da verdade que, bondosamente, velam para não nos permitir incorrer em equívocos. Graças a seus alertas sabemos que as mortes de terroristas nas prisões made in USA de Bagdá e Guantánamo são apenas acidentes de percurso comparadas à morte de um preso comum, disfarçado de político, num hospital de Cuba, em decorrência de prolongada greve de fome.
São eles que nos tornam palatáveis os bombardeios dos EUA no Iraque e no Afeganistão, dizimando aldeias com crianças e mulheres, e nos fazem encarar com horror a pretensão de o Irã fazer uso pacífico da energia nuclear, enquanto seu vizinho, Israel, ostenta a bomba atômica.
São eles que nos induzem a repudiar o MST em sua luta por reforma agrária, enquanto o latifúndio, em nome do agronegócio, invade a Amazônia, desmata a floresta e utiliza mão de obra escrava.
É isso que, na opinião de Kant, faz do público Hausvieh, gado doméstico, arrebanhamento, de modo que todos aceitem, resignadamente, permanecer confinados no curral, cientes do risco de caminhar sozinho.
Kant aponta uma lista de oráculos da verdade: o mau governante, o militar, o professor, o sacerdote etc. Todos clamam: Não pensem! Obedeçam! Paguem! Creiam! O filósofo francês Dany-Robert Dufour sugere incluir o publicitário que, hoje, ordena ao rebanho de consumidores: Não pensem!
Gastem!
Tocqueville, autor de Da democracia na América (1840), opina em seu famoso livro que o tipo de despotismo que as nações democráticas deveriam temer é exatamente sua redução a um rebanho de animais tímidos e industriosos, livres da preocupação de pensar.
O velho Marx, que anda em moda por ter previsto as crises cíclicas do capitalismo, assinalou que elas decorreriam da superprodução, o que de fato ocorreu em 1929. Mas não foi o que vimos em 2008, cujos reflexos perduram. A crise atual não derivou da maximização da exploração do trabalhador, e sim da maximização da exploração dos consumidores. Consumo, logo existo, eis o princípio da lógica pós-moderna.
Para transformar o mundo num grande mercado, as técnicas do marketing contaram com a valiosa contribuição de Edward Bernays, duplo sobrinho estadunidense de Freud. Anna, irmã do criador da psicanálise e mãe de Bernays, era casada com o irmão de Martha, mulher de Freud. Os livros deste foram publicados pelo sobrinho nos EUA. Já em 1923, em Crystallizing Public Opinion, Bernays argumenta que governos e anunciantes são capazes de arregimentar a mente (do público) como os militares o fazem com o corpo.
Como gado, o consumidor busca sua segurança na identificação com o rebanho, capaz de homogeneizar seu comportamento, criando padrões universais de hábitos de consumo por meio de uma propaganda libidinal que nele imprime a sensação de ter o desejo correspondido pela mercadoria adquirida. E quanto mais cedo se inicia esse adestramento ao consumismo, tanto maior a maximização do lucro. O ideal é cada criança com um televisor no próprio quarto.
Para se atingir esse objetivo é preciso incrementar uma cultura do egoísmo como regra de vida. Não é por acaso que quase todas as peças publicitárias se baseiam na exacerbação de um dos sete pecados capitais. Todos eles, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.
A inveja é estimulada no anúncio da família que possui um carro melhor que o do vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira as peças publicitárias, do último modelo de telefone celular ao tênis de grife. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos assegurado por planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar ao sol.
A luxúria é marca registrada dos jovens esbeltos e das garotas esculturais que desfrutam vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula envenena a alimentação infantil na forma de chocolates, refrigerantes e biscoitos, induzindo a crer que sabores são prenúncios de amores.
Na sociedade neoliberal, a liberdade se restringe à variedade de escolhas consumistas; a democracia, em votar nos que dispõem de recursos milionários para bancar a campanha eleitoral; a virtude, em pensar primeiro em si mesmo e encarar o semelhante como concorrente. Essa, a verdade proclamada pelos oráculos do sistema.
Fonte: Correio Braziliense.
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Produção Agrícola Brasileira, safra 2009/2010,
(Fonte IBGE)
Por Ricardo Bergamini
Produção de cereais, leguminosas e oleaginosas deve chegar a 146,5 milhões de toneladas, superando em 9,4% a produção obtida em 2009 (133,9 milhões de toneladas) e ficando 0,4% acima do recorde da série (2008). Em 2010, o Paraná deverá suplantar o Mato Grosso e voltar a ser o maior produtor de grãos do País.
A quarta estimativa da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas, indica uma produção da ordem de 146,5 milhões de toneladas, superior em 9,4% à obtida em 2009 (133,9 milhões de toneladas) e suplantando, pela primeira vez, em 0,4% o recorde de 2008 (145,9 milhões de toneladas)1.
Espera-se um aumento de 0,1% em relação à área plantada no ano passado, chegando a 47,3 milhões de hectares. Em relação a 2009, para as três principais culturas, arroz, milho e soja (82,3% da área plantada) espera-se variações de (–5,0%), 5,9% e 6,5%, respectivamente. A produção do milho e da soja deverá crescer 4,0% e 19,2%, respectivamente, enquanto que o arroz terá retração (-9,7%).
A distribuição regional da produção de cereais, leguminosas e oleaginosas será: Sul, 62,2 milhões de toneladas; Centro-Oeste, 51,0 milhões de toneladas; Sudeste, 16,5 milhões de toneladas; Nordeste, 12,9 milhões de toneladas e Norte, 3,9 milhões de toneladas. Em relação à safra passada, espera-se queda apenas no Sudeste (-4,0%). As demais terão incrementos: Norte 3,2%, Nordeste 9,6%, Sul 18,7% e Centro-Oeste 4,4%.
Paraná, nessa avaliação para 2010, retorna à posição de maior produtor nacional de grãos, superando em 1,5 pontos percentuais o Mato Grosso, que no ano passado assumiu a liderança, já que a safra paranaense foi muito afetada pelas condições climáticas desfavoráveis, como seca no início de 2009, geadas em junho e chuvas excessivas no período final das culturas de inverno.
Produção Agrícola 2010 – estimativa de abril em relação a março
No Levantamento Sistemático da Produção Agrícola de abril, em relação a março, destacamos as variações em oito produtos: aveia em grão (+22,8%), café em grão (+1,7), cevada em grão (8,4%), feijão em grão total (-1,5%), milho em grão total (+1,3%), soja em grão (+0,8%), trigo em grão (+3,9%) e triticale em grão (+3,8%).
CAFÉ (em grão) - A estimativa da safra nacional de café em grão, segundo o levantamento de abril, é de 2.698.361 t, ou 45,0 milhões de sacas. Em relação a março, houve alta de 1,7%. A área plantada total está 0,3% maior: 2.358.747 ha. A área destinada à colheita em 2010 é de 2.142.541 ha, superior à estimativa anterior (0,2%). Os acréscimos em relação a março podem ser creditados ao estado de Minas Gerais, maior produtor nacional, onde os problemas ocorridos em meses anteriores tiveram suas dimensões reavaliadas. A produção de mais 370.000 sacas no Sul de Minas Gerais, explica o aumento dos números para o Brasil (+ 1,7%) em relação ao mês anterior.
FEIJÃO (em grão) total - A produção nacional de feijão, considerando as três safras do produto, está avaliada em 3.504.313 toneladas, inferior 1,5% a do levantamento de março.
Frente a março, as variações da produção dessas safras foram, respectivamente, -4,4%, -1,1% e +11,8%. A redução na produção do feijão 1ª safra, neste levantamento de abril, teve origem no Nordeste, onde a escassez de chuvas provocou redução das estimativas no Ceará (14,8%) e Bahia (23,7%). O mesmo ocorre com a segunda safra, cujo pequeno decréscimo em relação a março deve-se às reavaliações nos dados de alguns estados do Nordeste. Na Paraíba, embora as informações ainda sejam de intenção de plantio, houve decréscimo (-18,0%). Para o feijão terceira safra a alta na produção decorreu da primeira avaliação em Minas Gerais, cuja informação anterior era apenas uma projeção. A produção de Minas, nesta avaliação, registra alta de 37,2% em relação a março.
Milho (em grão) Total - A produção nacional do milho em grão em 2010, para ambas as safras, totaliza 53,3 milhões de toneladas mostrando neste mês uma variação positiva de 1,3% sobre o mês de março. Com relação à 1ª safra de milho, a produção deverá alcançar 33,8 milhões de toneladas, 1,0% acima da estimativa anterior. Este pequeno ganho de produção deve-se, principalmente, aos acréscimos em Santa Catarina (11,8%) e Rio Grande do Sul (4,7%) que com as condições climáticas favoráveis, reavaliaram seus rendimentos. No Nordeste, ao contrário, a escassez de chuvas provocou quedas expressivas nas estimativas para Ceará (24,2%) e Paraíba (41,0%).
A participação regional para esta 1ª safra, encontra-se assim distribuída: Sul (47,1%), Sudeste (26,9%), Nordeste (12,6%), Centro-Oeste (9,6%) e Norte (3,8%). No que se refere ao milho 2ª safra, a produção deverá alcançar 19,5 milhões de toneladas, 1,9% superior à informação do mês passado devido à reavaliação do rendimento médio em 3,4% tendo em vista que a área a ser colhida mostra retração de 1,5%. O Mato Grosso do Sul foi o principal responsável pelo ganho verificado nesse mês face às boas condições climáticas e uma maior utilização de tecnologia, que promoveram um acréscimo de 24,7% no rendimento médio da cultura alcançando agora 3.600 kg/ha contra os 2.887 kg/ha informados em março.
Soja em grão – Para 2010, a produção esperada de soja (67,9 milhões de toneladas) é maior 0,8% que a informação de março. Os acréscimos se devem a uma reavaliação positiva no rendimento dos Estados de Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul, com as boas condições climáticas nos principais centros produtores. Ressalta-se que no Mato Grosso do Sul, com a colheita encerrada, o rendimento médio obtido de 3.050 kg/há suplantou em 4,2% o antigo recorde de 2.926 kg/ha que vinha se mantendo desde 2001.
CEREAIS DE INVERNO (em grão) - Por último, para as lavouras de inverno, cujos cultivos concentram-se, predominantemente, nos estados do sul do pais, verificam-se acréscimos para a aveia (22,8%), cevada (8,4%), trigo (3,9%) e triticale (3,8%). Para o trigo, a mais importante dessas culturas, a produção esperada de 5,6 milhões de toneladas supera em 3,9% a informada em março. Destaca-se que essa avaliação é de caráter preliminar e deve ser analisada com cautela tendo em vista que apenas Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul forneceram os primeiros dados. Salienta-se, por outro lado, que a primeira avaliação da safra paranaense, maior produtor nacional, com uma participação de 55,0% na produção nacional do trigo, registra um aumento de produção de 7,2% considerando que as condições climáticas sejam mais satisfatórias que as ocorridas em 2009, tendo em vista que a área destinada à cultura neste Estado apresenta retração de 11,4% na comparação com o mês anterior.
Na estimativa de abril, 15 dos 24 produtos investigados terão alta em relação a 2009, dentre os vinte e quatro produtos selecionados, quinze apresentam variação positiva na estimativa de produção em relação ao ano anterior: algodão herbáceo em caroço (6,5%), aveia em grão (9,2%), batata-inglesa 1ª safra (3,2%), batata-inglesa 2ª safra (10,3%), café em grão (10,9%), cebola (1,4%), cevada em grão (21,3%), feijão em grão 1ª safra (7,6%), laranja (3,0%), mamona em baga (32,5%), mandioca (4,9%), milho em grão 2ª safra (13,5%), soja em grão (19,2%), trigo em grão (13,1%) e triticale em grão (13,2%).
Com variação negativa: amendoim em casca 1ª safra (7,9%), amendoim em casca 2ª safra (24,6%), arroz em casca (9,7%), batata-inglesa 3ª safra (8,8%), cacau em amêndoa (2,4%), feijão em grão 2ª safra (9,5%), feijão em grão 3ª safra (1,9%), milho em grão 1ª safra (0,8%) e sorgo em grão (4,9%).
Para o café, a estimativa da safra 2010 é de 2.698.361 t, ou 45,0 milhões de sacas de 60kg do produto em grãos, contra 40,5 milhões em 2009, ou uma alta de 10,9%. A área destinada à colheita é de 2.142.541 ha. A área total recua (-0,3%), constatação verificada em Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O rendimento médio esperado é 1.259 kg/ha, 10,4% maior que o obtido em 2009.
Nota:
Em atenção a demandas dos usuários de informação de safra, os levantamentos para Cereais, leguminosas e oleaginosas, ora divulgados, foram realizados em estreita colaboração com a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab, órgão do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, continuando um processo de harmonização das estimativas oficiais de safra, iniciado em outubro de 2007, para as principais lavouras brasileiras.
Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.
Por Ricardo Bergamini
Produção de cereais, leguminosas e oleaginosas deve chegar a 146,5 milhões de toneladas, superando em 9,4% a produção obtida em 2009 (133,9 milhões de toneladas) e ficando 0,4% acima do recorde da série (2008). Em 2010, o Paraná deverá suplantar o Mato Grosso e voltar a ser o maior produtor de grãos do País.
A quarta estimativa da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas, indica uma produção da ordem de 146,5 milhões de toneladas, superior em 9,4% à obtida em 2009 (133,9 milhões de toneladas) e suplantando, pela primeira vez, em 0,4% o recorde de 2008 (145,9 milhões de toneladas)1.
Espera-se um aumento de 0,1% em relação à área plantada no ano passado, chegando a 47,3 milhões de hectares. Em relação a 2009, para as três principais culturas, arroz, milho e soja (82,3% da área plantada) espera-se variações de (–5,0%), 5,9% e 6,5%, respectivamente. A produção do milho e da soja deverá crescer 4,0% e 19,2%, respectivamente, enquanto que o arroz terá retração (-9,7%).
A distribuição regional da produção de cereais, leguminosas e oleaginosas será: Sul, 62,2 milhões de toneladas; Centro-Oeste, 51,0 milhões de toneladas; Sudeste, 16,5 milhões de toneladas; Nordeste, 12,9 milhões de toneladas e Norte, 3,9 milhões de toneladas. Em relação à safra passada, espera-se queda apenas no Sudeste (-4,0%). As demais terão incrementos: Norte 3,2%, Nordeste 9,6%, Sul 18,7% e Centro-Oeste 4,4%.
Paraná, nessa avaliação para 2010, retorna à posição de maior produtor nacional de grãos, superando em 1,5 pontos percentuais o Mato Grosso, que no ano passado assumiu a liderança, já que a safra paranaense foi muito afetada pelas condições climáticas desfavoráveis, como seca no início de 2009, geadas em junho e chuvas excessivas no período final das culturas de inverno.
Produção Agrícola 2010 – estimativa de abril em relação a março
No Levantamento Sistemático da Produção Agrícola de abril, em relação a março, destacamos as variações em oito produtos: aveia em grão (+22,8%), café em grão (+1,7), cevada em grão (8,4%), feijão em grão total (-1,5%), milho em grão total (+1,3%), soja em grão (+0,8%), trigo em grão (+3,9%) e triticale em grão (+3,8%).
CAFÉ (em grão) - A estimativa da safra nacional de café em grão, segundo o levantamento de abril, é de 2.698.361 t, ou 45,0 milhões de sacas. Em relação a março, houve alta de 1,7%. A área plantada total está 0,3% maior: 2.358.747 ha. A área destinada à colheita em 2010 é de 2.142.541 ha, superior à estimativa anterior (0,2%). Os acréscimos em relação a março podem ser creditados ao estado de Minas Gerais, maior produtor nacional, onde os problemas ocorridos em meses anteriores tiveram suas dimensões reavaliadas. A produção de mais 370.000 sacas no Sul de Minas Gerais, explica o aumento dos números para o Brasil (+ 1,7%) em relação ao mês anterior.
FEIJÃO (em grão) total - A produção nacional de feijão, considerando as três safras do produto, está avaliada em 3.504.313 toneladas, inferior 1,5% a do levantamento de março.
Frente a março, as variações da produção dessas safras foram, respectivamente, -4,4%, -1,1% e +11,8%. A redução na produção do feijão 1ª safra, neste levantamento de abril, teve origem no Nordeste, onde a escassez de chuvas provocou redução das estimativas no Ceará (14,8%) e Bahia (23,7%). O mesmo ocorre com a segunda safra, cujo pequeno decréscimo em relação a março deve-se às reavaliações nos dados de alguns estados do Nordeste. Na Paraíba, embora as informações ainda sejam de intenção de plantio, houve decréscimo (-18,0%). Para o feijão terceira safra a alta na produção decorreu da primeira avaliação em Minas Gerais, cuja informação anterior era apenas uma projeção. A produção de Minas, nesta avaliação, registra alta de 37,2% em relação a março.
Milho (em grão) Total - A produção nacional do milho em grão em 2010, para ambas as safras, totaliza 53,3 milhões de toneladas mostrando neste mês uma variação positiva de 1,3% sobre o mês de março. Com relação à 1ª safra de milho, a produção deverá alcançar 33,8 milhões de toneladas, 1,0% acima da estimativa anterior. Este pequeno ganho de produção deve-se, principalmente, aos acréscimos em Santa Catarina (11,8%) e Rio Grande do Sul (4,7%) que com as condições climáticas favoráveis, reavaliaram seus rendimentos. No Nordeste, ao contrário, a escassez de chuvas provocou quedas expressivas nas estimativas para Ceará (24,2%) e Paraíba (41,0%).
A participação regional para esta 1ª safra, encontra-se assim distribuída: Sul (47,1%), Sudeste (26,9%), Nordeste (12,6%), Centro-Oeste (9,6%) e Norte (3,8%). No que se refere ao milho 2ª safra, a produção deverá alcançar 19,5 milhões de toneladas, 1,9% superior à informação do mês passado devido à reavaliação do rendimento médio em 3,4% tendo em vista que a área a ser colhida mostra retração de 1,5%. O Mato Grosso do Sul foi o principal responsável pelo ganho verificado nesse mês face às boas condições climáticas e uma maior utilização de tecnologia, que promoveram um acréscimo de 24,7% no rendimento médio da cultura alcançando agora 3.600 kg/ha contra os 2.887 kg/ha informados em março.
Soja em grão – Para 2010, a produção esperada de soja (67,9 milhões de toneladas) é maior 0,8% que a informação de março. Os acréscimos se devem a uma reavaliação positiva no rendimento dos Estados de Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul, com as boas condições climáticas nos principais centros produtores. Ressalta-se que no Mato Grosso do Sul, com a colheita encerrada, o rendimento médio obtido de 3.050 kg/há suplantou em 4,2% o antigo recorde de 2.926 kg/ha que vinha se mantendo desde 2001.
CEREAIS DE INVERNO (em grão) - Por último, para as lavouras de inverno, cujos cultivos concentram-se, predominantemente, nos estados do sul do pais, verificam-se acréscimos para a aveia (22,8%), cevada (8,4%), trigo (3,9%) e triticale (3,8%). Para o trigo, a mais importante dessas culturas, a produção esperada de 5,6 milhões de toneladas supera em 3,9% a informada em março. Destaca-se que essa avaliação é de caráter preliminar e deve ser analisada com cautela tendo em vista que apenas Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul forneceram os primeiros dados. Salienta-se, por outro lado, que a primeira avaliação da safra paranaense, maior produtor nacional, com uma participação de 55,0% na produção nacional do trigo, registra um aumento de produção de 7,2% considerando que as condições climáticas sejam mais satisfatórias que as ocorridas em 2009, tendo em vista que a área destinada à cultura neste Estado apresenta retração de 11,4% na comparação com o mês anterior.
Na estimativa de abril, 15 dos 24 produtos investigados terão alta em relação a 2009, dentre os vinte e quatro produtos selecionados, quinze apresentam variação positiva na estimativa de produção em relação ao ano anterior: algodão herbáceo em caroço (6,5%), aveia em grão (9,2%), batata-inglesa 1ª safra (3,2%), batata-inglesa 2ª safra (10,3%), café em grão (10,9%), cebola (1,4%), cevada em grão (21,3%), feijão em grão 1ª safra (7,6%), laranja (3,0%), mamona em baga (32,5%), mandioca (4,9%), milho em grão 2ª safra (13,5%), soja em grão (19,2%), trigo em grão (13,1%) e triticale em grão (13,2%).
Com variação negativa: amendoim em casca 1ª safra (7,9%), amendoim em casca 2ª safra (24,6%), arroz em casca (9,7%), batata-inglesa 3ª safra (8,8%), cacau em amêndoa (2,4%), feijão em grão 2ª safra (9,5%), feijão em grão 3ª safra (1,9%), milho em grão 1ª safra (0,8%) e sorgo em grão (4,9%).
Para o café, a estimativa da safra 2010 é de 2.698.361 t, ou 45,0 milhões de sacas de 60kg do produto em grãos, contra 40,5 milhões em 2009, ou uma alta de 10,9%. A área destinada à colheita é de 2.142.541 ha. A área total recua (-0,3%), constatação verificada em Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O rendimento médio esperado é 1.259 kg/ha, 10,4% maior que o obtido em 2009.
Nota:
Em atenção a demandas dos usuários de informação de safra, os levantamentos para Cereais, leguminosas e oleaginosas, ora divulgados, foram realizados em estreita colaboração com a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab, órgão do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, continuando um processo de harmonização das estimativas oficiais de safra, iniciado em outubro de 2007, para as principais lavouras brasileiras.
Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.
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sexta-feira, 21 de maio de 2010
O primogênito dos sem-terra
Primeiro nascido em um acampamento, Marcos Tiaraju está prestes a se formar em medicina
Por Mauro Graeff Júnior
Seu nome é carregado de simbolismo. Foi escolhido por um grupo de colonos sem-terra em uma reunião realizada sob lonas pretas. Marcos faz referência à palavra marco, início. Tiaraju é uma homenagem a Sepé Tiaraju, o líder dos índios guaranis morto em 1756 na defesa das terras do Rio Grande do Sul contra portugueses e espanhóis.
Marcos Tiaraju Correa da Silva, de 24 anos, foi a primeira criança nascida em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O jovem perdeu a mãe em um conflito com ruralistas, cresceu em manifestações e hoje estuda medicina em Cuba. Quer voltar ao Brasil em um ano e meio, formado, para continuar a luta iniciada pelos pais.
A história de Marcos entrelaça-se com a trajetória do MST. Ele nasceu em 1º de novembro de 1985 na Fazenda Annoni, no norte do Rio Grande do Sul, na primeira área ocupada pelo recém-criado grupo. O local, para onde migraram 1,5 mil famílias de agricultores pobres, é o berço do movimento e tornou-se símbolo da batalha pela terra.
José Correa da Silva e Roseli Celeste Nunes da Silva, os pais, entraram no MST após ficarem cansados da vida miserável. Chegaram à fazenda de 9 mil hectares com algumas sacolas de roupa, os dois filhos – de 3 e 6 anos – e o sonho de virar donos de um pedaço de chão. Roseli, aos 31 anos, estava grávida de nove meses. “Não tínhamos alternativa”, afirma o pai de Marcos.
O bebê nasceu num hospital perto do acampamento. Viveu os primeiros meses de vida em barracas, amamentado em protestos e ocupações. Sua mãe o levou nos braços em uma marcha de 500 quilômetros que durou 28 dias, entre a Fazenda Annoni e Porto Alegre. Para os colonos, o menino virou um talismã desde o nascimento, lembra o padre Arlindo Fritzen, um dos fundadores do movimento. “Ele é o símbolo da vida, da esperança, para milhares de pessoas que se juntaram pelo sonho da reforma agrária. O sucesso dele é uma vitória, mostra que o sacrifício não foi à toa”, diz Fritzen, que batizou Marcos.
Em 31 de março de 1987, Roseli participava de uma manifestação em Sarandi, também no norte do estado, quando o caminhão de uma empresa agrícola avançou sobre uma barreira de colonos. Rose, como era chamada, morreu esmagada. Virou nome de acampamentos, assentamentos, escolas e brigadas do MST por todo o Brasil. A história dela foi contada nos documentários Terra para Rose e O Sonho de Rose, ambos da carioca Tetê Moraes.
Abalado com a morte da mulher e com três filhos pequenos para criar, o pai de Marcos não suportou a dura rotina nos acampamentos, onde faltava até água para beber. Foi tentar a vida na cidade como pintor de paredes, sem perder os vínculos com os amigos do movimento. A reaproximação com o MST ocorreu em 1996, quando a documentarista preparava o segundo filme sobre Roseli. “Decidimos que o sonho de Rose, o sonho de minha mãe, deveria virar realidade. Ela não poderia ter morrido em vão. Precisávamos ter nossa terra”, conta o estudante.
Convidado por um amigo, o futuro médico morou um ano em um assentamento na região metropolitana de Porto Alegre, longe da família. Lá, aos 14 anos, reencontrou- se com o passado.
Essa temporada reascendeu seus ideais adormecidos, os mesmos que moveram sua mãe. “Ganhei uma camiseta estampada com uma foto dela comigo nos braços e uma frase que ela sempre repetia: ‘Prefiro morrer lutando do que morrer de fome’. Nunca foi fácil aceitar a sua morte e acredito que nunca será. Mas sinto orgulho do que ela fez.”
Em 1999, o sonho foi realizado. A família Silva recebeu 14 hectares em Viamão, nos arredores de Porto Alegre. Não foi fácil para Marcos seguir com os estudos e morar no novo assentamento. Caminhava diariamente 7 quilômetros até o ponto de ônibus mais próximo. Meses depois, ganhou uma bicicleta e passou a pedalar 30 quilômetros por dia para ir e voltar da escola. Pensou várias vezes em trocar os livros pela enxada.
De volta ao convívio com o movimento, passou a envolver-se mais em protestos e ocupações. Morou em acampamentos, pegou em foices e reviveu a rotina dos primeiros meses de vida. O passaporte para mudar de país e de vida veio em 2005, quando engrossou uma marcha de 12 mil sem-terra a Brasília. Acabou convidado a estudar medicina em Cuba. “Senti o compromisso moral de aceitar a proposta, já que diariamente dentro do movimento- levantamos a bandeira da educação e da saúde como forma de melhorar a vida dos mais pobres.”
Sem nunca ter saído do Brasil e com espanhol precário, o gaúcho desembarcou em 2006 na ilha de Fidel Castro. Cursou os dois primeiros anos de faculdade em Havana e agora está em Camaguey, a oito horas da capital. Suas despesas com estudo, alimentação, higiene pessoal e moradia são custeadas pelo governo cubano. Também recebe auxílio financeiro do MST a cada três ou quatro meses. Se tudo der certo, se graduará em 2012. Ainda não escolheu qual especialização vai seguir, mas tem claro que voltará às fileiras do movimento. Quer usar a medicina para atender “os companheiros” . Diz querer ajudar a reconquistar a simpatia da população em relação aos sem-terra. “Temos de mostrar nossos objetivos e nossas raízes, a luta pacífica pela terra.”
O universitário sabe ser um símbolo da causa. Os filmes que contam a história de sua mãe são exibidos com sucesso nos acampamentos e assentamentos. Os documentários o fizeram conhecido entre os que lutam pela reforma agrária. “A história do Marcos dá uma energia positiva para jovens que passaram tantas dificuldades como ele. É uma mensagem de esperança”, afirma a documentarista Tetê Moraes, que acompanha os passos do estudante desde o nascimento e recentemente fez um curta-metragem sobre o filho de Rose.
Consciente de seu papel histórico para o MST, o futuro médico busca inspiração na própria história para honrar a peleja de Roseli. Com o filho nos braços, em um depoimento do filme Terra para Rose, ela dizia: “Espero que quando ele (Marcos) estiver grande, tudo isso não seja em vão. Que ele tenha um futuro melhor”.
Por Mauro Graeff Júnior
Seu nome é carregado de simbolismo. Foi escolhido por um grupo de colonos sem-terra em uma reunião realizada sob lonas pretas. Marcos faz referência à palavra marco, início. Tiaraju é uma homenagem a Sepé Tiaraju, o líder dos índios guaranis morto em 1756 na defesa das terras do Rio Grande do Sul contra portugueses e espanhóis.
Marcos Tiaraju Correa da Silva, de 24 anos, foi a primeira criança nascida em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O jovem perdeu a mãe em um conflito com ruralistas, cresceu em manifestações e hoje estuda medicina em Cuba. Quer voltar ao Brasil em um ano e meio, formado, para continuar a luta iniciada pelos pais.
A história de Marcos entrelaça-se com a trajetória do MST. Ele nasceu em 1º de novembro de 1985 na Fazenda Annoni, no norte do Rio Grande do Sul, na primeira área ocupada pelo recém-criado grupo. O local, para onde migraram 1,5 mil famílias de agricultores pobres, é o berço do movimento e tornou-se símbolo da batalha pela terra.
José Correa da Silva e Roseli Celeste Nunes da Silva, os pais, entraram no MST após ficarem cansados da vida miserável. Chegaram à fazenda de 9 mil hectares com algumas sacolas de roupa, os dois filhos – de 3 e 6 anos – e o sonho de virar donos de um pedaço de chão. Roseli, aos 31 anos, estava grávida de nove meses. “Não tínhamos alternativa”, afirma o pai de Marcos.
O bebê nasceu num hospital perto do acampamento. Viveu os primeiros meses de vida em barracas, amamentado em protestos e ocupações. Sua mãe o levou nos braços em uma marcha de 500 quilômetros que durou 28 dias, entre a Fazenda Annoni e Porto Alegre. Para os colonos, o menino virou um talismã desde o nascimento, lembra o padre Arlindo Fritzen, um dos fundadores do movimento. “Ele é o símbolo da vida, da esperança, para milhares de pessoas que se juntaram pelo sonho da reforma agrária. O sucesso dele é uma vitória, mostra que o sacrifício não foi à toa”, diz Fritzen, que batizou Marcos.
Em 31 de março de 1987, Roseli participava de uma manifestação em Sarandi, também no norte do estado, quando o caminhão de uma empresa agrícola avançou sobre uma barreira de colonos. Rose, como era chamada, morreu esmagada. Virou nome de acampamentos, assentamentos, escolas e brigadas do MST por todo o Brasil. A história dela foi contada nos documentários Terra para Rose e O Sonho de Rose, ambos da carioca Tetê Moraes.
Abalado com a morte da mulher e com três filhos pequenos para criar, o pai de Marcos não suportou a dura rotina nos acampamentos, onde faltava até água para beber. Foi tentar a vida na cidade como pintor de paredes, sem perder os vínculos com os amigos do movimento. A reaproximação com o MST ocorreu em 1996, quando a documentarista preparava o segundo filme sobre Roseli. “Decidimos que o sonho de Rose, o sonho de minha mãe, deveria virar realidade. Ela não poderia ter morrido em vão. Precisávamos ter nossa terra”, conta o estudante.
Convidado por um amigo, o futuro médico morou um ano em um assentamento na região metropolitana de Porto Alegre, longe da família. Lá, aos 14 anos, reencontrou- se com o passado.
Essa temporada reascendeu seus ideais adormecidos, os mesmos que moveram sua mãe. “Ganhei uma camiseta estampada com uma foto dela comigo nos braços e uma frase que ela sempre repetia: ‘Prefiro morrer lutando do que morrer de fome’. Nunca foi fácil aceitar a sua morte e acredito que nunca será. Mas sinto orgulho do que ela fez.”
Em 1999, o sonho foi realizado. A família Silva recebeu 14 hectares em Viamão, nos arredores de Porto Alegre. Não foi fácil para Marcos seguir com os estudos e morar no novo assentamento. Caminhava diariamente 7 quilômetros até o ponto de ônibus mais próximo. Meses depois, ganhou uma bicicleta e passou a pedalar 30 quilômetros por dia para ir e voltar da escola. Pensou várias vezes em trocar os livros pela enxada.
De volta ao convívio com o movimento, passou a envolver-se mais em protestos e ocupações. Morou em acampamentos, pegou em foices e reviveu a rotina dos primeiros meses de vida. O passaporte para mudar de país e de vida veio em 2005, quando engrossou uma marcha de 12 mil sem-terra a Brasília. Acabou convidado a estudar medicina em Cuba. “Senti o compromisso moral de aceitar a proposta, já que diariamente dentro do movimento- levantamos a bandeira da educação e da saúde como forma de melhorar a vida dos mais pobres.”
Sem nunca ter saído do Brasil e com espanhol precário, o gaúcho desembarcou em 2006 na ilha de Fidel Castro. Cursou os dois primeiros anos de faculdade em Havana e agora está em Camaguey, a oito horas da capital. Suas despesas com estudo, alimentação, higiene pessoal e moradia são custeadas pelo governo cubano. Também recebe auxílio financeiro do MST a cada três ou quatro meses. Se tudo der certo, se graduará em 2012. Ainda não escolheu qual especialização vai seguir, mas tem claro que voltará às fileiras do movimento. Quer usar a medicina para atender “os companheiros” . Diz querer ajudar a reconquistar a simpatia da população em relação aos sem-terra. “Temos de mostrar nossos objetivos e nossas raízes, a luta pacífica pela terra.”
O universitário sabe ser um símbolo da causa. Os filmes que contam a história de sua mãe são exibidos com sucesso nos acampamentos e assentamentos. Os documentários o fizeram conhecido entre os que lutam pela reforma agrária. “A história do Marcos dá uma energia positiva para jovens que passaram tantas dificuldades como ele. É uma mensagem de esperança”, afirma a documentarista Tetê Moraes, que acompanha os passos do estudante desde o nascimento e recentemente fez um curta-metragem sobre o filho de Rose.
Consciente de seu papel histórico para o MST, o futuro médico busca inspiração na própria história para honrar a peleja de Roseli. Com o filho nos braços, em um depoimento do filme Terra para Rose, ela dizia: “Espero que quando ele (Marcos) estiver grande, tudo isso não seja em vão. Que ele tenha um futuro melhor”.
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O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” das elites capitalistas, através da mídia:
1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.
4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê?
“Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada as classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.
8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!
10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.
4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê?
“Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada as classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.
8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!
10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
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segunda-feira, 17 de maio de 2010
Como se prepara uma conquista
Por Mauro Santayana
Desde que existem fronteiras, existem guerras. As guerras se fazem sobre as fronteiras, para que se abram aos invasores. Ao se abrirem, deslocam-se, em favor dos que vencem, cujo espaço se vê ampliado. Há as fronteiras físicas, eventualmente com suas fortalezas e seus obstáculos naturais, e há as fronteiras morais. O povo invadido não se defende apenas com as armas, por mais poderosas sejam; defendem-se com sua bravura, sua honra, seu sentimento de fraternidade.
É natural que os homens morram na defesa de suas ideias e de sua dignidade, mas para isso devem nelas acreditar como alguma coisa maior do que eles mesmos. Nenhuma outra ideia, nenhum outro compromisso, é maior do que a ideia de pátria, que aceita e amplia o sentimento de família. O homem que morre na defesa de sua pátria, morre na defesa de seus filhos e de todos os filhos, de todas as mulheres, de todos os anciões de seu povo.
Por isso, a defesa é mais poderosa do que o ataque – como temos visto em todas as guerras. A defesa se transforma em ataque, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial. A resistência russa, nas portas de Moscou e na gesta desesperadora de Stalingrado, se converteu na cena orgulhosa do soldado que fixa a bandeira vermelha no alto do Reichstag, em Berlim.
As guerras não são fenômenos repentinos na História. Muitos estudiosos vão à mitológica Guerra de Troia, na versão de Homero, com seus paradigmas de astúcia, heroísmo, covardia e traições, para nela encontrar o exemplo clássico dessa patologia: todos os conflitos anteriores e todos os que se seguiram se explicam com a expedição de Agamenon, a astúcia de Ulysses, o inútil “corpo fechado” de Aquiles, com seu calcanhar vulnerável, a coragem de Ájax no confronto com Hector, a enigmática figura de Palamedes.
A guerra está presente em todas as comunidades humanas, seja na conquista ou na defesa. Um dia, se houver Deus, é possível que haja paz. Não tem havido paz. Assim, os agressores, mais do que pensar nas defesas físicas do presumido inimigo a ser conquistado, buscam atingir previamente sua armadura moral. Uma desmoralização fácil, e de que se valeram os nazistas, é a racial. Sendo diferente, o inimigo deve ser aniquilado: não faz parte da nossa espécie. Os mais velhos se lembram das histórias em quadrinhos americanas, nas quais os japoneses eram caricaturados como se fossem símios, e os alemães sempre obesos e embriagados. Para combatê-los, surgiu a nova mitologia dos super-homens, dos fantasmas-voadores, dos capitães-américa.
Depois de Avatar, de James Cameron, uma alegoria claramente identificada com a Amazônia, sua biodiversidade e seus minérios, a cineasta Kathryn Bigelow anuncia película a ser ambientada na Tríplice Fronteira. Alguns senhores, de curta inteligência ou de duvidoso patriotismo, saúdam a iniciativa, como promoção do turismo. Não percebem que se trata de abrir caminho a futura ocupação da área, anunciada durante o governo Bush, contra a soberania do Brasil, da Argentina e do Paraguai, a pretexto do “combate ao terrorismo”. Trata-se da construção de uma ideia da região, que nada tem a ver com a realidade, e da justificação subliminar para operações das Forças Armadas norte-americanas na área. Para isso, os ianques já construíram grande pista de pouso no Chaco paraguaio.
Os três governos atuam em conjunto para reforçar a vigilância nas fronteiras, contra o contrabando e o tráfico de drogas, além de outras formas do crime organizado. A eles cabe – e a ninguém mais – cuidar dos interesses comuns, na defesa da soberania de cada um de seus países e da paz para seus povos.
Os americanos se movem pela fé no Destino manifesto. Não se trata somente de política de Estado, mas de certa crença nacional, consolidada pelos meios de comunicação, a partir de Hearst e Pulitzer, e robustecida pela indústria cinematográfica, de que se imbuem cineastas como Cameron e Bigelow. Desde os gregos o entretenimento é instrumento de convencimento político. Temos todo o direito de recusar a entrada, em nossos países, dos que nos querem engambelar com a magia do cinema. Os colares de miçangas e os presentes de grego mudam de formato e de conteúdo, mas o propósito de conquista e domínio continua o mesmo.
Desde que existem fronteiras, existem guerras. As guerras se fazem sobre as fronteiras, para que se abram aos invasores. Ao se abrirem, deslocam-se, em favor dos que vencem, cujo espaço se vê ampliado. Há as fronteiras físicas, eventualmente com suas fortalezas e seus obstáculos naturais, e há as fronteiras morais. O povo invadido não se defende apenas com as armas, por mais poderosas sejam; defendem-se com sua bravura, sua honra, seu sentimento de fraternidade.
É natural que os homens morram na defesa de suas ideias e de sua dignidade, mas para isso devem nelas acreditar como alguma coisa maior do que eles mesmos. Nenhuma outra ideia, nenhum outro compromisso, é maior do que a ideia de pátria, que aceita e amplia o sentimento de família. O homem que morre na defesa de sua pátria, morre na defesa de seus filhos e de todos os filhos, de todas as mulheres, de todos os anciões de seu povo.
Por isso, a defesa é mais poderosa do que o ataque – como temos visto em todas as guerras. A defesa se transforma em ataque, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial. A resistência russa, nas portas de Moscou e na gesta desesperadora de Stalingrado, se converteu na cena orgulhosa do soldado que fixa a bandeira vermelha no alto do Reichstag, em Berlim.
As guerras não são fenômenos repentinos na História. Muitos estudiosos vão à mitológica Guerra de Troia, na versão de Homero, com seus paradigmas de astúcia, heroísmo, covardia e traições, para nela encontrar o exemplo clássico dessa patologia: todos os conflitos anteriores e todos os que se seguiram se explicam com a expedição de Agamenon, a astúcia de Ulysses, o inútil “corpo fechado” de Aquiles, com seu calcanhar vulnerável, a coragem de Ájax no confronto com Hector, a enigmática figura de Palamedes.
A guerra está presente em todas as comunidades humanas, seja na conquista ou na defesa. Um dia, se houver Deus, é possível que haja paz. Não tem havido paz. Assim, os agressores, mais do que pensar nas defesas físicas do presumido inimigo a ser conquistado, buscam atingir previamente sua armadura moral. Uma desmoralização fácil, e de que se valeram os nazistas, é a racial. Sendo diferente, o inimigo deve ser aniquilado: não faz parte da nossa espécie. Os mais velhos se lembram das histórias em quadrinhos americanas, nas quais os japoneses eram caricaturados como se fossem símios, e os alemães sempre obesos e embriagados. Para combatê-los, surgiu a nova mitologia dos super-homens, dos fantasmas-voadores, dos capitães-américa.
Depois de Avatar, de James Cameron, uma alegoria claramente identificada com a Amazônia, sua biodiversidade e seus minérios, a cineasta Kathryn Bigelow anuncia película a ser ambientada na Tríplice Fronteira. Alguns senhores, de curta inteligência ou de duvidoso patriotismo, saúdam a iniciativa, como promoção do turismo. Não percebem que se trata de abrir caminho a futura ocupação da área, anunciada durante o governo Bush, contra a soberania do Brasil, da Argentina e do Paraguai, a pretexto do “combate ao terrorismo”. Trata-se da construção de uma ideia da região, que nada tem a ver com a realidade, e da justificação subliminar para operações das Forças Armadas norte-americanas na área. Para isso, os ianques já construíram grande pista de pouso no Chaco paraguaio.
Os três governos atuam em conjunto para reforçar a vigilância nas fronteiras, contra o contrabando e o tráfico de drogas, além de outras formas do crime organizado. A eles cabe – e a ninguém mais – cuidar dos interesses comuns, na defesa da soberania de cada um de seus países e da paz para seus povos.
Os americanos se movem pela fé no Destino manifesto. Não se trata somente de política de Estado, mas de certa crença nacional, consolidada pelos meios de comunicação, a partir de Hearst e Pulitzer, e robustecida pela indústria cinematográfica, de que se imbuem cineastas como Cameron e Bigelow. Desde os gregos o entretenimento é instrumento de convencimento político. Temos todo o direito de recusar a entrada, em nossos países, dos que nos querem engambelar com a magia do cinema. Os colares de miçangas e os presentes de grego mudam de formato e de conteúdo, mas o propósito de conquista e domínio continua o mesmo.
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A prostituição n(d)a imprensa
Por Emir Sader
Ocupa quase três páginas diárias no jornal, sob o título Relax, com mais de 200 anúncios de prostitutas se oferecendo, das formas mais diversas. Oferecem-se, desde uma “paraguaia com dificuldades econômicas” até brasileiras que anunciam seus dotes, passando por uma “agência de contatos (sic) necessita senhoritas”, explicitando: “Experimente conosco, notará a diferença. Inclui alojamento.”
A coluna é do jornal El País, o de maior circulação na Espanha, de orientação socialista neoliberal. O negócio do sexo e sua publicidade rendem 50 milhões de euros por dia, 18 bilhões de euros por ano. 90% das prostitutas envolvidas são estrangeiras, metade delas são sulamericanas, 13% menores de idade. 300 mil mulheres são exploradas sexualmente na Espanha. 40 milhões de euros são arrecadados por jornais como El Pais
O governo espanhol, através do seu Ministério da Igualdade, dirigido por uma mulher, Bibiana Aído, tenta, há três anos, encontrar as formas de proibir esse tipo de publicidade, sem sucesso. “...enquanto continuem existindo anúncios de contatos na imprensa séria se estaria contribuindo para a normalização da exploração sexual”, razão pela qual deveriam ser eliminadas, afirma ela, que considera que os anúncios de prostituição “são uma vergonha” e “atentam contra a dignidade da mulher”.
Mas o Ministério que ela dirige busca formas legais que permitam atuar contra essa cínica atividade comercial da imprensa considerada “séria”, que resiste, alegando a “liberdade de expressão” – neste caso, significativamente vinculada, de forma direta à prostituição. Apelou-se para a “auto regulação”, tão a gosto os dos donos das empresas de comunicação, tanto lá, como aqui. Dois jornais – Público, de esquerda, e La Razón, nacionalista – decidiram que não aceitariam esse tipo de publicidade, mas os outros jornais continuaram a publicar e auferir os correspondentes milhões de euros, que lhes ajudam a enfrentar a crise financeira que afeta a todas as empresas de comunicação. Eles demandam “compensação financeira” – como ocorreu na França, para deixar de promover a prostituição, incluído a infantil, revelando o tipo de caráter, de moral que orienta aos donos da mídia privada. Justamente quando o governo promove um drástico corte de recursos sociais, vêm os empresários privados da mídia pedir essa “compensação”. Até nisso e nessa hora, querem faturar o deles.
Às vezes imprensa privada e prostituição tem muito mais em comum do que simplesmente a mercantilizaçã o da informação e a venda dos espaços para as oligarquias políticas tradicionais.
Ocupa quase três páginas diárias no jornal, sob o título Relax, com mais de 200 anúncios de prostitutas se oferecendo, das formas mais diversas. Oferecem-se, desde uma “paraguaia com dificuldades econômicas” até brasileiras que anunciam seus dotes, passando por uma “agência de contatos (sic) necessita senhoritas”, explicitando: “Experimente conosco, notará a diferença. Inclui alojamento.”
A coluna é do jornal El País, o de maior circulação na Espanha, de orientação socialista neoliberal. O negócio do sexo e sua publicidade rendem 50 milhões de euros por dia, 18 bilhões de euros por ano. 90% das prostitutas envolvidas são estrangeiras, metade delas são sulamericanas, 13% menores de idade. 300 mil mulheres são exploradas sexualmente na Espanha. 40 milhões de euros são arrecadados por jornais como El Pais
O governo espanhol, através do seu Ministério da Igualdade, dirigido por uma mulher, Bibiana Aído, tenta, há três anos, encontrar as formas de proibir esse tipo de publicidade, sem sucesso. “...enquanto continuem existindo anúncios de contatos na imprensa séria se estaria contribuindo para a normalização da exploração sexual”, razão pela qual deveriam ser eliminadas, afirma ela, que considera que os anúncios de prostituição “são uma vergonha” e “atentam contra a dignidade da mulher”.
Mas o Ministério que ela dirige busca formas legais que permitam atuar contra essa cínica atividade comercial da imprensa considerada “séria”, que resiste, alegando a “liberdade de expressão” – neste caso, significativamente vinculada, de forma direta à prostituição. Apelou-se para a “auto regulação”, tão a gosto os dos donos das empresas de comunicação, tanto lá, como aqui. Dois jornais – Público, de esquerda, e La Razón, nacionalista – decidiram que não aceitariam esse tipo de publicidade, mas os outros jornais continuaram a publicar e auferir os correspondentes milhões de euros, que lhes ajudam a enfrentar a crise financeira que afeta a todas as empresas de comunicação. Eles demandam “compensação financeira” – como ocorreu na França, para deixar de promover a prostituição, incluído a infantil, revelando o tipo de caráter, de moral que orienta aos donos da mídia privada. Justamente quando o governo promove um drástico corte de recursos sociais, vêm os empresários privados da mídia pedir essa “compensação”. Até nisso e nessa hora, querem faturar o deles.
Às vezes imprensa privada e prostituição tem muito mais em comum do que simplesmente a mercantilizaçã o da informação e a venda dos espaços para as oligarquias políticas tradicionais.
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sábado, 15 de maio de 2010
A ÚLTIMA CHANCE – A INTEGRAÇÃO LATINO AMERICANA
Por Laerte Braga
O Departamento de Estado do governo dos EUA – Ministério das Relações Exteriores – através de um dos seus porta-vozes, disse a jornalistas na quinta-feira que a visita do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao Irã será a última chance do governo daquele país aceitar as regras impostas pelas grandes potências, Estados Unidos à frente, contra o seu programa nuclear.
É simples entender isso. O presidente Barack Obama não preside uma nação, ou uma federação de estados associados como pressupõe a constituição dos EUA. É uma espécie de gerente de um conglomerado que envolve grupos sionistas (judeus radicais, não haveria exagero algum dizer judeus/nazistas), empresários de setores estratégicos (armas e petróleo principalmente) e banqueiros.
O bi-partidarismo vigente nos EUA (existem mais de mil partidos regionais, de bairros, etc, mas dois com presença nacional, Democratas e Republicanos) não traz em si nenhuma contradição no que diz respeito à postura imperialista e terrorista desse conglomerado.
É só olhar, com o mínimo de atenção, o que aconteceu e acontece no Iraque, no Afeganistão, na Colômbia, como antes na Coréia, no Vietnã, na antiga Iugoslávia, ou antes ainda, na América Latina.
Nos Estados Unidos vivem 320 milhões de seres humanos. Tomando como referência uma família considerada padrão, quatro pessoas, temos 80 milhões de famílias na maior potência do mundo.
Um relatório do Departamento de Agricultura – Ministério da Agricultura – afirma que os números da fome nos EUA são maiores em 2009 que em 1985. Perto de 15% das famílias de cidadãos daquele país não têm acesso “a um abastecimento de comida adequado”. Isso significa que perto de 12 milhões de norte-americanos vivem em estado crônico de fome.
A população de Cuba é de 11 milhões de habitantes. Ninguém passa fome. Um documentário do cineasta Michael Moore mostra que, além disso, idosos e veteranos de guerra nos EUA, além de negros, latinos, asiáticos, não têm a menor assistência de saúde pública. Um dos planos do presidente Obama é diminuir esse número com um novo modelo de saúde pública. Mas, ainda assim, exclui imigrantes, mão de obra literalmente escrava.
Quando o furacão Katrina destruiu a cidade de New Orleans, importante centro cultural no país, o presidente George Bush – texano – levou 72 horas para tomar medidas de socorro e assistência às vítimas da tragédia. Em Cuba, a cidade de Holguin foi totalmente destruída pelo furacão, nenhuma casa ficou de pé e uma única morte foi registrada.
A mãe de Bush, Barbra Bush, esposa de um também ex-presidente, George Bush, chegou a declarar de forma debochada que as vítimas do Katrina em New Orleans estavam melhores nos acampamentos de emergência “pois aqui comem pelo menos três vezes por dia”.
É a síntese das elites que dirigem esse conglomerado e nem as mudanças no plano de saúde pública que Obama conseguiu aprovar no Congresso, atenuam ou mudam essa situação.
A rede de supermercados WAL-MART anunciou que vai doar dois bilhões de dólares contra a fome nos EUA. Um comunicado da empresa afirma que durante cinco anos a venda de quase 500 milhões de quilos de alimentos em suas lojas vai financiar um programa de distribuição de alimentos através da Sam’s Club, divisão de lojas especializadas em negócios atacadistas.
O anúncio foi feito por Eduardo Castro-Wright, vice-presidente da rede WAL-MART.
Uma única dessas guerras estúpidas e bárbaras calçadas em mentiras (como a das armas químicas e biológicas de Saddam Hussein), mas voltadas para o controle de petróleo, minerais estratégicos e interesses geopolíticos do império, seria o suficiente para que os doze milhões de norte-americanos saíssem da zona da miséria, da fome, por muito mais que os cinco anos do projeto da rede WAL-MART.
E é bem mais simples ainda entender isso. Nem Bush, nem Obama, nenhum deles, antes, o que está, ou os que virão, têm a menor preocupação com o problema. Não afeta aos “negócios”, pelo menos por enquanto.
A decisão do governo do Irã de ter acesso a tecnologia nuclear para fins pacíficos – nem importa que sejam para fins militares, Israel é o agressor na região e dispõe de armas nucleares fornecidas pelos EUA – transforma-se num risco não para norte-americanos, mas para o conglomerado que transformou a nação naquilo que o general – um general – Dwight Eisenhower chamou de “complexo industrial e militar”. Constatação que o escritor John dos Passos havia feito anos antes.
Ao colocar nas mãos do presidente do Brasil e sua viagem ao Irã uma pretensa negociação para que o governo de Ahmadinejad aceite as regras impostas pelos senhores do mundo, o governo de Obama, mais que isso, constrange o presidente Lula, pois não é esse o objetivo da visita de Lula.
Uma declaração feita pelo brasileiro frente à primeira-ministra da Alemanha, quando em visita àquele país e em resposta a uma declaração da senhora Merkel sobre o Irã (também tentando pressionar o Brasil) foi fulminante sobre o assunto – “para que se possa exigir que um país não tenha armas nucleares é preciso não ter armas nucleares, ter moral para isso” – .
Os Estados Unidos por sua história de potência intervencionista, imperialista, por sua postura diante do genocídio perpetrado pelo governo sionista de Israel contra o povo palestino, suas políticas golpistas e terroristas contra governos independentes, por tudo o que representa como império de um dos mais estúpidos modelos políticos e econômicos da história da humanidade, não tem moral, vale dizer fundamentos na verdade, para tentar sanções contra o Irã ou qualquer país livre do mundo (livre do jugo de Washington).
O campo de concentração de Guantánamo, as prisões secretas agora reveladas pela imprensa norte-americana (inclusive porta-aviões usados como tal), os assassinatos de líderes oposicionistas em outros países (um líder do Hamas em Dubai por agentes israelenses com passaportes falsos e confeccionados na Grã Bretanha), os seqüestros, as mortes de contingentes e contingentes de civis nas guerras que travam, toda a sorte de terrorismo travestido de defesa da liberdade e da democracia, é farsa, encobre o mais violento e brutal império – pelo poder brutal de destruição que querem manter exclusivo – de toda a trajetória da humanidade.
Nós, os povos latino-americanos, somos um alvo preferencial dos EUA. Países da América Central e da América do Sul têm importância capital para os negócios do conglomerado. O general Colin Powell, quando das articulações com o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso para a ALCA –ASSOCIAÇÃO DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – chamou essa parte do mundo de “mercado de um trilhão de dólares”.
Negócios, só negócios. Seres humanos nesse jogo são meros adereços.
As grandes potências da Europa hesitam no ventre da Comunidade Européia em assumir as responsabilidades por países que vivem crises econômicas decorrentes do modelo neoliberal. A perspectiva é que além da Grécia, Portugal, Espanha e Itália venham a necessitar de socorro para evitar a débacle, ao mesmo tempo em que a Bélgica, dissolvida entre duas forças populacionais – flamencos (língua holandesa) e valões (língua francesa), se desintegra como nação (é a sede da Comunidade Européia).
EUA (que inclui México e Canadá como sub-nações) e Comunidade Européia (sustentando Alemanha, Grã Bretanha e França) sobrevivem falidos na exploração de países asiáticos, latino-americanos, africanos, em políticas e guerras de terra arrasada.
São potências, maiores ou menores, que buscam pela força, pela aliança econômica e principalmente militar, manter o mundo de joelhos, submisso aos seus interesses.
O Brasil tem um papel muito maior do que se possa imaginar nesse contexto. E a sobrevivência do nosso Pais como nação soberana, independente, não depende de um porta-voz determinar (a mando de superiores evidente) que Lula seria como que um preposto a dar um ultimato ao Irã.
Não importa nem que nossos militares pensem como norte-americanos, sujeitem-se a norte-americanos (num acordo militar ultrajante para o Brasil e os brasileiros).
Ou que José Collor Arruda Serra tenha tentado privatizar a PETROBRAS em manobra de anos atrás. E o que pretende fazer agora se eleito. Importa que a integração latino-americana, por conta de nossas histórias, nossos caminhos, nossos ideais, nossos sentimentos de liberdade, seja um fato concreto e efetivo nos próximos anos, sob pena de como o México e o Canadá, ou o Paquistão, ou a Colômbia, virarmos sub-nações, protetorados das grandes potências.
A história conta que a Inconfidência Mineira se deu como conseqüência dos altos impostos, o quinto, cobrado pela coroa portuguesa. Foi uma reação de elites, mas um movimento de independência.
Não é diferente hoje. É o quinto é do passado. EUA querem o Brasil inteiro e o Brasil é chave na América Latina.
Como? Apostam tudo em militares comandados por controle remoto a partir de Washington, elites econômicas podres e apátridas (FIESP/DASLU/CNA, etc), no latifúndio do transgênico nosso de cada dia e materializam essa aposta em José Collor Arruda Serra, funcionário da Fundação Ford, braço do império.
Eleições não vão nos levar ao paraíso. Eleições são instrumentos para conquistas efetivas de um povo, dentre elas maior participação popular no processo de decisões e isso implica em consciência da realidade.
Vivemos a escravidão da mídia controlada pelos EUA. O espetáculo da desintegração do ser humano.
A questão é de sobrevivência e um retrocesso com Arruda Serra vai nos colocar no tempo das diligências.
A própria questão nuclear. Se não houver um desarmamento de países imperialistas e detentores do poder de destruição total, não há porque, a despeito dos nossos militares em sua maioria prestarem continência à bandeira dos EUA, não buscarmos a nossa bomba atômica.
Ou somos uma nação e continuamos a ser, ou seremos de novo colônia.
Se isso acontecer, a eleição de José Collor Arruda Serra, breve nova corte com nova d. Maria a Louca, ou outra Carlota Joaquina passeando por jardins e terras nacionais enquanto carregamos liteiras para sustentar impérios.
Yes, we cant foi o slogan de Obama. “Sim nós podemos mais” é a adaptação de Arruda Serra.
Lula não vai dar a última chance ao Irã e nem pode sob pena de trair seus próprios princípios, ao que tem dito sobre o assunto. E a integração latino-americana tem que ser a nossa resposta a um império onde 12 milhões de pessoas não têm o que comer. Mas é capaz de destruir o mundo duzentas vezes se preciso for.
Ou comprar a mídia podre (GLOBO, VEJA, FOLHA DE SÃO PAULO, etc), partidos inteiros (PSDB, DEM, PPS, etc) e se fartar em elites corruptas, venais, sintetizadas na ostentação FIESP/DASLU.
É uma questão de sobrevivência.
O Departamento de Estado do governo dos EUA – Ministério das Relações Exteriores – através de um dos seus porta-vozes, disse a jornalistas na quinta-feira que a visita do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao Irã será a última chance do governo daquele país aceitar as regras impostas pelas grandes potências, Estados Unidos à frente, contra o seu programa nuclear.
É simples entender isso. O presidente Barack Obama não preside uma nação, ou uma federação de estados associados como pressupõe a constituição dos EUA. É uma espécie de gerente de um conglomerado que envolve grupos sionistas (judeus radicais, não haveria exagero algum dizer judeus/nazistas), empresários de setores estratégicos (armas e petróleo principalmente) e banqueiros.
O bi-partidarismo vigente nos EUA (existem mais de mil partidos regionais, de bairros, etc, mas dois com presença nacional, Democratas e Republicanos) não traz em si nenhuma contradição no que diz respeito à postura imperialista e terrorista desse conglomerado.
É só olhar, com o mínimo de atenção, o que aconteceu e acontece no Iraque, no Afeganistão, na Colômbia, como antes na Coréia, no Vietnã, na antiga Iugoslávia, ou antes ainda, na América Latina.
Nos Estados Unidos vivem 320 milhões de seres humanos. Tomando como referência uma família considerada padrão, quatro pessoas, temos 80 milhões de famílias na maior potência do mundo.
Um relatório do Departamento de Agricultura – Ministério da Agricultura – afirma que os números da fome nos EUA são maiores em 2009 que em 1985. Perto de 15% das famílias de cidadãos daquele país não têm acesso “a um abastecimento de comida adequado”. Isso significa que perto de 12 milhões de norte-americanos vivem em estado crônico de fome.
A população de Cuba é de 11 milhões de habitantes. Ninguém passa fome. Um documentário do cineasta Michael Moore mostra que, além disso, idosos e veteranos de guerra nos EUA, além de negros, latinos, asiáticos, não têm a menor assistência de saúde pública. Um dos planos do presidente Obama é diminuir esse número com um novo modelo de saúde pública. Mas, ainda assim, exclui imigrantes, mão de obra literalmente escrava.
Quando o furacão Katrina destruiu a cidade de New Orleans, importante centro cultural no país, o presidente George Bush – texano – levou 72 horas para tomar medidas de socorro e assistência às vítimas da tragédia. Em Cuba, a cidade de Holguin foi totalmente destruída pelo furacão, nenhuma casa ficou de pé e uma única morte foi registrada.
A mãe de Bush, Barbra Bush, esposa de um também ex-presidente, George Bush, chegou a declarar de forma debochada que as vítimas do Katrina em New Orleans estavam melhores nos acampamentos de emergência “pois aqui comem pelo menos três vezes por dia”.
É a síntese das elites que dirigem esse conglomerado e nem as mudanças no plano de saúde pública que Obama conseguiu aprovar no Congresso, atenuam ou mudam essa situação.
A rede de supermercados WAL-MART anunciou que vai doar dois bilhões de dólares contra a fome nos EUA. Um comunicado da empresa afirma que durante cinco anos a venda de quase 500 milhões de quilos de alimentos em suas lojas vai financiar um programa de distribuição de alimentos através da Sam’s Club, divisão de lojas especializadas em negócios atacadistas.
O anúncio foi feito por Eduardo Castro-Wright, vice-presidente da rede WAL-MART.
Uma única dessas guerras estúpidas e bárbaras calçadas em mentiras (como a das armas químicas e biológicas de Saddam Hussein), mas voltadas para o controle de petróleo, minerais estratégicos e interesses geopolíticos do império, seria o suficiente para que os doze milhões de norte-americanos saíssem da zona da miséria, da fome, por muito mais que os cinco anos do projeto da rede WAL-MART.
E é bem mais simples ainda entender isso. Nem Bush, nem Obama, nenhum deles, antes, o que está, ou os que virão, têm a menor preocupação com o problema. Não afeta aos “negócios”, pelo menos por enquanto.
A decisão do governo do Irã de ter acesso a tecnologia nuclear para fins pacíficos – nem importa que sejam para fins militares, Israel é o agressor na região e dispõe de armas nucleares fornecidas pelos EUA – transforma-se num risco não para norte-americanos, mas para o conglomerado que transformou a nação naquilo que o general – um general – Dwight Eisenhower chamou de “complexo industrial e militar”. Constatação que o escritor John dos Passos havia feito anos antes.
Ao colocar nas mãos do presidente do Brasil e sua viagem ao Irã uma pretensa negociação para que o governo de Ahmadinejad aceite as regras impostas pelos senhores do mundo, o governo de Obama, mais que isso, constrange o presidente Lula, pois não é esse o objetivo da visita de Lula.
Uma declaração feita pelo brasileiro frente à primeira-ministra da Alemanha, quando em visita àquele país e em resposta a uma declaração da senhora Merkel sobre o Irã (também tentando pressionar o Brasil) foi fulminante sobre o assunto – “para que se possa exigir que um país não tenha armas nucleares é preciso não ter armas nucleares, ter moral para isso” – .
Os Estados Unidos por sua história de potência intervencionista, imperialista, por sua postura diante do genocídio perpetrado pelo governo sionista de Israel contra o povo palestino, suas políticas golpistas e terroristas contra governos independentes, por tudo o que representa como império de um dos mais estúpidos modelos políticos e econômicos da história da humanidade, não tem moral, vale dizer fundamentos na verdade, para tentar sanções contra o Irã ou qualquer país livre do mundo (livre do jugo de Washington).
O campo de concentração de Guantánamo, as prisões secretas agora reveladas pela imprensa norte-americana (inclusive porta-aviões usados como tal), os assassinatos de líderes oposicionistas em outros países (um líder do Hamas em Dubai por agentes israelenses com passaportes falsos e confeccionados na Grã Bretanha), os seqüestros, as mortes de contingentes e contingentes de civis nas guerras que travam, toda a sorte de terrorismo travestido de defesa da liberdade e da democracia, é farsa, encobre o mais violento e brutal império – pelo poder brutal de destruição que querem manter exclusivo – de toda a trajetória da humanidade.
Nós, os povos latino-americanos, somos um alvo preferencial dos EUA. Países da América Central e da América do Sul têm importância capital para os negócios do conglomerado. O general Colin Powell, quando das articulações com o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso para a ALCA –ASSOCIAÇÃO DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – chamou essa parte do mundo de “mercado de um trilhão de dólares”.
Negócios, só negócios. Seres humanos nesse jogo são meros adereços.
As grandes potências da Europa hesitam no ventre da Comunidade Européia em assumir as responsabilidades por países que vivem crises econômicas decorrentes do modelo neoliberal. A perspectiva é que além da Grécia, Portugal, Espanha e Itália venham a necessitar de socorro para evitar a débacle, ao mesmo tempo em que a Bélgica, dissolvida entre duas forças populacionais – flamencos (língua holandesa) e valões (língua francesa), se desintegra como nação (é a sede da Comunidade Européia).
EUA (que inclui México e Canadá como sub-nações) e Comunidade Européia (sustentando Alemanha, Grã Bretanha e França) sobrevivem falidos na exploração de países asiáticos, latino-americanos, africanos, em políticas e guerras de terra arrasada.
São potências, maiores ou menores, que buscam pela força, pela aliança econômica e principalmente militar, manter o mundo de joelhos, submisso aos seus interesses.
O Brasil tem um papel muito maior do que se possa imaginar nesse contexto. E a sobrevivência do nosso Pais como nação soberana, independente, não depende de um porta-voz determinar (a mando de superiores evidente) que Lula seria como que um preposto a dar um ultimato ao Irã.
Não importa nem que nossos militares pensem como norte-americanos, sujeitem-se a norte-americanos (num acordo militar ultrajante para o Brasil e os brasileiros).
Ou que José Collor Arruda Serra tenha tentado privatizar a PETROBRAS em manobra de anos atrás. E o que pretende fazer agora se eleito. Importa que a integração latino-americana, por conta de nossas histórias, nossos caminhos, nossos ideais, nossos sentimentos de liberdade, seja um fato concreto e efetivo nos próximos anos, sob pena de como o México e o Canadá, ou o Paquistão, ou a Colômbia, virarmos sub-nações, protetorados das grandes potências.
A história conta que a Inconfidência Mineira se deu como conseqüência dos altos impostos, o quinto, cobrado pela coroa portuguesa. Foi uma reação de elites, mas um movimento de independência.
Não é diferente hoje. É o quinto é do passado. EUA querem o Brasil inteiro e o Brasil é chave na América Latina.
Como? Apostam tudo em militares comandados por controle remoto a partir de Washington, elites econômicas podres e apátridas (FIESP/DASLU/CNA, etc), no latifúndio do transgênico nosso de cada dia e materializam essa aposta em José Collor Arruda Serra, funcionário da Fundação Ford, braço do império.
Eleições não vão nos levar ao paraíso. Eleições são instrumentos para conquistas efetivas de um povo, dentre elas maior participação popular no processo de decisões e isso implica em consciência da realidade.
Vivemos a escravidão da mídia controlada pelos EUA. O espetáculo da desintegração do ser humano.
A questão é de sobrevivência e um retrocesso com Arruda Serra vai nos colocar no tempo das diligências.
A própria questão nuclear. Se não houver um desarmamento de países imperialistas e detentores do poder de destruição total, não há porque, a despeito dos nossos militares em sua maioria prestarem continência à bandeira dos EUA, não buscarmos a nossa bomba atômica.
Ou somos uma nação e continuamos a ser, ou seremos de novo colônia.
Se isso acontecer, a eleição de José Collor Arruda Serra, breve nova corte com nova d. Maria a Louca, ou outra Carlota Joaquina passeando por jardins e terras nacionais enquanto carregamos liteiras para sustentar impérios.
Yes, we cant foi o slogan de Obama. “Sim nós podemos mais” é a adaptação de Arruda Serra.
Lula não vai dar a última chance ao Irã e nem pode sob pena de trair seus próprios princípios, ao que tem dito sobre o assunto. E a integração latino-americana tem que ser a nossa resposta a um império onde 12 milhões de pessoas não têm o que comer. Mas é capaz de destruir o mundo duzentas vezes se preciso for.
Ou comprar a mídia podre (GLOBO, VEJA, FOLHA DE SÃO PAULO, etc), partidos inteiros (PSDB, DEM, PPS, etc) e se fartar em elites corruptas, venais, sintetizadas na ostentação FIESP/DASLU.
É uma questão de sobrevivência.
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Laerte Braga
A Europa está implodindo?
Por Immanuel Wallerstein
A Europa teve os seus opositores desde o início da longa senda para a unificação. Houve muitos que a acharam impossível. E houve muitos que a consideraram indesejável. Ainda assim, temos de dizer que, no longo e sinuoso caminho que seguiu desde 1945, o projeto de unificação europeia teve um notável sucesso. Afinal, a Europa fora dilacerada por conflitos nacionalistas durante pelo menos 500 anos, conflitos que culminaram na horrenda Segunda Guerra Mundial. E a vingança parecia ser o sentimento dominante. Em 2010, o que hoje se chama União Europeia (UE) alberga uma moeda única, o euro, usada em 16 países. Tem também uma zona de 25 membros, chamada Schengen, que permite uma forma de livre circulação, sem vistos. Tem uma burocracia central, um tribunal de direitos humanos, e está a caminho de ter um presidente e um ministro de Negócios Estrangeiros.
Não se deveria exagerar a força destas estruturas, mas não se deveria também subestimar até que ponto tudo isto representou, para o bem ou para o mal, a superação da resistência nacionalista por toda a Europa, especialmente em alguns dos estados mais fortes. Contudo, também acontece que neste momento, em certos aspectos importantes, a Europa parece estar a implodir. As palavras-chave desta implosão são "Grécia" e "Bélgica".
A Grécia, como todo o mundo sabe, está a atravessar uma crise severa da sua dívida soberana. A Moody declarou que os títulos gregos estatais são lixo (junk bonds). O primeiro-ministro George Papandreou disse, muito relutantemente, que teria provavelmente de virar-se para o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um empréstimo, um empréstimo que implica as habituais condições que exigem formas específicas de reestruturação neoliberal. Esta ideia é muito impopular na Grécia - um ataque à soberania grega, ao orgulho grego, e especialmente aos bolsos gregos. Também foi acolhida com desânimo em muitos estados europeus, que consideram que a ajuda à Grécia deveria provir, em primeiro lugar, dos outros membros da UE.
A explicação deste cenário é bastante simples. A Grécia tem um grande défice orçamental. Como o país é parte da zona euro, não pode desvalorizar a moeda para aliviar o problema. Por isso, precisa de ajuda financeira. O país maior e mais rico da Europa, a Alemanha, tem sido muito relutante, para não dizer pior, a dar essa ajuda. O povo alemão opõe-se fortemente a ajudar a Grécia, basicamente por um reflexo proteccionista num momento de tensão europeia. Temem também que a Grécia seja o primeiro de uma fila de outros (Portugal, Espanha, Irlanda, e Itália) que façam pedidos semelhantes se a Grécia obtiver essa ajuda.
O povo alemão parece desejar que todos os problemas desapareçam, ou pelo menos que a Grécia de alguma forma seja expulsa da zona euro. Para além do fato de isto ser legalmente impossível, o país que mais sofreria as consequências disto, a seguir à Grécia, seria certamente a Alemanha, cuja riqueza econômica é amplamente baseada no forte mercado exportador que possui no interior da zona euro. Assim, de momento, parecemos estar num impasse. E os abutres do mercado estão a pairar sobre os países da zona euro que estão em dificuldades com a sua dívida soberana.
No meio disto, a agora perene crise belga voltou a manifestar-se de forma particularmente aguda. A Bélgica, como país, chegou à existência como resultado de políticas pan-europeias. O colapso do império Habsburgo de Carlos V resultou na partição dos chamados Países Baixos da Borgonha nas Províncias Unidas no Norte e nos Países Baixos Austríacos no Sul. As Guerras Napoleónicas levaram a que as duas partes se unissem de novo no restaurado Reino dos Países Baixos. E os conflitos europeus de 1830 levaram mais uma vez à divisão das duas partes, com a criação da Bélgica, mais ou menos no que outrora tinham sido os Países Baixos Austríacos, com um rei importado de fora.
A Bélgica sempre foi um composto de "Flamengos" de fala holandesa e de "Valões" de língua francesa, em grande parte, mas imperfeitamente localizados em dois diferentes sectores geográficos (o norte e o sul da Bélgica). Há também uma pequena zona de fala alemã.
Até 1945, os valões eram os mais ricos e educados, e controlavam as principais instituições do país. O nacionalismo flamengo nasceu como a voz dos desfavorecidos lutando pelos seus direitos políticos, econômicos e linguísticos. Depois de 1945, a economia belga sofreu uma mudança estrutural. As áreas dos valões perderam e as áreas flamengas ganharam força. A política belga, em consequência, tornou-se uma luta infindável dos flamengos para obter mais direitos políticos - devolução de poderes, com muitos tendo o objetivo final de dissolver a Bélgica em dois países.
Pouco a pouco, os flamengos foram obtendo mais e mais. Hoje, a Bélgica, como país, tem uma monarquia comum, um ministro dos negócios estrangeiros comum, e muito pouco mais. A questão problemática neste acordo é que a Bélgica é hoje um estado confederal, com três, não duas, regiões - Flandres, Valónia, e Bruxelas (a capital).
Bruxelas não é só a capital da Bélgica. É a capital da Europa, a sede da Comissão Europeia. Bruxelas é também uma cidade muito bilingue. E os flamengos insistem em torná-la menos. O problema é que, mesmo que houvesse um acordo para a dissolução da Bélgica, não haveria uma forma fácil de chegar a acordo sobre o destino de Bruxelas.
A última negociação foi tão intratável que o Le Soir, o principal jornal de língua francesa, proclamou que "A Bélgica morreu em 22 de Abril de 2010". O principal editorialista perguntou: "Este país ainda faz sentido?" De momento, o rei está a tentar, talvez em vão, recriar o governo. Pode ser forçado a convocar novas eleições, sem muitas esperanças de que estas produzam um parlamento realmente diferente. Em 1 de Julho, a Bélgica assume a presidência rotativa, de seis meses, da UE, e não é certo que haja um primeiro-ministro belga que a presida.
O problema grego é o problema da propagação. Não haverá uma réplica das dificuldades - será que isso não está já a acontecer - noutros países da Europa? Será que o euro pode sobreviver? O problema belga apresenta contudo, um ainda maior problema de propagação. Se a Bélgica se divide, e ambas as partes serão então membros da UE, não haverá outros estados a pensar em dividir-se? Afinal, existem importantes movimentos secessionistas ou quase secessionistas em muitos países da UE. A crise belga pode facilmente tornar-se a crise da Europa.
Das duas ameaças de implosão, aquela simbolizada pela Grécia é a mais fácil de resolver. Basicamente, é necessário que a Alemanha compreenda que as suas necessidades são melhor preenchidas pelo proteccionismo europeu que pelo protecionismo alemão.
A crise belga coloca uma questão muito mais fundamental. Se a Europa estivesse disposta, imediatamente, a avançar para um verdadeiro estado federal, poderia acomodar a explosão de qualquer dos seus estados existentes. Mas, até agora, não se mostrou disposta a isso. E as dificuldades econômicas mundiais colectivas reforçaram em muito os estreitos elementos nacionalistas em virtualmente cada país europeu, como demonstraram todas as recentes eleições. Sem uma forte federação europeia, seria extremamente difícil que a Europa sobrevivesse a uma corrente de divisões. No meio da destruição política, a Europa poderia ir pelo cano abaixo.
Há uma certa Schadenfreude (alegria mordaz) entre os políticos americanos acerca das dificuldades europeias. Porém, o que pode salvar a Europa da implosão é precisamente a sempre crescente ameaça de implosão dos Estados Unidos. A Europa e os Estados Unidos estão numa gangorra, na qual enquanto um sobe, o outro desce. Que resultado isto vai ter nos próximos dois a cinco anos é tudo menos claro.
A Europa teve os seus opositores desde o início da longa senda para a unificação. Houve muitos que a acharam impossível. E houve muitos que a consideraram indesejável. Ainda assim, temos de dizer que, no longo e sinuoso caminho que seguiu desde 1945, o projeto de unificação europeia teve um notável sucesso. Afinal, a Europa fora dilacerada por conflitos nacionalistas durante pelo menos 500 anos, conflitos que culminaram na horrenda Segunda Guerra Mundial. E a vingança parecia ser o sentimento dominante. Em 2010, o que hoje se chama União Europeia (UE) alberga uma moeda única, o euro, usada em 16 países. Tem também uma zona de 25 membros, chamada Schengen, que permite uma forma de livre circulação, sem vistos. Tem uma burocracia central, um tribunal de direitos humanos, e está a caminho de ter um presidente e um ministro de Negócios Estrangeiros.
Não se deveria exagerar a força destas estruturas, mas não se deveria também subestimar até que ponto tudo isto representou, para o bem ou para o mal, a superação da resistência nacionalista por toda a Europa, especialmente em alguns dos estados mais fortes. Contudo, também acontece que neste momento, em certos aspectos importantes, a Europa parece estar a implodir. As palavras-chave desta implosão são "Grécia" e "Bélgica".
A Grécia, como todo o mundo sabe, está a atravessar uma crise severa da sua dívida soberana. A Moody declarou que os títulos gregos estatais são lixo (junk bonds). O primeiro-ministro George Papandreou disse, muito relutantemente, que teria provavelmente de virar-se para o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um empréstimo, um empréstimo que implica as habituais condições que exigem formas específicas de reestruturação neoliberal. Esta ideia é muito impopular na Grécia - um ataque à soberania grega, ao orgulho grego, e especialmente aos bolsos gregos. Também foi acolhida com desânimo em muitos estados europeus, que consideram que a ajuda à Grécia deveria provir, em primeiro lugar, dos outros membros da UE.
A explicação deste cenário é bastante simples. A Grécia tem um grande défice orçamental. Como o país é parte da zona euro, não pode desvalorizar a moeda para aliviar o problema. Por isso, precisa de ajuda financeira. O país maior e mais rico da Europa, a Alemanha, tem sido muito relutante, para não dizer pior, a dar essa ajuda. O povo alemão opõe-se fortemente a ajudar a Grécia, basicamente por um reflexo proteccionista num momento de tensão europeia. Temem também que a Grécia seja o primeiro de uma fila de outros (Portugal, Espanha, Irlanda, e Itália) que façam pedidos semelhantes se a Grécia obtiver essa ajuda.
O povo alemão parece desejar que todos os problemas desapareçam, ou pelo menos que a Grécia de alguma forma seja expulsa da zona euro. Para além do fato de isto ser legalmente impossível, o país que mais sofreria as consequências disto, a seguir à Grécia, seria certamente a Alemanha, cuja riqueza econômica é amplamente baseada no forte mercado exportador que possui no interior da zona euro. Assim, de momento, parecemos estar num impasse. E os abutres do mercado estão a pairar sobre os países da zona euro que estão em dificuldades com a sua dívida soberana.
No meio disto, a agora perene crise belga voltou a manifestar-se de forma particularmente aguda. A Bélgica, como país, chegou à existência como resultado de políticas pan-europeias. O colapso do império Habsburgo de Carlos V resultou na partição dos chamados Países Baixos da Borgonha nas Províncias Unidas no Norte e nos Países Baixos Austríacos no Sul. As Guerras Napoleónicas levaram a que as duas partes se unissem de novo no restaurado Reino dos Países Baixos. E os conflitos europeus de 1830 levaram mais uma vez à divisão das duas partes, com a criação da Bélgica, mais ou menos no que outrora tinham sido os Países Baixos Austríacos, com um rei importado de fora.
A Bélgica sempre foi um composto de "Flamengos" de fala holandesa e de "Valões" de língua francesa, em grande parte, mas imperfeitamente localizados em dois diferentes sectores geográficos (o norte e o sul da Bélgica). Há também uma pequena zona de fala alemã.
Até 1945, os valões eram os mais ricos e educados, e controlavam as principais instituições do país. O nacionalismo flamengo nasceu como a voz dos desfavorecidos lutando pelos seus direitos políticos, econômicos e linguísticos. Depois de 1945, a economia belga sofreu uma mudança estrutural. As áreas dos valões perderam e as áreas flamengas ganharam força. A política belga, em consequência, tornou-se uma luta infindável dos flamengos para obter mais direitos políticos - devolução de poderes, com muitos tendo o objetivo final de dissolver a Bélgica em dois países.
Pouco a pouco, os flamengos foram obtendo mais e mais. Hoje, a Bélgica, como país, tem uma monarquia comum, um ministro dos negócios estrangeiros comum, e muito pouco mais. A questão problemática neste acordo é que a Bélgica é hoje um estado confederal, com três, não duas, regiões - Flandres, Valónia, e Bruxelas (a capital).
Bruxelas não é só a capital da Bélgica. É a capital da Europa, a sede da Comissão Europeia. Bruxelas é também uma cidade muito bilingue. E os flamengos insistem em torná-la menos. O problema é que, mesmo que houvesse um acordo para a dissolução da Bélgica, não haveria uma forma fácil de chegar a acordo sobre o destino de Bruxelas.
A última negociação foi tão intratável que o Le Soir, o principal jornal de língua francesa, proclamou que "A Bélgica morreu em 22 de Abril de 2010". O principal editorialista perguntou: "Este país ainda faz sentido?" De momento, o rei está a tentar, talvez em vão, recriar o governo. Pode ser forçado a convocar novas eleições, sem muitas esperanças de que estas produzam um parlamento realmente diferente. Em 1 de Julho, a Bélgica assume a presidência rotativa, de seis meses, da UE, e não é certo que haja um primeiro-ministro belga que a presida.
O problema grego é o problema da propagação. Não haverá uma réplica das dificuldades - será que isso não está já a acontecer - noutros países da Europa? Será que o euro pode sobreviver? O problema belga apresenta contudo, um ainda maior problema de propagação. Se a Bélgica se divide, e ambas as partes serão então membros da UE, não haverá outros estados a pensar em dividir-se? Afinal, existem importantes movimentos secessionistas ou quase secessionistas em muitos países da UE. A crise belga pode facilmente tornar-se a crise da Europa.
Das duas ameaças de implosão, aquela simbolizada pela Grécia é a mais fácil de resolver. Basicamente, é necessário que a Alemanha compreenda que as suas necessidades são melhor preenchidas pelo proteccionismo europeu que pelo protecionismo alemão.
A crise belga coloca uma questão muito mais fundamental. Se a Europa estivesse disposta, imediatamente, a avançar para um verdadeiro estado federal, poderia acomodar a explosão de qualquer dos seus estados existentes. Mas, até agora, não se mostrou disposta a isso. E as dificuldades econômicas mundiais colectivas reforçaram em muito os estreitos elementos nacionalistas em virtualmente cada país europeu, como demonstraram todas as recentes eleições. Sem uma forte federação europeia, seria extremamente difícil que a Europa sobrevivesse a uma corrente de divisões. No meio da destruição política, a Europa poderia ir pelo cano abaixo.
Há uma certa Schadenfreude (alegria mordaz) entre os políticos americanos acerca das dificuldades europeias. Porém, o que pode salvar a Europa da implosão é precisamente a sempre crescente ameaça de implosão dos Estados Unidos. A Europa e os Estados Unidos estão numa gangorra, na qual enquanto um sobe, o outro desce. Que resultado isto vai ter nos próximos dois a cinco anos é tudo menos claro.
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sexta-feira, 14 de maio de 2010
"A qualidade da TV brasileira é muito baixa"
JUCA FERREIRA O ministro da Cultura fala com exclusividade a Caros Amigos
Por Lúcia Rodrigues
Ex-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, ex-militante do MR-8 no tempo da luta armada contra a ditadura militar, o atual ministro da Cultura, João Luiz Silva Ferreira, mais conhecido como Juca Ferreira, baiano de Salvador, chegou ao ministério pelas mãos de seu amigo Gilberto Gil. Assumiu o cargo com a saída do ex-ministro e tem dado continuidade ao trabalho de valorizar as manifestações culturais criadas pela comunidade, respeitando a diversidade dos mais diferentes pontos do território nacional.
Os Pontos de Cultura cadastrados pelo ministério animam cerca de quatro mil grupos de produção cultural. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Juca Ferreira fala da atuação do ministério, das atividades culturais e dos meios de comunicação. Ele considera a televisão um "meio incrível", e admite que "a qualidade da TV brasileira é muito baixa".
Caros Amigos - Fale sobre a sua trajetória de vida e política. Como foi a chegada até o ministério da Cultura?
Juca Ferreira - Sou filho de uma família de classe media baiana. Meu pai era engenheiro construtor de estradas e minha mãe professora. A gente acompanhava meu pai, e ia morando onde a estrada ia abrindo e a estrada ia atrás. A partir de uma certa idade a gente era internado. Morei no interior da Bahia, do Sergipe, de Alagoas, Espírito Santo e depois fui interno no Rio de Janeiro. Estudei dos oito aos dez anos no Rio de Janeiro.
Caros Amigos - Por que interno?
Juca Ferreira - Porque minha família estava no interior construindo estrada e minha mãe era professora. Éramos cinco e todos passaram pela experiência do internato. Aí, depois como a perspectiva era sempre voltar para Salvador, voltei para lá, fiz exame de admissão para o colégio militar, estudei sete anos no colégio militar. Fiz curso de formação de reservista e fui para o colégio central público para fazer política estudar para arquitetura. Em 67, estava no movimento estudantil, quando houve as grandes movimentações estudantis secundaristas na Bahia. Eram manifestações de manhã, de tarde e de noite, e eu acabei virando líder estudantil. Em 68, ao invés de eu ir fazer vestibular eu fui para a escola técnica, liderei uma greve, abri o grêmio, e no dia do Ato 5 eu fui eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.
Caros Amigos - O senhor fazia política estudantil já no movimento secundarista?
Juca Ferreira - Sim, em 68 eu tinha 18 anos.
Caros Amigos - E qual a sua formação superior?
Juca Ferreira - No dia do Ato 5, além de eu ser eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, eu fui expulso da escola técnica. Aí eu fiz vestibular e passei para História, estudei dois anos, na Universidade Federal da Bahia. E aí eu já estava organizado na resistência clandestina.
Caros Amigos - O senhor participava de qual organização?
Juca Ferreira - No final de 67 eu entrei para o Partido Comunista, em 68 eu saí com a Dissidência da Bahia e depois juntamos com o Rio de Janeiro e virou o MR-8.
Caros Amigos - O senhor participou da luta armada ou ficou só na resistência?
Juca Ferreira - Eu participei depois. Fui preso, fiquei três meses e meio preso, fui solto e eles queriam me pegar de novo. Fui para o Rio, onde já estava mais barra pesada, com aqueles cartazes todos de 'procura-se' e depois em 71 eu fui para o exílio.
Caros Amigos - O senhor foi torturado?
Juca Ferreira - A rigor fui torturado, mas diante das torturas não fui. Tomei uns 'cachações', fiquei dois dias sem comer, soltaram um cachorro na minha cela....
Caros Amigos - Foi para o pau de arara?
Juca Ferreira - Não, eles estavam atrás de uma outra turma. Além do mais, o cara que comandava a tortura na Bahia tinha sido professor no colégio militar, e acho que isso ajudou a livrar a barra. Ele não era o torturador, era o que dirigia a repressão. A primeira ação política que eu fiz foi em 64, quando queimaram uma porção de livros. E aí a gente criou um grupo de leitura e íamos repondo os livros na biblioteca. No grupo de leitura tinha o filho do comandante do maior quartel do nordeste. Eu li Caio Prado, Nelson Werneck Sodré. Minha família era de esquerda, meus irmãos também, os mais velhos.
Caros Amigos - E a vida no exílio foi a partir de 71?
Juca Ferreira - Eu fui para o Chile, pois comecei a defender a saída da luta armada porque estava fadada ao fracasso, ao isolamento. Já tinha morrido muita gente e sentíamos o cerco. Acabei secretário político do MR-8 e organizando a saída das pessoas. Eu ficando por último, mas fomos tirando todo mundo que estava em cartaz. Chegou minha vez de sair. Peguei o golpe de Pinochet. Morei um ano no Chile.
Caros Amigos - Como foi enfrentar um golpe de Estado no estrangeiro?
Juca Ferreira - A insegurança era imensa, não só por ser exilado, mas no meu bairro a polícia matou muito jovem da juventude comunista, socialista, e eu fui salvo pelo vizinho. Nós morávamos numa 'poblacion', uma favela de lá, e éramos cinco, dois casais e um solteiro. Nossa casa era visitada por todos os meninos da favela, mas quando houve o golpe, a mãe de um deles disse 'vocês tem que sair daqui'. Aí encontramos o escritório das Nações Unidas. Fomos parar no primeiro refúgio das Nações Unidas. Não tinha bandeira das Nações Unidas lá e de vez em quando o Pinochet entrava lá. Um dia a mulher mais bonita do refúgio, uma peruana, me disse "não sou peruana, sou cubana e Pinochet já sabe que eu estou aqui'. Ela disse que sabia quem eu era, sabia tudo. Aí eu liguei para o inglês que falou com o embaixador da Suécia, que estava cuidando dos negócios cubanos, um nobre socialista. Ele pegou a cubana e perguntou se ela queria ir para a Suécia, e aí fizemos um grupo de pessoas que foi todo para a Suécia.
Caros Amigos - Seu exílio todo foi na Suécia?
Juca Ferreira - Sete anos na Suécia e quando eu vi que ia sair a anistia, fui para a França terminar meu curso universitário. Na Suécia eu estudei português, eu ia ser professor de português e cultura brasileira na Suécia. Na França, terminei meu curso num departamento da Sorbonne onde Fernando Henrique era professor, Bresser Pereira, Alain Touraine.
Caros Amigos - Da luta armada, da resistência à ditadura militar ao ministério da Cultura, como foi essa trajetória?
Juca Ferreira - Na Suécia eu fui trabalhador braçal, auxiliar de cozinha de um hospital, pelava as batatas, lavava os pratos. Depois eu fui auxiliar de trânsito, estivador, baby sitter, depois eu trabalhei no maior jornal da Suécia.
Caros Amigos - Como jornalista?
Juca Ferreira - Não, como faxineiro. Tomei curso de passar sinteco e foi legal para mim porque aqui no Brasil a classe média só quer saber do pescoço para cima, e lá eu fui trabalhador braçal, só queriam saber do pescoço para baixo. Foi quando eu tive a oportunidade de juntar as duas coisas. Foi positivo para mim. Eu vivi lá, estava havendo uma mudança cultural grande, os punks aparecendo.
Caros Amigos - Na Suécia o senhor tinha contato com o Gabeira?
Juca Ferreira - Tinha sim, eu já tinha antes da clandestinidade, a gente se encontrou no Chile e na Suécia. Ele é meu amigo. Hoje a gente está pensando um pouco diferente nesse momento, mas é uma pessoa que eu gosto, que eu convivi muito, é uma pessoa inteligente. Outro dia ele disse que a minha divergência com o PV era para manter o 'empreguinho' , e eu achei deselegante da parte dele. As paixões políticas passam por essas coisas...
Caros Amigos - O senhor suspendeu a sua filiação ao PV?
Juca Ferreira - Sim, por um ano. Eu acho que o PV está ficando careta, abandonando o seu programa. Ele surgiu no Brasil com uma coragem imensa de colocar questões comportamentais na política, defendendo com muita ousadia uma política de drogas para a redução de danos, defendendo os direitos dos homossexuais. E agora está todo mundo meio aderindo a um comportamento tradicional de se apresentar como ursinho de pelúcia da política brasileira, todos fofinhos, sem arestas, sem levantar nenhuma questão polêmica. Estão caretas, com uma escoliose para a direita, só querem alianças com o DEM. No Rio, o Gabeira está fazendo altos elogios e só quer aliança com o DEM, César Maia. Em São Paulo, há muito tempo tem alianças com DEM e PSDB e assim já em muitos Estados convivendo com o fisiologismo tradicional da política brasileira.
Caros Amigos - Como o ministério está atuando na sua gestão para preservar a cultura brasileira?
Juca Ferreira - A cultura brasileira não precisa de uma política de preservação nesse sentido. Claro que há uma política de patrimômio, que é uma política de preservação em última instância, mas a estratégia é de desenvolvimento cultural. Eu penso mais em expansão e desenvolvimento do que proteção. A nossa cultura é de boa cepa e tem condições de se desenvolver nesse ambiente de contato e signos e conteúdos vindos de outros países. Acredito que se criarmos igualdade de condições a cultura brasileira se desenvolve.
Caros Amigos - Como o senhor define a TV brasileira hoje?
Juca Ferreira - A gente incorporou a TV como parte da política cultural. Não só a TV pública como a TV privada também. A convergência digital, dos diversos suportes e mídias tem permitido que a gente pense para além da produção do cinema, que a gente pense a produção do audiovisual. Esses conteúdos migram de uma tela para outra, então é do nosso interesse, é talvez o meio mais popular, um dos mais importantes. Mas a qualidade da televisão brasileira é muito baixa. A nossa tradição é mais da TV de entretenimento, e não satisfaz as necessidades da população. Então é preciso contribuir para a elevação do padrão, seja através da TV pública seja através de estimular que as TVs privadas avancem sua programação, sua grade para coisas mais qualificadas.
Caros Amigos - Além do entretenimento, que o senhor ressalta, a gente observa o emburrecimento, o Big Brother é um programa que...
Juca Ferreira - É, mas o mundo inteiro gosta. A humanidade tem vínculos com esse tipo de produção. É um voyeurismo. A banalidade exerce um fascínio enorme sobre as pessoas.
Caros Amigos - O senhor acha que é uma coisa a ficar, ou dá para reverter e entregar para a população um produto de qualidade?
Juca Ferreira - É, mas eu sou a favor da liberdade de escolha por parte da população. Quem quer ver Big Brother que veja. Eu sou uma pessoa que gosta do meio televisão. Às vezes eu assisto coisas absolutamente banais, mas assisto me distanciando, como acredito que a maioria das pessoas faz. Ali é um pretexto para uma série de observações. Eu gosto desses programas de auditório. Se você me perguntar, eu diria que o padrão é baixo, mas tem alguma coisa que me interessa ali. Desde Chacrinha eu gostava.
Caros Amigos - O senhor assiste Silvio Santos, Faustão?
Juca Ferreira - Eu zapeio muito, mas assisto, sim. Vejo Ratinho, tenho curiosidade. Acho a TV um meio incrível.
Caros Amigos - Mas o senhor não acha que são programas de baixa qualidade de conteúdo, que contribuem para um conservadorismo, como o caso do programa do Ratinho, que achincalhava as pessoas?
Juca Ferreira - Achicalhando as pessoas, usando as aberrações.. É verdade isso. Mas os circos medievais faziam isso. A humanidade tem uma atração.
Caros Amigos - O senhor considera que a produção regional ainda está muito aquém do que poderia ser? O eixo Rio São Paulo concentra o maior número de emissoras A regionalização do conteúdo da comunicação não é uma saída?
Juca Ferreira - Nenhum país democrático do mundo permite que os radiodifusores transmitam em cadeia nacional o tempo todo. A Suécia é um pouco maior do que Sergipe, tem três regiões culturais, e na época que eu morava lá se não me engano só podia transmitir em rede nacional 25% do total do tempo. O resto tinha que regionalizar para dar emprego, para permitir que a cultura nacional aparecesse. Isso num país de dimensões continentais como o Brasil é um absurdo funcionar o tempo inteiro em rede nacional. Nos Estados Unidos também tem limites, na Europa toda, aqui é que o regime militar achava que tinha que uniformizar culturalmente. Havia uma desconfiança com a diversidade cultural brasileira, que ela pudesse produzir uma dispersão, uma fragmentação do país, por isso que ela incentivou essa homogeneização.
Caros Amigos - E o que se pode fazer para conseguir avançar nesse sentido, se produzir mais regionalmente?
Juca Ferreira - Acho que a regulação tem que avançar. O PL 29 que está tramitando vai regulamentar a TV a cabo, vai obrigar o percentual de produção brasileira, vai obrigar a produção independente. O Minc tem entrado aos poucos, mas cada vez mais como um fator de estímulo à melhoria tanto na regulamentação, como na área de estímulo à produção.
Caros Amigos - Tem um outro problema que é o conteúdo que vem de fora. Mesmo nas TVs a cabo, acontece um bombardeamento de programas e filmes que vem de fora. Como fazer para reverter essa situação?
Juca Ferreira - Tem que ter percentuais mínimos para conteúdos brasileiros. Isso eu defendo, é necessário. O cinema brasileiro é quase estrangeiro nas salas de exibição e isso tem que mudar, tem que avançar. A gente faz o filme para quem vê, e se nas salas de exibição brasileira o cinema americano é soberano e na televisão também. A gente tem que ter um pouco de soberania no audiovisual brasileiro.
Caros Amigos - Como daria para fazer incentivo ao cinema nacional?
Juca Ferreira - Uma parte a gente já tratou, que é abrir as salas de exibição para o conteúdo nacional. Temos que ter percentuais garantidos, de que quando um filme brasileiro esteja com um nível de público acima da média, o exibidor não tire para passar um filme estrangeiro, que muitas vezes tem um público menor do que aquele filme. Volta e meia acontece isso. O filme do Daniel Filho "Se eu fosse você" saiu antes de realizar sua missão comercial. O "Besouro" também estava acima da média de público quando foi tirado. Isso é um crime contra o cinema brasileiro. Os filmes que substituem essas produções brasileiras compram pacotes, é dumping, é proibido pela legislação brasileira. A gente percebe que tem muito enlatado de péssima qualidade que vem para cá e fica aí... Se fosse de péssima qualidade mas alta aceitação de público é um fato. Mas se é de péssima qualidade, baixo público e menor que o público brasileiro. Isso é o máximo do escândalo.
Caros Amigos - Mas o senhor não considera por exemplo, que tem uma aceitação do público porque é aquilo que é oferecido. Se você começa a oferecer um filme de qualidade nacional essa aceitação vem naturalmente?
Juca Ferreira - Historicamente, o público do cinema brasileiro são as classes C, D e E. Com esse encolhimento dessa rede de exibição, o cinema brasileiro ficou sem seu público. Nas salas de shopping center que tem como seu público principal a classe média, a disputa é braba porque há um deslumbramento pelo cinema americano. Há toda uma indústria por detrás que promove esses filmes. Então, pelo nosso lado temos que aumentar o interesse aumentando a qualidade do cinema brasileiro, fazendo filmes que conquistem o público. Tem um problema de produção também. A gente saiu de pouco mais de 20 filmes ao ano, quando entramos no ministério, e estamos com quase cem filmes ano. Mas muitos desses filmes nem contribuem para o desenvolvimento da linguagem e nem para o aumento de público, que seriam os dois grandes critérios. O que o Ministério da Cultura pode fazer? Aumentar o padrão dos roteiristas, desenvolver linguagens cativantes e atraentes para um número cada vez maior de público. O papel do ministério é estimular isso, criar critérios na disponibilizaçã o dos recursos que levem à melhoria do padrão da linguagem e para a conquista de parcelas do público.
Caros Amigos - E a Embrafilme não seria uma saída para isso?
Juca Ferreira - A gente está disponibilizando mais dinheiro que a Embrafilme. É mais complexo do que a Embrafilme. Precisamos recuperar o cinema popular no Brasil. Está começando aí. Tem vários filmes que tem bombado. Temos que aumentar a cota de filmes que tem capacidade de bombar e por outro lado financiar os filmes que mesmo com pouco público contribuam para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Existe o problema da distribuição. Precisamos estimular a distribuição brasileira para que possa atuar também no exterior. O ministério tem investido nisso, em apoiar a venda do cinema brasileiro e dos conteúdos audiovisuais brasileiros no exterior. É um processo mais global. Uma distribuidora estatal poderia contribuir assim como o crescimento das distribuidoras privadas. Eu não me fixaria como única alternativa uma distribuidora pública.
Caros Amigos - Quanto que o ministério investe de recursos em cinema nacional?
Juca Ferreira - Eu não lembro, mas é mais do que da época da Embrafilme. Quando chegamos ao ministério, os recursos orçamentários eram em média 280 e poucos milhões, correspondiam a 0,2 do total do orçamento do governo federal. Passamos esse ano de 2010 de 1% que é o mínimo recomendado pelas Nações Unidas, que corresponde a 2,5 bilhões. Além disso, quando chegamos, a renúncia fiscal era menos de 300 milhões, e agora está em 1 bilhão e meio. E estamos avançando nas regras de disponibilização de recursos. Criamos o fundo setorial do audiovisual, estamos lançando linhas de financiamento junto com o BNDES para financiar a ampliação das salas de exibição, estamos lançando o Vale Cultura, que vai injetar 7 bilhões da economia da cultura. São várias ações convergindo no Estado apoiar e incentivar o crescimento da arte e da cultura no país.
Caros Amigos - Como funciona o Vale Cultura?
Juca Ferreira - É muito parecido com o Vale Refeição, mas um é para alimentar o estômago e outro para alimentar o espírito. É um cartão magnético que é disponibilizado para o trabalhador com um valor nominal de 50 reais para ele comprar livro, comprar CD, assistir espetáculo de dança, de música, para consumo cultural. Percebemos que não adiantava estimular a produção se o índice de acesso é muito pequeno. O Vale Cultura vai produzir efeitos colaterais muito positivos. Como o controle do uso vai ser muito grande. Vai estimular o consumo do CD legal. Vai estimular abertura de negócios culturais perto de onde os trabalhadores moram. É uma novidade que está sendo estudada até por outros países. Vai incluir 14 milhões de pessoas no consumo cultural.
Caros Amigos - Em que pé estão as discussões em torno da Lei Rouanet?
Juca Ferreira - Eu rodei o Brasil defendendo a mudança da Lei Rouanet. As estatísticas provam que a lei esgotou o que podia dar de positivo e houve muitas distorções. 80% do dinheiro da lei vai para os Estados de Rio e São Paulo e 60% do dinheiro fica em duas cidades,Rio e São Paulo. 3% dos proponentes ficam com mais da metade desse dinheiro. São sempre os mesmos. Tem estados que não recebem nem 0,0%, então a gente vai democratizar o acesso, disponibilizar o benefício da renúncia fiscal para todas as áreas da cultura, demandar de que os empresários entendam que essa é uma parceria público privada e que não pode ser 100% de renúncias. Se fosse assim, não precisaria de empresas. Nesses 19 anos de Lei Rouanet, foi só 5% de dinheiro privado, então a gente está exigindo um mínimo de 20% de dinheiro privado.
Caros Amigos - A crítica dos opositores da Lei é de que haverá muita centralização, como o senhor vê isso?
Juca Ferreira - Isso é uma bobagem. Hoje, o ministério avalia as propostas, emite um parecer favorável ou contrário demandando o aperfeiçoamento, vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que é bipartite. Eles sacralizam ou não o parecer. E vai continuar a mesma coisa. E mais, a gente vai fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, Fundo Setorial da Música, da Dança, do Patrimônio.
Caros Amigos - Os recursos vão todos para esses fundos?
Juca Ferreira - 80% vão para os Fundos. Hoje 80% vai para renúncia sem critério o que dificulta muito o desenvolvimento cultural e reduz muito o papel do Estado no apoio à produção cultural brasileira. Permite essas distorções de concentração. Os ingleses estão visitando o Brasil são responsáveis pela política cultural do Reino Unido, disseram que Lei Rouanet jamais poderia acontecer na Inglaterra.
Caros Amigos - Por que?
Juca Ferreira - Porque segundo eles, e eu concordo, cada centavo que é renunciado, é um centavo a menos a ser disponibilizado para a produção cultural. A visão deles é que mecenato é quando mecenas coloca a mão no próprio bolso para fazer uma benesse cultural. Não é meter a mão no bolso do Estado. O Estado tem a sua responsabilidade muitas vezes de estimular, financiar uma atividade que não é lucrativa e portanto não é atraente para a iniciativa privada. Nem retorno de imagem dá.
Fonte: Caros Amigos, edição de Abril de 2010.
Por Lúcia Rodrigues
Ex-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, ex-militante do MR-8 no tempo da luta armada contra a ditadura militar, o atual ministro da Cultura, João Luiz Silva Ferreira, mais conhecido como Juca Ferreira, baiano de Salvador, chegou ao ministério pelas mãos de seu amigo Gilberto Gil. Assumiu o cargo com a saída do ex-ministro e tem dado continuidade ao trabalho de valorizar as manifestações culturais criadas pela comunidade, respeitando a diversidade dos mais diferentes pontos do território nacional.
Os Pontos de Cultura cadastrados pelo ministério animam cerca de quatro mil grupos de produção cultural. Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Juca Ferreira fala da atuação do ministério, das atividades culturais e dos meios de comunicação. Ele considera a televisão um "meio incrível", e admite que "a qualidade da TV brasileira é muito baixa".
Caros Amigos - Fale sobre a sua trajetória de vida e política. Como foi a chegada até o ministério da Cultura?
Juca Ferreira - Sou filho de uma família de classe media baiana. Meu pai era engenheiro construtor de estradas e minha mãe professora. A gente acompanhava meu pai, e ia morando onde a estrada ia abrindo e a estrada ia atrás. A partir de uma certa idade a gente era internado. Morei no interior da Bahia, do Sergipe, de Alagoas, Espírito Santo e depois fui interno no Rio de Janeiro. Estudei dos oito aos dez anos no Rio de Janeiro.
Caros Amigos - Por que interno?
Juca Ferreira - Porque minha família estava no interior construindo estrada e minha mãe era professora. Éramos cinco e todos passaram pela experiência do internato. Aí, depois como a perspectiva era sempre voltar para Salvador, voltei para lá, fiz exame de admissão para o colégio militar, estudei sete anos no colégio militar. Fiz curso de formação de reservista e fui para o colégio central público para fazer política estudar para arquitetura. Em 67, estava no movimento estudantil, quando houve as grandes movimentações estudantis secundaristas na Bahia. Eram manifestações de manhã, de tarde e de noite, e eu acabei virando líder estudantil. Em 68, ao invés de eu ir fazer vestibular eu fui para a escola técnica, liderei uma greve, abri o grêmio, e no dia do Ato 5 eu fui eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.
Caros Amigos - O senhor fazia política estudantil já no movimento secundarista?
Juca Ferreira - Sim, em 68 eu tinha 18 anos.
Caros Amigos - E qual a sua formação superior?
Juca Ferreira - No dia do Ato 5, além de eu ser eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, eu fui expulso da escola técnica. Aí eu fiz vestibular e passei para História, estudei dois anos, na Universidade Federal da Bahia. E aí eu já estava organizado na resistência clandestina.
Caros Amigos - O senhor participava de qual organização?
Juca Ferreira - No final de 67 eu entrei para o Partido Comunista, em 68 eu saí com a Dissidência da Bahia e depois juntamos com o Rio de Janeiro e virou o MR-8.
Caros Amigos - O senhor participou da luta armada ou ficou só na resistência?
Juca Ferreira - Eu participei depois. Fui preso, fiquei três meses e meio preso, fui solto e eles queriam me pegar de novo. Fui para o Rio, onde já estava mais barra pesada, com aqueles cartazes todos de 'procura-se' e depois em 71 eu fui para o exílio.
Caros Amigos - O senhor foi torturado?
Juca Ferreira - A rigor fui torturado, mas diante das torturas não fui. Tomei uns 'cachações', fiquei dois dias sem comer, soltaram um cachorro na minha cela....
Caros Amigos - Foi para o pau de arara?
Juca Ferreira - Não, eles estavam atrás de uma outra turma. Além do mais, o cara que comandava a tortura na Bahia tinha sido professor no colégio militar, e acho que isso ajudou a livrar a barra. Ele não era o torturador, era o que dirigia a repressão. A primeira ação política que eu fiz foi em 64, quando queimaram uma porção de livros. E aí a gente criou um grupo de leitura e íamos repondo os livros na biblioteca. No grupo de leitura tinha o filho do comandante do maior quartel do nordeste. Eu li Caio Prado, Nelson Werneck Sodré. Minha família era de esquerda, meus irmãos também, os mais velhos.
Caros Amigos - E a vida no exílio foi a partir de 71?
Juca Ferreira - Eu fui para o Chile, pois comecei a defender a saída da luta armada porque estava fadada ao fracasso, ao isolamento. Já tinha morrido muita gente e sentíamos o cerco. Acabei secretário político do MR-8 e organizando a saída das pessoas. Eu ficando por último, mas fomos tirando todo mundo que estava em cartaz. Chegou minha vez de sair. Peguei o golpe de Pinochet. Morei um ano no Chile.
Caros Amigos - Como foi enfrentar um golpe de Estado no estrangeiro?
Juca Ferreira - A insegurança era imensa, não só por ser exilado, mas no meu bairro a polícia matou muito jovem da juventude comunista, socialista, e eu fui salvo pelo vizinho. Nós morávamos numa 'poblacion', uma favela de lá, e éramos cinco, dois casais e um solteiro. Nossa casa era visitada por todos os meninos da favela, mas quando houve o golpe, a mãe de um deles disse 'vocês tem que sair daqui'. Aí encontramos o escritório das Nações Unidas. Fomos parar no primeiro refúgio das Nações Unidas. Não tinha bandeira das Nações Unidas lá e de vez em quando o Pinochet entrava lá. Um dia a mulher mais bonita do refúgio, uma peruana, me disse "não sou peruana, sou cubana e Pinochet já sabe que eu estou aqui'. Ela disse que sabia quem eu era, sabia tudo. Aí eu liguei para o inglês que falou com o embaixador da Suécia, que estava cuidando dos negócios cubanos, um nobre socialista. Ele pegou a cubana e perguntou se ela queria ir para a Suécia, e aí fizemos um grupo de pessoas que foi todo para a Suécia.
Caros Amigos - Seu exílio todo foi na Suécia?
Juca Ferreira - Sete anos na Suécia e quando eu vi que ia sair a anistia, fui para a França terminar meu curso universitário. Na Suécia eu estudei português, eu ia ser professor de português e cultura brasileira na Suécia. Na França, terminei meu curso num departamento da Sorbonne onde Fernando Henrique era professor, Bresser Pereira, Alain Touraine.
Caros Amigos - Da luta armada, da resistência à ditadura militar ao ministério da Cultura, como foi essa trajetória?
Juca Ferreira - Na Suécia eu fui trabalhador braçal, auxiliar de cozinha de um hospital, pelava as batatas, lavava os pratos. Depois eu fui auxiliar de trânsito, estivador, baby sitter, depois eu trabalhei no maior jornal da Suécia.
Caros Amigos - Como jornalista?
Juca Ferreira - Não, como faxineiro. Tomei curso de passar sinteco e foi legal para mim porque aqui no Brasil a classe média só quer saber do pescoço para cima, e lá eu fui trabalhador braçal, só queriam saber do pescoço para baixo. Foi quando eu tive a oportunidade de juntar as duas coisas. Foi positivo para mim. Eu vivi lá, estava havendo uma mudança cultural grande, os punks aparecendo.
Caros Amigos - Na Suécia o senhor tinha contato com o Gabeira?
Juca Ferreira - Tinha sim, eu já tinha antes da clandestinidade, a gente se encontrou no Chile e na Suécia. Ele é meu amigo. Hoje a gente está pensando um pouco diferente nesse momento, mas é uma pessoa que eu gosto, que eu convivi muito, é uma pessoa inteligente. Outro dia ele disse que a minha divergência com o PV era para manter o 'empreguinho' , e eu achei deselegante da parte dele. As paixões políticas passam por essas coisas...
Caros Amigos - O senhor suspendeu a sua filiação ao PV?
Juca Ferreira - Sim, por um ano. Eu acho que o PV está ficando careta, abandonando o seu programa. Ele surgiu no Brasil com uma coragem imensa de colocar questões comportamentais na política, defendendo com muita ousadia uma política de drogas para a redução de danos, defendendo os direitos dos homossexuais. E agora está todo mundo meio aderindo a um comportamento tradicional de se apresentar como ursinho de pelúcia da política brasileira, todos fofinhos, sem arestas, sem levantar nenhuma questão polêmica. Estão caretas, com uma escoliose para a direita, só querem alianças com o DEM. No Rio, o Gabeira está fazendo altos elogios e só quer aliança com o DEM, César Maia. Em São Paulo, há muito tempo tem alianças com DEM e PSDB e assim já em muitos Estados convivendo com o fisiologismo tradicional da política brasileira.
Caros Amigos - Como o ministério está atuando na sua gestão para preservar a cultura brasileira?
Juca Ferreira - A cultura brasileira não precisa de uma política de preservação nesse sentido. Claro que há uma política de patrimômio, que é uma política de preservação em última instância, mas a estratégia é de desenvolvimento cultural. Eu penso mais em expansão e desenvolvimento do que proteção. A nossa cultura é de boa cepa e tem condições de se desenvolver nesse ambiente de contato e signos e conteúdos vindos de outros países. Acredito que se criarmos igualdade de condições a cultura brasileira se desenvolve.
Caros Amigos - Como o senhor define a TV brasileira hoje?
Juca Ferreira - A gente incorporou a TV como parte da política cultural. Não só a TV pública como a TV privada também. A convergência digital, dos diversos suportes e mídias tem permitido que a gente pense para além da produção do cinema, que a gente pense a produção do audiovisual. Esses conteúdos migram de uma tela para outra, então é do nosso interesse, é talvez o meio mais popular, um dos mais importantes. Mas a qualidade da televisão brasileira é muito baixa. A nossa tradição é mais da TV de entretenimento, e não satisfaz as necessidades da população. Então é preciso contribuir para a elevação do padrão, seja através da TV pública seja através de estimular que as TVs privadas avancem sua programação, sua grade para coisas mais qualificadas.
Caros Amigos - Além do entretenimento, que o senhor ressalta, a gente observa o emburrecimento, o Big Brother é um programa que...
Juca Ferreira - É, mas o mundo inteiro gosta. A humanidade tem vínculos com esse tipo de produção. É um voyeurismo. A banalidade exerce um fascínio enorme sobre as pessoas.
Caros Amigos - O senhor acha que é uma coisa a ficar, ou dá para reverter e entregar para a população um produto de qualidade?
Juca Ferreira - É, mas eu sou a favor da liberdade de escolha por parte da população. Quem quer ver Big Brother que veja. Eu sou uma pessoa que gosta do meio televisão. Às vezes eu assisto coisas absolutamente banais, mas assisto me distanciando, como acredito que a maioria das pessoas faz. Ali é um pretexto para uma série de observações. Eu gosto desses programas de auditório. Se você me perguntar, eu diria que o padrão é baixo, mas tem alguma coisa que me interessa ali. Desde Chacrinha eu gostava.
Caros Amigos - O senhor assiste Silvio Santos, Faustão?
Juca Ferreira - Eu zapeio muito, mas assisto, sim. Vejo Ratinho, tenho curiosidade. Acho a TV um meio incrível.
Caros Amigos - Mas o senhor não acha que são programas de baixa qualidade de conteúdo, que contribuem para um conservadorismo, como o caso do programa do Ratinho, que achincalhava as pessoas?
Juca Ferreira - Achicalhando as pessoas, usando as aberrações.. É verdade isso. Mas os circos medievais faziam isso. A humanidade tem uma atração.
Caros Amigos - O senhor considera que a produção regional ainda está muito aquém do que poderia ser? O eixo Rio São Paulo concentra o maior número de emissoras A regionalização do conteúdo da comunicação não é uma saída?
Juca Ferreira - Nenhum país democrático do mundo permite que os radiodifusores transmitam em cadeia nacional o tempo todo. A Suécia é um pouco maior do que Sergipe, tem três regiões culturais, e na época que eu morava lá se não me engano só podia transmitir em rede nacional 25% do total do tempo. O resto tinha que regionalizar para dar emprego, para permitir que a cultura nacional aparecesse. Isso num país de dimensões continentais como o Brasil é um absurdo funcionar o tempo inteiro em rede nacional. Nos Estados Unidos também tem limites, na Europa toda, aqui é que o regime militar achava que tinha que uniformizar culturalmente. Havia uma desconfiança com a diversidade cultural brasileira, que ela pudesse produzir uma dispersão, uma fragmentação do país, por isso que ela incentivou essa homogeneização.
Caros Amigos - E o que se pode fazer para conseguir avançar nesse sentido, se produzir mais regionalmente?
Juca Ferreira - Acho que a regulação tem que avançar. O PL 29 que está tramitando vai regulamentar a TV a cabo, vai obrigar o percentual de produção brasileira, vai obrigar a produção independente. O Minc tem entrado aos poucos, mas cada vez mais como um fator de estímulo à melhoria tanto na regulamentação, como na área de estímulo à produção.
Caros Amigos - Tem um outro problema que é o conteúdo que vem de fora. Mesmo nas TVs a cabo, acontece um bombardeamento de programas e filmes que vem de fora. Como fazer para reverter essa situação?
Juca Ferreira - Tem que ter percentuais mínimos para conteúdos brasileiros. Isso eu defendo, é necessário. O cinema brasileiro é quase estrangeiro nas salas de exibição e isso tem que mudar, tem que avançar. A gente faz o filme para quem vê, e se nas salas de exibição brasileira o cinema americano é soberano e na televisão também. A gente tem que ter um pouco de soberania no audiovisual brasileiro.
Caros Amigos - Como daria para fazer incentivo ao cinema nacional?
Juca Ferreira - Uma parte a gente já tratou, que é abrir as salas de exibição para o conteúdo nacional. Temos que ter percentuais garantidos, de que quando um filme brasileiro esteja com um nível de público acima da média, o exibidor não tire para passar um filme estrangeiro, que muitas vezes tem um público menor do que aquele filme. Volta e meia acontece isso. O filme do Daniel Filho "Se eu fosse você" saiu antes de realizar sua missão comercial. O "Besouro" também estava acima da média de público quando foi tirado. Isso é um crime contra o cinema brasileiro. Os filmes que substituem essas produções brasileiras compram pacotes, é dumping, é proibido pela legislação brasileira. A gente percebe que tem muito enlatado de péssima qualidade que vem para cá e fica aí... Se fosse de péssima qualidade mas alta aceitação de público é um fato. Mas se é de péssima qualidade, baixo público e menor que o público brasileiro. Isso é o máximo do escândalo.
Caros Amigos - Mas o senhor não considera por exemplo, que tem uma aceitação do público porque é aquilo que é oferecido. Se você começa a oferecer um filme de qualidade nacional essa aceitação vem naturalmente?
Juca Ferreira - Historicamente, o público do cinema brasileiro são as classes C, D e E. Com esse encolhimento dessa rede de exibição, o cinema brasileiro ficou sem seu público. Nas salas de shopping center que tem como seu público principal a classe média, a disputa é braba porque há um deslumbramento pelo cinema americano. Há toda uma indústria por detrás que promove esses filmes. Então, pelo nosso lado temos que aumentar o interesse aumentando a qualidade do cinema brasileiro, fazendo filmes que conquistem o público. Tem um problema de produção também. A gente saiu de pouco mais de 20 filmes ao ano, quando entramos no ministério, e estamos com quase cem filmes ano. Mas muitos desses filmes nem contribuem para o desenvolvimento da linguagem e nem para o aumento de público, que seriam os dois grandes critérios. O que o Ministério da Cultura pode fazer? Aumentar o padrão dos roteiristas, desenvolver linguagens cativantes e atraentes para um número cada vez maior de público. O papel do ministério é estimular isso, criar critérios na disponibilizaçã o dos recursos que levem à melhoria do padrão da linguagem e para a conquista de parcelas do público.
Caros Amigos - E a Embrafilme não seria uma saída para isso?
Juca Ferreira - A gente está disponibilizando mais dinheiro que a Embrafilme. É mais complexo do que a Embrafilme. Precisamos recuperar o cinema popular no Brasil. Está começando aí. Tem vários filmes que tem bombado. Temos que aumentar a cota de filmes que tem capacidade de bombar e por outro lado financiar os filmes que mesmo com pouco público contribuam para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Existe o problema da distribuição. Precisamos estimular a distribuição brasileira para que possa atuar também no exterior. O ministério tem investido nisso, em apoiar a venda do cinema brasileiro e dos conteúdos audiovisuais brasileiros no exterior. É um processo mais global. Uma distribuidora estatal poderia contribuir assim como o crescimento das distribuidoras privadas. Eu não me fixaria como única alternativa uma distribuidora pública.
Caros Amigos - Quanto que o ministério investe de recursos em cinema nacional?
Juca Ferreira - Eu não lembro, mas é mais do que da época da Embrafilme. Quando chegamos ao ministério, os recursos orçamentários eram em média 280 e poucos milhões, correspondiam a 0,2 do total do orçamento do governo federal. Passamos esse ano de 2010 de 1% que é o mínimo recomendado pelas Nações Unidas, que corresponde a 2,5 bilhões. Além disso, quando chegamos, a renúncia fiscal era menos de 300 milhões, e agora está em 1 bilhão e meio. E estamos avançando nas regras de disponibilização de recursos. Criamos o fundo setorial do audiovisual, estamos lançando linhas de financiamento junto com o BNDES para financiar a ampliação das salas de exibição, estamos lançando o Vale Cultura, que vai injetar 7 bilhões da economia da cultura. São várias ações convergindo no Estado apoiar e incentivar o crescimento da arte e da cultura no país.
Caros Amigos - Como funciona o Vale Cultura?
Juca Ferreira - É muito parecido com o Vale Refeição, mas um é para alimentar o estômago e outro para alimentar o espírito. É um cartão magnético que é disponibilizado para o trabalhador com um valor nominal de 50 reais para ele comprar livro, comprar CD, assistir espetáculo de dança, de música, para consumo cultural. Percebemos que não adiantava estimular a produção se o índice de acesso é muito pequeno. O Vale Cultura vai produzir efeitos colaterais muito positivos. Como o controle do uso vai ser muito grande. Vai estimular o consumo do CD legal. Vai estimular abertura de negócios culturais perto de onde os trabalhadores moram. É uma novidade que está sendo estudada até por outros países. Vai incluir 14 milhões de pessoas no consumo cultural.
Caros Amigos - Em que pé estão as discussões em torno da Lei Rouanet?
Juca Ferreira - Eu rodei o Brasil defendendo a mudança da Lei Rouanet. As estatísticas provam que a lei esgotou o que podia dar de positivo e houve muitas distorções. 80% do dinheiro da lei vai para os Estados de Rio e São Paulo e 60% do dinheiro fica em duas cidades,Rio e São Paulo. 3% dos proponentes ficam com mais da metade desse dinheiro. São sempre os mesmos. Tem estados que não recebem nem 0,0%, então a gente vai democratizar o acesso, disponibilizar o benefício da renúncia fiscal para todas as áreas da cultura, demandar de que os empresários entendam que essa é uma parceria público privada e que não pode ser 100% de renúncias. Se fosse assim, não precisaria de empresas. Nesses 19 anos de Lei Rouanet, foi só 5% de dinheiro privado, então a gente está exigindo um mínimo de 20% de dinheiro privado.
Caros Amigos - A crítica dos opositores da Lei é de que haverá muita centralização, como o senhor vê isso?
Juca Ferreira - Isso é uma bobagem. Hoje, o ministério avalia as propostas, emite um parecer favorável ou contrário demandando o aperfeiçoamento, vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que é bipartite. Eles sacralizam ou não o parecer. E vai continuar a mesma coisa. E mais, a gente vai fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, Fundo Setorial da Música, da Dança, do Patrimônio.
Caros Amigos - Os recursos vão todos para esses fundos?
Juca Ferreira - 80% vão para os Fundos. Hoje 80% vai para renúncia sem critério o que dificulta muito o desenvolvimento cultural e reduz muito o papel do Estado no apoio à produção cultural brasileira. Permite essas distorções de concentração. Os ingleses estão visitando o Brasil são responsáveis pela política cultural do Reino Unido, disseram que Lei Rouanet jamais poderia acontecer na Inglaterra.
Caros Amigos - Por que?
Juca Ferreira - Porque segundo eles, e eu concordo, cada centavo que é renunciado, é um centavo a menos a ser disponibilizado para a produção cultural. A visão deles é que mecenato é quando mecenas coloca a mão no próprio bolso para fazer uma benesse cultural. Não é meter a mão no bolso do Estado. O Estado tem a sua responsabilidade muitas vezes de estimular, financiar uma atividade que não é lucrativa e portanto não é atraente para a iniciativa privada. Nem retorno de imagem dá.
Fonte: Caros Amigos, edição de Abril de 2010.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
O povo da Grécia luta pela Humanidade
por Miguel Urbano Rodrigues
As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.
A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento na terra que foi berço da civilização europeia e do conceito de democracia política.
Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira mundial prestes a ser superada.
Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica, financeira, cultural, energética, ambiental, militar, social e politica.
O MITO OBAMA
A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A potência que os media portugueses insistem em apresentar como "a maior economia do mundo" entrou num processo de decadência irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país; actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares e títulos do Tesouro norte-americano.
Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?
Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O outro a permanência do dólar como moeda de referência no comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas transacções do petróleo. E não há controlo para a emissão do bilhete verde.
Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem data no calendário, de proporções colossais.
O gigante tem pés de barro. O seu défice comercial ultrapassou um milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano será superior.
Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma estratégia de dominação universal, saqueia os recursos naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão ditas "preventivas" com a cumplicidade dos seus aliados da União Europeia.
Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como político progressista e humanista, desenvolve uma politica que é indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça à Humanidade.
A falsificação da História não pode apagar a realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista israelense.
Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima. Seria incómodo lembrar a destruição e saque de patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotâmia. Informar por exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques do US ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Bagram, está instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da desaparecida civilização Kuchana.
O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009), retoma a política de hostilidade à Revolução Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para águas da América Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia, cria sete novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em África o AFRICOM, um exército permanente dos EUA naquele Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.
O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas nucleares. Mas na recente Conferência sobre Desnuclearizaçã o ameaçou usá-las contra o Irão, se o seu governo não se submeter às exigências de Washington.
A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA
Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma realidade e que nos EUA a economia cresceu no último trimestre mais do que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Itália seriam excepções. A "turbulência" dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas isso resultaria da acção de especuladores.
Os governantes e a comunicação social esforçam-se por persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade graças a sábias políticas financeiras – insinua-se – que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela necessidade de reduzir os défices orçamentais. Em Portugal o PEC seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a hora exigiria sacrifícios de "todos" a bem da pátria.
O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de Tóquio a Londres.
O objectivo é enganar os povos para impedir que a intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.
Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de desinformação.
Na realidade, muito pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança. Centenas de milhões de dólares foram injectadas no "mercado" pela Administração Obama, mas não para acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da falência os responsáveis pelas acções criminosas que desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da indústria automóvel.
Os patrões da finança são os mesmos e continuam a atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na origem do tsunami financeiro.
Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e académicos de prestígio mundial como Noam Chomsky arrancam a máscara ao governo federal, desmontando a mentira da recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave da Administração. É o caso do secretário do Tesouro, Timothy Hitler, um ex-magnata de Wall Street, hoje responsável pela política monetária do país. Mais expressivo ainda é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada "desregulamentaçã o", isto é as politica criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o seu assessor económico.
Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que "o sentido de responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (…) é praticamente nulo".
Nada mudou desde então.
Obama comprometeu- se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da finança.
O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit (antes pulmão da indústria automobilística) e Pittsburg (antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma imagem de decadência que nega os slogans do american way of life.
A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que "é preciso refundar o capitalismo" . Mas, conscientes de que o capitalismo não é humanizável, tudo fazem para o recauchutar.
O EXEMPLO DA GRÉCIA
Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos EUA.
Sucedem-se as crises na Islândia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.
O euro desvaloriza- se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-Bretanha a gravidade da crise será transparente após as eleições. Em França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação social.
Na Grécia a economia desmoronou-se. O alarme foi tamanho em Bruxelas que os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradições e hesitações, um plano dito de "ajuda" que na realidade impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria à condição de colónia administrada pela finança internacional.
Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas décadas.
Sete greves gerais nos últimos cinco meses expressaram a recusa dos trabalhadores gregos a submeter-se ao chamado "programa de austeridade" , eufemismo que encobre as exigências impostas pelo grande capital, violadoras da soberania nacional.
A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a agressão exterior mascarada de "ajuda".
Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA. Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande jornada de luta.
Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas, hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio; o sector privado juntou-se ao público.
Elementos da extrema-direita provocaram distúrbios na manifestação em frente do Parlamento. Entre eles havia polícias à paisana. Mas a tentativa de responsabilizar o PAME – a Frente Sindical que mobilizou os trabalhadores -fracassou porque o protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.
Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do "caos grego", criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas para "salvar o país". Mentem conscientemente.
A Grécia projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da política capituladora que lhe é imposta, prevista aliás no Tratado de Maastricht: eliminação dos 13º e 14º salários, redução de pensões de reforma, corte brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.
No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido Comunista da Grécia (KKE), ocupou simbolicamente a Acrópole, em Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma inscrição desafiadora: "Povos da Europa levantai-vos!"
O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar de uma situação pré-revolucioná ria. Na própria Grécia não estão reunidas condições para um assalto ao poder.
Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e oportuno. Também em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na Europa não iria concretizar- se no futuro próximo. Mas o grito "Proletários de todos os países uni-vos!" ecoou no Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval de esperança nas massas oprimidas.
As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos históricos favoráveis.
Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai tardar. Mas adquiriram há muito a convicção inabalável de que deve ser frontal e sem concessões no combate ao sistema que invoca a necessidade de "reformas" e de "políticas de austeridade" para reforçar a opressão social.
Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível planetário centenas de milhões de trabalhadores.
E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da dominação das classes dominantes que sairá a saída para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.
Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda revolucionária na melhor tradição leninista, é tão importante, bela e simbólica.
Nesta Primavera europeia do ano 2010, os filhos da Helada voltam a lutar pela Humanidade.
Fonte: V.N.de Gaia.
As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.
A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento na terra que foi berço da civilização europeia e do conceito de democracia política.
Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira mundial prestes a ser superada.
Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica, financeira, cultural, energética, ambiental, militar, social e politica.
O MITO OBAMA
A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A potência que os media portugueses insistem em apresentar como "a maior economia do mundo" entrou num processo de decadência irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país; actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares e títulos do Tesouro norte-americano.
Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?
Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O outro a permanência do dólar como moeda de referência no comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas transacções do petróleo. E não há controlo para a emissão do bilhete verde.
Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem data no calendário, de proporções colossais.
O gigante tem pés de barro. O seu défice comercial ultrapassou um milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano será superior.
Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma estratégia de dominação universal, saqueia os recursos naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão ditas "preventivas" com a cumplicidade dos seus aliados da União Europeia.
Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como político progressista e humanista, desenvolve uma politica que é indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça à Humanidade.
A falsificação da História não pode apagar a realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista israelense.
Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima. Seria incómodo lembrar a destruição e saque de patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotâmia. Informar por exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques do US ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Bagram, está instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da desaparecida civilização Kuchana.
O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009), retoma a política de hostilidade à Revolução Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para águas da América Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia, cria sete novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em África o AFRICOM, um exército permanente dos EUA naquele Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.
O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas nucleares. Mas na recente Conferência sobre Desnuclearizaçã o ameaçou usá-las contra o Irão, se o seu governo não se submeter às exigências de Washington.
A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA
Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma realidade e que nos EUA a economia cresceu no último trimestre mais do que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Itália seriam excepções. A "turbulência" dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas isso resultaria da acção de especuladores.
Os governantes e a comunicação social esforçam-se por persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade graças a sábias políticas financeiras – insinua-se – que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela necessidade de reduzir os défices orçamentais. Em Portugal o PEC seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a hora exigiria sacrifícios de "todos" a bem da pátria.
O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de Tóquio a Londres.
O objectivo é enganar os povos para impedir que a intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.
Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de desinformação.
Na realidade, muito pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança. Centenas de milhões de dólares foram injectadas no "mercado" pela Administração Obama, mas não para acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da falência os responsáveis pelas acções criminosas que desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da indústria automóvel.
Os patrões da finança são os mesmos e continuam a atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na origem do tsunami financeiro.
Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e académicos de prestígio mundial como Noam Chomsky arrancam a máscara ao governo federal, desmontando a mentira da recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave da Administração. É o caso do secretário do Tesouro, Timothy Hitler, um ex-magnata de Wall Street, hoje responsável pela política monetária do país. Mais expressivo ainda é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada "desregulamentaçã o", isto é as politica criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o seu assessor económico.
Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que "o sentido de responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (…) é praticamente nulo".
Nada mudou desde então.
Obama comprometeu- se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da finança.
O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit (antes pulmão da indústria automobilística) e Pittsburg (antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma imagem de decadência que nega os slogans do american way of life.
A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que "é preciso refundar o capitalismo" . Mas, conscientes de que o capitalismo não é humanizável, tudo fazem para o recauchutar.
O EXEMPLO DA GRÉCIA
Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos EUA.
Sucedem-se as crises na Islândia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.
O euro desvaloriza- se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-Bretanha a gravidade da crise será transparente após as eleições. Em França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação social.
Na Grécia a economia desmoronou-se. O alarme foi tamanho em Bruxelas que os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradições e hesitações, um plano dito de "ajuda" que na realidade impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria à condição de colónia administrada pela finança internacional.
Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas décadas.
Sete greves gerais nos últimos cinco meses expressaram a recusa dos trabalhadores gregos a submeter-se ao chamado "programa de austeridade" , eufemismo que encobre as exigências impostas pelo grande capital, violadoras da soberania nacional.
A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a agressão exterior mascarada de "ajuda".
Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA. Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande jornada de luta.
Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas, hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio; o sector privado juntou-se ao público.
Elementos da extrema-direita provocaram distúrbios na manifestação em frente do Parlamento. Entre eles havia polícias à paisana. Mas a tentativa de responsabilizar o PAME – a Frente Sindical que mobilizou os trabalhadores -fracassou porque o protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.
Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do "caos grego", criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas para "salvar o país". Mentem conscientemente.
A Grécia projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da política capituladora que lhe é imposta, prevista aliás no Tratado de Maastricht: eliminação dos 13º e 14º salários, redução de pensões de reforma, corte brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.
No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido Comunista da Grécia (KKE), ocupou simbolicamente a Acrópole, em Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma inscrição desafiadora: "Povos da Europa levantai-vos!"
O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar de uma situação pré-revolucioná ria. Na própria Grécia não estão reunidas condições para um assalto ao poder.
Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e oportuno. Também em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na Europa não iria concretizar- se no futuro próximo. Mas o grito "Proletários de todos os países uni-vos!" ecoou no Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval de esperança nas massas oprimidas.
As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos históricos favoráveis.
Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai tardar. Mas adquiriram há muito a convicção inabalável de que deve ser frontal e sem concessões no combate ao sistema que invoca a necessidade de "reformas" e de "políticas de austeridade" para reforçar a opressão social.
Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível planetário centenas de milhões de trabalhadores.
E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da dominação das classes dominantes que sairá a saída para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.
Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda revolucionária na melhor tradição leninista, é tão importante, bela e simbólica.
Nesta Primavera europeia do ano 2010, os filhos da Helada voltam a lutar pela Humanidade.
Fonte: V.N.de Gaia.
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