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sábado, 1 de fevereiro de 2014

O Brasil de Davos e de Mariel

31/01/2014 - Mauro Santayanna - Brasil 247


A presidente Dilma foi a Davos, na Suiça, para reunir-se, entre outras personalidades, com o presidente do país, Didier Burkhalter [foto], o do grupo SAAB - sócio brasileiro no projeto dos caças Gripen NG - Hakan Buskhe, o da FIFA, Joseph Blatter [abaixo] e CEOs de grandes multinacionais, como a UNILEVER e a NOVARTIS.  

E de lá, para Havana, Cuba, para se encontrar com líderes do continente, na reunião da CELAC - Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe, e participar, junto ao Presidente Raul Castro, de uma cerimônia emblemática:

A inauguração da primeira etapa do terminal de containers e da Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, junto ao porto do mesmo nome.

Financiado com dinheiro brasileiro e construído por empresas nacionais de engenharia - que geraram, com o projeto, 198.000 empregos no Brasil - em associação com firmas locais, no valor aproximado de um bilhão de dólares.

O objetivo do Brasil, no Fórum Econômico de Davos, foi esclarecer aos investidores que, com relação à economia, por aqui o diabo não está tão feito quanto aparenta ou querem fazer que pareça.

Nas conversas com investidores, os representantes brasileiros devem ter apresentado dados como a queda da inadimplência, o aumento da arrecadação, e a manutenção, no ano que passou, do Investimento Estrangeiro Direto em um patamar acima de 60 bilhões de dólares por ano, quase o mesmo,  portanto, que o de 2012.

Já, em Cuba, o papel do Brasil foi o de dar novo exemplo de seu “soft power” regional, exercido também por meio de grandes projetos de infra-estrutura, voltados para melhorar as condições de vida de nossos vizinhos e parceiros, e integrar, pelo desenvolvimento, a América Latina.

O que paraguaios, bolivianos, peruanos, equatorianos, e mexicanos viram, paralelamente à reunião da CELAC, quando tomaram conhecimento da dimensão do projeto de Mariel - onde devem se instalar empresas brasileiras a partir do ano que vem, para montar produtos destinados às Américas e ao Pacífico, aproveitando a vizinhança do Canal do Panamá - não é muito diferente do que o Brasil já faz em seus respectivos países. 

Basta lembrar o recém inaugurado
- linhão elétrico de 500 kV entre Itaipu e Assunção, que permitirá, finalmente, a industrialização do Paraguai;
- o gasoduto Bolívia-Brasil, que gera, com a exportação de gás, boa parte do PIB boliviano;
- os corredores ferroviários e rodoviários bioceânicos, em fase de implantação, que nos levarão ao Peru, Bolívia e Chile, e por meio deles, ao oceano Pacífico;
- as obras do metrô de Quito, no Equador, que também tem participação brasileira;
- ou o maior projeto petroquímico em construção no México, que está sendo tocado, em associação com empresas locais, pela Braskem.

Para muita gente, o Brasil de Mariel, que tem consciência de sua dimensão geopolítica na América Latina, é incompatível com o Brasil de Davos, que, muita gente também acredita, deveria se sujeitar aos Estados Unidos e à Europa, em troca de capitais, acordos e investimentos. 

Essa visão limitada, tacanha, defendida tanto por alguns setores da oposição, quanto por gente do próprio governo e da base aliada - já foi ultrapassada pelos fatos e deveria ser abandonada em benefício de um projeto de nação à altura de nosso destino e possibilidades.

Quanto mais poder tem um país, mais razões ele tem para ser pragmático, múltiplo, universal, no trato com as outras nações.

Não podemos fechar as portas para ninguém, nem deixar de ter contato ou de fazer negócios com quem quer que seja, desde que essa relação se faça em igualdade de condições. 

O que não deve impedir, nem limitar, nosso direito de eleger, estrategicamente, prioridades e alianças, específicas, no âmbito internacional, que nos permitam alcançar mais rapidamente nossas metas de fortalecimento do Brasil e de melhora das condições de vida da população brasileira.

Fonte:
http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/128726/O-Brasil-de-Davos-e-de-Mariel.htm

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O México do Nafta, da pobreza e dos baixos salários

07/01/2014- Nafta trouxe pobreza e baixos salários ao México
-Miguel do Rosário - Tijolaço

Começamos o dia com uma reportagem de ontem [06/01/2014] do Valor, que é de arrepiar os cabelos.

Não teve destaque no próprio Valor, nem terá em nenhuma outra mídia.

Foi feita, naturalmente, por repórter estrangeiro, Mark Stevenson, da Associated Press, pois duvido que algum barão da mídia permitisse que um jornalista brasileiro fosse tão ousado.

A reportagem diz, em suma, que a Nafta, o acordo comercial entre México e EUA (que inclui o Canadá também), que derrubou uma série de barreiras comerciais e trabalhistas entre os dois países, não trouxe contribuição social relevante ao México.

Ao contrário, a situação piorou. Confira os trechos abaixo:

“(…) o México é o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza também cresceu nos últimos anos.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a pobreza caiu de 48,4% em 1990 para 27,9% em 2013 em toda a América Latina.

No México, onde estava em 52,4% em 1994, a taxa de pobreza chegou a cair para 42,7% em 2006; mas em 2012 tinha voltado a subir para 51,3%.”

“(…) os empregos do setor no México são notoriamente mal remunerados, e pouco se avançou em reduzir o fosso salarial em relação aos EUA.

(…) A média dos salários na indústria de transformação do México correspondia a cerca de 15% dos pagos nos EUA em 1997. Em 2012 esse percentual tinha aumentado para apenas 18%.

Em alguns setores, os salários praticados na China, na verdade, superaram os pagos no México.”

O Nafta corresponde a Alca, o acordo que os EUA queriam implantar em toda a América do Sul.

Foi enterrada com a eleição de Lula e outros governantes progressistas.

Agora sabemos os resultados a que ela se propunha.

Não teríamos o combate a pobreza que vimos por aqui e os EUA ficariam ainda mais ricos.

A íntegra da matéria está adiante.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=12311

*****


06/01/2014 - O México conta poucos ganhos com o Nafta
- Por Mark Stevenson - Associated Press - Valor Econômico

Ao vermos um México coalhado de lojas da Starbucks, Walmart e Krispy Kreme, é difícil se lembrar de como era o país antes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, nas iniciais em inglês), que ampliou drasticamente as opções do consumidor e o comércio desde que entrou em vigor há 20 anos.

Embora o pacto tenha mudado o país em alguns aspectos fundamentais, ele jamais cumpriu muitas de suas promessas revolucionárias de acabar com o fosso salarial entre o México e os EUA, impulsionar o crescimento do nível de emprego, combater a pobreza e defender o meio ambiente.

A fragilidade dos sindicatos do México e a concorrência da Ásia e da América Central mantiveram os salários em níveis baixos;

- o reforço da segurança na fronteira com os EUA fechou a válvula de escape mexicana da imigração, e as cláusulas ambientais do acordo se mostraram menos potentes do que as destinadas a proteger os investidores.

O México se beneficiou com o acordo com os EUA e o Canadá em algumas áreas.

Os setores automobilístico, de produtos eletrônicos e agrícola cresceram, e bancos estrangeiros ingressaram no país, aumentando o acesso ao crédito.

Mas a maioria dos mexicanos não viu muitas vantagens em termos de renda.

Embora a classe média seja, sem dúvida, maior atualmente, o México é o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza também cresceu nos últimos anos.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a pobreza caiu de 48,4% em 1990 para 27,9% em 2013 em toda a América Latina.

No México, onde estava em 52,4% em 1994, a taxa de pobreza chegou a cair para 42,7% em 2006; mas em 2012 tinha voltado a subir para 51,3%.

O economista Alfredo Coutiño [foto], diretor da Moody's Analytics para a América Latina, diz que "os benefícios vieram, mas talvez não na magnitude que se esperava".

Ele destaca que, "se esse acordo não tivesse sido assinado, o México estaria numa situação muito pior do que a dos últimos 20 anos".

Antes do Nafta, o México era uma economia fechada, dominada pelo Estado, que se ressentia do endividamento e dos problemas estruturais da agricultura mexicana - de baixa produtividade, em pequenas propriedades.

Isso originara uma tempestade perfeita de desemprego em massa.

O acordo comercial, a globalização e o investimento externo contribuíram, efetivamente, para criar empregos, embora mal remunerados.

Nos supermercados, os consumidores conhecem todos os produtos, desde amoras até o chai (bebida à base de chá preto, mel e leite) e o limão (em contraposição à lima mexicana) que poucos tinham experimentado antes de o tratado derrubar as barreiras comerciais e as tarifas praticadas entre México, Canadá e Estados Unidos.

Os endinheirados do México têm ampla variedade de produtos e opções para gastar, principalmente na esfera dos aparelhos eletrônicos e automóveis.

Coutiño lembra que "antes, no México, era uma questão de prestígio social ter um par de tênis importados, eles eram muito caros... Agora a maioria dos mexicanos pode ter essas coisas consideradas artigos de luxo no passado".

Os mexicanos continuam divididos: uma recente pesquisa do jornal "Universal" e da consultoria Buendía-Laredo revelou que, enquanto 50% da população aprovaria o pacto comercial se ele fosse reapresentado atualmente, cerca de 34% o rejeitariam. O restante não soube responder. A margem de erro foi de 3,5%, para mais ou para menos.

Mas não há volta.

Os três países da América do Norte estão se empenhando em aumentar seu grau de integração econômica.

Com a reforma energética recém-aprovada pelo México, que permite o investimento privado no setor petrolífero do país, eles pretendem declarar também a independência energética do continente.

O Nafta foi quase esquecido no mais recente e polêmico esforço de livre-comércio, a Parceria Transpacífico (TPP, nas iniciais em inglês), uma negociação entre 12 países, entre os quais os três do Nafta, para abrir o comércio entre a Ásia e as Américas.

A oposição ao TPP é reminiscência das previsões terríveis formuladas por ocasião das negociações em torno do Nafta, no início da década de 1990.

Na época, os opositores ao Nafta previram que milhões de postos de trabalho americanos seriam transferidos para o sul, e os grupos representativos de trabalhadores e agricultores prognosticaram um êxodo em massa da zona rural mexicana.

Mas, como afirma um relatório de 2010 do Serviço de Pesquisa do Congresso americano, "a maioria dos estudos realizados após a entrada em vigor do Nafta detectou que os efeitos sobre a economia mexicana tendem a ser, no máximo, modestos".

Do lado positivo, o comércio entre os três países aumentou grandemente, para níveis cerca de 3,5 vezes superiores aos de 1994, embora o intercâmbio dos EUA com a China e com outros países asiáticos tenha se expandido com rapidez ainda maior nas últimas duas décadas.

Um número maior de montadoras estrangeiras instalou unidades no México, que agora produz cerca de 3 milhões de veículos ao ano.

O México aumentou os postos de trabalho no setor automobilístico em aproximadamente 50% desde 1994.

Mas os empregos do setor no México são notoriamente mal remunerados, e pouco se avançou em reduzir o fosso salarial em relação aos EUA.

A média dos salários na indústria de transformação do México correspondia a cerca de 15% dos pagos nos EUA em 1997. Em 2012 esse percentual tinha aumentado para apenas 18%.

Em alguns setores, os salários praticados na China, na verdade, superaram os pagos no México.

O Nafta também não cumpriu todas as promessas no front ambiental.

O Banco de Desenvolvimento da América do Norte, parte dos acordos paralelos do tratado, gastou mais de US$ 1,33 bilhão no financiamento de projetos de tratamento de água potável, água servida e esgoto.

Mas o esgoto não tratado continua a fluir, e a qualidade do ar continua baixa em muitas comunidades fronteiriças.

As exportações dos EUA de baterias de automóveis usadas de chumbo-ácido para o México dispararam 500% entre 2004 e 2011.

Só agora as autoridades mexicanas estão começando a estudar a imposição de exigências de certificação a empresas que exportam baterias para processamento destinado a recuperar o chumbo.

O Nafta foi, porém, muito eficiente em proteger os investidores estrangeiros.

O pacto comercial instituiu grupos de arbitragem vinculantes, por meio dos quais os investidores podem contornar os tribunais com reclamações de que a regulamentação do governo afeta deslealmente seus negócios.

As queixas são muitas vezes contra a gestão dos recursos naturais ou as normas ambientais.

O México e o Canadá pagaram cerca de US$ 350 milhões em indenizações aos investidores estrangeiros, enquanto os Estados Unidos não pagaram nada.

"O processo [de arbitragem] não se assemelha ao Judiciário, não é justo e aberto", disse Scott Sinclair [foto], do Centro Canadense de Políticas Públicas Alternativas.

Fonte:
http://www.valor.com.br/internacional/3385498/mexico-conta-poucos-ganhos-com-nafta

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

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- América Latina - fim de um ciclo - Elaine Tavares
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- Então, que venha do BRICS um desenvolvimento inteligente - Fabíola Ortiz
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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

América Latina - fim de um ciclo

12/01/2014 - Elaine Tavares em seu blogue Palavras Insurgentes

Ao se completarem dez meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador.

A Venezuela “cria cuervos”, agarrada com a elite financeira do país que põe a economia no chão.

O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial.

O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio.

Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam.

A Bolívia, apesar de forte influência indígena, igualmente vai se rendendo às grandes empresas privadas, que formam um perigoso poder no país.

O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo.

Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido.

Como era de se esperar, o desaparecimento de Chávez foi também o desaparecimento do motor teórico do processo “revolucionário” que começou com a chegada desse militar incomum ao poder em 1998.

Quando Chávez chegou à presidência da Venezuela o mundo estava então dominado pelo pensamento neoliberal. Parecia não haver saída desse labirinto de pensamento único.

Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital.

No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida.

Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar.

E o que é o bolivarianismo?

Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.

E foi esse sendero que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina.

Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países.

O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano.

A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos.

Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês.

Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins.

Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais.

O imperialismo atacou, deu golpe, mas foi derrotado pela massa que já não estava mais excluída da participação.

Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos.

Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.

Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou.

Elegeu Evo Morales [foto], das fileiras indígenas e sindicais, construiu de forma participativa e popular uma nova Constituição, criou um estado Plurinacional, avançou na participação, fez assomar a cultura originária, maioria no país.

O Equador seguiu o mesmo diapasão.

Nova Constituição, outorgou direitos à natureza, estado pluricultural.

Abriu espaço para novos pensares, mais além do socialismo: o sumak kausay, uma forma de organizar a vida embasada em conceitos autóctones, dos povos antigos, coisa completamente nova para quem acreditava que o modelo europeu era o único possível.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação.

Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda.

E mesmo quando ele mesmo claudicava, ou cedia ao “possível”, buscava nos autores revolucionários, nos heróis do passado, a inspiração para reavaliar e avançar.

E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas.

Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.

Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem.

Na Venezuela era possível observar a subida da inflação e a opção do governo por uma aliança com o setor financeiro. O país não conseguia avançar no caminho do desenvolvimento endógeno, atropelado que fora ano após ano por golpes, contragolpes e ações desestabilizadoras da direita.

Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou.

Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Na Bolívia, Evo Morales passou a apostar na lógica do neodesenvolvimentismo, puxada pelo Brasil.

Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas.

No Equador, Rafael Correa [foto abaixo] foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo.

Tem mantido fogo cerrado contra os povos indígenas, acusando-os de barrar o progresso do país e entrou de cabeça na mesma onda do “desenvolvimento” a qualquer custo.

O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.

A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil.

Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista.

Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente.

Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas.

A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina.

Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política.

Os encontros continuam, as instituições também, mas não há uma liderança capaz de articular as ações econômicas com o debate teórico.

A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo. Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais.

Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.

O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro [foto abaixo], e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou.

O fato de o partido do governo ter ganhado as eleições municipais agora em dezembro não diz muito. Nos pequenos municípios a política do partido está consolidada. Mas, nos grandes, não. Daí que a direita avança por aí.

Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo.

Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga  - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”.

Segundo Nildo, a inflação galopante que tem assolado o país e a criação de um mercado paralelo do dólar enfraquecem a economia e a tendência é de que, a seguir essa política, a situação econômica se agrave ainda mais.

O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar.

E, sem produção, o país segue dependente.

É um círculo vicioso e sem saída.

A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra.

Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo - em maior ou menor grau - na posição de "humanizar" o capitalismo.

No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país.

Mas, por outro lado, o agronegócio está cada vez mais abraçado ao governo, deitando e rolando no ataque aos indígenas e aos que pretendem colocar qualquer freio a nova expansão da monocultura.

Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX.

No Uruguai, apesar de passos importantes como o ataque ao narcotráfico e a busca por uma democratização da mídia, Mujica [foto] permite a ação nefasta das papeleiras e de outras grandes crias do capital.

Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor.

No Equador, Correa está rendido às petroleiras.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anti-colonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair.

Os mandatários ditos “progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as mega empresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam “desenvolvimento”.

Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência.

O máximo que conseguem é o que já apontava Gunder Frank: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, o que permite algumas ilhas de riqueza, um certo incremento no consumo através da liberação de crédito, mas praticamente nenhuma mudança estrutural.

Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista.

"Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema.

Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba.

Nos dias de hoje, sem a presença vigorosa de um Fidel, ou a trovejante ousadia de Chávez, o que parece avançar é a acomodação ao velho modelo de dependência e de cooperação com o capital.

Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos.

Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava.

Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho.

Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década.

Algo novo há de aparecer.

Assim, seguimos!...

Fonte:
http://eteia.blogspot.com.br/2014/01/america-latina-fim-de-um-ciclo.html

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Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.