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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

América Latina - fim de um ciclo

12/01/2014 - Elaine Tavares em seu blogue Palavras Insurgentes

Ao se completarem dez meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador.

A Venezuela “cria cuervos”, agarrada com a elite financeira do país que põe a economia no chão.

O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial.

O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio.

Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam.

A Bolívia, apesar de forte influência indígena, igualmente vai se rendendo às grandes empresas privadas, que formam um perigoso poder no país.

O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo.

Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido.

Como era de se esperar, o desaparecimento de Chávez foi também o desaparecimento do motor teórico do processo “revolucionário” que começou com a chegada desse militar incomum ao poder em 1998.

Quando Chávez chegou à presidência da Venezuela o mundo estava então dominado pelo pensamento neoliberal. Parecia não haver saída desse labirinto de pensamento único.

Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital.

No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida.

Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar.

E o que é o bolivarianismo?

Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.

E foi esse sendero que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina.

Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países.

O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano.

A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos.

Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês.

Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins.

Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais.

O imperialismo atacou, deu golpe, mas foi derrotado pela massa que já não estava mais excluída da participação.

Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos.

Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.

Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou.

Elegeu Evo Morales [foto], das fileiras indígenas e sindicais, construiu de forma participativa e popular uma nova Constituição, criou um estado Plurinacional, avançou na participação, fez assomar a cultura originária, maioria no país.

O Equador seguiu o mesmo diapasão.

Nova Constituição, outorgou direitos à natureza, estado pluricultural.

Abriu espaço para novos pensares, mais além do socialismo: o sumak kausay, uma forma de organizar a vida embasada em conceitos autóctones, dos povos antigos, coisa completamente nova para quem acreditava que o modelo europeu era o único possível.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação.

Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda.

E mesmo quando ele mesmo claudicava, ou cedia ao “possível”, buscava nos autores revolucionários, nos heróis do passado, a inspiração para reavaliar e avançar.

E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas.

Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.

Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem.

Na Venezuela era possível observar a subida da inflação e a opção do governo por uma aliança com o setor financeiro. O país não conseguia avançar no caminho do desenvolvimento endógeno, atropelado que fora ano após ano por golpes, contragolpes e ações desestabilizadoras da direita.

Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou.

Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Na Bolívia, Evo Morales passou a apostar na lógica do neodesenvolvimentismo, puxada pelo Brasil.

Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas.

No Equador, Rafael Correa [foto abaixo] foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo.

Tem mantido fogo cerrado contra os povos indígenas, acusando-os de barrar o progresso do país e entrou de cabeça na mesma onda do “desenvolvimento” a qualquer custo.

O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.

A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil.

Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista.

Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente.

Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas.

A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina.

Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política.

Os encontros continuam, as instituições também, mas não há uma liderança capaz de articular as ações econômicas com o debate teórico.

A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo. Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais.

Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.

O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro [foto abaixo], e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou.

O fato de o partido do governo ter ganhado as eleições municipais agora em dezembro não diz muito. Nos pequenos municípios a política do partido está consolidada. Mas, nos grandes, não. Daí que a direita avança por aí.

Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo.

Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga  - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”.

Segundo Nildo, a inflação galopante que tem assolado o país e a criação de um mercado paralelo do dólar enfraquecem a economia e a tendência é de que, a seguir essa política, a situação econômica se agrave ainda mais.

O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar.

E, sem produção, o país segue dependente.

É um círculo vicioso e sem saída.

A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra.

Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo - em maior ou menor grau - na posição de "humanizar" o capitalismo.

No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país.

Mas, por outro lado, o agronegócio está cada vez mais abraçado ao governo, deitando e rolando no ataque aos indígenas e aos que pretendem colocar qualquer freio a nova expansão da monocultura.

Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX.

No Uruguai, apesar de passos importantes como o ataque ao narcotráfico e a busca por uma democratização da mídia, Mujica [foto] permite a ação nefasta das papeleiras e de outras grandes crias do capital.

Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor.

No Equador, Correa está rendido às petroleiras.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anti-colonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair.

Os mandatários ditos “progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as mega empresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam “desenvolvimento”.

Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência.

O máximo que conseguem é o que já apontava Gunder Frank: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, o que permite algumas ilhas de riqueza, um certo incremento no consumo através da liberação de crédito, mas praticamente nenhuma mudança estrutural.

Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista.

"Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema.

Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba.

Nos dias de hoje, sem a presença vigorosa de um Fidel, ou a trovejante ousadia de Chávez, o que parece avançar é a acomodação ao velho modelo de dependência e de cooperação com o capital.

Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos.

Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava.

Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho.

Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década.

Algo novo há de aparecer.

Assim, seguimos!...

Fonte:
http://eteia.blogspot.com.br/2014/01/america-latina-fim-de-um-ciclo.html

Leituras afins:
- O fim de uma era - Fernando Brito
- Uma nova geração que resgata Marx - Michelle Goldberg 
- Burguesias nacionais? Não existem mais - Rodrigo Mendes 

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 1 de abril de 2012

Lições da Líbia

06/03/2012 - A contrarrevolução na Líbia, os preparativos de novos ataques do império e a necessidade de uma Frente Única Antiimperialista Mundial
- Jornal Revolução Socialista

O golpe de estado da OTAN que derrubou o governo de Kadafi na Líbia é um perigosíssimo passo dado pelo imperialismo, com novas formas de agressões, de cooptações de setores do campo progressista e manipulação de organismos internacionais e da mídia, para impor a ocupação militar e econômica de países estratégicos, visando um enfrentamento global contra países que podem representar uma alternativa transformadora frente ao acelerado processo de decomposição do sistema capitalista em escala internacional. 

Não se tratou de nenhuma libertação da Líbia ou de um fenômeno progressista como parte da chamada Primavera Árabe que sacode as ditaduras reacionárias e pró-ianques da região.

Prova disso é que logo após o anúncio oficial da vitória pelo CNT, órgão montado e dirigido pela OTAN, já houve a imposição de um representante da indústria petroleira dos EUA para fazer as funções ilegítimas de chefe-de-estado na Líbia. Além disso, já foi anunciada a decisão de construir uma base militar da OTAN no território líbio, ampliando a presença militar imperialista na região.

Muitas lições podem ser tiradas deste retrocesso no processo revolucionário da Líbia.

A primeira delas, reconhecendo o heroísmo de Kadafi que resistiu com seus combatentes e seu povo a 203 dias de bombardeio sustentado por 28 países contra 1 país, implica dizer das grandes dificuldades para formar um projeto de sociedade com capacidade de se articular internacionalmente e resistir ao imperialismo, está relacionado também com as dificuldades e os retrocessos havidos na URSS. A desorganização da URSS alterou negativamente as relações mundiais de força contra os países e movimentos progressistas e antiimperialistas. Países que haviam avançado combativamente em enfrentamentos com o imperialismo, como a Líbia, que ofereceu importante apoio aos movimentos revolucionários de vários continentes, repentinamente, com o retrocesso na URSS, viram-se desprotegidos, isolados, sem uma base organizada mundialmente para enfrentar os novos desafios. Para isto também contribui uma relativa paralisia e enfraquecimento do Movimento dos Não-Alinhados.

Enquanto a Líbia não possuía nenhuma estratégia para enfrentar os novos desafios criados pela agressiva política intervencionista dos países imperialistas, o Pentágono tem uma política de multiplicar os investimentos na indústria bélica, desprezar qualquer legalidade internacional, seqüestrar a ONU para seus desígnios, e, com isso, ir avançando na ocupação militar e econômica do mundo, onde já possui mais de mil unidades militares instaladas.

Aproveitando-se do recuo na URSS estraçalharam a Yugoslávia, ocuparam o Kossovo, demoliram a infraestrutura do antigo Estado Operário construído sob a direção de Tito, e submeteram várias ex-repúblicas, como a Slovenia, a Croácia, à condição de colônias financeiras do império, particularmente da Alemanha.

Além da agressividade do imperialismo ocupando o Iraque, o Afeganistão, a imposição de sanções contra a Líbia, o Irã, a Coréia do Norte e Cuba, a desorientação que se abate sobre o movimento comunista e revolucionário internacional após a desestruturação da URSS, também é um fator que desafiou a direção de Kadafi que buscou desenvolver relações políticas com países imperialistas, fazendo concessões políticas, econômicas e até militares (desarme parcial unilateral, abandono do programa nuclear, etc), com o objetivo de ganhar tempo, de sair da linha de tiro. Eram manobras para sobreviver, com escassas possibilidades de terem algum efeito, como por exemplo com suas relações com Sarkosy e Berlusconi.

Se a própria Rússia e China relutam, vacilam e também fazem concessões, o que não dizer da Líbia, já sem uma aliança militar como a que possuía com a ex-URSS e sem o apoio de um Movimento dos Não-Alinhados ativo e unido, vinculado com a URSS, como já foi no passado? Assim, as dificuldades de Kadafi não foram apenas resultado de suas políticas, de eventuais invenções, de tentativas de projetar uma nova forma de democracia participativa basista, limitada ao não desenvolvimento político de uma direção, com a organização de um movimento internacional orgânico, cuja necessidade Hugo Chávez percebe quando lançou o debate sobre a formação de uma V Internacional, momentaneamente adiado. As dificuldades da Líbia de Kadafi são as dificuldades enfrentadas por todo o movimento revolucionário internacional, pelos países com governos revolucionários ou mais ou menos antiimperialistas e progressistas. O campo socialista se desmantelou, os partidos comunistas e movimentos de esquerda possuem reduzida articulação internacional, registram, além disso, crises teóricas e políticas que os levam ao absurdo de apoiar a agressão da OTAN à Líbia como se fosse a libertação do país, como muitos partidos de esquerda, sobretudo da Europa, reconheceram em nota pública.

Para o imperialismo a agressão à Líbia, um golpe de estado comandado pela OTAN, a partir de milhares de bombardeios sobre alvos generalizados, matando mais de 130 mil pessoas, aproximadamente, é fundamental um teste para novas ações mais agressivas, inclusive para o teste de novos armamentos, como os utilizados contra o povo líbio. Kadafi resistiu a 203 dias de um dilúvio de bombas, uma extrapolação criminosa de uma resolução arrancada na marra no Conselho de Segurança da ONU, baseada, uma vez mais, numa mentira midiática, mil vezes repetida. A mentira de que Kadafi havia mandado a aviação bombardear alvos civis. Até mesmo o Secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates foi obrigado a reconhecer a veracidade de informações da Inteligência Russa, baseada em imagens de satélites que esquadrinham cada metro daquela região, afirmando que realmente não havia qualquer prova material de que os bombardeios atribuídos a Kadafi haviam ocorrido.

Mas, como uma torrente de desinformações e manipulações, a mídia capitalista mundial, sustentada pela TV Al Jazeera, controlada pela oligarquia reacionário do Qatar, país ocupado militarmente pelos EUA – ali está a maior base militar na região – e fronteiriço a Líbia, a humanidade recebeu um bombardeio de mentiras e mentiras e mentiras. Até mesmo alguns jornalistas progressistas experientes sucumbiram a esta coerção psicológica e passaram a defender a legalidade de uma suposta Ajuda Humanitária aos Civis da Líbia, modalidade em que se travestiu o que na verdade foi um golpe de estado e uma guerra de rapina, pois o petróleo já está sob controle das transnacionais, além do confisco, ilegal, das reservas do estado líbio no sistema financeiro internacional.

O comportamento dos países da OTAN é banditismo puro!


O imperialismo levou 42 anos para matar Kadafi!
Desde a Revolução Líbia de 1969, quando o jovem coronel Kadafi, seguindo o exemplo do coronel egípcio Nasser e liderando um levante militar-popular deu início às transformações da República Árabe Jamahyria Socialista, o imperialismo planejou matá-lo. Foram muitas sabotagens, agressões, sanções e, inclusive, o bombardeio do avião italiano de passageiros que cruzava o Mediterrâneo, em Ústica na década de 80, a partir de uma base militar ianque em Lampedusa na Itália, supondo que aquela aeronave transportava Kadafi. Morreram todos os passageiros, inclusive todas as testemunhas, operadores de radares que trabalhavam neste dia na Base Militar controlada pela Otan, impedidas de prestar depoimentos no processo judicial até hoje inconcluso. Mas, sabe-se que um míssil derrubou o avião! Em 42 anos, o movimento liderado por Kadafi transformou a Líbia, que era uma monarquia, uma colônia atrasada e miserável, no mais culto país da África, dotando-o de um sistema educacional e de saúde modernos, avançados e inteiramente gratuitos, transformando desertos em terras irrigáveis e produtivas para alimentos, além de oferecer apoio generoso a muitos movimentos revolucionários, como a Mandela, a Agostinho Neto, a Samora Machel, à Revolução Sadinista, ao Frente Polisário de Libertação Nacional, etc.

Em outra etapa, com outras relações de forças internacionais, com a existência da URSS, a Angola de Agostinho Neto e do MPLA resistiu a mais de duas décadas de agressão comandada pelo imperialismo, operada pelo exécito racista da África do Sul, que foi derrotado pela fundamental presença das tropas de Cuba na memorável Batalha de Cuito Cuanavale, em 1988. O que levou Nelson Mandela, em agradecimento a Cuba, declarar: “A Batalha de Cuito Cuanavale foi o começo do fim do Apartheid!”. A Líbia apoiou a independência de Angola e a Libertaçao da África do Sul do regime do Apartheid.

Eis aí parte importante da função revolucionária desempenhada pela Líbia sob a direção de Kadafi. Uma das suas propostas foi a Conferencia de Organização da União Africana, apoiada por Samora Machel (morto numa suspeitosa queda de avião) e Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, assassinado em 1987 por golpistas, opositores a este passo revolucionário. Hoje, com a desorganização da URSS, do bloco de Estados Operários, chamado campo socialista, Cuba está politicamente impedida de repetir aquela memorável façanha de enviar mais de 350 mil homens e mulheres para a África em apoio à Revolução de Angola, nas décadas de 70 e 80. Nenhum país pode oferecer apoio militar a Kadafi agora.

Testemunhos informam que em seus últimos dias de vida, ele tentava desesperadamente fazer contatos internacionais. Nem mesmo a Argélia, que já foi uma espécie de Cuba na África, premida por outras circunstâncias, pôde fazer qualquer movimento de apoio militar à Líbia. E para isto pesou decididamente o apoio da Rússia e da China à Resolução da ONU que praticamente deu à OTAN a condição para a agressão militar, que, extrapolou completamente a autorização delimitada para criar apenas uma Zona de Exclusão Aérea.


Rússia e China
Após terem autorizado a aprovação para uma ação humanitária da OTAN contra a Líbia – prontamente usada arbitrária e ilegalmente pelo imperialismo para um golpe de estado e para executar Kadafi e seus quadros – Rússia e China são obrigados a rever este cheque em branco dado ao imperialismo, o que já se observa em razão da nova postura frente à pressão do império de intervir militarmente na Síria, onde, aliás, há uma base militar russa. Mais que isso, a trágica experiência da Líbia faz com que Rússia e China reavaliem muitas das políticas de compenetração com o capitalismo, o que certamente fortalecerá as posições de setores militares mais vinculados à tradição anticapitalista, da URSS sobretudo, para uma estratégia que considere sem margem a qualquer ingenuidade que o imperialismo prepara-se para uma guerra de grandes proporções. O aprofundamento e extensão de sua crise econômico-financeira também o empurra nesta direção, de resolver pelas armas o que não pode mais resolver pelos modos convencionais da política. Isto inclui o seqüestro, na prática, do funcionamento da ONU, inclui imposições aos países endividados, como a Grécia, Portugal e Itália, com claras interferências internas, mudanças de governos, com o alcance de golpes de estado.

De certo modo, as advertências feitas por chefes militares da Rússia contra a pretensão de instalar um propalado escudo anti-míssil na Polônia – inclusive avisando a este país que haverá uma resposta heterodoxa – bem como a presença massiva e ostensiva da Marinha Russa no Báltico, com a multiplicação de tropas, navios e submarinos, alertando aquelas ex-repúblicas soviéticas para que não sirvam concretamente como peões da OTAN na região – o que só pode ser uma política contra a Rússia – já indica uma revisão de muitos planos que calculavam, falsamente, uma possibilidade de coexistência com o imperialismo.

Uma política totalmente irreal. Um claro sinal indicando que está sendo feita uma leitura dura e realista sobre a trágicas lições da Líbia é o anúncio da candidatura de Putin. Em vários momentos ele expressou sua insatisfação com o apoio russo à Resolução anti-Líbia. E agora, além de anunciar muito antecipadamente a sua candidatura, já busca entendimentos com a China, para onde deve viajar em breve, sinalizando que o quadro que surge depois da intervenção na Líbia e as ameaças ao Iran e à Síria é um quadro de enfrentamento do sistema imperial contra os países que podem constituir uma alternativa política, militar, econômica para a formação de um bloco de países com capacidade de fazer frente, se unificados, às crescentes ameaças do império.


A esquerda latinoamericana e a crise da esquerda na Europa
Não poderia ser mais nefasta e reacionária a posição de muitos partidos comunistas, socialistas e alas da social-democracia européias apoiando a intervenção imperialista na Líbia, seja sob qual argumento for. Não havia crise humanitária na Líbia, jamais se comprovou um massacre de civis por tropas de Kadafi, ao contrário, comprovou-se a organização de uma tremenda farsa televisiva, com o canal Al Jazeera, sob controle da indústria petroleira ianque, construindo no Qatar um cenário cinematográfico que era uma cópia da Praça Verde, de Trípoli. Essas imagens percorreram o mundo, foram repetidas em dilúvio por todas as emissoras do mundo. Apenas Telesur e a TV Rússia denunciaram esta farsa, mostrando que não havia massacres na Líbia e que havia tranqüilidade absoluta na Praça Verde de Trípoli, naquele exato momento.

Sob o lema conservador e omisso “Nem OTAN, nem Kadafi” os partidos de esquerda da Europa, em quase sua totalidade, contribuíram para o cometimento de um bárbaro crime com o povo líbio e seu processo revolucionário. Em nenhuma hipótese a existência de limitações políticas e de erros na direção comandada por Kadafi justificam uma aliança prática com a OTAN e, na prática com seus governos, cujas políticas de desemprego, cortes nos direitos sociais, retrocessos políticos e sociais, as massas estão combatendo nas ruas de várias capitais européias. Boa parte dos recursos públicos que são negados ao povo europeu e aos manifestantes Indignados para o pagamento de salários, de aposentadorias e a geração de empregos, foram esterilizados nos milhares de bombardeios contra a população da Líbia, guerra apoiada como legítima pela maioria da direção dos partidos da esquerda européia. Ou seja, ela apoiou a ação de guerra dos governos membros da OTAN contra os quais estão lutando nas ruas suas bases, trabalhadores e jovens desempregados! Desmoralização completa, que levou à vitória eleitoral da direita nas últimas eleições espanholas!

Exemplar foi a posição dos governos dos países da ALBA, que condenaram o criminoso papel da ONU, solicitaram um cessar-fogo, responsabilizaram sobretudo os principais líderes imperiais.

Sobre isto é muito importante reproduzir trechos de Carta Hugo Chávez à Assembléia Geral da ONU denunciando o imperialismo e responsabilizando a própria ONU pelo massacre na Líbia:

“Imediatamente, existe uma gravíssima ameaça para a paz mundial: o desencadear de um novo ciclo de guerras coloniais, que começou na Líbia, com o macabro objetivo de dar um segundo ar ao sistema-mundo capitalista, hoje, em crise estrutural, mas sem por nenhum tipo de limite à sua voracidade consumista e destrutiva. O caso da Líbia nos deve alertar sobre a pretensão de implementar um novo formato imperial de colonização: o da intervenção militar com o aval dos órgãos anti-democráticos das Nações Unidas e justificada no apoio das mentiras mediáticas pré-fabricadas”.

“A humanidade está ao borde de uma catástrofe inimaginável: o planeta marcha inexoravelmente rumo ao mais devastador ecocídio; o aquecimento global prenuncia isso, através de suas pavorosas consequências, mas a ideologia dos Cortês e dos Pizarros com relação ao ecossistema, como bem disse o notável pensador francês Edgar Morin, os leva a seguir depredando e destruindo. As crises energética e alimentarias se agudizam, mas o capitalismo continua ultrapassando impunemente todos os limites”

Que diferença da posição de Chávez e dos presidentes dos países da ALBA ante a criminosa prostração da esquerda e da social-democracia européia e de muitos dos seus intelectuais, que chegaram ao ponto de insinuar que a esquerda latino-americana errava ao enfrentar o imperialismo e defender a soberania da Líbia!

Que moral possuem esses setores da esquerda na Europa, chamados de otanistas, de criticar os que lutam concretamente contra o imperialismo seja na Líbia ou na Síria, no Irã, se ela própria está apoiando a guerra dos governos da OTAN contra os quais luta nas ruas?

Nunca se pode olvidar que durante a 2ª. Guerra mundial, os trotskistas da URSS, que estavam na prisão, perseguidos por Stalin, quando houve a invasão das hordas nazistas, saíram do cárcere e pegaram nas armas na luta contra Hitler, defendendo a União Soviética, ombro a ombro com os stalisnistas e todo o povo acima de tudo, numa demonstração de clareza tática e objetividade frente ao inimigo principal que era o nazismo.


A fórmula líbia é fascista!
Atropelar a ONU, arrancar Resoluções com base em mentiras e manipulações informativas, organizar uma cadeia desinformativa que deturpa toda e qualquer realidade, com o que se cooptou e neutralizou uma boa parte das sociedades européias, além de paralisar a esquerda que sequer levantou a voz para denunciar os bombardeios genocidas, todos estes ingredientes conformam um modo fascista de agir. O bloqueio midiático que levou ao paroxismo da apresentação de Kadafi como um monstro e os mercenários da OTAN como “rebeldes” alcança o objetivo que antes era feito por Hitler e Goebells, repetindo uma mentira até que ela seja engolida, assumida, repetida e se transforme em “verdade”, utilizada como argumento por boa parte da esquerda que lavou as mãos diante do trágico destino da Líbia. E isso sem perceber que amanhã poderá ser o próximo alvo.

Agora já existem organizações não-governamentais, muitas remuneradas pelo imperialismo, condenando a violação dos direitos humanos na Síria, como haviam feito na Líbia, adotando como verdade a manipulação midiática do império. Agora na Síria há agentes infiltrados que atiram eles próprios nos manifestantes com a culpa sendo atribuída ao governo sírio. Tal modalidade de atentados também já havia sido utilizada no golpe midiático contra Chávez em 2002, quando franco atiradores da própria direita atiravam nos manifestantes da própria oposição de direita para culpar o governo chavista.

O papel antes desempenhado pela juventude hitlerista, pelos camisas negras, para agredir e intimidar o movimento comunista, os sindicatos, é agora cumprido por este bloqueio midiático que produz uma catarse psíquica política para justificar até mesmo a carnificina feita contra a população líbia, tudo era aceito desde que fosse para destruir Kadafi. Linchamentos, crimes de guerra, sevícias, tudo isto foi praticado pelos supostos “rebeldes” apresentados como heróis e libertadores pela mídia capitalista. Sem política adequada, sem meios de comunicação próprios, a esquerda, particularmente na Europa, intimidou-se. “Não dá para defender Kadafi”, com o que se paralisava e autorizava o massacre da OTAN ao povo líbio.

Até mesmo a prática de crimes raciais, tendo sido a cidade de Tawarga, povoada majoritariamente por negros, alvo de chacina, com os negros considerados todos kadafistas. De fato, de origem subsaariana, só na Líbia, que possuía o mais elevado IDH da África, estas populações encontraram emprego decente, educação e saúde gratuitas, uma raridade para povos que vivem na indigência africana. A rapina da OTAN, não só de seu petróleo mas também de suas riquezas culturais imensas, poderá fazer a culta Líbia retroceder a uma nova Somália, que a propaganda imperialista finge ajudar, como denunciou o próprio Kadafi em uma de suas mensagens finais.

A fórmula Líbia, já denunciada por Chávez implica em tomar uma cidade no país alvo e mobilizar apoio internacional do imperialismo, com ampla cobertura midiática, para fazer crer ao mundo que trata-se de um processo de libertação que mereceria ser apoiado pela ONU, com autorização de “ajudas humanitárias” que logo se revelam ações militares de rapina e opressão. Na Síria, a manobra do imperialismo busca tomar a cidade de Homs e a partir daí produzir auto-atentados que justificariam a aprovação de sanções pela ONU. Rússia e China acordaram do pesadelo líbio. Um pouco tarde, mas ali na Síria o desfecho pode não ser uma vitória da contrarrevolução como na Líbia.


A política externa do Brasil
Houve muitas declarações ambíguas do chanceler brasileiro sobre a Síria. Aparentemente, o Itamaraty preparava-se para dar sustentação a algum tipo de sanção , mas esta tendência foi corrigida, tendo sido importante a declaração do Assessor Internacional da Presidente Dilma sobre a Líbia, afirmando que a Resolução da ONU autorizou uma verdadeira matança. Juntamente com os BRICS o Brasil condenou os bombardeios à Líbia, mesmo tendo se abstido na votação no Conselho de Segurança.

As ambigüidades do Itamaraty contrastam-se com a declaração de Lula sobre a Líbia após reunião com militares na Escola Superior de Guerra.O que fizeram com a Líbia, amanhã podem fazer com qualquer outro país”, disse.

O que indica ser também uma constatação também no seio militar, haja visto declarações recentes de chefes militares brasileiros no Senado afirmando que o Brasil deve estar preparado para dar uma “pronta-resposta” em caso de ataque de potências estrangeiras ao petróleo pré-sal. São igualmente importantes as novas resoluções do Ministério da Defesa para que a Aeronáutica seja dotada de aviões de fabricação nacional.

É importante que as forças de esquerda no Brasil, os movimentos sociais, a CUT e demais centrais, atuem para consolidar a linha da política externa praticada durante o governo Lula com claríssima prioridade na criação de um amplo leque de relações com países que possuem políticas de independência frente ao imperialismo. A gravidade do quadro internacional, a Mensagem da Líbia que o imperialismo enviou ao mundo, exige que os movimentos de esquerda e progressistas do mundo se articulem globalmente, estimulando uma coordenação muito mais efetiva entre os governos dos países chamados emergentes, não apenas na esfera econômica, mas também do ponto de vista militar, já que o processo internacional, o intervencionismo crescente e ilegal do imperialismo, indica que esta é realmente a natureza da fase de enfrentamento que a humanidade está passando. A reunião imediata do Conselho de Defesa da UNASUR no Peru, é uma sinalização dessa necessidade.


A nova etapa da resistência na Líbia
Muito provavelmente, o povo líbio terá que travar uma luta tenaz, em condições muito duras, para derrotar este novo governo fantoche montado pela OTAN. A nomeação de um dos mais importantes executivos da indústria petroleira nos EUA, Abdel Rahim Al Kib, cidadão líbio lá radicado há mais de 39 anos, para a chefia do governo na Líbia já demonstra uma luta de abutres pelo controle do petróleo líbio. Um governo montado por homens treinados pela CIA, mercenários com sinistros vínculos com a Al Qaeda, criada pela CIA, com o apoio das oligarquias árabes, será impiedoso com a resistência líbia.

Nestas condições, com baixas importantes, a começar pelo assassinato de sua liderança fundamental, o movimento revolucionário líbio, apeado do controle do poder de estado, será obrigado a tirar amargas lições sobre a política que aplicou durante décadas, quando teve a oportunidade e os meios concretos para construir instrumentos de efetivo controle popular, o que o sistema de Conselhos Populares não assegurava de fato, permitindo que o governo enveredasse por políticas de aproximação com o imperialismo, políticas de privatizações parciais, o que facilitou enormemente a corrupção de muitos dirigentes próximos a Kadafi. Os Conselhos Populares não tiveram nunca um papel de discussão, planejamento e execução das políticas de estado. Tampouco todo este período de Revolução Líbia, que elevou enormente as condições de vida das massas, não foi aproveitada também para consolidar um sistema mais profundo e direto de participação popular, caso contrário jamais Kadafi teria apoio para, por exemplo, ajudar na eleição de um direitista como Nicolas Sarkozy. Muito menos puderam agir de forma decisiva para impedir que Kadafi tomasse a decisão determinante de abandonar seu programa de mísseis nucleares, o que foi faltal para que o imperialismo se animasse em seus planos de agressão, com o apoio de muitos membros do próprio governo de Kadafi, então já corrompidos e atuando em favor da OTAN.

A idéia de que o sistema de Conselhos Populares era algo superior de democracia, gerou em grande parte da direção líbia uma sensação de auto-suficiência e até mesmo de arrogância diante das experiências revolucionárias do mundo.

Essa sensação era ainda mais expandida e sem questionamentos internos em razão da inexistência de uma vida política, de uma democracia sindical verdadeira, que inclui a possibilidade de participação direta, com direito de críticas construtivas. O elevado nível de vida, uma boa distribuição das receitas do estado, possibilitada pelas elevadas receitas do petróleo, gerava esta sensação de que tudo caminhava sem problemas. Se houvesse a discussão concreta e realista sobre o que significava de fato a intervenção militar no Iraque, igualmente justificada em base a grosseiras mentiras midiáticas de existência de armas químicas de destruição em massa por parte de Sadan, outra política internacional deveria ter sido desenvolvida pelo governo líbio. E entre tantas medidas que não se tomaram foi a construção de uma televisão de alcance internacional para uma comunicação efetiva com as massas do mundo, informando-as sobre a vida na Líbia, sua política, suas conquistas sociais, tal como Chávez proporcionou o nascimento da Telesur.

Reconhecemos todos os avanços sociais e econômicos alcançados pela Revolução Líbia, sua generosa solidariedade para com a revolução mundial. Mas, uma insuficiente estruturação de mecanismos e órgãos que permitisse uma participação dirigente das massas impediu um maior amadurecimento político da direção para compreender que, com o fim da URSS, uma nova relação mundial de forças surgia, exigindo a construção de uma aliança de todos os países do mundo que possuem qualquer grau de enfrentamento programático e político com o imperialismo. Era indispensável ter construído laços muito amplos e mais sólidos com os movimentos revolucionários internacionais e um uma política que tivesse condições de impor uma resistência ainda maior e com condições de aproveitar crise e estimular as massas nos países capitalistas para uma ação muito mais ousada contra estes governos, derrotando-os ou paralisando-os em boa medida suas ações criminosas contra a Líbia.

É bem verdade que Kadafi deu-se conta dos limites e da ineficiência de sua política de aproximação com os países imperialistas, fazendo um jogo perigoso, uma manobra que resultou desastrosa, sobretudo por ter facilitado a contaminação e a corrupção de alas de seu governo, seduzidos pela idéia da privatização e estimulados pelo retrocesso mundial da luta pelo socialismo. Sem existir na Líbia um partido com funcionamento político revolucionário, que alertasse para os riscos do novo quadro mundial, e que desenvolvesse uma política de maior vinculação com os governos populares da América Latina, quando Kadafi percebeu a gravidade do beco sem saída em que havia se metido, era tarde. Ele ainda tentou reorientar a política da Líbia. Propôs ao Putin a construção de uma base naval russa na costa líbia.

Propôs a formação da OTAS (Organização do Tratado do Atlântico Sul), em contraposição à OTAN e também a reativação da IV Frota Naval pelos EUA para a região. No entanto, a esta altura seu governo já se encontrava contaminado, infiltrado; a contrarrevolução se organizava internamente e em rápida coordenação com os serviços de inteligência da França e da Inglaterra, portanto, já se configurara uma situação de perda relativa de controle por parte de Kadafi. Uma retomada do controle exigia aquilo que de fato não foi desenvolvido durante as 4 décadas da Revolução Líbia, apesar de seu enorme progresso: uma direção política revolucionária marxista, a construção de organismos para a participação direta e dirigente das massas. Mesmo a corajosa e necessária distribuição massiva de armas ao povo líbio, embora indicasse uma decisão de resistir a qualquer custo, também já se revelava tardia e insuficiente diante do desarmamento essencial feito em anos anteriores e do grau de infiltração ocorrido, com informações estratégicas entregues ao imperialismo, dificultando qualquer estratégia de defesa.


Construção de uma Frente Única Antiimperialista Mundial
Poucos dias antes de ser vilmente executado, execução esta estimulada pelo comportamento de carrasco de Obama e de Hillary Clinton, revelando a baixa estatura moral dos dirigentes imperiais, Kadafi fez um candente apelo para a formação de um Movimento Antiimperialista Mundial.

Tragicamente, chegava à conclusão sobre uma tarefa indispensável e central e que poderia ter sido priorizada por ele mesmo durante as 4 décadas de revolução líbia. A convocação de um Encontro Internacional entre os países dos BRICs e da ALBA , bem como países do Movimento dos Não-Alinhados, hoje em fase de recesso, é urgente. Discutir experiências como as da Líbia, da Yugoslávia, os ataques à Síria, as ameaças ao Iran, as sabotagens contra a Venezuela, a Coréia do Norte, as tentativas de desestabilização da Bolívia, do Equador, etc, e daí traçar uma linha de ação coordenada, seja na diplomacia no âmbito da ONU, mas principalmente em acordos de cooperação mais audazes e concretos, sobretudo incluindo Rússia e China, pelo seu grau de desenvolvimento militar-tecnológico e econômico.

Com o que fez na Líbia o imperialismo está mandando uma mensagem para intimidar o mundo sobre a adoção cada vez mais acentuada de métodos fascistas para emparedar o mundo.

A criação do Conselho de Defesa da América do Sul, logo após a reanimação de IV Frota pelos EUA é indicadora de uma medida necessária, mas que deve se desenvolver praticamente na estruturação conjunta de políticas de defesa. Que incluam cooperação tecnológica, a exemplo do que vem sendo feito entre a Rússia e a Venezuela no setor militar, ou entre Argentina e Brasil na construção de carros de combate.

Evidentemente, estes países também necessitam fazer uma debate para formular uma nova política de defesa – que individualmente muitos já possuem – mas agora, depois do que se viu na Líbia, com um enquadramento baseado na cooperação internacional.

Individualmente, poucos países têm capacidade para fazer qualquer enfrentamento com o imperialismo, que no caso da Líbia, atuou movimentando forças de 28 países contra um. Isoladamente, sequer todo o poderio militar que ainda restava às forças de Kadafi pôde ser utilizado, dado a disparidade de forças em combate, com o predomínio dos milhares de bombardeiros ininterruptos por 203 dias seguidos.

O debate da trágica lição da Líbia, não apenas militar, mas sobretudo política, é fundamental para o amadurecimento do campo progressista e antiimperialista que só terá condições de fazer frente à agressão da OTAN se atuarem de maneira unida, planejada, coordenada.
  

Que expressam as convicções progressistas da América Latina
 «Nós, os venezuelanos, depositamos nossas esperanças numa grande aliança das agrupações regionais do Sul, como a UNASUR, a CARICOM, o SICA, a União Africana, a ASEAN ou a ECO e, muito especialmente, nas instâncias inter-regionais de articulação de potências emergentes como o BRICSs que se devem converter num pólo de atração articulado com os povos do Sul».