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terça-feira, 2 de julho de 2013

Entrevista com Giuseppe Cocco

25/06/2013 - Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles
- entrevista especial com Giuseppe Cocco
- Instituto Humanitas Unisinos

Foto: Marcelo Say - Epa
Não estamos diante da “falência da política. Ao contrário, trata-se da persistência da política! Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção”, avalia o cientista político.

Confira a entrevista.

Na tentativa de compreender as razões que levaram milhares de cidadãos brasileiros às ruas, o sociólogo Giuseppe Cocco, que estuda o conceito de multidão abordado pelo italiano Antônio Negri, elenca algumas possibilidades.

Na avaliação dele, o ciclo de “revoluções 2.0”, com base na internet, “começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais”.

Outro aspecto importante é o fato de jovens brasileiros só terem conhecido “o Brasil de Lula”.

E dispara: “No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do ‘novo modelo’ econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo”.

De acordo com Cocco, havia e há no Brasil “um sem número de movimentos de protesto e resistência, em particular por causa dos efeitos dos megaeventos, e hoje esses movimentos se juntaram, confluindo com a multidão da nova composição do trabalho metropolitano”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, ele assinala que os protestos ganharam força a partir do Movimento Passe Livre [http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521290-movimento-passe-livre-vai-para-a-periferia] porque “a questão dos transportes e, mais em geral, do serviços é estratégica para o trabalho metropolitano”.

E esclarece: “Os operários fordistas lutavam por salários e horários. Os trabalhadores imateriais têm como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma ‘empregabilidade’. Os operários fordistas lutavam para reduzir a parte do horário que ia embutida como lucro nos carros que produziam; os trabalhadores imateriais nas metrópoles desviam os slogans publicitários de uma montadora (‘Vem Pra Rua’) para ressignificar os agenciamentos produtivos que se desenham na circulação”.


Foto: amaivos.uol.com.br
Giuseppe Cocco (foto) é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova.
É mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne).
É doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne).
Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Manifestações sociais massivas descontentes com a política e a economia iniciaram no Oriente, na Espanha, em Wall Street. E agora chegam ao Brasil. Por quê? O que estas manifestações sociais representam?

Giuseppe Cocco – Podemos logo começar dizendo que o que caracteriza essas manifestações é que elas não representam exatamente nada ao passo que, por um tempo mais ou menos longo, elas expressam e constituem tudo.

O primeiro elemento é este: elas têm uma dinâmica intempestiva, fogem a qualquer modelo de organização política (não apenas os velhos partidos ou os sindicatos, mas também o terceiro setor, as ONGs) e afirmam uma democracia radical articulada entre as redes e as ruas: autoconvocação e debates nas redes sociais, participação massiva às manifestações de rua, capacidade e determinação de enfrentar a repressão e até capacidade de construção e autogestão de espaços urbanos como foram a Praça Tahrir, as acampadas espanholas e as tentativas do Occupy Wall Street e, enfim, a Praça Taksim em Istambul, na Turquia.

Para cada uma dessas ondas e dessas que chamamos de “primaveras”  houve um estopim específico, mas todas dispõem de uma mesma base social (por mais diferenciadas que sejam as trajetórias socioeconômicas dos diferentes países) e dos mesmos processos de subjetivação.

No caso do Brasil, todo mundo sabe que o estopim foram os protestos contra o aumento do preço das passagens nos transportes públicos. Como foi o caso de outras marchas, a manifestação em São Paulo foi violentamente reprimida pela Polícia Militar. Só que dessa vez a faísca não se apagou numa “marcha da liberdade” e incendiou São Paulo e todo o país. Mas saber que o estopim foi esse não nos permite avançar na análise.

Por que agora? É difícil responder e talvez a característica própria desse tipo de movimento é que ninguém sabe propor razões “objetivas” indiscutíveis. Contudo, podemos avançar três explicações: a primeira explicação tem a forma de um segundo “estopim” e é a quase coincidência do episódio da repressão da marcha pelo passe livre em São Paulo com a renovação das primaveras árabes e do 15M espanhol nas lutas duríssimas da multidão turca na Praça Taksim, em Istambul (não por acaso, na segunda manifestação carioca, que já reunia 10 mil pessoas, um dos gritos era: “acabou a mordomia, o Rio vai virar uma Turquia”);

uma segunda explicação está no fato que esse ciclo de “revoluções 2.0” começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais; a terceira explicação é mais consistente e a mais importante e diz respeito ao que são essas “novas gerações” no Brasil de hoje, ou seja, essas gerações de jovens que só conheceram o Brasil de Lula. O que é incrível e até irônico é que o próprio PT não tenha previsto isso e ainda hoje seja incapaz de enxergar esse dado importantíssimo.

IHU On-Line – Quais as aproximações e diferenças entre as manifestações brasileiras e as que vêm ocorrendo em outros países?

Giuseppe Cocco – As aproximações são mais importantes do que as diferenças, que apenas enfatizam a qualidade específica de cada evento.

Num primeiro nível, há em comum a articulação entre as redes e as ruas como processo de autoconvocação das marchas e manifestações que ninguém consegue representar, sequer as organizações que se encontraram no cerne da primeira chamada: a tentativa de “empoderar” os rapazes do Movimento pelo Passe Livre em São Paulo (“oficializados” pela presença no Roda Viva e a negociação com prefeitura e estado) mostrou que eles não controlam nem dirigem um movimento que se autorreproduz de maneira rizomática (as manifestações aconteciam ao mesmo tempo sem respeitar qualquer tipo de “trégua”).

Num segundo nível, há em comum o esgotamento da representação política. No Brasil, esse fenômeno foi totalmente subavaliado pela “esquerda” e, sobretudo, pelo PT porque não o entenderam (e não o entendem).

Inicialmente pensaram que fosse um problema das autocracias do Norte da África (Tunísia e Egito); depois que fosse a incapacidade dos socialistas espanhóis (PSOE) de responder de maneira soberana às injunções das agências internacionais de notação ou do Banco Central Europeu.

Depois pensaram que o 15M espanhol não consegue encontrar uma nova dinâmica eleitoral ao passo que o partido de Beppe Grillo mostrou na Itália um fenômeno eleitoral totalmente novo e desgovernado.

Em seguida, pensaram que o Egito e a Tunísia foram normalizados eleitoralmente pelo islamismo conservador e aí aparece o levante turco contra o governo islâmico moderado.

No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do “novo modelo” econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo.

O que a esquerda como um todo, e o PT no Brasil não entenderam, é que a crise da representação é geral (mesmo que ela tenha sintomas e manifestações diferenciadas), e que os levantes da multidão no Egito, na Tunísia, na Espanha, na Turquia e agora no Brasil são a expressão, entre outras coisas, de uma recusa radical dessa maneira autorreferencial de pensar por parte dos governos e dos partidos políticos.

Num terceiro nível há a principal proximidade entre todos esses movimentos: a base social dessa produção de subjetividade é o novo tipo de trabalho que caracteriza o capitalismo cognitivo.

As redes que protestam e se constituem nas ruas de Madri, Lisboa, Roma, Atenas, Istambul, Nova York e agora de todas as cidades brasileiras são formadas pelo trabalho imaterial: estudantes, universitários, jovens precários, imigrantes, pobres, índios, ou seja a composição heterogênea do trabalho metropolitano.

Não por acaso, por um lado, uma de suas formas principais de luta foi a “acampada” ou o “occupy” e, por outro, os levantes turco e brasileiro tiveram como estopim a defesa das formas de vida da multidão do trabalho metropolitano: a defesa do parque contra a especulação imobiliária (a construção de um shopping) em Istambul, e a luta contra o aumento do custo dos transportes, no caso do Brasil.

Diante dessas aproximações, as diferenças são bem menores, embora elas existam (e sejam até óbvias).

Podemos apreender essas diferenças do ponto de vista das condições objetivas da cada país e do ponto de vista de como cada um desses movimentos foi transformando (ou não) a fase destituinte em momento constituinte. Assim, o 15M espanhol se apresenta como a experiência que mais conseguiu durar apesar de não ter revertido as políticas econômicas. As revoluções árabes foram normalizadas pelas vitórias eleitorais conservadoras, mas os levantes se tornam endêmicos.

Na Turquia e ainda mais no Brasil, não sabemos – literalmente – o que vai acontecer. É no plano das condições objetivas que encontramos a maior diferença: na Espanha e, em geral, no mediterrâneo as revoluções são marcadas pelos processos de “desclassificação” das classe médias.

No Brasil é exatamente o contrário: tudo isso acontece no âmbito e no momento da emergência da “nova classe média”.

Só que essa nova composição de classe é, na realidade, a nova composição do trabalho metropolitano, lutando pelos parques ou pelos transportes públicos: ascendendo socialmente, os pobres brasileiros se tornam o que as classes médias europeias se tornam, descendo: a nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles.

IHU On-Line – Além do aumento do preço das passagens, quais são os outros motivos que desencadearam as manifestações?

Giuseppe Cocco – Podemos elencar duas respostas. A primeira é a seguinte: se pensarmos bem, essa pergunta encontra sua resposta numa sua simples reformulação: “por que nas cidades e metrópoles brasileiras não há mais lutas e mais levantes pelo sem número de motivos que a justificariam?"

No Brasil, não faltam razões! Uma vez que “pegou” é só escolher, a lista é infinita.

Vou trazer apenas um exemplo, contando uma anedota: um dia fui assistir a um Fórum da UPP Social (que hoje não existe mais) em duas favelinhas da Zona Norte, bem precárias. Toda a parafernália dos governos estadual e municipal estava mobilizada, com seus carros de função, para dar sentido à pacificação. Os poucos moradores que falaram colocaram dois problemas essenciais: primeiro, disseram, vivemos no meio do esgoto; segundo, os policiais agem de maneira violenta e arbitrária.

As dezenas de secretários e outros servidores presentes não conseguiram dizer nada sobre como seria resolvido esse problema básico do saneamento. Saindo da favelinha, passei por uma centena de adolescentes que ficava sem fazer nada na entrada e, no caminho de volta ao Centro do Rio, a 5 minutos de carro, passei na frente de uma obra gigantesca, faraônica: o Maracanã!

A pergunta de cima encontra uma resposta bem igual a que colocava Keynes em 1919: “nem sempre as pessoas aceitam morrer em silêncio”.

Havia no Rio de Janeiro e no Brasil (e continua havendo) um sem número de movimentos de protesto e resistência, em particular por causa dos efeitos dos megaeventos, e hoje esses movimentos se juntaram, confluindo com a multidão da nova composição do trabalho metropolitano.

No Rio, os manifestantes sempre se juntam para dirigir invectivas pesadas ao governador Sergio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes.

Chegamos assim à segunda resposta: o movimento foi mesmo pelos 0,20 centavos! 

Só que esse “pouco” é na realidade “muito”. Por quê?
Porque a questão dos transportes e, mais em geral, dos serviços é estratégica para o trabalho metropolitano. Os operários fordistas lutavam por salários e horários. Os trabalhadores imateriais têm como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma “empregabilidade”.

Os operários fordistas lutavam para reduzir a parte do horário que ia embutida como lucro nos carros que produziam; os trabalhadores imateriais nas metrópoles desviam os slogans publicitários de uma montadora (“Vem Pra Rua”) para ressignificar os agenciamentos produtivos que se desenham na circulação.

Os operários fordistas lutavam contra o trabalho. Os trabalhadores imateriais lutam no terreno da produção de subjetividade. É na circulação que a subjetividade se produz e produz valor e renda.

IHU On-Line – Os manifestantes deixam claro que são apartidários, não querem violência e não têm lideranças. Como interpreta esse discurso? Como pensar um novo modelo político a partir dessas características?

Giuseppe Cocco – Com certeza, uma das dimensões constitutivas da Revolução 2.0 é a crise da representação e essa é uma questão central.

Precisamos lembrar que a antecipação da revolução 2.0 como crítica radical da representação é sul-americana.

O “Que se vayan todos” argentino antecipou em 10 anos o “No nos representan” espanhol.

Só que as dimensões dessa crise são processadas pelo discurso oficial – ou seja, partidário – de maneira invertida. E essa inversão não é por acaso.

Aliás, os últimos desdobramentos do movimento (as agressões contra os partidos de esquerda nas manifestações do dia 20 de junho) nos mostram muito bem como funciona essa inversão.

Os partidos (sobretudo aqueles que estão no governo) dizem que esses movimentos são limitados porque recusam os partidos, não são “orgânicos”, porque têm uma “ideologia” que os recusa e, portanto, são potencialmente antidemocráticos. Obviamente, isso é correto. Só que, a afirmação correta esconde duas belas falsificações.

A primeira também é óbvia: os “grupos” que rezam por uma crítica fundamentalista da representação têm pouca consistência social e nenhuma capacidade de determinar, sequer influenciar, movimentos desse tamanho.

A segunda falsificação é uma consequência dessa primeira: os partidos atribuem a crise da representação a um processo e a uma crítica que viria de fora, quando na realidade os maiores e únicos responsáveis dessa crise são eles!

E a responsabilidade está na indiferenciação da clivagem direita/esquerda, ou seja, no fato de os governos mudarem e continuarem fazendo as mesmas coisas, inclusive com a reciclagem das mesmas figuras políticas.

Assim, o PSOE espanhol atribuiu ao 15M sua derrota eleitoral, quando na realidade o 15M é apenas a consequência do fato que os socialistas espanhóis faziam a mesma política econômica da direita.

É exatamente o que acabou acontecendo no Brasil de Lula e, sobretudo, de Dilma. O movimento que nasceu com a luta contra o aumento recusa as dimensões autoritárias e arrogantes das coalizões e desses consensos que reúnem direita e esquerda na reprodução dos interesses de sempre.

É o Haddad que devia representar o novo e se apresenta junto ao Alckmin para juntos dizerem a mesma coisa: que a redução da tarifa terá um custo (sic!).

É a coalizão conservadora que governa o estado e a prefeitura do Rio, e onde o PT planeja e executa remoções de pobres, desrespeitando a própria LOM.

São as alianças espúrias com os ruralistas de um ministro de esquerda.

É a condução autoritária das megaobras e dos megaeventos.

É a entrega da Comissão de Direitos Humanos da Câmara a um fundamentalista que, exatamente no dia seguinte da grande manifestação da segunda-feira, fez votar o projeto de Lei que define a homossexualidade como uma doença.

A esquerda e a incapacidade
A extrema esquerda ou a esquerda radical erram quando pensam que estão “salvas” dessa situação.

Os partidos de esquerda são incapazes de entender que esse movimento se forma na recusa – confusa, flutuante, ambígua e até perigosa – do partido, da organização separada, da bandeira. Isso porque a recusa é geral, não faz distinções e funciona como rejeição de qualquer plataforma ideológica preparada e determinada por lógicas de aparelhos separados: nisso há uma percepção de que um dos problemas da política é a construção de aparelhos que tendem – antes de tudo – a reproduzir a si mesmos.

A agressão de um grupo organizado ao bloco de bandeiras do PSTU, do PSOL e do PCB na marcha da quinta feira, 20 de junho, quebrou as ilusões de que a crise seria somente do PT e assustou todo o mundo.

Contudo, nesse episódio lamentável encontramos, mais uma vez, o funcionamento perverso da lógica da representação. Os grupos agressores eram claramente organizados e tinham esses objetivos tão claramente quanto o processo de organização indica as manipulações mais podres. Todas as análises e denúncias que imediatamente foram produzidas identificaram esses grupos (que claramente agiam a mando de algum desenho de provocar essa situação) com a manifestação em geral.

Sem partidos
Na realidade, o apoio genérico dos jovens à palavra de ordem “sem partidos! não tem nenhuma significação linear e ainda menos “fascista”. 

Paradoxalmente, a recusa dos partidos, inclusive dos “radicais” e de suas bandeiras, é a recusa – claro, confusa e contraditória – da homologação de direita e esquerda e uma demanda para uma “verdadeira esquerda”.

Essa demanda não é idealista e não pode ser travada com linguagens e símbolos obsoletos (as bandeiras vermelhas, por exemplo).

Para reerguer as bandeiras vermelhas, é preciso deixá-las em casa por um bom momento! A bandeira vermelha precisa abandonar sua dimensão ideal e transcendente (ou seja, vazia) e voltar a ser interna (imanente) às linguagens das lutas como eles são.

Nesse terreno é possível e necessário construir outra representação e, sobretudo, reforçar a democracia.

IHU On-Line – O senhor publicou recentemente no Twitter que “as lutas da multidão em São Paulo e no Rio são o melhor resultado dos governos Lula. Tão bom que ninguém no PT foi capaz de antecipar”. Pode nos explicar essa ideia? Trata-se da falência da política?

Giuseppe Cocco – Começando do final: não estamos diante da “falência da política". Ao contrário, trata-se da persistência da política!

Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção!

Ser contra o moralismo da direita não significa achar “graça” nos comportamentos imorais da esquerda no poder. Trata-se apenas de não cair nas armadilhas da direita, mas num esforço de conjunção ética dos fins e dos meios.

Esse movimento, qualquer seja seu desfecho, é o movimento da multidão do trabalho metropolitano, o mais puro produto dos 10 anos de governo do PT.

Vamos aprofundar e esclarecer essa afirmação em dois momentos.

Num primeiro momento, essa afirmação é uma valoração positiva dos governos Lula e Dilma. Uma avaliação positiva não porque tenham sido de “esquerda” ou socialistas, mas porque eles se deixaram atravessar – sem querer – por uma série de linhas de mudança: políticas de acesso, cotas de cor, políticas sociais, criação de empregos, valorização do salário mínimo, expansão do crédito.

A esquerda radical julgava essas políticas exatamente como agora – ironicamente nesse caso até o PT – julgam a questão das “bandeiras”: idealmente.

Lula está implementando outro modelo, outra sociedade, socialista?” se perguntava e criticava. Ora, ninguém implementa modelo alternativo, mesmo quando se está no governo. Apenas pode ter a sensibilidade de apreender as dinâmicas reais que, na sociedade, poderão amplificar-se e produzir algo novo.

Os governos Lula e Dilma associaram o governo da interdependência na globalização com a produção, tímida e real, de uma nova geração de direitos e de inclusão produtiva. Estatisticamente, isso se traduziu na mobilidade ascendente dos níveis de rendimento de mais de 50 milhões de brasileiros e pela entrada de novas gerações nas escolas técnicas e universidades.

Lula não quis saber de bandeiras e até declarou que ele “nunca tinha sido socialista”. Ficou dentro da sociedade indo atrás das linguagens, dos símbolos e das políticas que entendia.

Na virada da década de 2010, esse processo se consolidou em dois fenômenos maiores: o primeiro é eleitoral e tem o nome de “lulismo”, ou seja, a capacidade que Lula tem de ganhar e, sobretudo, fazer ganhar eleições majoritárias: começando pela presidente Dilma e chegando ao prefeito Haddad;

o segundo é o regime discursivo da emergência de uma “nova classe média”, com base nos trabalhos do economista Marcelo Neri.

Com a crise do capitalismo global (2007-2008) e a chegada de Dilma ao poder, o discurso da “nova classe média” foi além das preocupações do marketing eleitoral, para tornar-se a base social de uma virada que vê, no papel do Estado junto das grandes empresas, o alfa e o ômega de um novo modelo desenvolvimentista (neodesenvolvimentista).

Economia
Sociologicamente, o objetivo do neodesenvolvimentismo é transformar os pobres em “classe média”, e para isso é preciso economicamente de um Brasil Maior, capaz de se reindustrializar.

O governo Dilma chegou a baixar os juros e multiplicou os subsídios às indústrias produtoras de bens de consumo duráveis, em particular de carros, e à construção civil.

O que o movimento afirmou e certificou foi a dimensão ilusória desse suposto modelo (isso não significa que o modelo não será implementado; significa apenas que ele perdeu a patina de consenso que o legitimava e deverá apresentar-se como cada vez mais autoritário).

No plano macroeconômico, a inflexão tecnocrática não deu muito certo, pois a tentativa de mexer nos juros resultou na volta da inflação dos preços (que está na base da revolta). A inflação dos juros e aquelas dos preços se reapresentaram como as duas faces de um impasse renovado que só uma mobilização produtiva (da qual não há sinal) pode resolver .

Nova classe média não existe
No plano sociológico, a “nova classe média” não existe, porque o que se constitui é uma nova composição social cujas características técnicas são de trabalhar diretamente nas redes de circulação e serviços da metrópole.

A figura econômica (a “média” da faixa de renda) esconde o conteúdo sociológico de uma inclusão produtiva que não passa mais pela prévia implementação na relação salarial.

Esse trabalho dos incluídos enquanto excluídos é um trabalho de tipo diferente: ele é precarizado (do ponto de vista da relação de emprego); imaterial (do ponto de vista que depende da recomposição subjetiva e comunicativa do trabalho manual e intelectual) e terciário (do ponto de vista da cadeia produtiva, aquela dos serviços).

A qualidade da inserção produtiva desse trabalho depende diretamente dos direitos prévios aos quais têm acesso e que, ao mesmo tempo, ele produz, como, por exemplo, poder circular pela metrópole.

É exatamente essa composição técnica e social do trabalho metropolitano o que constitui a outra face da “nova classe média” oriunda do período Lula.

Ao mesmo tempo em que ela foi a base eleitoral das sucessivas derrotas do neoliberalismo, ela é também hoje, na sua recomposição política, a oposição ao neodesenvolvimentismo.

Para ela, a questão da mobilidade urbana tem a mesma dimensão que tinha o salário para os operários ao mesmo tempo em que o segmento estratégico é aquele dos serviços.

As cidades e metrópoles brasileiras – e não a reindustrialização – constituem o maior gargalo, ao mesmo tempo social, político e econômico.

A ideologia e a coalizão de interesses que estão com a presidente Dilma não mostraram, até agora, a menor capacidade de enxergar esse dado.

Mais do que isso, essa nova composição do trabalho imaterial e metropolitano produz, a partir de formas de vida, outras formas de vida.

Por isso, o movimento do passe livre, como aquele de Istambul que defendia um parque, foi juntando todos os focos de resistência que existem nas metrópoles, até se espalhar – como está fazendo nesse momento, dramaticamente e assustadoramente – pelas periferias onde nunca teve manifestação de massa nenhuma.

O que esse “levante” da multidão do trabalho imaterial nos mostra é que o “legado” destes últimos dez anos de governo está em disputa, e que o mais interessante é ficar por dentro dessas alternativas, em vez de querer colocar uma ou outra bandeira.

A política e os movimentos estão dentro e contra. Por exemplo, pensemos a questão dos megaeventos, das copas e olimpíadas.

Muitos dos focos de resistência nas metrópoles são movimentos que criticam os gastos com obras, estádios, favelas que resistem contra as remoções etc. 

Ao mesmo tempo, a possibilidade de o movimento ter acontecido sem uma repressão brutal, por enquanto, se deve também à Confederation Cup. Mais uma vez, o conflito é dentro e contra.

IHU On-Line – O que é possível vislumbrar para o cenário político a partir das manifestações?

Giuseppe Cocco – Creio que o evento é tão potente e imprevisto que ninguém saberá responder a essa pergunta. Sobretudo neste momento: a cada dia e talvez a cada hora mudam alguns dados fundamentais.

O que podemos dizer é que o cenário eleitoral de 2014 até 2018 estava desenhado e as variáveis vislumbradas eram aquelas macroeconômicas. O movimento se convidou para essa discussão. Só que não há ninguém que possa sentar nessa eventual mesa dizendo que o representa.

A terra tremeu e continua tremendo, só que a fumaça levantada não nos deixa ainda ver quais prédios cairão e quais ficarão em pé. Nesse cenário, podemos fazer duas conjeturas.

Numa primeira, a presidente Dilma pode abrir pela esquerda, por exemplo, com uma reforma ministerial que colocaria pessoas qualificadas e altamente progressistas em ministérios-chave como a Justiça, Cidade e Transportes, MinC e Educação, convocando a sociedade a se constituir – em todos os níveis possíveis – em assembleias participativas para discutir as urgências metropolitanas.

Na segunda (que me parece ser aquela anunciada pelo pronunciamento do dia 21 de junho), ela se limita a reconhecer a existência de outra composição social no movimento e a construção de um grande pacto sobre os serviços públicos, mas não anuncia nada de novo a não ser algumas bandeiras de longo prazo (a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação) e enfatiza a questão da ordem: repressão dos “violentos” e respeito pelos megaeventos (ou seja, mais repressão).

E isso depois dos fatos bem sombrios da quinta-feira (aparição desses grupos pagos para agredir os partidos e, no Rio, repressão generalizada da manifestação perseguindo a centenas de milhares de participantes durante toda a dispersão).

O cenário que vislumbro é pessimista: parece-me que boa parte dos militantes de esquerda está caindo na armadilha das “bandeiras”, e que isso acabará por realmente entregar o movimento à direita e, por cima, haverá repressão, eventualmente também das opiniões.

Nesse cenário muito provável, para salvar a si mesmos e evitar uma renovação geral, as burocracias e outros fisiologismos encastelados nos diferentes governos e coalizões, estão destruindo as possibilidades de uma grande renovação da esquerda e levando todo o mundo de roldão no buraco que será o resultado eleitoral de 2014.

Foto: Natália Scholz
Mas quero muito estar errado.
Se for verdade que estou errado, serão as lutas da multidão que o dirão e o cenário que elas têm de enfrentar é muito, muito complexo.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/521331-mobilizacao-reflete-nova-composicao-
tecnica-do-trabalho-imaterial-das-metropoles-entrevista-especial-com-giuseppe-cocco


Leia também:http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/06/alipio-freire-fortalecer-presidente.html

http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/06/o-extase-da-conexao-nas-ruas.html

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Síria: paraíso “jihadi”

10/01/2013 - Redecastorphoto
- 11/01/2013, por Pepe Escobar, Asia Times Online, The Roving Eye
- “Syria: A jihadi paradise
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bashar al-Assad, pois, falou em tom marcial – pela primeira vez em sete meses.

Como se poderia prever, culpou “terroristas” e “fantoches do ocidente” pela guerra civil na Síria.

O ministro turco das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu (foto), aquele dos (antigamente) “zero problemas com os vizinhos”, comentou que Assad só lê relatórios do seu serviço secreto.

Calma-lá, Ahmet! Bashar pode não ser nenhum Stephen Hawking, mas está administrando bastante bem os seus buracos negros.

E Assad tem um plano: diálogo nacional, que levará a uma carta constitucional nacional – a ser submetida a referendo popular – e, depois, governo ampliado e anistia geral.


Bashar al-Assad  no Opera House, Damasco em 6/1/2013
A questão é quem conseguirá usufruir toda essa felicidade engarrafada, porque Assad descarta total e absolutamente, não só nova oposição síria, mas também o Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army (FSA)], todas as forças que, para ele, não passam de gangues de mercenários recrutados que recebem ordens de potências estrangeiras cujo único objetivo é dividir a Síria.

Seja como for, Assad tem um plano.

Primeiro estágio: as potências estrangeiras que hoje financiam os “terroristas” – como o conglomerado CCGOTAN, Conselho de Cooperação do Golfo + Organização do Tratado do Atlântico Norte – terão de parar de financiar os terroristas.

Quanto a isso não há qualquer concessão: só no estágio seguinte o Exército Sírio fará cessar todas as suas operações, embora sempre se reservando o direito de responder a provocações que não se possam evitar.

O plano de Assad nada diz sobre o que acontecerá ao próprio Assad. O único ponto sobre o qual nunca houve divergência entre as várias correntes da oposição sempre foi que “o ditador tem de partir”, antes de ser possível alguma negociação.

Nada disso, respondeu Assad. Assad será candidato à própria sucessão, em eleições que aconteçam em 2014.

Como se isso já não bastasse para torpedear de vez, para pôr a pique, todas as arquiteturas inventadas pelo atual mediador da ONU, Lakhdar Brahimi (foto abaixo) [1], há também o ponto crucialmente complexo de Brahimi insistir em incluir a Fraternidade Muçulmana (FM) em qualquer governo sírio de transição.

Brahimi deveria prestar mais atenção em onde se mete. É como se a ONU insistisse em rezar por um milagre (a abdicação de Assad).

A Síria não é Tora Bora [2]

Quem queira saber o que está realmente acontecendo na Síria, basta prestar atenção ao que diga o secretário-geral do Hezbollah, Sheikh Hassan Nasrallah (foto-E), que fala das coisas como as coisas são.

Há também o que Ammar al-Musawi (foto-abaixo), terceiro homem do Hezbollah – é o ministro de Relações Exteriores de facto do Partido de Deus – disse a meu colega italiano Ugo Tramballi. [3] O cenário mais provável pós-Assad, se houver, será “não um estado unitário, mas uma série de emirados próximos à fronteira turca, e alguém proclamará um estado islâmico”.

A inteligência do Hezbollah – a melhor que há no mundo, sobre a Síria – é clara: “um terço dos combatentes na oposição síria são extremistas religiosos; e dois terços das armas que circulam são controladas por eles”.

Resumo da ópera: trata-se de guerra do ocidente, lutada na Síria por procuração; o Conselho de Cooperação Golfo (CCG) operando como “linha de frente” para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Leitores de Asia Times Online já sabem disso há eras, como também sabem da mentira de proporções tectônicas segundo a qual haveria alguma autocracia do Golfo promovendo alguma “democracia” na Síria.

A Casa de Saud abençoada pelos deuses da geologia usou até o último grão de areia para subornar quem pudesse subornar para tentar imunizar-se contra os miasmas da Primavera Árabe, mas, pelo menos no Kuwait, os ventos de mudança já forçam a família Al-Sabah a aceitar um primeiro-ministro que não é fantoche do emir.

Sim, petromonarcas! Mais dia menos dia, vocês todos virão abaixo!

Quem quiser continuar a ignorar Musawi, que meta a cabeça na areia o quanto queira; nem por isso evitarão a volta do chicote no lombo do chicoteador, “como no Afeganistão”.

E Musawi acrescenta:
A Síria não é Tora Bora; está no litoral mediterrâneo, praticamente na Europa”.

A Sírianos anos 2010s é remix do Afeganistão nos anos 1980s – com altíssima probabilidade de o chicote voltar sobre o lombo vocês sabem de quem.

E os que sigam os mais cegos que vivem a repetir que o Hezbollah seria organização “terrorista”, anotem aí: o Hezbollah está trabalhando em íntima cooperação com a ONU, nas fronteiras do campo de combate, ao lado dos mais de 10 mil Capacetes Azuis comandados pelo general italiano Paolo Serra – para manter o sul do Líbano protegido contra qualquer contágio/contaminação pela guerra civil síria.

O ditador deixará o poder. É inevitável...
De novo?!

Não surpreendentemente, as gangues de mercenários apresentadas e rotuladas como se fossem alguma “oposição síria” rejeitaram em bloco o plano de Assad.

Para a Fraternidade Muçulmana (ao lado) – aspirante ao trono sírio, ou, no mínimo, a uma parte dele – Assad seria “criminoso de guerra” e terá de ser julgado.

Para Georges Sabra, vice-presidente do tal “combinado” norte-americano/qatari chamado “Coalizão Nacional”, as palavras de Assad teriam sido “declaração de guerra contra o povo sírio”.

Como se previa, o Departamento de Estado dos EUA – ainda não comandado por John Kerry – disse que Assad estaria “descolado da realidade”.

Londres decretou que o discurso não passaria de hipocrisia e, imediatamente, inventou mais dois dias de reunião “secreta”, agendada para essa semana no Wilton Park em West Sussex, em que se misturarão os membros da tal “coalizão” e o velho selecionado de sempre de “especialistas”, professores de universidades, funcionários de governos do CCG e as tais “agências multilaterais”.

William Hague (foto), o espetacularmente patético ministro de Relações Exteriores do Reino Unido tuitou – pela centésima milésima vez – que “Assad deixará o poder em breve. É inevitável”.

Fatos em campo sugerem fortemente que Assad não deixará coisa alguma nem irá a parte alguma em futuro próximo.

Quanto ao que dizem os britânicos, que “a comunidade internacional pode dar apoio a um governo de transição”, nenhum sírio bem informado – dos que sabem que essa guerra civil está sendo financiada, mantida e amplamente coordenada pelo ocidente, especificamente pela parte OTAN do grupo CCGOTAN – deu qualquer importância à “novidade”.

Os sírios bem informados farejam a ação de um rato – ocidental – na obsessiva repetição de que a guerra na síria seria “guerra sectária”; para ter certeza de que nada é bem assim, consideram a quantidade imensa de sunitas influentes que permanecem leais ao governo sírio.

Farejam o rato – ocidental – quando olham para trás e veem que tudo começou exatamente no momento em que o gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões (que passa ao largo da Turquia, membro crucial da OTAN) começou a ser viabilizado, com chances reais de ser construído.

Seria enorme impulso econômico para uma Síria independente, balde de água geladíssima, gesto não-e-não, contra tudo que tenha a ver com interesses ocidentais.

O governo Obama 2.0 – e Israel – gostariam muitíssimo de ver a Fraternidade Muçulmana no poder na Síria, acompanhando o modus operandi do que está sendo feito no Egito. A Fraternidade promove a ideia de um “estado civil”; basta examinar as poucas “áreas libertadas” na Síria, para saber o de que civilidade se trata, quando encarna em degoladores de vários matizes, seguidores linha-dura da Xaria.

Mas o que o CCGOTAN e Israel realmente desejam é um modelo à Iêmen, para a Síria: ditadura militar, sem o ditador. Pelo que se pode ver, continuarão a só obter, no curto prazo, um Paraíso Jihadista.

Cortem a cabeça deles!
Há quase um ano, o número 1 da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri (foto), convocou todos os fiéis sunitas linha-dura do Iraque e Jordânia ao Líbano, Turquia, e de toda parte, para viajar à Síria e, alegremente, derrubar, esmagar Assad.

E eles começaram a viajar, e continuam a chegar, incluindo – como aconteceu no Afeganistão – chechenos e uigures e asiáticos do sudeste da Ásia, reunindo gente de todo o tipo, do Exército Sírio Livre à Frente al-Nusra – principal milícia de assassinos, que hoje já reúne mais de 5.000 jihadistas.

Matéria publicada essa semana pela Quilliam Foundation [4], instituto de estudos de contraterrorismo com sede em Londres, confirma o papel da Frente Al-Nusra. O principal autor do relatório, Noman Benotman, é líbio, ex-jihadi, com laços muito estreitos com al-Zawahiri e com o falecido Geronimo”, também conhecido como Osama bin Laden.

Frente al-Nusra, braço sírio da al-Qaeda

A Frente Al-Nusra é, de fato, o braço sírio da al-Qaeda no Iraque (AQI), marca terrorista registrada do falecido Abu Musab al-Zarqawi, também conhecida como Estado Islâmico do Iraque, depois que Zarqawi foi incinerado por um míssil dos EUA, em 2006.

Até o Departamento de Estado sabe que o emir da al-Qaeda no Iraque, Abu Du’a comanda ambos os grupos, a AQI e a Frente al-Nusra, cujo emir é Abu Muhammad al-Jawlani.

É a al-Qaeda no Iraque que facilita o vai-e-vem de comandantes iraquianos – todos com vasta experiência de luta em terra contra os norte-americanos – para e de áreas sensíveis na Síria, enquanto os sírios, iraquianos e jordanianos da Frente al-Nusra também trabalham pelo telefone, para arrancar financiamentos de fontes do Golfo.

A Frente Al-Nusra quer – claro, e o que mais quereria?! – um Estado Islâmico, não só na Síria, mas em todo o Levante.

Tática favorita: carros e caminhões-bomba, com suicidas-bomba, e carros-bomba acionados por controle remoto. No momento, a Frente Al-Nusra mantém um regime tenso de colaboração/concorrência com o Exército Sírio Livre.

E o que acontecerá a seguir?
A nova Coalizão Nacional Síria é piada.

Aqueles bastiões de democracia organizados no CCG estão já completamente submergidos no tsunami jihadista. A Rússia demarcou a linha vermelha e a OTAN não se atreverá a bombardear; russos e norte-americanos estão discutindo detalhes.


Mais dia, menos dia, Ancara afinal lerá a mensagem que grita pelos muros – e voltará atrás, revertendo para uma política de, pelo menos, reduzir ao mínimo qualquer problema com os vizinhos.

Assad viu e entendeu com clareza O Grande Quadro – daí o tom “confiante” de seu discurso. Agora se trata de Assad contra os jihadistas.

A menos que, ou até que, a nova CIA, agora sob o comando de John Brennan, o Exterminador & seus drones, opte por intrometer-se diretamente no quadro da guerra clandestina-suja, para vingar-se.

Notas dos tradutores
[1]Brahimi é o especialista em conflitos que envolvam forças islamistas (...) preferido do ocidente. Tem currículo consistente na arte de criar a ilusão e que haja negociações em curso onde nenhuma negociação exista, e a real discussão prossiga, inalterada, no campo de batalha. Kofi é independente demais; Brahimi obedece em tempo integral” (12/8/2012, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, em: “A proposta do Irã ao ocidente, sobre a Síria”).

[2] Sobre isso ver: “Batalha de Tora Bora

[3] 8/1/2013, “Al-Mussawi, numero tre di Hezbollah: ‘Se crolla Assad l'estremismo islamico si avvicinerà all'Europa’” [Al-Mussawi, número 3 do Hezbollah: “Se Assad cair, o extremismo islâmico se aproximará da Europa”], entrevista ao enviado Ugo Tramballi, Il sole 24 ore, Itália.

[4]  8/1/2013, em Quilliam Foundation, press release: QUILLIAM RELEASES NEW STRATEGIC BRIEFING “JABHAT AL-NUSRA” 

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/01/pepe-escobar-siria-paraiso-jihadi.html

Ver também:
07/01/2013 – redecastorphoto, Teatro da Ópera, Damasco:Discurso do presidente Bashar al-Assad: Passos para a paz na Síria”.
08/01/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em:Assad no Teatro de Ópera de Damasco”.
- Um beabá para a al-QaedaHassan N. Gardezi

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O mais novo capítulo da obscena perseguição a Julian Assange

16/08/2012 - Paulo Nogueira (*) - do blog Diário do Centro do Mundo

Querem calar esse homem

Tenho escrito, aqui e ali, sobre as crenças fundamentais do Diário. Vou compilá-las, em breve.

Tenho personificado nossas crenças. Pessoas são a melhor maneira de explicá-las. Quando fiz o elogio das bicicletas e dos ciclismos, a imagem usada foi a da medalhista de ouro britânica Vicky Pendleton. Com sua beleza vitoriosa, Vicky tem sido uma inspiração para os ingleses. Ela fez e faz muitos deles trocarem o carro pela bicicleta ao se locomover, para o bem da saúde deles e do planeta. (Um vídeo que vi hoje sobre o caos no trânsito do Cairo reforça minha convicção de que as metrópoles são tanto mais avançadas quanto mais bicicletas circulam nelas).

Pois hoje declaro outro crença fundamental do diário: a transparência, aliada à liberdade expressão.

Não há ninguém que simboliza melhor isso que o australiano Julian Assange, 41 anos, fundador do Wikileaks.

Assange combate o bom combate com seu jornalismo inovador e transformador. As revelações do Wikileaks mostraram ao mundo, espetacularmente, a natureza cuidadosamente escondida das guerras que os Estados Unidos vêm travando no Oriente Médio.

A imagem da garotinha vietnamita correndo nua depois de ter sido alcançada e queimada pelo napalm americano foi o retrato definitivo da Guerra do Vietnã, nos anos 60. O vídeo em que civis são mortos em Bagdá por soldados americanos em helicópteros Apache – publicado pelo Wikileaks – passará para a história como o retrato definitivo da Guerra do Iraque, no início dos anos 2 000.

Assange precipitou a Primavera Árabe quando o Wikileaks expôs detalhes da corrupção abjeta de ditadores encastelados fazia décadas no poder em países como a Tunísia e o Egito.

O Wikileaks fez mais pelo jornalismo investigativo, em seus poucos anos de existência, que todas as marcas tradicionais – do NY Times ao Washington Post – em décadas.

A recompensa para Assange tem sido, paradoxalmente, o tormento, na forma de uma perseguição sem tréguas.

O pretexto – não existe palavra melhor – foram denúncias sexuais de duas mulheres suecas que dormiram, por vontade própria, com ele. Uma soube da outra, e o que seria um caso banal de ciúme acabou se transformando num pesadelo jurídico para Assange, por força da absurda legislação sueca. Um homem pode ser acusado de estupro na Suécia se, por insistência, convencer uma mulher a dormir com ele. Ou se a camisinha se romper. Ou se, no meio da madrugada, apalpar a mulher com quem ele fez sexo algumas horas antes.

Parece mentira, mas é verdade.

Assange já estava fora da Suécia – em Londres — quando as duas mulheres foram à justiça. Mulherengo ele pode ser, mas bobo não: Assange logo percebeu o risco enorme de ser extraditado da Suécia para os Estados Unidos. Lá, o aguardaria uma lei reservada a espiões, a mesma utilizada para matar o casal Rosenberg na Guerra Fria, sob a alegação de que passavam informações para os russos.

Os suecos pediram sua extradição, e enquanto a justiça britânica decidia ele ficou em prisão domiciliar, na casa de campo de um simpatizante.

Quando ele achou que o risco de ir para a Suécia, e de lá para os Estados Unidos, era grande, se refugiou na embaixada do Equador em Londres. O presidente do Equador, Rafael Correa, é um admirador de Assange – e tem muitas restrições à conhecida política americana na América Latina, tratada por décadas como um quintal.

Isso faz quarenta dias.

Agora as coisas se precipitaram. No momento em que o governo do Equador se preparava para anunciar o pedido de asilo, o governo britânico reagiu.

Ao velho modo: longe dos holofotes. Avisou que, mediante uma legislação que virtualmente ninguém conhecia, poderia prender Assange em plena embaixada equatoriana.

A resposta do Equador foi desconcertante: publicou uma carta que o governo britânico definitivamente não gostaria de ver sob os olhos do mundo. Fez um trabalho de vazamento ao estilo do Wikileaks. “Não somos uma colônia britânica”, afirmou o governo no Equador, num gesto de bravura épica.

O Diário acredita na transparência e na livre expressão. E saúda Assange por sua cruzada inspiradora pelo bem da humanidade – ao mesmo tempo que torce intensamente para que ele possa, em Quito ou onde for, retomar o trabalho que só faz mal a quem faz muito mal.

(*) Jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.