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quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Viver Arriscoso das Multidões

28/06/2013 - por Emiliano José - do site Bahia 247

Quem de cara tentou desqualificar o movimento foi o governador Alckmin com sua política truculenta e a nossa velha mídia, que chamou os jovens de vândalos e terroristas.

As conjunturas surpreendentes são ao que mais podem nos ensinar, se quisermos aprender, e às vezes demanda tempo até que se recolham todos os ensinamentos desses momentos-irrupção, que surgem como do nada, embora, como óbvio, nunca surgem do nada, senão de um acúmulo, mesmo que imperceptível para muitos, como as recentes manifestações que se espraiaram pelo País.

Compreender que tudo que existe merece perecer não é simples.

Escrever assim a quente, no calor dos acontecimentos, é sempre um risco enorme. Não me sinto, no entanto, no direito de esperar as coisas esfriarem para falar alguma coisa.

Correr riscos é da vida.

Viver é arriscoso, mas o que a gente quer da vida é coragem: me socorro, da cabeça, de Riobaldo Tatarana, protagonista de Guimarães Rosa.

Vamos em frente que atrás vem gente, e cada vez mais gente.

Todos nós, envolvidos com a militância política tradicional, à esquerda ou à direita, fomos tomados de surpresa com as movimentações recentes da nossa juventude, pela sua radicalidade, sua intensidade, persistência, massividade.

Houve, quem sabe ainda há, uma acentuada perplexidade, e a busca nos manuais de antanho nem sempre resolviam nossos problemas teórico-práticos.

Talvez apenas os teóricos da multidão, vanguardeados por Antonio Negri, não se sintam tão atordoados, e cito aqui o notável Giuseppe Cocco, de quem sou admirador e amigo recente, e que deu uma entrevista admirável sobre as mobilizações recenteswww.unisinos.br

Marco logo uma posição: creio ser extremamente saudável politicamente que multidões, especialmente nesse caso multidões juvenis, ganhem as ruas por objetivos políticos.

E que o façam, para além de quaisquer aparentes exageros – e há movimentos de massas que não experimentem exageros ou até infiltrações indesejáveis, como aqueles da extrema-direita brasileira? – que o façam em defesa do aprofundamento da democracia, da participação cada vez mais decisiva do povo nos destinos do País.


Quem de cara tentou desqualificar o movimento foi exatamente o governador Alckmin com sua política truculenta e a nossa velha mídia, que chamou os jovens de vândalos e terroristas, para logo depois, quando percebeu o alcance das manifestações, passar até a elogiá-las, só que aí em sua indisfarçável perspectiva golpista.

O PT seguramente também foi surpreendido e só nas últimas horas, no momento em que escrevo esse texto, como instituição, resolveu se envolver nos atos de rua, com a sua cara, sem medo de defender as bandeiras avançadas do movimento e as conquistas realizadas nesses últimos dez anos sob os governos Lula e Dilma.

Tenho dito que o grande desafio da sociedade brasileira está nas cidades, principalmente.

Lembro-me de fala recente de Márcio Pochmann (e que ele me desculpe pela eventual imprecisão) sobre as cidades-acampamento do século XX: acampamentos edificados para responder à industrialização, e depois os seus problemas se avolumaram numa proporção e velocidade extraordinárias. Tornaram-se aglomerações quase ingovernáveis e de qualidade de vida angustiante, às vezes insuportáveis, especialmente para os mais pobres.

Claro que podemos dizer, e o fazemos com propriedade, que nos últimos dez anos, sob os governos de Lula e Dilma, houve melhorias significativas na vida do nosso povo, que milhões foram retirados da miséria extrema, que outros tantos milhões melhoraram sua condição de vida, e aqui não cabe balanço mais completo.

Essa elevação da qualidade de vida, e ainda há uma longa caminhada pela frente, implicou a conquista de mais cidadania, mais consciência política.

Parte dos que emergiram parecem dizer queremos mais e mais, e as condições difíceis das grandes cidades, especialmente a precariedade da mobilidade, leva a juventude a se exasperar, a não aceitar passar tanto tempo espremida num transporte coletivo torturante, passar longo tempo à espera de que chegue ao destino, e ainda pagando passagens caras.

É, na visão de Cocco, (foto) a luta dos trabalhadores imateriais, que tem como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma "empregabilidade".

Poderíamos acrescentar, nessa análise dos problemas de nossas grandes e médias cidades, o fato estrutural de o Brasil, dos anos 50 em diante, ter optado pela prioridade ao transporte individual.

Que cidade há de suportar os custos de tantos automóveis jogados todo mês sobre as ruas cada vez mais precárias de nossas maltratadas aglomerações urbanas?

Como falar em cidades sustentáveis com esse "modo de produção automobilístico"?

Tratar desse modelo, enfrentar as contradições dele decorrentes, vai se tornando algo incontornável, e de algum modo as ruas estão dizendo isso.

Frotas de ônibus precárias, metrôs precários, e alguns que nunca terminam e nem se expandem, cidades inteiramente travadas pelos carros, os trabalhadores jogados para periferias distantes, e os jovens, de que falamos aqui, sem condições mínimas de locomoção.

Estavam ou não postas as condições para a movimentação que estamos assistindo nos últimos dias?

E aqui falamos das condições materiais, objetivas, nem sequer tratarmos das outras, de uma sociedade em rede, articulada na internet, sob a influência de um movimento que é mundial, que tem se repetido em tantos países.

Essa parcela do nosso povo que assaltou as ruas, especialmente a juventude, quer participar da vida política, e a estrutura política do Parlamento brasileiro, que dá mostras de falência há muito tempo, permanece irredutivelmente ancorada no financiamento privado.


Isso tem limitado a participação dos jovens, das mulheres, de lideranças sindicais e comunitárias, dos índios, dos negros, dos trabalhadores rurais, e torna o Parlamento – aqui falamos da Câmara Federal, do Senado, das assembleias legislativas, das Câmaras de Vereadores – uma casta elitista, distante das maiorias, cada vez mais afastado do povo, voltado a conciliábulos dominantes, sem maiores preocupações com os humores e a sorte das maiorias.

E quando digo isso, o faço em defesa da política e dos partidos, e sem desprezar o esforço em favor da reforma política feito pelo PT, que está com uma campanha nas ruas para tanto.

Creio que as ruas deviam expressar essa demanda, mas só elas é que podem dizer se a querem. O PT tentará viabilizar um projeto de iniciativa popular.

Sem canais efetivos de participação política, as multidões ganham as ruas, e expressam também insatisfação com os mecanismos de representação.

Pode nos preocupar, claro, o surgimento de clamores contra partidos, normalmente uma bandeira da direita e até da extrema-direita. Mas, isso não pode nos levar, de modo nenhum, a não compreender esse sentimento – tem a ver com o modo de fazer política no Brasil, com o desprezo que as elites políticas, ou ao menos a maioria delas, devotam aos anseios populares, e com o fato de que no Parlamento brasileiro poucos se perguntam por que lideranças populares não têm condições de se eleger – não tiveram ontem, não tem hoje.

E não custa lembrar que multidões, no resto do mundo, tem manifestado a mesma reação diante das formas tradicionais do fazer político, evidenciando não uma crise da política, mas a emergência de multidões que pretendem imprimir outro rumo à política.

As ruas estão, a seu modo, e um modo novo, particular, o da emergência das multidões, ressignificando a política, dando recados fortes e revelando a gravidade da crise de representação em que estamos imersos, e que o Parlamento brasileiro tem uma enorme dificuldade para compreender, até por seus compromissos, por seus interesses de classe. Não está entendendo o momento.

O financiamento privado é um câncer que corrói a política, que faz esquecer a essencialidade da política para a convivência dos povos, que não podem ainda prescindir dela para a vida em sociedade.

Ocupar as ruas é uma maneira de dizer que se pretende participar da vida política.

A reforma política, insista-se, é fundamental para fortalecer a democracia em seu sentido substantivo, e ela deve acontecer, esperamos, com intensa participação popular, inclusive da nossa juventude e dos chamados trabalhadores imateriais a que se refere Cocco.

Ao falar nesse Parlamento elitista, peço licença para lembrar o Marx de o 18 Brumário:

O regime parlamentar deixa tudo à decisão das maiorias, como então as grandes maiorias fora do parlamento não hão de querer decidir?

Quando se toca música nas altas esferas do estado, que se pode esperar dos que estão embaixo senão que dancem?

A par de tudo isso, sem dúvida, os partidos foram surpreendidos por essas mobilizações da juventude porque elas fugiram dos moldes tradicionais. 

Ocorreram pelos caminhos da rede, do acúmulo da articulação das lutas pela internet, que vão se tornando o canal de organização e mobilização das multidões, e estas, em geral, não se guiam por lideranças específicas, senão pela lógica que o movimento delas mesmas vai impondo.

Talvez, correndo todos os riscos, caiba recorrer a dois teóricos da Multidão, Michael Hardt e Antonio Negri, no livro Multidão: Guerra e democracia na era do Império, à página 426:

Na multidão, contudo, nunca existe qualquer obrigação em princípio em relação ao poder. Pelo contrário, na multidão o direito de desobediência e o direito à diferença são fundamentais.

A constituição da multidão baseia-se na constante possibilidade legítima de desobediência e o direito à diferença são fundamentais. (...)


A obrigação só surge para a multidão no processo decisório, em consequência de sua vontade política ativa, e a obrigação dura enquanto durar essa vontade política.

A criação da multidão, sua inovação em redes e sua capacidade de tomada de decisão em comum tornam hoje a democracia possível pela primeira vez.

Creio que esses movimentos recentes estão mais vinculados à lógica da multidão que qualquer outra coisa.

Quem quiser influir, tem que entender essa lógica e a cada momento decidir junto com ela.

Não me iludo de achar que não existam esforços da direita brasileira ali dentro. Na rede há de tudo.

Acho acertada a decisão do PT de participar dessas lutas.

As muitas bandeiras giram em torno da democracia, da participação, da melhoria dos serviços públicos, e servem à oxigenação da política.

E mais: essa sociedade consumista não pode agradar à juventude, e creio que as bandeiras se estenderão, se tornarão ainda mais amplas, e quem mais sabe, mais políticas e mais acertadamente estruturais.

A juventude, a militância toda do PT, se souberem entender a lógica das multidões, as lutas articuladas em rede, e creio que saberão, poderão contribuir para que não haja qualquer tipo de manipulação à direita, e o Movimento Passe Livre chegou a repudiar quaisquer tentativas autoritárias à direita, inclusive criticando atitudes antipartidárias.

As manifestações não nasceram anti-PT, nem anti-Dilma, embora, por variados caminhos, os atinja também.

Mas, se o governo e o PT souberem ouvir o clamor da multidão podem se afinar com ela, nem que parcialmente.

A resposta do governo Dilma, da presidenta em particular, foi muito positiva, especialmente a ideia do plebiscito e da Constituinte exclusiva para a reforma política, antiga proposta do PT, que não acreditava, como não acredita, na possibilidade de o Congresso se modificar por dentro, nas condições da composição de hoje.

Parece, no entanto, que as tradicionais elites políticas brasileiras recusam a proposta da Constituinte exclusiva, embora, parece, não tenham condições de evitar o plebiscito. A presidenta deu respostas também à questão da mobilidade urbana, do transporte coletivo, pontos fundamentais postos pelas ruas.

Dou uma última palavra a respeito de nossa mídia conservadora, do escândalo que ela protagonizou nos últimos dias.


Primeiro, quase de modo uníssono, clamou contra os terroristas, vândalos, anarquistas, e celebrou, cobrou que a Polícia interviesse. Alckmin obedeceu, e o pau comeu. 

Mas, aí, ela sentiu também o impacto das ruas, sua grandiosidade, e mudou o discurso.

É um paradoxo ver a Rede Globo, depois da primeira fase, a da celebração da repressão, elogiar o movimento, defender a democracia direta, atacar Dilma e o PT, defender o Ministério Público, esculhambar a política, vergonhoso. Embora, é claro, não valha apenas para a Rede Globo, atinge quase toda a velha mídia.

Curioso, revelador da natureza do movimento, é que a Rede Globo, até o momento em que escrevo esse texto, não pôde nem cobrir diretamente as manifestações, até porque os participantes sabiam com quem estavam lidando, e poderiam ser tentados à violência, que chegou a ocorrer em alguns  
casos contra veículos da velha mídia.

A Rede Globo cobriu os atos utilizando-se de precárias imagens de celulares.

Pudéssemos aconselhar, e só poderíamos no momento das assembleias da multidão, e diríamos que a Rede Globo e toda a mídia deviam cobrir tranquilamente os protestos até para que se desnudassem de modo claro desde o primeiro momento.

O que a Rede Globo e a Veja e a Folha e o Estadão não podem é dar lições de democracia a ninguém, e muito menos tentar dirigir a pauta da multidão contra o governo Dilma e contra a política.

A multidão, se o fizer, o fará legitimamente, e haverá no meio dela quem discorde e se manifeste.

Não a mídia, que esteve sempre ao lado do autoritarismo, que implantou a ditadura lado a lado com os militares, que foi conivente com estes, sempre.


E as ruas disseram isso.

Disseram que a mídia vive também, e já de algum tempo, uma grave crise de representação.

Ninguém acredita mais que ela cubra acontecimentos.

Ela sempre toma posição a priori, e sempre contra os interesses da população, especialmente dos mais pobres. 

Esperemos que no decorrer dessa movimentação, que ainda prossegue, todos tiremos lições.

Seguramente, o governo Dilma já está demonstrando que está tirando.

Há de se melhorar os serviços públicos.
Há de se dar prioridade ao transporte coletivo.
Há de se mudar a estrutura das cidades.
Há de se ampliar ainda mais o direito à educação, sobretudo sua qualidade. Há de se encontrar meios para o financiamento mais adequado da saúde.
Há de se ampliar o acesso à cultura para os nossos jovens pobres.
Há de se assegurar o acesso à internet para todos.
Há de se mudar nossa polícia, tirando-lhe sua natureza essencialmente repressiva, e acabar com a matança de jovens negros e pobres nas periferias.
Há de se lutar contra com esse pensamento punitivo que pede mais e mais cadeia.

E há que se reforçar a natureza laica do Estado, insurgindo-se, todos nós, contra essa agenda do medievo trevoso que tenta se impor com Estatuto do Nascituro;
- com essa proposta absurda, estúpida de Cura Gay;
- com essa ideia da redução da maioridade penal.

E todos devemos nos por a favor dos direitos das mulheres e do movimento LGBT, que não podem se submeter a nenhuma religião.
- Os corpos das mulheres não podem estar sujeitos a intervenções que elas não desejem.
- A Inquisição ficou no passado, e é de triste memória.
- As religiões tem todo o direito de existir e se manifestar, nunca de tentar atingir os alicerces do Estado laico.

Que as ruas continuem a nos animar para aprofundar a democracia, e esta não pode ser mero adereço eleitoral, mas algo que implique necessariamente a participação popular – que se ouça de fato a voz das multidões, uma voz que não se restringe ao Brasil.

Estamos apenas sendo, agora, parte do mundo, cujas multidões irrompem por todos os lados, e temos que saber lidar com isso – e fazê-lo com mais e mais democracia.

Não há remendos possíveis. As multidões, com sua febre democrática, vieram pra ficar.

Fonte:
http://www.brasil247.com/pt/247/bahia247/106957/O-viver-arriscoso-das-multid%C3%B5es.htm

terça-feira, 2 de julho de 2013

Entrevista com Giuseppe Cocco

25/06/2013 - Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles
- entrevista especial com Giuseppe Cocco
- Instituto Humanitas Unisinos

Foto: Marcelo Say - Epa
Não estamos diante da “falência da política. Ao contrário, trata-se da persistência da política! Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção”, avalia o cientista político.

Confira a entrevista.

Na tentativa de compreender as razões que levaram milhares de cidadãos brasileiros às ruas, o sociólogo Giuseppe Cocco, que estuda o conceito de multidão abordado pelo italiano Antônio Negri, elenca algumas possibilidades.

Na avaliação dele, o ciclo de “revoluções 2.0”, com base na internet, “começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais”.

Outro aspecto importante é o fato de jovens brasileiros só terem conhecido “o Brasil de Lula”.

E dispara: “No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do ‘novo modelo’ econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo”.

De acordo com Cocco, havia e há no Brasil “um sem número de movimentos de protesto e resistência, em particular por causa dos efeitos dos megaeventos, e hoje esses movimentos se juntaram, confluindo com a multidão da nova composição do trabalho metropolitano”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, ele assinala que os protestos ganharam força a partir do Movimento Passe Livre [http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521290-movimento-passe-livre-vai-para-a-periferia] porque “a questão dos transportes e, mais em geral, do serviços é estratégica para o trabalho metropolitano”.

E esclarece: “Os operários fordistas lutavam por salários e horários. Os trabalhadores imateriais têm como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma ‘empregabilidade’. Os operários fordistas lutavam para reduzir a parte do horário que ia embutida como lucro nos carros que produziam; os trabalhadores imateriais nas metrópoles desviam os slogans publicitários de uma montadora (‘Vem Pra Rua’) para ressignificar os agenciamentos produtivos que se desenham na circulação”.


Foto: amaivos.uol.com.br
Giuseppe Cocco (foto) é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova.
É mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne).
É doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne).
Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Manifestações sociais massivas descontentes com a política e a economia iniciaram no Oriente, na Espanha, em Wall Street. E agora chegam ao Brasil. Por quê? O que estas manifestações sociais representam?

Giuseppe Cocco – Podemos logo começar dizendo que o que caracteriza essas manifestações é que elas não representam exatamente nada ao passo que, por um tempo mais ou menos longo, elas expressam e constituem tudo.

O primeiro elemento é este: elas têm uma dinâmica intempestiva, fogem a qualquer modelo de organização política (não apenas os velhos partidos ou os sindicatos, mas também o terceiro setor, as ONGs) e afirmam uma democracia radical articulada entre as redes e as ruas: autoconvocação e debates nas redes sociais, participação massiva às manifestações de rua, capacidade e determinação de enfrentar a repressão e até capacidade de construção e autogestão de espaços urbanos como foram a Praça Tahrir, as acampadas espanholas e as tentativas do Occupy Wall Street e, enfim, a Praça Taksim em Istambul, na Turquia.

Para cada uma dessas ondas e dessas que chamamos de “primaveras”  houve um estopim específico, mas todas dispõem de uma mesma base social (por mais diferenciadas que sejam as trajetórias socioeconômicas dos diferentes países) e dos mesmos processos de subjetivação.

No caso do Brasil, todo mundo sabe que o estopim foram os protestos contra o aumento do preço das passagens nos transportes públicos. Como foi o caso de outras marchas, a manifestação em São Paulo foi violentamente reprimida pela Polícia Militar. Só que dessa vez a faísca não se apagou numa “marcha da liberdade” e incendiou São Paulo e todo o país. Mas saber que o estopim foi esse não nos permite avançar na análise.

Por que agora? É difícil responder e talvez a característica própria desse tipo de movimento é que ninguém sabe propor razões “objetivas” indiscutíveis. Contudo, podemos avançar três explicações: a primeira explicação tem a forma de um segundo “estopim” e é a quase coincidência do episódio da repressão da marcha pelo passe livre em São Paulo com a renovação das primaveras árabes e do 15M espanhol nas lutas duríssimas da multidão turca na Praça Taksim, em Istambul (não por acaso, na segunda manifestação carioca, que já reunia 10 mil pessoas, um dos gritos era: “acabou a mordomia, o Rio vai virar uma Turquia”);

uma segunda explicação está no fato que esse ciclo de “revoluções 2.0” começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais; a terceira explicação é mais consistente e a mais importante e diz respeito ao que são essas “novas gerações” no Brasil de hoje, ou seja, essas gerações de jovens que só conheceram o Brasil de Lula. O que é incrível e até irônico é que o próprio PT não tenha previsto isso e ainda hoje seja incapaz de enxergar esse dado importantíssimo.

IHU On-Line – Quais as aproximações e diferenças entre as manifestações brasileiras e as que vêm ocorrendo em outros países?

Giuseppe Cocco – As aproximações são mais importantes do que as diferenças, que apenas enfatizam a qualidade específica de cada evento.

Num primeiro nível, há em comum a articulação entre as redes e as ruas como processo de autoconvocação das marchas e manifestações que ninguém consegue representar, sequer as organizações que se encontraram no cerne da primeira chamada: a tentativa de “empoderar” os rapazes do Movimento pelo Passe Livre em São Paulo (“oficializados” pela presença no Roda Viva e a negociação com prefeitura e estado) mostrou que eles não controlam nem dirigem um movimento que se autorreproduz de maneira rizomática (as manifestações aconteciam ao mesmo tempo sem respeitar qualquer tipo de “trégua”).

Num segundo nível, há em comum o esgotamento da representação política. No Brasil, esse fenômeno foi totalmente subavaliado pela “esquerda” e, sobretudo, pelo PT porque não o entenderam (e não o entendem).

Inicialmente pensaram que fosse um problema das autocracias do Norte da África (Tunísia e Egito); depois que fosse a incapacidade dos socialistas espanhóis (PSOE) de responder de maneira soberana às injunções das agências internacionais de notação ou do Banco Central Europeu.

Depois pensaram que o 15M espanhol não consegue encontrar uma nova dinâmica eleitoral ao passo que o partido de Beppe Grillo mostrou na Itália um fenômeno eleitoral totalmente novo e desgovernado.

Em seguida, pensaram que o Egito e a Tunísia foram normalizados eleitoralmente pelo islamismo conservador e aí aparece o levante turco contra o governo islâmico moderado.

No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do “novo modelo” econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo.

O que a esquerda como um todo, e o PT no Brasil não entenderam, é que a crise da representação é geral (mesmo que ela tenha sintomas e manifestações diferenciadas), e que os levantes da multidão no Egito, na Tunísia, na Espanha, na Turquia e agora no Brasil são a expressão, entre outras coisas, de uma recusa radical dessa maneira autorreferencial de pensar por parte dos governos e dos partidos políticos.

Num terceiro nível há a principal proximidade entre todos esses movimentos: a base social dessa produção de subjetividade é o novo tipo de trabalho que caracteriza o capitalismo cognitivo.

As redes que protestam e se constituem nas ruas de Madri, Lisboa, Roma, Atenas, Istambul, Nova York e agora de todas as cidades brasileiras são formadas pelo trabalho imaterial: estudantes, universitários, jovens precários, imigrantes, pobres, índios, ou seja a composição heterogênea do trabalho metropolitano.

Não por acaso, por um lado, uma de suas formas principais de luta foi a “acampada” ou o “occupy” e, por outro, os levantes turco e brasileiro tiveram como estopim a defesa das formas de vida da multidão do trabalho metropolitano: a defesa do parque contra a especulação imobiliária (a construção de um shopping) em Istambul, e a luta contra o aumento do custo dos transportes, no caso do Brasil.

Diante dessas aproximações, as diferenças são bem menores, embora elas existam (e sejam até óbvias).

Podemos apreender essas diferenças do ponto de vista das condições objetivas da cada país e do ponto de vista de como cada um desses movimentos foi transformando (ou não) a fase destituinte em momento constituinte. Assim, o 15M espanhol se apresenta como a experiência que mais conseguiu durar apesar de não ter revertido as políticas econômicas. As revoluções árabes foram normalizadas pelas vitórias eleitorais conservadoras, mas os levantes se tornam endêmicos.

Na Turquia e ainda mais no Brasil, não sabemos – literalmente – o que vai acontecer. É no plano das condições objetivas que encontramos a maior diferença: na Espanha e, em geral, no mediterrâneo as revoluções são marcadas pelos processos de “desclassificação” das classe médias.

No Brasil é exatamente o contrário: tudo isso acontece no âmbito e no momento da emergência da “nova classe média”.

Só que essa nova composição de classe é, na realidade, a nova composição do trabalho metropolitano, lutando pelos parques ou pelos transportes públicos: ascendendo socialmente, os pobres brasileiros se tornam o que as classes médias europeias se tornam, descendo: a nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles.

IHU On-Line – Além do aumento do preço das passagens, quais são os outros motivos que desencadearam as manifestações?

Giuseppe Cocco – Podemos elencar duas respostas. A primeira é a seguinte: se pensarmos bem, essa pergunta encontra sua resposta numa sua simples reformulação: “por que nas cidades e metrópoles brasileiras não há mais lutas e mais levantes pelo sem número de motivos que a justificariam?"

No Brasil, não faltam razões! Uma vez que “pegou” é só escolher, a lista é infinita.

Vou trazer apenas um exemplo, contando uma anedota: um dia fui assistir a um Fórum da UPP Social (que hoje não existe mais) em duas favelinhas da Zona Norte, bem precárias. Toda a parafernália dos governos estadual e municipal estava mobilizada, com seus carros de função, para dar sentido à pacificação. Os poucos moradores que falaram colocaram dois problemas essenciais: primeiro, disseram, vivemos no meio do esgoto; segundo, os policiais agem de maneira violenta e arbitrária.

As dezenas de secretários e outros servidores presentes não conseguiram dizer nada sobre como seria resolvido esse problema básico do saneamento. Saindo da favelinha, passei por uma centena de adolescentes que ficava sem fazer nada na entrada e, no caminho de volta ao Centro do Rio, a 5 minutos de carro, passei na frente de uma obra gigantesca, faraônica: o Maracanã!

A pergunta de cima encontra uma resposta bem igual a que colocava Keynes em 1919: “nem sempre as pessoas aceitam morrer em silêncio”.

Havia no Rio de Janeiro e no Brasil (e continua havendo) um sem número de movimentos de protesto e resistência, em particular por causa dos efeitos dos megaeventos, e hoje esses movimentos se juntaram, confluindo com a multidão da nova composição do trabalho metropolitano.

No Rio, os manifestantes sempre se juntam para dirigir invectivas pesadas ao governador Sergio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes.

Chegamos assim à segunda resposta: o movimento foi mesmo pelos 0,20 centavos! 

Só que esse “pouco” é na realidade “muito”. Por quê?
Porque a questão dos transportes e, mais em geral, dos serviços é estratégica para o trabalho metropolitano. Os operários fordistas lutavam por salários e horários. Os trabalhadores imateriais têm como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma “empregabilidade”.

Os operários fordistas lutavam para reduzir a parte do horário que ia embutida como lucro nos carros que produziam; os trabalhadores imateriais nas metrópoles desviam os slogans publicitários de uma montadora (“Vem Pra Rua”) para ressignificar os agenciamentos produtivos que se desenham na circulação.

Os operários fordistas lutavam contra o trabalho. Os trabalhadores imateriais lutam no terreno da produção de subjetividade. É na circulação que a subjetividade se produz e produz valor e renda.

IHU On-Line – Os manifestantes deixam claro que são apartidários, não querem violência e não têm lideranças. Como interpreta esse discurso? Como pensar um novo modelo político a partir dessas características?

Giuseppe Cocco – Com certeza, uma das dimensões constitutivas da Revolução 2.0 é a crise da representação e essa é uma questão central.

Precisamos lembrar que a antecipação da revolução 2.0 como crítica radical da representação é sul-americana.

O “Que se vayan todos” argentino antecipou em 10 anos o “No nos representan” espanhol.

Só que as dimensões dessa crise são processadas pelo discurso oficial – ou seja, partidário – de maneira invertida. E essa inversão não é por acaso.

Aliás, os últimos desdobramentos do movimento (as agressões contra os partidos de esquerda nas manifestações do dia 20 de junho) nos mostram muito bem como funciona essa inversão.

Os partidos (sobretudo aqueles que estão no governo) dizem que esses movimentos são limitados porque recusam os partidos, não são “orgânicos”, porque têm uma “ideologia” que os recusa e, portanto, são potencialmente antidemocráticos. Obviamente, isso é correto. Só que, a afirmação correta esconde duas belas falsificações.

A primeira também é óbvia: os “grupos” que rezam por uma crítica fundamentalista da representação têm pouca consistência social e nenhuma capacidade de determinar, sequer influenciar, movimentos desse tamanho.

A segunda falsificação é uma consequência dessa primeira: os partidos atribuem a crise da representação a um processo e a uma crítica que viria de fora, quando na realidade os maiores e únicos responsáveis dessa crise são eles!

E a responsabilidade está na indiferenciação da clivagem direita/esquerda, ou seja, no fato de os governos mudarem e continuarem fazendo as mesmas coisas, inclusive com a reciclagem das mesmas figuras políticas.

Assim, o PSOE espanhol atribuiu ao 15M sua derrota eleitoral, quando na realidade o 15M é apenas a consequência do fato que os socialistas espanhóis faziam a mesma política econômica da direita.

É exatamente o que acabou acontecendo no Brasil de Lula e, sobretudo, de Dilma. O movimento que nasceu com a luta contra o aumento recusa as dimensões autoritárias e arrogantes das coalizões e desses consensos que reúnem direita e esquerda na reprodução dos interesses de sempre.

É o Haddad que devia representar o novo e se apresenta junto ao Alckmin para juntos dizerem a mesma coisa: que a redução da tarifa terá um custo (sic!).

É a coalizão conservadora que governa o estado e a prefeitura do Rio, e onde o PT planeja e executa remoções de pobres, desrespeitando a própria LOM.

São as alianças espúrias com os ruralistas de um ministro de esquerda.

É a condução autoritária das megaobras e dos megaeventos.

É a entrega da Comissão de Direitos Humanos da Câmara a um fundamentalista que, exatamente no dia seguinte da grande manifestação da segunda-feira, fez votar o projeto de Lei que define a homossexualidade como uma doença.

A esquerda e a incapacidade
A extrema esquerda ou a esquerda radical erram quando pensam que estão “salvas” dessa situação.

Os partidos de esquerda são incapazes de entender que esse movimento se forma na recusa – confusa, flutuante, ambígua e até perigosa – do partido, da organização separada, da bandeira. Isso porque a recusa é geral, não faz distinções e funciona como rejeição de qualquer plataforma ideológica preparada e determinada por lógicas de aparelhos separados: nisso há uma percepção de que um dos problemas da política é a construção de aparelhos que tendem – antes de tudo – a reproduzir a si mesmos.

A agressão de um grupo organizado ao bloco de bandeiras do PSTU, do PSOL e do PCB na marcha da quinta feira, 20 de junho, quebrou as ilusões de que a crise seria somente do PT e assustou todo o mundo.

Contudo, nesse episódio lamentável encontramos, mais uma vez, o funcionamento perverso da lógica da representação. Os grupos agressores eram claramente organizados e tinham esses objetivos tão claramente quanto o processo de organização indica as manipulações mais podres. Todas as análises e denúncias que imediatamente foram produzidas identificaram esses grupos (que claramente agiam a mando de algum desenho de provocar essa situação) com a manifestação em geral.

Sem partidos
Na realidade, o apoio genérico dos jovens à palavra de ordem “sem partidos! não tem nenhuma significação linear e ainda menos “fascista”. 

Paradoxalmente, a recusa dos partidos, inclusive dos “radicais” e de suas bandeiras, é a recusa – claro, confusa e contraditória – da homologação de direita e esquerda e uma demanda para uma “verdadeira esquerda”.

Essa demanda não é idealista e não pode ser travada com linguagens e símbolos obsoletos (as bandeiras vermelhas, por exemplo).

Para reerguer as bandeiras vermelhas, é preciso deixá-las em casa por um bom momento! A bandeira vermelha precisa abandonar sua dimensão ideal e transcendente (ou seja, vazia) e voltar a ser interna (imanente) às linguagens das lutas como eles são.

Nesse terreno é possível e necessário construir outra representação e, sobretudo, reforçar a democracia.

IHU On-Line – O senhor publicou recentemente no Twitter que “as lutas da multidão em São Paulo e no Rio são o melhor resultado dos governos Lula. Tão bom que ninguém no PT foi capaz de antecipar”. Pode nos explicar essa ideia? Trata-se da falência da política?

Giuseppe Cocco – Começando do final: não estamos diante da “falência da política". Ao contrário, trata-se da persistência da política!

Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção!

Ser contra o moralismo da direita não significa achar “graça” nos comportamentos imorais da esquerda no poder. Trata-se apenas de não cair nas armadilhas da direita, mas num esforço de conjunção ética dos fins e dos meios.

Esse movimento, qualquer seja seu desfecho, é o movimento da multidão do trabalho metropolitano, o mais puro produto dos 10 anos de governo do PT.

Vamos aprofundar e esclarecer essa afirmação em dois momentos.

Num primeiro momento, essa afirmação é uma valoração positiva dos governos Lula e Dilma. Uma avaliação positiva não porque tenham sido de “esquerda” ou socialistas, mas porque eles se deixaram atravessar – sem querer – por uma série de linhas de mudança: políticas de acesso, cotas de cor, políticas sociais, criação de empregos, valorização do salário mínimo, expansão do crédito.

A esquerda radical julgava essas políticas exatamente como agora – ironicamente nesse caso até o PT – julgam a questão das “bandeiras”: idealmente.

Lula está implementando outro modelo, outra sociedade, socialista?” se perguntava e criticava. Ora, ninguém implementa modelo alternativo, mesmo quando se está no governo. Apenas pode ter a sensibilidade de apreender as dinâmicas reais que, na sociedade, poderão amplificar-se e produzir algo novo.

Os governos Lula e Dilma associaram o governo da interdependência na globalização com a produção, tímida e real, de uma nova geração de direitos e de inclusão produtiva. Estatisticamente, isso se traduziu na mobilidade ascendente dos níveis de rendimento de mais de 50 milhões de brasileiros e pela entrada de novas gerações nas escolas técnicas e universidades.

Lula não quis saber de bandeiras e até declarou que ele “nunca tinha sido socialista”. Ficou dentro da sociedade indo atrás das linguagens, dos símbolos e das políticas que entendia.

Na virada da década de 2010, esse processo se consolidou em dois fenômenos maiores: o primeiro é eleitoral e tem o nome de “lulismo”, ou seja, a capacidade que Lula tem de ganhar e, sobretudo, fazer ganhar eleições majoritárias: começando pela presidente Dilma e chegando ao prefeito Haddad;

o segundo é o regime discursivo da emergência de uma “nova classe média”, com base nos trabalhos do economista Marcelo Neri.

Com a crise do capitalismo global (2007-2008) e a chegada de Dilma ao poder, o discurso da “nova classe média” foi além das preocupações do marketing eleitoral, para tornar-se a base social de uma virada que vê, no papel do Estado junto das grandes empresas, o alfa e o ômega de um novo modelo desenvolvimentista (neodesenvolvimentista).

Economia
Sociologicamente, o objetivo do neodesenvolvimentismo é transformar os pobres em “classe média”, e para isso é preciso economicamente de um Brasil Maior, capaz de se reindustrializar.

O governo Dilma chegou a baixar os juros e multiplicou os subsídios às indústrias produtoras de bens de consumo duráveis, em particular de carros, e à construção civil.

O que o movimento afirmou e certificou foi a dimensão ilusória desse suposto modelo (isso não significa que o modelo não será implementado; significa apenas que ele perdeu a patina de consenso que o legitimava e deverá apresentar-se como cada vez mais autoritário).

No plano macroeconômico, a inflexão tecnocrática não deu muito certo, pois a tentativa de mexer nos juros resultou na volta da inflação dos preços (que está na base da revolta). A inflação dos juros e aquelas dos preços se reapresentaram como as duas faces de um impasse renovado que só uma mobilização produtiva (da qual não há sinal) pode resolver .

Nova classe média não existe
No plano sociológico, a “nova classe média” não existe, porque o que se constitui é uma nova composição social cujas características técnicas são de trabalhar diretamente nas redes de circulação e serviços da metrópole.

A figura econômica (a “média” da faixa de renda) esconde o conteúdo sociológico de uma inclusão produtiva que não passa mais pela prévia implementação na relação salarial.

Esse trabalho dos incluídos enquanto excluídos é um trabalho de tipo diferente: ele é precarizado (do ponto de vista da relação de emprego); imaterial (do ponto de vista que depende da recomposição subjetiva e comunicativa do trabalho manual e intelectual) e terciário (do ponto de vista da cadeia produtiva, aquela dos serviços).

A qualidade da inserção produtiva desse trabalho depende diretamente dos direitos prévios aos quais têm acesso e que, ao mesmo tempo, ele produz, como, por exemplo, poder circular pela metrópole.

É exatamente essa composição técnica e social do trabalho metropolitano o que constitui a outra face da “nova classe média” oriunda do período Lula.

Ao mesmo tempo em que ela foi a base eleitoral das sucessivas derrotas do neoliberalismo, ela é também hoje, na sua recomposição política, a oposição ao neodesenvolvimentismo.

Para ela, a questão da mobilidade urbana tem a mesma dimensão que tinha o salário para os operários ao mesmo tempo em que o segmento estratégico é aquele dos serviços.

As cidades e metrópoles brasileiras – e não a reindustrialização – constituem o maior gargalo, ao mesmo tempo social, político e econômico.

A ideologia e a coalizão de interesses que estão com a presidente Dilma não mostraram, até agora, a menor capacidade de enxergar esse dado.

Mais do que isso, essa nova composição do trabalho imaterial e metropolitano produz, a partir de formas de vida, outras formas de vida.

Por isso, o movimento do passe livre, como aquele de Istambul que defendia um parque, foi juntando todos os focos de resistência que existem nas metrópoles, até se espalhar – como está fazendo nesse momento, dramaticamente e assustadoramente – pelas periferias onde nunca teve manifestação de massa nenhuma.

O que esse “levante” da multidão do trabalho imaterial nos mostra é que o “legado” destes últimos dez anos de governo está em disputa, e que o mais interessante é ficar por dentro dessas alternativas, em vez de querer colocar uma ou outra bandeira.

A política e os movimentos estão dentro e contra. Por exemplo, pensemos a questão dos megaeventos, das copas e olimpíadas.

Muitos dos focos de resistência nas metrópoles são movimentos que criticam os gastos com obras, estádios, favelas que resistem contra as remoções etc. 

Ao mesmo tempo, a possibilidade de o movimento ter acontecido sem uma repressão brutal, por enquanto, se deve também à Confederation Cup. Mais uma vez, o conflito é dentro e contra.

IHU On-Line – O que é possível vislumbrar para o cenário político a partir das manifestações?

Giuseppe Cocco – Creio que o evento é tão potente e imprevisto que ninguém saberá responder a essa pergunta. Sobretudo neste momento: a cada dia e talvez a cada hora mudam alguns dados fundamentais.

O que podemos dizer é que o cenário eleitoral de 2014 até 2018 estava desenhado e as variáveis vislumbradas eram aquelas macroeconômicas. O movimento se convidou para essa discussão. Só que não há ninguém que possa sentar nessa eventual mesa dizendo que o representa.

A terra tremeu e continua tremendo, só que a fumaça levantada não nos deixa ainda ver quais prédios cairão e quais ficarão em pé. Nesse cenário, podemos fazer duas conjeturas.

Numa primeira, a presidente Dilma pode abrir pela esquerda, por exemplo, com uma reforma ministerial que colocaria pessoas qualificadas e altamente progressistas em ministérios-chave como a Justiça, Cidade e Transportes, MinC e Educação, convocando a sociedade a se constituir – em todos os níveis possíveis – em assembleias participativas para discutir as urgências metropolitanas.

Na segunda (que me parece ser aquela anunciada pelo pronunciamento do dia 21 de junho), ela se limita a reconhecer a existência de outra composição social no movimento e a construção de um grande pacto sobre os serviços públicos, mas não anuncia nada de novo a não ser algumas bandeiras de longo prazo (a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação) e enfatiza a questão da ordem: repressão dos “violentos” e respeito pelos megaeventos (ou seja, mais repressão).

E isso depois dos fatos bem sombrios da quinta-feira (aparição desses grupos pagos para agredir os partidos e, no Rio, repressão generalizada da manifestação perseguindo a centenas de milhares de participantes durante toda a dispersão).

O cenário que vislumbro é pessimista: parece-me que boa parte dos militantes de esquerda está caindo na armadilha das “bandeiras”, e que isso acabará por realmente entregar o movimento à direita e, por cima, haverá repressão, eventualmente também das opiniões.

Nesse cenário muito provável, para salvar a si mesmos e evitar uma renovação geral, as burocracias e outros fisiologismos encastelados nos diferentes governos e coalizões, estão destruindo as possibilidades de uma grande renovação da esquerda e levando todo o mundo de roldão no buraco que será o resultado eleitoral de 2014.

Foto: Natália Scholz
Mas quero muito estar errado.
Se for verdade que estou errado, serão as lutas da multidão que o dirão e o cenário que elas têm de enfrentar é muito, muito complexo.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/521331-mobilizacao-reflete-nova-composicao-
tecnica-do-trabalho-imaterial-das-metropoles-entrevista-especial-com-giuseppe-cocco


Leia também:http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/06/alipio-freire-fortalecer-presidente.html

http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/06/o-extase-da-conexao-nas-ruas.html

segunda-feira, 19 de março de 2012

UM MOMENTO DE DECISÃO

sábado, 17 de março de 2012 - Laerte Braga - blog Juntos Somos Fortes

O que os militares dessa geração pós golpe 1964 precisam enxergar é que não há revanchismo nos trabalhos da Comissão da Verdade, nas denúncias de tortura, assassinatos e nas várias ações para que a História de um período brutal seja conhecida por todos os brasileiros. Houve um golpe de estado em 1964, foi organizado e comandado por potência estrangeira através de dois agentes, o embaixador Lincoln Gordon e o general Vernon Walthers, contra um governo legítimo, dentro de um processo maior, a guerra-fria. A máxima de Nixon “para onde se inclinar o Brasil se inclinará a América Latina” foi dita anos depois, mas não passou de uma constatação da realidade daquela época. E tanto é assim que golpes semelhantes foram desfechados em países desta parte do mundo, alguns, com níveis de estupidez absolutos. Caso da Argentina e do Chile.


Emb. Lincoln Gordon

Gen. Vernon Walthers 

A ação dos governos gerados pelos golpes foi de caça pura e simples dos adversários, inclusive e grande número de militares comprometidos com o seu país. A forma de agir em momento algum fugiu do comando externo. O que foi a Operação Condor? Uma aliança de governos golpistas do chamado Cone Sul para promover

Letelier

 o assassinato de líderes oposicionistas exilados em qualquer parte do mundo. Orlando Letelier, ex-chanceler do governo de Salvador Allende, foi morto em New York, onde ocupava um cargo de funcionário nas Nações Unidas.

Os chamados projetos nacionais, ou seja, de busca do crescimento econômico para esses países circunscreveram-se ao permitido por Washington e às políticas de dominação impostas pelos EUA. Nada além disso.

No breve momento que o Brasil virou exportador de armas, por exemplo, a ENGESA, estatal que produzia artefatos bélicos de alta qualidade, foi sufocada violentamente pelo governo dos EUA, inclusive com seqüestro em alto mar de navios brasileiros que levavam seus produtos para compradores no Oriente Médio.

Em linhas gerais não mudou essa característica nos últimos anos, com alguns intervalos no governo Lula. O Brasil não conseguiu ainda sair da rede tecida durante os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso e nosso crescimento econômico, ou nossa condição de potência emergente, não é capaz de produzir um carro nacional. Somos dependentes em tudo e por quase tudo de tecnologias estrangeiras e gradativamente, mas de forma acelerada, vamos voltando à condição de exportadores de matérias primas.

Ou seja, andando para trás, por maiores que sejam os números do PIB.

Num mundo unipolar, onde o controle se exerce a partir de um complexo militar/terrorista ISRAEL/EUA TERRORISMO S/A, gerido por bancos, grandes conglomerados e latifúndio, não percebemos que estamos sendo engolidos pelas beiradas e na prática somos potência de ocasião até que caia a ficha e tenhamos que refazer um caminho que já poderia ter sido feito desde muito.

Forças armadas existem para a garantia da soberania nacional, da integridade do território nacional e para isso devem estar preparadas e equipadas. Não duvido da capacidade dos nossos militares, mas num eventual conflito hoje, só para citar, iríamos de mosquetão, contra inimigos com bombas de alto poder destrutivo.

Ignorar essa realidade é desconhecer o tamanho do buraco aberto pelos golpes militares, pelos governos inconseqüentes de Sarney e Collor e pela trama consciente e traidora de Fernando Henrique Cardoso e tucanos no todo. A primeira atitude de Collor, depois de confiscar o dinheiro dos brasileiros, foi fechar o buraco da Serra do Cachimbo, sinalizando aos EUA que estava cumprindo rigorosamente o que fora acordado com intermediação da GLOBO.

Cel. Brilhante Ulstra

Cel. Curió














Deixar de lado as atrocidades cometidas por militares como Curió (ficou milionário achacando garimpeiros em Serra Pelada), Brilhante Ulstra e outros tantos é macular a história das forças armadas brasileiras e transformá-las, hoje, em cúmplices de um tempo sombrio, cruel e anti-nacional.

Puro espírito de corpo sem sentido e sem razão de ser, pois acaba sendo mancha. Inserir as forças armadas no processo de construção democrática e popular do Brasil, isso sim, dá um desenho claro das obrigações de garantir a soberania nacional e a integridade de nosso território.

As privatizações da VALE e da EMBRAER, para ficar em duas, foram dois crimes de lesa pátria sem tamanho. A constituição de 1946, feita por liberais em sua maioria, garantiu ao Brasil a posse do seu subsolo. Hoje sequer somos proprietários do solo que começa a ser comprado em várias regiões brasileiras por grupos estrangeiros.

Ou seja, reiterando, somos uma potência de ocasião, um entreposto do grande capital internacional.

Esse papo de Eike Batista como um dos mais ricos do mundo não exclui a participação estrangeira nos seus negócios e ser mais do rico mundo, ou um dos, não significa progresso que é algo que tem que ser comum a todos e não privilégio de alguns.

Ou os militares da nova geração entendem que os golpistas de 1964, notadamente os torturadores, os assassinos, os estupradores, são criminosos e praticaram crimes imprescritíveis – já denunciados por organizações internacionais -, ou essa mancha vai atravancar o cumprimento do real papel de uma força armada nacional.

 Têm que responder pelos seus crimes. Esses enxovalham inclusive as forças armadas através do falso patriotismo, aquele que Samuel Johnson chama de “último refúgio dos canalhas”. Foi a estupidez dita por um general num programa de televisão que “tortura existe em qualquer época, até hoje”.

O fato da tortura existir não significa que deixa de ser crime. Pelo contrário, se existe, tem que ser combatida. E boa parte da tortura que ainda resiste no Brasil é herança acumulada desde tempos do Brasil colônia, até os tempos da ditadura militar, exatamente por nunca ter sido punida, combatida de peito aberto e através de aparelhos que, numa democracia, no chamado estado de direito, não têm sentido, caso das polícias militares. Polícia é uma instituição civil.

Nesta semana a jornalista Hildegard Angel enviou uma carta a um ato de homenagem às vítimas da ditadura militar onde fala de justiça. Sua mãe Zuzu Angel foi morta pela ditadura ao buscar o paradeiro de seu filho Stuart Angel, também executado pela ditadura. O prestígio internacional de Zuzu e a mobilização que promovia, estavam incomodando e trazendo transtornos a um regime que usou o pretexto de restaurar “a ordem e a democracia”, para derrubar um governo legítimo.

Um documento comovente e repleto de sensatez.
Dilma Roussef dá sinais que começa acordar para a realidade de seu governo. Isola o partido dos pastores, sempre com os olhos ávidos – eles pastores – nos ministérios mais rentáveis para a “obra divina”, ou o loteamento que abriram no “paraíso”. É uma das ameaças mais graves e sérias que o País enfrenta e da qual apenas começa a se dar conta. O velho expediente de transformar a fé – direito de consciência de cada um e indiscutível e inalienável – em instrumento de político a partir das cúpulas.

A débâcle da Igreja Católica Apostólica Romana, no retrocesso dos papados de João Paulo II e agora de Bento XVI (estão sendo acusados de permitir lavagem de dinheiro criminoso no banco do Vaticano e cardeais disputam abertamente o botim), a perseguição implacável aos sobreviventes da Teologia da Libertação, escancara as portas para a venda de sprays que espantam o “capeta” e transformam legiões de incautos ludibriados em sua boa fé em eleitores cegos e conduzidos qual manada de cordeiros.

The silence of the lambs. O sangue que escorre é o do trabalhador.

Ou Dilma encurrala os bandidos na beira do despenhadeiro ou 2014 será o ano da tragédia prevista para 2012, pelo menos no Brasil, com as alianças espúrias capazes de levar qualquer Aécio Neves ao poder, seja ele José Serra ou Geraldo Alckimin e busca traduzir o seu governo em luta popular, como deveria ter feito desde o primeiro momento, a sua história sinaliza isso. Um retrocesso significa passar a escritura definitiva do Brasil e incorporá-lo ao complexo militar e terrorista que controla o que chamam de “globalização”.

FHC e dois outros ex-presidentes latino-americanos foram à Venezuela a convite de um “banco privado”, para aconselhar o candidato de oposição a Chávez. As eleições de outubro naquele país são o alvo preferencial do complexo terrorista e militar em se tratando de América Latina.

A mídia de mercado faz sua parte, vai manipulando as notícias sobre o estado de saúde de Chávez, da mesma forma que o faz em relação à Síria e ignora o prenúncio de uma crise entre Israel e o Egito, reflexo da vontade popular dos egípcios manifesta em eleições livres e democráticas.

Democracia e capitalismo são incompatíveis. Como água e óleo. Não se misturam, exceto como farsa.

Um acordo de Obama com Israel vai deixar o ataque ao Irã para depois das eleições nos EUA, em novembro. A posição da Rússia e da China contrárias as sanções maiores

Romney

Santorum

 ao Irã, logo, contra esse tipo de ação militar, além do desconhecimento da real capacidade de defesa daquele país, recomendam cautela, caldo de galinha e prudência. Um desastre militar antes das eleições seria o caos para o presidente em seu projeto de reeleição. E ainda mais se levarmos em conta que seus adversários – Rick Santorum e Milt Romney – estão criticando a saída das tropas “humanitárias” do Iraque e do Afeganistão. Destruíram, não alcançaram a totalidade de seus objetivos, mas na Líbia e no Iraque ficaram com o petróleo.

A filha do senador John McCain, um dos arquitetos do golpe militar em Honduras, disse em seu blog que se seu pai tivesse sido eleito presidente ela seria a primeira filha “mais doida de todos os tempos”. Megham McCain afirma taxativamente que com o pai a situação no Iraque e no Afeganistão seria outra.

Em Itaguaçu, Espírito Santo, feudo de companhias como a ARACRUZ, a VALE, a CST e outras, uma estrada vicinal aumenta de custo várias vezes a inflação somada de três anos. Passa de 600 mil reais o quilômetro, para 2,3 milhões e vereadores, prefeito e a mídia local, se irritam com denúncias de irregularidades.

O latifúndio agradece.
Nos EUA um grupo de cidadãos ainda não afetados pelo vírus da mediocridade que domina boa parte da população (aquela que limpa boca depois de um sanduíche do McDonald’s com as costas da mão), inicia uma campanha contra a MONSANTO. A empresa é uma das responsáveis pelo veneno de cada dia em nossas mesas, o transgênico com molho de agrotóxicos. Querem produtos orgânicos.

Para fechar, nesta semana, nenhum tresloucado invadiu alguma escola nos EUA e disparou contra professores e colegas. O alerta deve aumentar, significa que breve outra loucura desse gênero vai acontecer, embora em território afegão um ataque de nervos – versão oficial – levou um soldado do Tio Sam a matar civis indefesos.

Brad Manning, acusado de vazar documentos secretos divulgados pelo site Wikileaks continua preso em condições desumanas, denunciam organizações internacionais dos direitos humanos. É a tática de fazer servir de exemplo para dissuadir a outros de feitos dessa natureza. Mostrar a podridão.

A STRATFOR, companhia privada de inteligência, com sede no Texas, contrata jornalistas para veicular a “verdade” do grande espetáculo de Hollywood por todo o mundo. No Brasil é desnecessário dizer quais, até Hilary Clinton, a possessa, tem um preferido.

No fundo é tudo culpa do Irã ou dos palestinos. O governo de Israel é de santos, ou de profetas enviados por Jeová. Por via das dúvidas, com um vasto arsenal nuclear. Deve ser por isso, parceria, que Edir Macedo montou umas igrejas por lá. O próprio povo judeu começa a acordar da insânia de seus governantes.