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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Mineradoras: câncer ambiental que suga água e destrói ecossistemas

Por Zilda Ferreira*



As mineradoras estão poluindo o solo, o ar e a água. Os minerodutos, tubulações usadas para transporte rápido e barato de minérios a longas distâncias, estão sendo multiplicados. Sem conhecimento da população e das autoridades, as mineradoras sugam, através dessas tubulações, milhões de litros de água, secando nascentes e regiões onde a água era outrora abundante.

Pequiá de Baixo, bairro rural de Açailândia (MA), exemplifica bem esse cenário, sendo considerado "O inferno siderúrgico na Amazônia", com cinco unidades de produção de ferro gusa, liderada da Companhia Vale. A justiça já reconheceu que a vida no lugar é inviável e solicitou o reassentamento da população em outro lugar. Para agravar essa situação de desequilíbrio ambiental, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras das siderúrgicas fez de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

E são raras as denúncias de ONGs ou de pesquisadores sobre a catástrofe ambiental que as mineradoras têm provocado. Coincidentemente, essas mineradoras patrocinam ONGs, financiam pesquisas acadêmicas, e nas últimas eleições, foram as maiores doadoras de recursos às campanhas legislativas, estaduais e federais.

Não só na Amazônia elas sugam e envenenam a água, na Bahia também foi constatado situação parecida, veja link abaixo. Em Minas Gerais há exemplos desse cenário de desvio dos recursos hídricos. A Samarco, que já em possui dois minerodutos ativos, que ligam Germano, em Mariana(MG) a Ubu, em Anchieta (ES), projeta construir mais três - ligando MG ao litoral. Esse sistema dutoviário, que consiste no transporte dos minérios através de um líquido, no caso a água, traz danos ao meio ambiente. Tal sistema impacta no abastecimento doméstico, em função da drenagem excessiva de água que abastece os dutos. (Mineração na Caatinga: o pesadelo das comunidades rurais)

A Lei das águas 9433/97 prevê pagamento de Royalties, em outorgas. A mesma Lei estabelece que as águas subterrâneas são de Domínio Estadual e não Federal. O geólogo Milton Matta assegurou que as mineradoras usam de graça as águas subterrâneas. Milton é conhecido pelo seu trabalho junto à Universidade Federal do Pará-UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre o potencial do Aquífero Alter do Chão, na Amazônia (que tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani).

Diante desse cenário, vale destacar a importância das águas subterrâneas na estrutura hídrica brasileira: ainda não há números oficiais apurados, mas cientistas afirmam que volumes subterrâneos já são maiores que volumes superficiais.Como grandes empresas, incluindo mineradoras, compram terras em cima de aquíferos, o Brasil está perdendo a soberania de suas águas subterrâneas, uma vez que o controle é de responsabilidade estadual,não cabendo intervenção federal.

Essa situação de degradação não é novidade. Há 18 anos, em 1997, participei de uma expedição com a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) para percorrer o Caminho Contrário dos Irmãos Vilas-Boas. A ideia era trazer o conhecimento indígena à civilização e estudar também o avanço do agronegócio e das mineradoras no entorno do Parque do Xingu.O Grupo multidisciplinar era coordenado pelo Geólogo José Domingues Godói Filho, chefe do Departamento de Geologia da UFMT. Ao longo dessa expedição me explicaram sobre o “Projeto” que eles haviam ironicamente denominado “Projeto Amansa a Terra".


“A mídia espalha que há muito ouro, ou pedras preciosas e os garimpeiros todos rumam para o lugar. Depois, as ONGs, patrocinadas pelas empresas, denunciam que os garimpeiros acabaram com o meio ambiente. Em seguida, as mineradoras se instalavam e as denúncias cessavam. Isso, não é apenas ironia, acontecia e continua acontecendo”. Atualmente, aqui no Brasil, quase todos desconhecem as denúncias de que uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas no Peru. E por coincidência, a cidade mais poluída do Continente Sul Americano fica nos Andes, no Peru, La Oroya, pólo minerador. 

Leia também:
Manobra tenta aprovar Código da Mineração

A luta pelo direito a água na Rio + 20

Um inferno siderúrgico na Amazônia


Secaram São Paulo e podem secar o Brasil


Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Telesur: Privatización global del agua por "megabancos" de Wall Street y el Banco Mundial


* Zilda Ferreira é editora do blog e especialista em Educação Ambiental.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Desmatamento na Amazônia e as secas no Sudeste

Caro leitor, em seguida trazemos artigo do meteorologista Luiz Carlos Molion sobre as secas que atualmente assolam o Sudeste. Há duas opiniões sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, por sinal uma crise prevista pelos especialistas. Qual é a sua opinião? Importante lembrar que água é um Direito Humano previsto na Resolução da ONU 64/292 (veja no pé do post entrevista do relator especial da ONU, o brasileiro Leo Heller). Mais. O estado de São Paulo está sobre o Aquífero Guarani e dentro da Bacia do Prata. Além disso, é de conhecimento que o consumo doméstico de água representa menos de 10% do total, o agronegócio (irrigação) aproximadamente 70% e indústrias - principalmente agroindústrias e metalúrgicas - em torno de 20%.
Zilda Ferreira, editora do EDUCOM

Por Luiz Carlos Baldicero Molion, PhD em Meteorologia
A afirmação de que as secas da Região Sudeste estão sendo causadas pelo desmatamento da Amazônia é leviana, não tem base científica, pois não sobrevive a uma análise de dados climáticos, além de ser contrária ao bom senso. A anomalia climática pela qual São Paulo está passando é decorrente da variabilidade natural do clima e já ocorreu, até com intensidade maior, no passado. O gráfico abaixo representa a variação dos desvios de precipitação padronizados para a Estação da Luz, no centro da capital paulista, que tem dados observados de chuva desde 1888. Nesse gráfico, notam-se desvios fortemente negativos em anos como 1933 e 1936,e na década dos anos 1960, como 1963, 1968 e 1969. Séries de precipitação mais curtas, a partir dos anos 1950, também registram as secas da década de 1960 que afetou a Região Sudeste. Ou seja, a Região já esteve submetida a secas severas no passado quando o desmatamento  da Amazônia era incipiente.


















A floresta está lá porque as condições climáticas globais, notadamente o transporte de umidade vindo do Oceano Atlântico Norte, criam as condições propícias para que ela exista. É claro que, após a instalação da floresta, há complexos mecanismos de interação floresta-atmosfera que tornam o clima local mais úmido. Antes do soerguimento dos Andes a 70 milhões de anos atrás, a floresta não existia como ela é vista hoje. E no pico da última era glacial, há 15 mil anos, há evidências que também não existia uma floresta extensa e contínua, mas apenas algumas "ilhas de vegetação” ou "refúgios” na denominação de Aziz Ab’Saber e Paulo Vanzolini. Portanto, é o clima global atual que permite a existência da floresta extensa e contínua, como observada modernamente, e não o contrário!

A umidade para as chuvas do Sudeste não é produzida na Amazônia. Ela vem do Oceano Atlântico Norte e, notem,apenas passa sobre a Amazônia e interage com a floresta. Como essa floresta produz atrito ao escoamento do ar que sai do oceano[como um carrinho elétrico que passa da cerâmica (superfície lisa) para cima de um tapete (superfície rugoso)], essa rugosidade cria intensa turbulência vertical e nuvens convectivas que convertem mais eficientemente parte da umidade transportada pelos ventos em chuva.O restante do fluxo de umidade oceânica segue seu caminho para fora da Região. Afirmação que “uma árvore cuja copa tenha 10 metros de raio, fornece mil litros de água por dia para a atmosfera”, tem o objetivo de sensibilizar o público leigo e usa, de forma inadvertida, resultados, por exemplo, obtidos no Experimento Micrometeorológico na Amazônia (ARME), organizado e dirigido por nós na década dos anos 1980 na Amazônia Central próximo a Manaus. No ARME, concluímos que a evapotranspiração [evaporação + transpiração da vegetação] injetava na atmosfera 3,4 mm por dia, ou 3,4 litros de água por metro quadrado por dia [l/m2/d], um número bem inferior ao que era tido como verdadeiro na época. Ora, um círculo de 10 metros de raio possui uma área de cerca de 300 metros quadrados que, multiplicada pela taxa de evapotranspiração acima, de 3,4 l/m2/d, resulta em 1000 litros por dia. A pergunta que cabe aqui é de onde essa tal árvore retirou a umidade que está transferindo para a atmosfera? E a resposta óbvia é“a umidade foi retirada da chuva que se infiltrou no solo”. Sabe-se que 98%a 99% da umidade que a vegetação retira do solo são utilizados apenas para manter baixa a temperatura de sua folhagem por meio do processo físico de vaporização da água, que consome grandes quantidades de energia solar e refrigera a folhagem. Se a evaporação não ocorresse, a temperatura da folhagem poderia atingir valores superiores a 34°C-35°C e danificaria os tecidos da folhagem severamente, ou seja, a floreta não sobreviveria. Portanto, apenas 1% a 2% da água retirada do solo ficam incorporados nas árvores. A floresta não é fonte de umidade, ela é apenas um transdutor da água da chuva, que é derivada do fluxo de umidade oceânica transportado pelos ventos para dentro do continente. A floresta recicla 98% a 99% da água da chuva, devolvendo-a para o escoamento atmosférico que a transporta para outras regiões do país. Na eventual hipótese absurda de se desmatar completamente a Amazônia, a rugosidade da floresta deixaria de existir, choveria menos na Amazônia e, pode se dizer, um fluxo de umidade um pouquinho maior do que o atual seria transportado para o Sudeste, possivelmente aumentando suas chuvas.

É fato observado e incontestável que áreas dentro da própria Amazônia e ao sul da mesma apresentam uma estação seca bem definida ao longo do ano.No Centro Oeste e Sudeste, por exemplo, a estação seca chega a ser de seis meses, notadamente entre abril e setembro. Por que não chove nessas regiões se a floresta está em pleno funcionamento e transferindo umidade para o ar?  É porque o clima global não permite a umidade existente na superfície seja convertida em chuva regionalmente. Durante a estação seca, e em anos de seca, essas regiões estão sobre o domínio de um sistema de alta pressão atmosférica de milhares de quilômetros de extensão e a inversão térmica associada a ele e existente a cerca de 2 km de altura, inibe a formação e o desenvolvimento de nuvens de chuva. Além do ciclo anual, o clima do Brasil apresenta variabilidade interanual decorrente de fenômenos de escala global como os eventos El Niño que, afirma-se, produzem secas severas sobre a Amazônia, mesmo com toda umidade que, em princípio, seria fornecida pela floresta. Em adição, existe uma variabilidade climática na escala decadal resultante da variabilidade da temperatura da superfície (TSM) dos Oceanos Pacífico e Atlântico que, juntos, ocupam 54% da superfície do planeta. Durante o período que o Pacífico Tropical ficou, em média, ligeiramente mais frio, entre 1946 e 1976, chovia 10% a 20% a menos no país de maneira geral. Isso porque a atmosfera [e, como consequência, o clima] é aquecida por baixo, o ar se aquece em contato com a superfície. Se as TSM ficam mais frias, o clima também se resfria, a evaporação dos oceanos se reduz, o transporte do fluxo de umidade para cima dos continentes é diminuído e uma atmosfera mais fria e mais seca produz menos chuva na região tropical. A partir de 1999, o Pacífico começou a se resfriar e o estado energético do clima parece estar semelhante ao do período 1946-1976 quando o Pacífico se resfriou e, portanto, mais baixo que o do período 1976-1998 recém-passado, em que o pacífico estava mais aquecido e o estado energético do clima era mais elevado e chovia mais. Admitindo que o ciclo de resfriamento/aquecimento do Pacífico seja de 50-60 anos, conforme publicado na literatura especializada, o Pacífico deve permanecer, em média, ligeiramente mais frio até os anos 2025-2030. Sob considerações meramente baseadas na dinâmica do clima global observada ao longo dos últimos 100 anos, se este se assemelhar ao período frio passado [1946-1976], as chuvas devem se reduzir em todo país, notadamente no Sudeste e Centro Oeste, independentemente de se acabar com o desmatamento e recuperar as áreas degradadas na Amazônia. Não queremos dizer, com isso, que somos favoráveis ao desmatamento na Amazônia. Muito pelo contrário, somos contra o desmatamento da Amazônia, em função da fantástica biodiversidade nela existente e dos serviços ambientais por ela prestados à sociedade. E os produtores rurais da Amazônia tem plena consciência disso.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Por Zilda Ferreira, fundadora e editora do EDUCOM

Água é um bem comum. Sem água não existe vida. Mas não lemos nenhuma linha na mídia sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento, determinados pela Resolução 64/292 das Nações Unidas. Nada foi publicado sobre esse direito nem mesmo no Dia Internacional da Água, 22 de março último, apesar de três bilhões de pessoas no mundo não terem acesso a água corrente em casa, segundo dados da ONU.

Em julho de 2010, 122 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram a Resolução 64, com 41 abstenções e nenhum voto contra. Os Estados Unidos se abstiveram, como outros Estados industrializados, entre eles Áustria, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Japão e Suécia. Nos debates houve clara divisão entre as nações do Norte e do Sul, como já era esperado. Durante a Rio+20, em 2012, os Estados da União Européia e outras nações industrializadas tentaram derrubá-la. Desde 2010, o ecomercado centraliza o tema água, apresentando-a como commodity e de maneira subliminar, utilizando sofisticado marketing ambiental e cooptando a imprensa alternativa.

Na sua edição de março de 2014, a Folha do Meio Ambiente abriu dez páginas para lembrar todas as campanhas da água desde 1994, quando foi criado o Dia Internacional. Ao citar 2010, no entanto, omitiu a aprovação da Resolução 64/292 em 28 de julho e considerada por muitos a maior conquista do início do século. Carta Capital, publicação preferida de muitos militantes da esquerda, ignorou o Dia Internacional. Tendo oferecido pouco ou nenhum destaque ao 22 de março, a mídia alternativa mostrou-se cooptada pelo sofisticado marketing do ecomercado. Que dizer então da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação e que, portanto, deveria estar imune aos interesses do mercado para informar corretamente e expor a manipulação? Acabou também escancarando sua cooptação, ao ouvir uma porta-voz dos grupos financeiros e de conglomerados de mídia, a ONG WWF-Brasil. ONG esta que já foi presidida pelo senhor José Roberto Marinho.

Como já era de se esperar, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre os problemas de água em Manaus. Mas apontou como vilão o indivíduo que desperdiça água tratada, não observando os vazamentos domésticos... Essa abordagem a respeito do abastecimento de água em Manaus é cruel. Primeiro porque há muitas pessoas que não têm água em suas torneiras há muito tempo e, por isso, deixaram de pagar a conta. Atualmente, elas não têm crédito porque seus nomes estão no SPC. Segundo, e o mais importante, Manaus está sobre o maior aquífero do mundo, o Alter do Chão, que tem água de boa qualidade. Há denúncias de que a concessionária que abastece Manaus é estrangeira, não investe e cobra caríssimo pela água que fornece. Quem não não pode pagar não tem.


Voltando ao assunto manipulações da mídia, pasme, os meios alternativos passaram a usar dados do ecomercado sobre informações essenciais. Quando esteve recentemente no Brasil a relatora da ONU para os Direitos Humanos a Água e Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque, colocaram para assessorá-la um representante da mídia alternativa que defendia os créditos de carbono. Em uma entrevista coletiva não-divulgada para a maioria dos jornalistas especializados, a relatora apresentou dados positivos apenas de cidades abastecidas por concessionárias privadas. Albuquerque certamente recebeu esses dados de sua assessoria brasileira, uma vez que é contra a privatização. Grande surpresa para os fluminenses bem informados sobre o tema, Niterói foi uma das cidades bem avaliadas - fato repercutido pelas mídias. Não faz muito tempo, a "cidade sorriso" foi palco de um drama: ao sair do hospital onde tratava um câncer, a mãe de um jornalista encontrou a água de sua casa cortada por falta de pagamento, em razão da absurda taxa que os familiares não puderam pagar.

Assim, depois de muito tempo entendi a frase lapidar do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves: "Quanto mais se fala em meio ambiente, pior fica". Por isso ficaremos em silêncio por algum tempo, até que possamos fazer uma campanha robusta sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento.

Não deixe de ler:
Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida
Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água
A luta pelo direito à água na Rio+20

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A etnia mais ameaçada do mundo

07/02/2014 - Operação na Amazônia visa sobrevivência da etnia mais ameaçada do mundo
- Najla Passos - Carta Maior

Para indigenista, a ocupação irregular da terra awá-guajá provoca o mais próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil.

Brasília - Está em curso na Amazônia maranhense uma das maiores operações já realizadas pelo Estado brasileiro para desintrusão de uma terra indígena.

Trata-se da desocupação de uma área de 116 mil hectares destinada à etnia awá-guajá desde 1992, onde atividades ilegais como a extração de madeira e até o plantio de drogas já consumiram mais de 40% da cobertura florestal e colocam em risco a existência da etnia que está entre os últimos remanescentes dos povos amazônicos sem contato com o que é chamado de “civilização”.

Em 2012, a ONG Survival Internacional a classificou como a mais ameaçada do planeta.

Nômades, coletores e caçadores, os awá-guajá são classificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como índios isolados, que demandam farto território para preservar seu modo de vida tradicional.

Entretanto, com as ocupações irregulares dos últimos anos, vêm sofrendo um extermínio progressivo, causado pelas doenças provenientes do contato.

Há suspeitas até mesmo de execuções sumárias comandadas pelo crime organizado que atua na região.

“A situação da etnia é de vulnerabilidade extrema. É o processo mais próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil”, alerta o chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai, Carlos Travassos [foto].

Embora as terras dos awá-guajás tenham sido destinadas aos índios há duas décadas, ela só foi demarcada oficial por ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

A luta judicial pela posse da terra se arrastou por dez anos, e a decisão que determinou a desintrusão tramitou em julgado somente em 2013. 

Para cumpri-la, o governo federal destacou para a área um contingente não divulgado de servidores públicos de diferentes áreas, incluindo Incra, Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Abin e Forças Armadas, além da Funai e da Secretaria Geral da presidência da República, que coordenam a operação.

Mesmo assim, a tarefa não tem sido fácil.

Além das dificuldades geográficas inerentes à mata fechada, a força econômica que se impôs no local resiste.

E usa, para tal, centenas de brasileiros simples, humildes, que se estabeleceram na área em busca do sonho de ter seu próprio pedaço de terra [foto].

Segundo o coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria Geral da Presidência da República, Nilton Tubino [foto], os invasores entraram ali ciente de que as terras pertenciam aos índios.

Portanto, não têm direito a nenhum tipo de indenização.

O Estado, porém, reconhece entre eles uma maioria de brasileiros simples - pequenos agricultores que vivem da plantação de mandioca, do extrativismo na floresta ou que trabalham nas grandes fazendas vizinhas.

Por isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acompanha a operação com o intuito de identificar e cadastrar possíveis beneficiários da reforma agrária, que serão inseridos em lotes vagos de assentamentos já criados e em outros, em estudos, em terras a serem adquiridas na região ou em terras devolutas da União e do Maranhão.

Mas na área também há médios e grandes grileiros, inclusive na atividade pecuária, que terão que deixar o local.

Na semana passada, o governo concluiu a notificação para retirada voluntária das 427 famílias que vivem na área.

O prazo termina no final de fevereiro. Até o momento, só 235 famílias requisitaram cadastramento no Incra.

De acordo com Tubino, os motivos da baixa adesão vão desde a falta de documentos pessoais até a incredulidade de que o governo irá levar a cabo a missão de desobstruir à área.

O problema da falta de documentação, mais fácil de resolver, levou outras equipes de servidores públicos à região. Até o início desta semana, foram expedidas 105 carteiras de trabalho e 75 CPFs.

E 28 famílias foram inscritas no Bolsa Família, o principal programa social do governo. A campanha termina nesta sexta (7/2).

Já o problema da desinformação é mais grave.

Os madeireiros que lucram com a devastação da área não querem abrir mãos de suas atividades criminosas e, por isso, incitam os pequenos a permaneceram na terra indígena, prometendo que a terra deles será regularizada.

Informação oficial e contrainformação do poder econômico local disputam corações e mentes de pouca instrução e pouca fé em um Estado que demorou décadas para se fazer presente.

Histórico awá-guajá 

De acordo com Carlos Travassos, há relatos da presença dos índios awá-guajá na região desde o século XVII.

O primeiro contato oficial, entretanto, ocorreu em 1979, quando a política indigenista da ditadura promovia a atração dos grupos classificados como arredios, com o objetivo de fixá-los em uma área específica e, assim, facilitar o atendimento médico e a segurança alimentar do grupo.

O pano de fundo, entretanto, era a necessidade de extinguir os conflitos na Amazônia para a construção dos grandes projetos do regime, como a Estrada de Ferro Carajás [foto].

Nos anos seguintes, mais seis contatos foram realizados. Deles, resultaram a criação de duas aldeias awá-guajás que possuem hoje, juntas, 400 índios.

“A desintrusão chega em um momento em que a aldeia Juriti, por exemplo, tem seu espaço de caça restrito há 6 km, enquanto antes era de vários dias de caminhada.Se o Estado não intervir, eles morrerão de fome”, explica Travassos.

Há também outros grupos que, para evitar o contato com as frentes de atração, embrenharam-se cada vez mais na mata.

O número de indivíduos nessas condições é impreciso. Monitoramento que vem sendo realizado pela Funai, desde 1997, aponta que pelo menos dois grupos familiares ainda vagam pela região.

Entretanto, suas condições de sobrevivência estão cada vez mais difíceis.

O coordenador da Funai lembra também que, desde o fim da ditadura, a política indigenista brasileira mudou.

Se antes a meta era o aldeamento forçado, o objetivo hoje é respeitar o modo de vida tradicional das etnias, demarcando território suficiente para que possam viver isolados, se assim o quiserem. “O contato traz, historicamente, uma média de perda de 50% da população”, justifica o indigenista.

Planos futuros

De acordo com o coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria Geral da Presidência da República, a previsão inicial é que a operação de retirada dos não-índios esteja concluída até o final de março, inclusive com a destruição de todas as construções erguidas na área.

A etapa seguinte constará do fechamento de todas as estradas abertas por madeireiros e plantadores de drogas, o que dificultará o acesso ao local.

O chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai acrescenta que há planos também para a construção de uma estrada perimetral, no contorno da terra indígena, que permita ao poder público efetuar um monitoramento mais intenso da área.

Além disso, está em andamento a construção de uma base de operações do poder público na área.

Há ainda, projetos de reflorestamento da área descoberta da floresta que envolve, inclusive, índios que vivem em aldeias vizinhas.

Uma outra ação prevê uma campanha de educação etnoambiental a ser efetivada nos quatro municípios em que a terra indígena está cravada, além de outros cinco do entorno.

São municípios pobres, que vivem basicamente da madeira.

Se não houver uma ação pontual do poder público federal em parceria com estado e municípios, as invasões vão continuar e as doenças e outros problemas sociais, como alcoolismo e drogas, acabarão atingindo os awá-guajás”, afirma Travassos.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Operacao-na-Amazonia-visa-sobrevivencia-da-etnia-mais-ameacada-do-mundo/4/30208

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Indígenas brasileiros em águas represadas Mário Osava
- Tempos sombrios - Oiara Bonilla

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Nossa terra cada vez menos verde e amarela

06/02/2014 - Rogério Grassetto Teixeira da Cunha (*)
Correio da Cidadania

A coisa na área ambiental anda ruim, muito ruim. E poderá piorar neste ano. As razões para este pessimismo são muitas.

Como o fato de que o mostrengo da usina de Belo Monte, no rio Xingu, deve entrar em funcionamento em sua primeira etapa talvez já no final de 2014.

É neste ano que provavelmente acontecerá o remanejamento das famílias e a supressão da vegetação das ilhas e de boa parte das margens do Xingu ao longo do futuro lago.

O governo, fazem já dois anos, ou muito mais que isso, se contarmos toda a história das tentativas ao longo das últimas décadas, lançou-se de cabeça na insanidade de construir esta 
famigerada usina.

Não repetirei aqui toda a história de erros, ilegalidades e mentiras acumulados ao longo deste percurso, analisada extensamente nesta coluna por Rodolfo Salm.

Porém, agora, com a obra já bem encaminhada, percebi alguns setores da grande mídia mostrando algumas de suas nefastas consequências ou “preocupando-se” com problemas ambientais na região. 

Pode ser uma mera coincidência, claro, ou um viés pessoal meu, pois esporadicamente pipocaram aqui e ali algumas matérias mostrando os problemas da obra. Mas achei o “timing” no mínimo curioso (seria por causa da eleição, pergunto retoricamente?).

Em uma série de reportagens da rádio CBN (aqui e aqui), por exemplo, foi analisada a mineração na região amazônica, e mencionada a instalação da mineradora de ouro canadense Belo Sun na região de Altamira, próximo à nova usina, com um tênue espaço para os impactos da mineração na região.

Faz tempo que os ambientalistas chamam a atenção para o fato de que um dos principais motivos para a construção de hidrelétricas na Amazônia é fornecer energia barata para projetos de mineração, que vão ganhar cada vez mais espaço na Amazônia. É o amarelo do ouro de nossa bandeira, indo para fora do país, como desde sempre.

no site da Folha, um material muito bem produzido abre caminho para que a população desinformada do nosso “sul 
maravilha” conheça um pouco dos impactos da obra.

Só as fotos do canteiro de obras deixam, sob o ponto de vista da natureza, qualquer filme da série “Sexta-Feira 13” no chinelo.

Apesar disto tudo, a usina será ligada, a exploração mineral vai ocorrer na região e o desmatamento e degradação vão aumentar o volume de suas trombetas do apocalipse.

Aqui é o verde da nossa bandeira sendo dilapidado também.

Não é com nenhuma felicidade (muito pelo contrário) que diremos: nós avisamos. Nós, ambientalistas, sempre ressaltamos alguns dos reais motivos das obras: favorecer setores industriais eletro-intensivos e um modelo de ocupação na Amazônia que não irá beneficiar a população local (exceto com as costumeiras migalhas), mas sim grandes capitais externos e internos.

Ao fazermos isto, as reações de sempre: fomos taxados de contrários ao desenvolvimento, de jogarmos um bagre no colo de Lula, de estarmos na contramão do progresso etc. O velho e cansativo ramerrão. Mas este será um caso em que demonstrar estar-se certo trará muita tristeza e melancolia, não alegria.

O pessimismo do artigo advém também do fato de que a sanha dos barrageiros na Amazônia é imensa, e que seu desrespeito por tudo (regras, bom senso, ambiente, população local) é 
absoluto.

Sua gana agora volta-se contra o rio Tapajós, em uma região totalmente desabitada no coração da floresta.

Em ano eleitoral, quando a necessidade de mostrar serviço é maior, podemos esperar novos avanços sobre a Amazônia.

E também, escrevam aí, nos próximos anos veremos políticos e economistas defendendo aquilo que, quando do debate sobre a construção ou não de Belo Monte, foi “prometido” que não seria feito: a instalação de novas barragens rio Xingu acima.

Isto serviria para regularizar o fluxo do rio ao longo do ano e resolver a principal crítica técnica à obra, a de que a vazão baixa na época da seca diminui drasticamente seu potencial gerador de energia em boa parte do ano.

Cada vez mais aparecerão artigos nos jornalões e comentaristas dos grandes veículos defendendo esta ideia.

Isto porque a região amazônica é vista pelos barrageiros, pelos governos e pelas empreiteiras, que coincidentemente financiam campanhas e constroem barragens (ou seria o oposto? Nunca sei ao certo.), como a grande fronteira hidrelétrica do país.

Neste assunto, precisaríamos de um Bom Senso Ambiente Clube inspirado no Bom Senso Futebol Clube.

Mas a importância dada ao meio ambiente no Brasil é, infelizmente, infinitamente menor que ao futebol, embora os desmandos e tapetões guardem sórdida semelhança.

Um outro motivo para pessimismo é justamente o fato de tratar-se de ano eleitoral. E anos eleitorais não são mesmo época para se apertar a fiscalização.

Embora reconhecendo os avanços sociais nestes quase 12 anos de governo petista, também entendo que seu pior desempenho foi na área ambiental. E os governantes do partido serão cobrados duramente por isto pela história, que, com o passar dos anos, dará muito mais destaque a esta chaga do que ao belo show do assim chamado “mensalão”.

Parte deste desempenho ambiental pífio (ou melhor, nefasto) deve-se ao noivado e casamento de Lula com o setor do agronegócio, sendo que Dilma parece muito contente com a duradoura união. 

Alianças com líderes locais são melindrosas, e eles não devem ser provocados. De mais a mais, a atenção de boa parte da opinião pública estará voltada para mais um round do UFC PT x PSDB (embora a dupla Marina/Campos esteja doida para entrar no octógono e melar a disputa), o que provavelmente deixará brechas para os desmatadores.

E, para fechar a conta, ainda teremos o oba-oba da Copa dos estádios bilionários.

Provavelmente, ocorrerá mais outro oba-oba de manifestações acéfalas e genéricas (muitas delas ocas, como a maioria das de junho, ou manipuladas por este ou aquele esperto tentando tirar uma casquinha eleitoral).

Nelas, falar-se-á de quase tudo (principalmente de lemas pequeno-burgueses “contra a corrupção”), menos de meio ambiente, deixando os destruidores sempre muito à vontade.

Afinal, episódio recente da invasão do Instituto Royal em São Paulo demonstrou que a opinião pública se sensibiliza muito mais com algumas dezenas de cachorros beagle (sem entrar aqui no mérito da questão, apenas reconhecendo objetivamente o fato) do que pelos milhões (ou bilhões, se incluirmos na conta insetos e outras formas de vida menos “in”) de animais e plantas sacrificados todos os dias devido à destruição da maior floresta tropical do planeta que, não custa lembrar, tem girado em torno de 1200 a 2000 campos de futebol por dia nos últimos anos.

É isto aí, Amazônia, feliz 2013! Pois, na região, cada ano parece melhor que o que virá.

(*) Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é docente da Universidade Federal de Alfenas-MG e, apesar do pessimismo, lá no fundo tem sempre uma esperança.

Fonte:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9231:meioambiente060114&catid=28:ambiente-e-cidadania&Itemid=57

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sábado, 18 de janeiro de 2014

2013, quando cresceu o desmatamento na Amazônia

15/01/2014 - Aumento no desmatamento na Amazônia em 2013: um ponto fora da curva ou fora de controle? (*)
- site Eco Debate

Organizações ambientais analisam o aumento no desmatamento na Amazônia em 2013 e apresentam recomendações ao Poder Público para que essa tendência seja revertida.

Desde 2004, as taxas de desmatamento na Amazônia têm caído consistentemente.

Em 2013, porém, o aumento de 28% no desmatamento amazônico colocou em alerta a sociedade brasileira.

Esse aumento deve ser considerado inaceitável por três motivos principais:

-o desmatamento em questão foi, em grande parte, ilegal;

- existe na região Amazônica uma grande quantidade de área já desmatada porém subutilizada;

- e o Poder Público brasileiro já possui os elementos fundamentais para combater o desmatamento amazônico.

Gráfico mostra a evolução da taxa anual do desmatamento amazônico desde 2004, com aumento notado entre os anos de 2007-2008 e, ainda maior, entre 2012-2013.

Com o objetivo de refletir sobre as causas que levaram ao desmatamento e estimular reação por parte do Poder Público brasileiro, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), apresentam neste documento reflexões sobre o aumento do desmatamento ocorrido em 2013 e elencam uma série de recomendações para a redução nas taxas de destruição da floresta amazônica.

Entre os vários fatores que podem explicar o aumento de 2013, dois deles são tradicionalmente conhecidos: especulação fundiária e o efeito das obras de infraestrutura sem as devidas salvaguardas socioambientais.

A combinação de estratégias de controle já consagradas com algumas abordagens inovadoras deve ser adotada para que a taxa de derrubada da
floresta amazônica continue em uma trajetória de redução.

Por exemplo, será preciso

(1) manter a fiscalização focada em municípios que concentram as maiores taxas de desmatamento;

(2) criar mecanismos que responsabilizem os compradores de produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente;

(3) proceder com a divulgação da lista de áreas embargadas pelo Ibama;

(4) dar continuidade às ações do Ministério Público contra empresas que compram produtos oriundos de desmatamento ilegal.

Do ponto de vista da inovação, será fundamental avançar com os

(5) incentivos econômicos para a conservação e redução do desmatamento especulativo, além de

(6) estimular a recomposição e a regularização florestal.

Tais incentivos deveriam abranger os fiscais, através de uma revisão da política tributária do governo federal.

Neste sentido, o documento analítico sobre o desmatamento de 2013, lançado pelas instituições abaixo assinadas, representa um primeiro passo para uma reflexão mais aprofundada sobre os fatores que ainda tornam a redução do desmatamento na região um desafio.

Assim, estas instituições se colocam à disposição do Poder Público para debater em profundidade os resultados e recomendações apresentados.

Clique aqui para acessar a íntegra do documento sobre o desmatamento de 2013.

- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON

(*) Informe do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), publicado pelo EcoDebate, 15/01/2014

Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2014/01/15/aumento-no-desmatamento-na-amazonia-em-2013-um-ponto-fora-da-curva-ou-fora-de-controle/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Amazônia que o BNDES financia

05.12.13 - Por Bruno Fonseca e Jessica Mota
- da série #BNDESnaAmazônia - Agência Pública

Pela lei de acesso à informação, a Pública obteve 43 contratos do BNDES com grandes corporações nacionais para empreendimentos na Amazônia.

Nos calhamaços de papel assinados e rubricados diversas vezes por gigantes da economia brasileira – Vale, Eletrobrás, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Votorantim, Alcoa, dentre outros -, saltam cifras de 500 milhões, 1 bilhão, até quase 10 bilhões de reais.

São os contratos de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a uma série de megaempreendimentos na Amazônia, que não são disponibilizados publicamente pelo banco, embora todas essas obras sejam custeadas com o dinheiro de impostos.

A Pública entrou com um pedido de acesso à informação para obter os contratos dos principais investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na Amazônia brasileira e obteve 43 contratos que revelam detalhes sobre o financiamento de projetos de empresas e estados – as garantias exigidas, os compromissos socioambientais acordados – e descobriu que, na prática, muitas dessas obras desrespeitam o que foi assinado, contribuindo para muitos dos problemas que a reportagem vem encontrando ao longo da produção dessa série, motivando inclusive ações judiciais.

O curioso é que isso ocorre apesar da complexidade de procedimentos que o processo de obtenção do financiamento implica. Para pleitear um empréstimo, é preciso enviar um pedido formal, que tem de ser acompanhado de documentação específica de acordo com a modalidade de financiamento – o banco oferece 11 produtos diferentes, cada um com linhas de financiamento específicas.

Esse documento inicial tem que conter dados gerais sobre a operação e dados específicos sobre o projeto em questão, incluindo informações sobre os aspectos econômicos e financeiros da empresa e do seu mercado de atuação; e sobre os aspectos jurídicos, com todos os estudos e licenças de operação e meio ambiente emitidos pelos órgãos responsáveis, como o IBAMA ou a Secretaria de Meio Ambiente.

Caso o projeto apresente algum impacto ambiental, são negociadas medidas de compensação através de outras linhas de apoio paralelas oferecidas pelo BNDES, voltadas ao meio ambiente.

A empresa também responde a um questionário sobre os aspectos e impactos sociais da empresa e do projeto.

Assim, o Comitê de Enquadramento e Crédito do BNDES, formado pelos 23 superintendentes do banco, classifica a operação com base nos riscos ambientais apresentados na proposta.

Só então o banco prossegue com a aprovação e a contratação do financiamento do projeto pela diretoria, formada pelo presidente, vice e sete diretores do BNDES. O contrato de financiamento não é disponibilizado no site do BNDES ou em outra plataforma ao alcance do público.

No caso dos contratos internacionais, o acesso à Pública foi negado, mesmo pela Lei de acesso à informação.

CLÁUSULAS SÃO INSUFICIENTES PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE
Através da análise dos 43 contratos aos quais a Pública teve acesso, foi possível perceber que mesmo com tantas exigências formais por parte do BNDES, as cláusulas que dizem respeito à proteção dos direitos humanos e meio ambiente são estipuladas, em sua maioria, através de parágrafos padronizados, e não garantem o cumprimento de compromissos de acordo com a especificidade dos projetos.

Por exemplo, a frase “manter em situação regular suas obrigações juntos aos órgãos do meio ambiente, durante o período de vigência deste Contrato” está presente em todos os documentos analisados, bem como “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, as medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Não há detalhes tampouco nas Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES, destinadas a todos os contratantes, que se limitam a estipular o cumprimento das obrigações estabelecidas por Lei, sem maiores acréscimos.

Até onde se sabe, não haveria uma customização. As cláusulas [socioambientais] não são desenhadas de acordo com o projeto, são cláusulas padrão”, critica Caio Borges, pesquisador da Conectas – ONG que promove os direitos humanos na África, América Latina e Ásia.

Na visão do pesquisador, o processo ideal para esses contratos envolveria três etapas: a elaboração de uma política de direitos humanos, a realização de auditoria em direitos humanos – “que criariam ferramentas operacionais [para] que essa política esteja efetivamente dentro da rotina e dos processos da empresa”, como explica Caio – e a criação de mecanismos operacionais de denúncia e reclamação a exemplo das ouvidorias dos bancos multilaterais, como o Banco Mundial.

Deve existir um canal institucional de diálogo em que uma pessoa que se sinta atingida possa ligar para o banco e dizer que aquele projeto está violando algum direito dela ou que alguma política do banco está sendo descumprida e que aquele projeto não está seguindo os procedimentos que o próprio banco estipula”, diz Caio que acredita que só assim, e com uma melhor fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela concessão de licença, seria possível estancar o uso de dinheiro público em projetos que descumprem as salvaguardas sócio-ambientais tanto no Brasil como em outros países.

DE BELO MONTE A IMPERATRIZ: LICENÇAS QUESTIONADAS
É este o caso de diversos empreendimentos que tiveram suas licenças ambientais questionadas, como a polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Mesmo após a Justiça brasileira determinar paralisação das obras por ilegalidade no licenciamento ambiental, o BNDES não divulgou qualquer modificação ou sanção em relação aos contratos de mais de 25 bilhões de reais firmados com o consórcio responsável, a Norte Energia.

E isso em um contrato que se destaca entre outros do BNDES por haver um maior detalhamento nas condicionantes socioambientais, entre eles, a obrigação de cumprimento das diretrizes dos Princípios do Equador, estabelecidas pelo International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.

Ali se estipulam as regras para avaliações ambientais; proteção a habitats naturais; segurança de barragens; populações indígenas; reassentamento involuntário de populações; trabalho infantil, forçado ou escravo; projetos em águas internacionais e saúde e segurança no trabalho; dentre outros.

Já na construção da usina produtora de celulose da Suzano, em Imperatriz, no Maranhão, objeto de um contrato de mais de 2,7 bilhões de reais, o BNDES determinou à Suzano “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Entretanto, a construção da usina, em andamento no interior do Maranhão, está envolvida na morte de três funcionários, isso após o Ministério Público do Trabalho ter constatado, seguidamente, problemas de segurança no canteiro de obras.

Uma das empresas envolvidas no projeto, a Imetame, chegou a se recusar a  assinar um Termo de Ajustamento de Conduta do MPT (leia mais aqui), o que mostra como, na prática, a lei é ignorada.

- Leia e baixe os 45 contratos que a Pública teve acesso e que estão exibidos no final dessa matéria, acessando o link da fonte:

Fonte:
http://www.apublica.org/2013/12/amazonia-bndes-financia/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.