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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Mineradoras: câncer ambiental que suga água e destrói ecossistemas

Por Zilda Ferreira*



As mineradoras estão poluindo o solo, o ar e a água. Os minerodutos, tubulações usadas para transporte rápido e barato de minérios a longas distâncias, estão sendo multiplicados. Sem conhecimento da população e das autoridades, as mineradoras sugam, através dessas tubulações, milhões de litros de água, secando nascentes e regiões onde a água era outrora abundante.

Pequiá de Baixo, bairro rural de Açailândia (MA), exemplifica bem esse cenário, sendo considerado "O inferno siderúrgico na Amazônia", com cinco unidades de produção de ferro gusa, liderada da Companhia Vale. A justiça já reconheceu que a vida no lugar é inviável e solicitou o reassentamento da população em outro lugar. Para agravar essa situação de desequilíbrio ambiental, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras das siderúrgicas fez de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

E são raras as denúncias de ONGs ou de pesquisadores sobre a catástrofe ambiental que as mineradoras têm provocado. Coincidentemente, essas mineradoras patrocinam ONGs, financiam pesquisas acadêmicas, e nas últimas eleições, foram as maiores doadoras de recursos às campanhas legislativas, estaduais e federais.

Não só na Amazônia elas sugam e envenenam a água, na Bahia também foi constatado situação parecida, veja link abaixo. Em Minas Gerais há exemplos desse cenário de desvio dos recursos hídricos. A Samarco, que já em possui dois minerodutos ativos, que ligam Germano, em Mariana(MG) a Ubu, em Anchieta (ES), projeta construir mais três - ligando MG ao litoral. Esse sistema dutoviário, que consiste no transporte dos minérios através de um líquido, no caso a água, traz danos ao meio ambiente. Tal sistema impacta no abastecimento doméstico, em função da drenagem excessiva de água que abastece os dutos. (Mineração na Caatinga: o pesadelo das comunidades rurais)

A Lei das águas 9433/97 prevê pagamento de Royalties, em outorgas. A mesma Lei estabelece que as águas subterrâneas são de Domínio Estadual e não Federal. O geólogo Milton Matta assegurou que as mineradoras usam de graça as águas subterrâneas. Milton é conhecido pelo seu trabalho junto à Universidade Federal do Pará-UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre o potencial do Aquífero Alter do Chão, na Amazônia (que tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani).

Diante desse cenário, vale destacar a importância das águas subterrâneas na estrutura hídrica brasileira: ainda não há números oficiais apurados, mas cientistas afirmam que volumes subterrâneos já são maiores que volumes superficiais.Como grandes empresas, incluindo mineradoras, compram terras em cima de aquíferos, o Brasil está perdendo a soberania de suas águas subterrâneas, uma vez que o controle é de responsabilidade estadual,não cabendo intervenção federal.

Essa situação de degradação não é novidade. Há 18 anos, em 1997, participei de uma expedição com a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) para percorrer o Caminho Contrário dos Irmãos Vilas-Boas. A ideia era trazer o conhecimento indígena à civilização e estudar também o avanço do agronegócio e das mineradoras no entorno do Parque do Xingu.O Grupo multidisciplinar era coordenado pelo Geólogo José Domingues Godói Filho, chefe do Departamento de Geologia da UFMT. Ao longo dessa expedição me explicaram sobre o “Projeto” que eles haviam ironicamente denominado “Projeto Amansa a Terra".


“A mídia espalha que há muito ouro, ou pedras preciosas e os garimpeiros todos rumam para o lugar. Depois, as ONGs, patrocinadas pelas empresas, denunciam que os garimpeiros acabaram com o meio ambiente. Em seguida, as mineradoras se instalavam e as denúncias cessavam. Isso, não é apenas ironia, acontecia e continua acontecendo”. Atualmente, aqui no Brasil, quase todos desconhecem as denúncias de que uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas no Peru. E por coincidência, a cidade mais poluída do Continente Sul Americano fica nos Andes, no Peru, La Oroya, pólo minerador. 

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* Zilda Ferreira é editora do blog e especialista em Educação Ambiental.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A água virtual que o Brasil tanto exporta

12/09/2012 - Brasil exporta cerca de 112 trilhões de litros de água doce por ano (*)
- por HC para o Eco Debate

Atuação no mercado de commodities coloca em pauta a exportação indireta de recursos hídricos.

Contêineres saem diariamente de portos na costa brasileira abarrotados de carne bovina, soja, açúcar, café, entre outros produtos agrícolas exportados para o mundo. Mas dentro deles há um insumo invisível, cujo valor ultrapassa cálculos estritamente econômicos.

Ao longo do ano, o Brasil envia ao exterior cerca de 112 trilhões de litros de água doce, segundo dados da Unesco – o equivalente a quase 45 milhões de piscinas olímpicas ou mais de 17 mil lagoas do tamanho da Rodrigo de Freitas.

Tantos litros são o total dos recursos hídricos necessários para produzir essas commodities. E colocam o País como o quarto maior exportador de “água virtual”, atrás apenas de Estados Unidos (314 trilhões litros/ano), China (143 trilhões litros/ano) e Índia (125 trilhões litros/ano).

A exportação desse recurso, ainda que indiretamente, tende a crescer num cenário de escassez global, pressionando o país a pensar em políticas públicas voltadas à gestão hídrica.

A posição do Brasil no alto do ranking não se deve tanto ao desperdício da água ou à falta de produtividade nas atividades agropecuárias do país, mas principalmente a um fenômeno global de escassez dos recursos hídricos.

Num momento em que países como Malta e Kuwait têm 92% e 90%, respectivamente, de “água virtual” importada em seus produtos, o Brasil, com disponibilidade hídrica e territorial, tende a ganhar relevância.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2010, as commodities avançaram de 41% para 51% no total de produtos vendidos pelo País ao exterior.

As Nações Unidas (ONU) estimam que, até 2025, cerca de dois terços da população mundial estarão carentes de recursos hídricos, sendo que cerca de 1,8 bilhão enfrentarão severa escassez de água.

Na metade do século, quando já seremos 9 bilhões de habitantes do mundo, 7 bilhões enfrentarão a falta do recurso em 60 países. A água, portanto, já é motivo de conflitos em várias regiões do mundo.

“A alocação dos recursos hídricos, além de ambiental, é uma questão econômica, porque quando a água é escassa é preciso destiná-la para onde haverá maiores benefícios para a sociedade.

Mas sendo a água um bem público, o mercado não é o único determinante.

A água deve ser usada para produzir alimentos para a população, para culturas ligadas a biocombustíveis ou para plantações de commodities para exportação?

Isso é uma escolha política”, aponta Arjen Hoekstra [foto], criador do conceito de “pegada hídrica” e autor de diversos estudos sobre água virtual numa parceria entre Unesco e a Universidade de Twente.

Recursos hídricos sem preço
– Um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a China possui 6% da água doce do planeta e já sofre com uma escassez do recurso, aliada a uma redução das terras agricultáveis – desde 1997, o país já perdeu 6% de sua área cultivável devido à erosão e urbanização.

No Brasil, o cenário é outro: o País dispõe 40% de terras aráveis, abriga 12% da água doce do planeta e recebe chuvas abundantes durante o ano em mais de 90% do território – ainda que numa distribuição hídrica desigual, com um semiárido de água escassa.

O Brasil não tem dependência de irrigação, precisa apenas administrar a água da chuva. Não há também a questão populacional, com uma competição entre agricultura e cidades. E enquanto na China há 250 mil unidades agrícolas, no Brasil são apenas 5 mil”, enumera Marcos Jank [foto], professor da Esalq-USP e especialista em agronegócio.

A crescente demanda por alimentos de um país que pretende crescer 7,5% este ano provocou uma disparada nos preços das commodities brasileiras.

Em 2011, a soja, principal produto exportado a Pequim, teve o preço elevado em 31,6%. A China também foi o principal destino das exportações brasileiras, totalizando US$ 44,3 bilhões no ano passado [2011].

A tendência de queda dos preços das commodities foi revertida nesta última década com a escassez de água e degradação dos solos mundialmente. E a China foi a principal responsável por essa uma mudança no padrão de comércio”, afirma Jank.

O Brasil tem tudo para aproveitar isso, mas hoje a agricultura brasileira está se tornando um negócio de alto custo devido às taxas de câmbio, juros altos e problemas de infraestrutura.

São problemas domésticos que estão tirando a possibilidade de usar melhor o boom asiático a nosso favor”.

A soja brasileira exportada sustenta, sob a forma de ração, boa parte do rebanho bovino da China, que tem aumentado exponencialmente seu consumo de carne.

Segundo projeção da “Economist”, o consumo de carne bovina na China entre 1985 e 2009 demandou em recursos hídricos o equivalente ao uso anual de água em toda a Europa.

Água sustentável
– A pegada hídrica tem ajudado a mudar o entendimento de que a água é algo finito e gratuito.

O desafio agora, segundo especialistas, é melhorar a precisão dos números para, assim, adotar o conceito no comércio formal.

Atualmente, ninguém paga o preço total pelo consumo de água. A escassez e a poluição precisam ser incluídas no preço das commodities.

Isso criaria um incentivo para consumir e poluir menos. Mas as legislações também podem ser melhoradas e em alguns produtos pode ser útil incluir o uso de água sustentável no rótulo”, sugere Hoekstra [foto].

A Austrália, sexto maior exportador de água virtual (89 trilhões de litros por ano), segue um modelo de distribuição de recursos hídricos inovador.

Foi o primeiro país a instaurar um sistema de comércio da água em 1982: o governo define uma parcela a ser usada pelos agricultores, que podem vender parte dessas licenças de uso que acreditam estarem excedentes.

As transações pelos direitos de uso da água no país movimentaram US$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2011, segundo dados divulgados pela Comissão Nacional de Água em dezembro passado.

Hoje, o sistema passa por uma reforma para reduzir distorções de mercado e dar mais transparência às negociações.

Críticos afirmam que o modelo de privatização dos recursos hídricos deixa os agricultores sujeitos às flutuações de mercado.

O australiano Mike Young [foto], do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide e autor do capítulo sobre água do estudo ONU para a Rio+20, acredita que este sistema é capaz de mensurar de forma eficiente o recurso e garantir a sua preservação.

“Assim como a Austrália, o Brasil tem muita água, portanto está em vantagem em termos de usar este recurso de modo inteligente para produzir a maior quantidade de bens possível.

O futuro do manejo da água está na alocação deste recurso e não em tentar quantificar precisamente quanta água está incluída nas commodities exportadas”, defende Young.

“De fato, precisamos encontrar meios mais eficientes de usar a água, mas não é preciso ficar preocupado com quanta água é usada em cada produção se o governo estabelece um sistema de alocação.

É preciso entender que o comércio cria grandes oportunidades de negócios”.

No Brasil, a cobrança pelo uso da água na irrigação de plantações funciona através de um sistema de outorgas, dada por órgãos gestores estaduais ou pela Agência Nacional de Águas [ANA], quando o recurso hídrico é de domínio da União.

O sistema, vigente desde 1997, ainda enfrenta desafios, já que a fiscalização do uso da água no setor agrícola é mais difícil do que em áreas urbanas e industriais, mais concentradas territorialmente.

O controle dos recursos naturais vai se tornar mais complexo no século XXI porque o uso se tornará mais competitivo.

O Brasil ainda tem uma área de expansão agrícola, então o país precisa se planejar para as próximas décadas de modo que o crescimento da área irrigada seja sustentável”, prevê Mônica Porto [foto], engenheira ambiental da Politécnica da USP.

“Não há nada de errado em o Brasil exportar água através das commodities se há essa disponibilidade hídrica.

A forma como isso é gerenciado internamente é o que importa, através do controle do uso e do aumento de produtividade”.

Escolhas políticas
A escassez de água em alguns países, de fato, pode levar a escolhas políticas para restringir a exportação de alimentos.

O governo de Israel, por exemplo, desencoraja a exportação de laranjas – tradicionalmente cultivadas com um sistema de irrigação pesado -, para evitar que grandes quantidades de água virtual sejam exportadas para diferentes partes do mundo.

Mesmo no Brasil, abundante de recursos hídricos, precisa levar em conta o uso de água nas culturas diante de uma distribuição desigual em seu território.

Menos povoada, a Região Amazônica concentra a maior parte da água superficial do País, enquanto a populosa Região Sudeste tem disponível 6% do total da água doce.

No semiárido nordestino, os rios são pobres e temporários, o que acaba criando uma pluviosidade baixa.

A pegada hídrica tem que ter relação com o local onde é produzida a cultura agrícola. Produzir uma pecuária leiteira no Agreste Nordestino vai demandar muito mais água do que fazer o mesmo no Centro-Oeste, onde a pluviosidade é muito maior”, afirma o engenheiro ambiental Michael Becker [foto abaixo], coordenador do Programa Cerrado da WWF Brasil.

Mas além do viés da localização é preciso ter em conta a própria produção, buscando gastar cada vez menos água bruta para fabricar o mesmo produto”.

A otimização pode acontecer através de técnicas de irrigação mais eficientes, como o uso de gotejamento em vez de jatos d’água; o melhoramento de sementes para o plantio em regiões com menos disponibilidade de água; e desenvolvimento de técnicas de contenção da água da chuva.

Estima-se que o setor agrícola já contribua atualmente com 92% do consumo total de água no País.

Apesar de a produtividade agrícola no Brasil ter apresentado grandes avanços – com um crescimento de 3,6 % ao ano, segundo estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2011-, especialistas afirmam que é preciso melhorar o diálogo com o setor.

A conturbada discussão do Código Florestal no Congresso dá indícios deste desafio.

Ainda não avançamos o suficiente na discussão entre o setor ambiental e agrícola para que se possa ter um entendimento comum de que um necessita do outro.

Precisamos produzir, mas para realmente tirar proveito da exportação de commodities precisamos entender a água como um insumo de produção.

O Brasil quer ter no futuro a seca de um Centro-Oeste americano ou preservar este recurso no aspecto de insumo para produção?

Essa é uma pergunta que veio para ficar e que vai se tornar cada vez mais frequente daqui para frente”, aposta Becker.

(*) Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência/SBPC e JC e-mail 4580. Extraído do site EcoDebate de 12/09/2012

Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2012/09/12/agua-virtual-brasil-exporta-cerca-de-112-trilhoes-de-litros-de-agua-doce-por-ano/

Leia também:
- Brasil é grande exportador de “água virtual” - Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP [http://www.usp.br/agen/?p=164665]

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Moratória para exploração de gás de xisto no país

19/11/2013 - ISA (Instituto Socioambiental) pede moratória para exploração de gás de xisto no país
- Raul do Valle - Blog do PPDS (Políticas Públicas e Direito Socioambiental)

Veja as considerações do ISA, apresentadas no processo de consulta pública, sobre a possibilidade de exploração de gás de xisto no próximo leilão de gás, que será realizado no dia 28/11 pelo governo federal.

18/11/2013 - Comentários e sugestões à Consulta Pública nº 30/2013, da Agência Nacional do Petróleo (*)
- do site do ISA (Instituto Sócioambiental)

Atendendo ao processo de consulta pública acerca da proposta de resolução que pretende regulamentar "a perfuração de poços seguida do emprego da técnica de Fraturamento Hidráulico Não Convencional" no país (Consulta  Pública  ANP no. 30/2013), o Instituto Socioambiental, organização da sociedade civil de interesse público - OSCIP - que trabalha na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos, vem oferecer as seguintes considerações.

A exploração de gás de xisto, mediante o emprego da técnica de fraturamento hidráulico não convencional (fracking em inglês), é uma atividade que vem suscitando enorme polêmica em todos os países nos quais vem sendo cogitada ou realizada, sobretudo devido aos enormes impactos ambientais a ela associados, razão pela qual alguns países europeus proibiram sua realização em território nacional, como é o caso da França.

Nos EUA, onde a técnica é empregada há quase uma década, há um crescente número de denúncias de contaminação de aquíferos e águas superficiais nas  redondezas dos poços em exploração, o que tem levado alguns estados a aprovarem regras para proibir seu alastramento.

É sabido que esse tipo de exploração tem grande probabilidade de contaminar a água, tanto subterrânea (principalmente) como superficial.

A tecnologia requer a utilização de enorme quantidade água (podendo ultrapassar 10.000 m3 em apenas um poço), na qual são misturadas dezenas de substâncias químicas cujo efeito sobre a saúde humana são ainda pouco conhecidos.

Recente estudo elaborado para a Comissão Europeia do Meio Ambiente diz explicitamente que o risco de contaminação de água é muito alto:

“The study found that there is a high risk of surface and groundwater contamination at various stages of the well-pad construction, hydraulic fracturing and gas production processes, and during well abandonment. Cumulative developments could further increase this risk”[1]

Os blocos a serem licitados encontram-se sobre os principais aquíferos brasileiros, com destaque para aqueles situados sobre o Aquífero Guarani (São Paulo/Paraná), que fornece água para boa parte da produção agrícola, industrial e abastecimento doméstico do país.

Considerando que as reservas de gás de xisto se encontram, em geral, abaixo das reservas de água, que isso aumenta o risco de contaminação durante a exploração, e que esta, se ocorrer, pode ser irreversível, chega-se à conclusão de que é, no mínimo, temerário se permitir a exploração desse tipo de gás sem antes uma avaliação e reflexão profunda por parte da sociedade brasileira acerca de seus custos e benefícios, o que não aconteceu até o momento, dado que o anúncio do leilão ocorreu pouco menos de um mês antes de sua realização.

Avaliações preliminares dão conta que os aqüíferos servem ao abastecimento para 30-40% da população do país, sobretudo em cidades de médio e pequeno porte, embora também sejam relacionadas várias capitais como, por  exemplo, Natal, Fortaleza, Belém, Maceió, Recife, Porto Velho e São Paulo, onde o abastecimento é feito, em alguma proporção, pelo recurso  subterrâneo.

No  Estado de São  Paulo, 70 % dos núcleos urbanos são abastecidos total ou parcialmente pelas águas subterrâneas, incluindo cidades de porte como Ribeirão Preto, Marília, Bauru e São José do Rio Preto.

No semi-árido nordestino, as comunidades rurais têm um importante manancial nas águas subterrâneas, assim como a irrigação no oeste da Chapada do Apodi, entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte [2].

Parte expressiva dos blocos que serão licitados se encontram na bacia do Paraná, justamente a região hidrográfica brasileira onde há a maior produção agrícola e, consequentemente, a maior área irrigada, com 2,1 milhões de hectares [3].
.
Estamos cientes de que o gás natural é uma fonte importante na matriz energética atual e de médio/longo prazo.

No contexto brasileiro, porém, não se justifica que sua exploração ameace os  reservatórios de água, pois nossa dependência desse combustível é mínima se comparada com a de países como os EUA ou Reino Unido, que acabaram enveredando para a exploração não convencional por ser ela uma alternativa ao uso do carvão mineral e petróleo importado do Oriente Médio.

Por essa razão nos juntamos às razões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e à Academia Brasileira de Ciência – ABC para solicitar a retirada da possibilidade de exploração de gás de xisto do 12o leilão e a aplicação de uma moratória do "fracking" por tempo indeterminado, até que tenhamos dados, informações e reflexão acumulados para decidir se, onde e em que condições permiti-la em território nacional.


Brasília, 18 de novembro de 2013.
Raul Silva Telles do Valle
Coordenador de Política e Direito Instituto Socioambiental

[1] “Support to the identification of potential risks for the environment and human health arising from hydrocarbons operations involving hydraulic fracturing in Europe”. Report for European Comission DG Environment. 2012, pg., pg. VIII

[2] Apud HIRATA, Ricardo et alii. Água Subterrânea: reserva estratégica ou emergencial?. Disponível em: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-815.pdf

[3] Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2013, pg.98. Disponível em: 
http://arquivos.ana.gov.br/institucional/spr/conjuntura/PDFs%20agregados/Conjuntura_2013_parte1_cap_1_ao_4-77mb.pdf

(*) Documento em pdf:
http://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/blog/pdfs/nota_xisto_isa.pdf

Fonte:
http://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-ppds/nota-do-isa-sobre-a-exploracao-de-gas-de-xisto

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Água não se nega a ninguém - Parte 3/5

Águas Para Quem? Do interesse privado e do público
Carlos Walter Gonçalves*

Parte 1/5: A Necessidade de Ouvir Outras Vozes
Parte 2/5: Algumas Razões da Desordem Ecológica Vista a Partir das Águas 


Embora tenhamos destacado inicialmente que documentos importantes recentes, como "O Nosso Futuro Comum" ou mesmo a Agenda XXI e a Carta da Terra, não contemplavam com a devida ênfase a problemática da água, é importante sublinhar que o tema havia merecido, ainda em 1977, uma Conferência patrocinada pela ONU – Conferência de Mar del Plata – que levou a que, em 1980, fosse instituído o Decênio Internacional de Água Potável e Saneamento Básico.

Uma leitura atenta das preocupações ali arroladas nos mostra que havia uma ênfase na ação dos governos na gestão da água e, sobretudo, na garantia do abastecimento por meio da construção de infra-estruturas – diques e barragens - para fins de ampliação das áreas a serem irrigadas e de energia para o desenvolvimento.

O documento da ONU analisado a seguir acusa a guinada ocorrida no debate recente acerca da água e, sobretudo, não deixa dúvidas sobre os interesses específicos que estariam, hoje, cultivando o discurso de escassez e da repentina descoberta da gravidade do problema da água na segunda metade dos anos 90.

Vejamos o diagnóstico que os técnicos da ONU fazem do sistema de gestão que ontem estimularam e que, hoje, criticam e se propõem superar. “A Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável (CDS) informou que muitos países carecem de legislação e de políticas apropriadas para a gestão e aproveitamento eficiente e eqüitativo dos recursos hídricos. Apesar disso, se está avançando no exame de legislações nacionais e promulgação de novas leis e regulamentos” (GEO-3: 156). Logo a seguir demonstram “preocupação acerca da crescente incapacidade dos serviços e organismos hidrológicos nacionais, especialmente nos países em desenvolvimento, para avaliar seus próprios recursos hídricos. Numerosos organismos têm sofrido redução em redes de observação e pessoal apesar do aumento da demanda de água. Tem sido posta em marcha uma série de medidas de intervenção, como o Sistema Mundial de Observação do Ciclo Hidrológico (WHYCOS, por sua sigla em inglês) que se implementou em várias regiões” (GEO-3: 156).

Como se pode observar também no caso da água, mais uma vez, é brandido, sem a menor cerimônia, o argumento da incapacidade dos governos dos países em desenvolvimento para avaliar seus próprios recursos hídricos, numa nova versão da velha colonialidade característica dos velhos modernizadores. Em nenhum momento, observe-se, há qualquer comentário sobre as políticas de ajuste estrutural recomendadas pelos próprios organismos multilaterais e que bem seriam as responsáveis pela “redução em redes de observação e pessoal apesar do aumento da demanda de água”, para ficarmos com as próprias palavras do documento.

Pouco a pouco o deslocamento político que se dá na segunda metade dos anos 90 vai tornando mais claros os interesses em jogo. “Muitos e diferentes tipos de organizações cumprem uma função no que concerne às decisões sobre políticas relativas a água, desde os governos nacionais até os grupos comunitários locais. De todo modo, no transcurso dos últimos decênios, se tem posto cada vez mais ênfase tanto em aumentar a participação e responsabilidade de pequenos grupos locais como em reconhecer que às comunidades corresponde jogar um papel preponderante nas políticas relativas a água (...)."

Assim, o Estado Nacional que, a princípio, já fora considerado como um entre os “muitos e diferentes tipos de organizações” é, logo a seguir, completamente descartado em benefício dos "pequenos grupos locais” e das “comunidades”. Assim, em nome dos pequenos, dos pobres e das comunidades, novos interesses procuram se legitimar ética, moral e, sobretudo, politicamente [8]. Para isso contam com entidades muito mais flexíveis que o Estado, como as Organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais.

É preciso levar-se em conta o contexto específico da América Latina para que entendamos a força que esse discurso adquire entre nós, sobretudo quando se sabe que, além da pobreza generalizada, a região exibe os maiores índices de desigualdades sociais do mundo.

Agregue-se a isso o fato de, nos anos 70 e 80, a região ter ficado submetida, salvo raras exceções, a regimes ditatoriais quase sempre sob tutela militar.

Anibal Quijano

Os apelos por justiça social e democracia vindos dos movimentos populares foram deslocados para políticas de corte neoliberal, onde a crítica ganhou destaque mais em direção à negação do Estado do que a um aprofundamento da democracia. Ao contrário, a liberalização aprofundou a crise histórica da democracia na América Latina, o que levou um dos mais importantes cientistas sociais da região, o peruano Anibal Quijano, a cunhar expressões como des-democratização e des-nacionalização para assinalar que o povo já não mais detém a prerrogativa da soberania.

O mais interessante de todo esse processo, e fundamental para compreendermos a crise atual, inclusive, com relação às novas e desastrosas políticas de gestão das águas, é que os mesmos organismos internacionais que apoiaram as políticas de Estado legitimando governos ditatoriais, todos desenvolvimentistas, de gravíssimas conseqüências socioambientais, são os mesmos organismos que no momento de democratização apoiam políticas que diminuem a importância do Estado e incentivam a iniciativa empresarial e das organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais.

Assim, esses novos gestores assestam uma dura crítica ao papel do Estado também na questão específica da gestão das águas dizendo que “os responsáveis pela planificação sempre supuseram que se satisfaria uma demanda em crescimento dominando ainda mais o ciclo da água mediante a construção de mais infra-estrutura” e que “a ênfase posta no abastecimento de água, combinado com uma débil aplicação dos regulamentos, limitou a eficácia da ordenação dos recursos hídricos especialmente nas regiões em desenvolvimento. Os responsáveis pela adoção de políticas agora mudaram as soluções (...) e entre essas medidas se contam melhorar a eficácia no aproveitamento da água, políticas de preços e o processo de privatização” (GEO-3: 151).

É interessante observar a desfaçatez desse discurso que parte de técnicos dos próprios organismos que antes desencadearam essas políticas. Sem nenhuma avaliação criteriosa dos próprios organismos de que fazem parte acabam, entretanto, por explicitar os princípios e os interesses em jogo, a saber:
1- dos gestores técnicos para “melhorar a eficácia no aproveitamento da água”;
2- do princípio da água como bem econômico com as “políticas de preços” e;
3- dos empresários interessados no “processo de privatização”. Não podiam ser mais claros.

À página 156-7 desse mesmo documento da ONU pode-se ler, como se fora a conclusão desejada, que “o setor privado começou recentemente a expandir suas funções na ordenação dos recursos hídricos. O decênio dos 90 foi testemunha de um rápido aumento no índice e grau de privatização dos sistemas de condução de água anteriormente administrados pelo Estado. As empresas privadas administradoras de água se ocupam cada vez mais de prestar serviços às cidades em expansão ao fazer-se encarregadas de organismos públicos para construir, possuir e operar parte ou inclusive todo o sistema municipal. Do mesmo modo, tem aumentado a preocupação com a garantia do acesso eqüitativo à água ao setor pobre da população, financiar projetos e compartilhar riscos da melhor maneira possível” (GEO-3: 156-7).

O mundo da água privatizada está sendo dominado amplamente por grandes corporações (ver mais abaixo) que vêm atuando no sentido de que um novo modelo de regulação seja conformado à escala global.

Salientemos que, até aqui, não há um modelo pronto de regulação até porque são muitas os problemas que vêm se apresentando.

Várias têm sido as propostas de privatização das águas, todas baseadas numa ampla desregulamentação pela abertura dos mercados e a supressão dos monopólios públicos, sob a pressão dos técnicos do Banco Mundial e do FMI, políticas essas que vão desde:
(1) privatização em sentido estrito, com a transferência pura e simples para o setor privado com a venda total ou parcial dos ativos;
(2) transformação de um organismo público em empresa pública autônoma, como bem é o caso da ANA – Agência Nacional da Água – no Brasil; ao
(3) PPP – Parceria Público Privado - modelo preferido pelo Banco Mundial.

As dificuldades para se estabelecer um sistema de regulação pode, ainda, ser visto na sucessão de entidades que, em pouco tempo, vêm se alternando no sentido de se chegar a um formato que possa garantir “a superação dos obstáculos aos investimentos em água[9]. Em 1994, por iniciativa de alguns governos (França, Holanda e Canadá entre outros) e de grandes empresas, com destaque à época para a Suez-Lyonnaise des Eaux uma das maiores do mundo do setor, foi criado o Conselho Mundial da Água.

Segundo nos informa Ricardo Petrella, em 1996 esse Conselho se atribuiu o objetivo de definir uma “visão global sobre a água" de longo prazo, que serviria de base a análises e propostas visando uma "política mundial de água".
Ricardo Petrella
Nos últimos anos tem sido o Banco Mundial o principal promotor do Conselho Mundial da Água que ensejou a criação da Parceria Mundial pela Água (GWP - Global Water Partnership) que tem como tarefa aproximar as autoridades públicas dos investidores privados. O GWP é presidido pelo Vice-presidente do Banco Mundial e como os trabalhos desse organismo não têm se mostrado plenamente satisfatórios criou-se, em agosto de 1998, outro órgão, a Comissão Mundial para a Água no Século XXI.

Embora não haja ainda uma modelo claro de regulação, um princípio vem sendo sistematicamente perseguido: o da liberalização, que acredita que a alocação ideal de recursos (bens e serviços materiais e imateriais) requer a total liberdade de acesso aos mercados local, nacional e, sobretudo, mundial [10].


Segundo Ricardo Petrella, “por ocasião da IV Conferência Geral da OMC em Doha, em novembro de 2001, sob a eficaz pressão do European Service Forum (Fórum Europeu de Serviços) – que reuniu as principais empresas européias, tais como Suez, Vivendi, bancos, seguradoras e telecomunicações –, os representantes da União Européia conseguiram fazer aprovar, algumas horas antes do fechamento oficial das negociações, um dispositivo autorizando a inclusão de “indústrias do meio ambiente” (que englobam os serviços de água) entre os setores que podem ser objeto de liberalização dentro do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - AGCS”.

No capítulo sob título “Comércio e Meio Ambiente” aprovado nessa mesma reunião, pode-se ver no artigo 31, inciso 3, que se exige “a redução ou, conforme o caso, a eliminação dos obstáculos tarifários e não tarifários aos bens e serviços ambientais”, entre os quais, a água. Segundo essa lógica, qualquer tentativa de controle de exportação da água para fins comerciais passa a ser ilegal. O artigo 32 tem por objetivo impedir os países de apelarem para obstáculos não tarifários, como as leis de proteção ambiental [11]. Na Alca esse mesmo princípio vem sendo proposto pelos EUA. É com base nele que várias empresas vêm processando governos sempre que esses, alegando o interesse público, ferem os interesses comerciais das grandes corporações.

A Sun Belt, empresa estadunidense da Califórnia, processou o governo da Colúmbia Britânica, província do Canadá, que suspendera a exportação de água para os EUA pelas conseqüências que estava trazendo para abastecimento de sua própria população. A alegação da empresa é que o governo da Colúmbia Britânica violara os direitos dos investidores do Nafta e, por isso, reivindicava a indenização de US 220 milhões como reparo de seus prejuízos, no que foi bem sucedida judicialmente.

A empresa estadunidense Bechtel, expulsa da Bolívia no ano 2000 pelos péssimos serviços que prestara por sua subsidiária Águas del Tanuri, em Cochabamba, tentou processar o governo boliviano através de uma empresa especificamente criada para isso na Holanda. Na verdade, a Bechtel buscava se aproveitar de um Tratado bilateral entre os governos da Bolívia e da Holanda que estabelece fórum internacional para resolução de conflitos entre esses países. A tentativa não obteve êxito, pois o governo da Holanda cassou o registro de conveniência da empresa estadunidense. O exemplo, por si mesmo, revela os interesses contraditórios entre Estados Nacionais e o que as empresas visam, no caso, sobretudo, a rentabilidade dos seus negócios.

Observe-se que é um novo território, global, que está sendo instituído ensejando as condições para que se afirmem protagonistas que operam à escala global – os gestores globais, as grandes corporações transnacionais e grandes organizações (adequadamente chamadas no ideário neoliberal) não-governamentais. Cada vez mais, muitos dos técnicos dos próprios organismos nacionais são contratados em parceria com o Banco Mundial e outros organismos internacionais e, assim, órgãos que seriam de planejamento se tornam simplesmente de gestão, já que perdem o caráter estratégico inerente ao planejamento, haja vista ser esse definido à escala global, enfim, aquela escala em que operam as grandes corporações e, ainda, as grandes organizações (neoliberalmente bem denominadas) não-governamentais.

O fato de cada vez mais se falar de gestão não nos deve fazer esquecer a necessária relação entre planejamento e gestão, haja vista o primeiro, o planejamento, ser mais estratégico e político, e o segundo, a gestão, ser mais técnico-operacional. Cada vez mais o planejamento tem se deslocado para os organismos multilaterais.

Deve-se ter em conta que, além das resistências de todo tipo a essa política de novas formas de controle e gestão por meio da privatização e liberalização, há também interesses empresariais em disputa que ainda não conseguiram conformar claramente seus interesses divergentes.

Há, também, questões relativas à própria doutrina jurídica, até porque não há grande tradição de apropriação privada de recursos que são fluidos, líquidos, cujos limites não são tão claros e distintos, como é a terra, cuja tradição jurídica está ancorada no Direito Romano. As cercas não são aplicáveis ao ar e à água nem às fronteiras entre os Estados. Afinal, a água exige uma perspectiva que vá além da propriedade privada individual e nos chama a atenção, talvez melhor do que qualquer outro tema, para o caráter público, exigindo um sentido comum que vá além do individualismo possessivo tão cultivado e estimulado pela lógica de mercado.


Eis parte do grande desafio colocado pela problemática ambiental, haja vista apontar para questões que transcendem a propriedade privada, sobretudo quando nos coloca diante da queda de outros muros que se acreditavam ter sobrevivido sem maiores conseqüências à queda do muro de Berlim, em 1989. Afinal, questões como as da poluição do ar e da água que, como vemos, não se restringem à escala local ou regional, exigem referências de direito distintas do Direito Romano, direito sobretudo (dos proprietários e) da propriedade privada, e que foi pensado para a terra e não para a água e o ar (para não dizer da vida, conforme se pode ver no debate sobre a propriedade intelectual sobre material genético).

(*) Geógrafo, doutor em Ciências pela UFRJ e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000) é autor de diversos artigos e livros publicados no Brasil e no exterior.


[8] Não olvidemos que também eram os pobres que eram invocados pelos políticos então chamados de populistas e oligárquicos, com a ‘indústria da seca’ e da ‘bica d’água’.

[9] Aproprio-me, aqui, literalmente, do título de um painel do Congresso Anual de Desenvolvimento Econômico patrocinado pelo FMI e pelo Banco Mundial, onde estiveram reunidos representantes de governos de 84 países com corporações e instituições financeiras internacionais (Ver Maude Barlow em “O Ouro Azul” em http://www.canadians.org)./

[10] É o que vêm propondo não só os novos teóricos da justiça social e da democracia, como vários seguidores de John Rawls, mas também alguns intelectuais e cientistas progressistas, como o Prêmio Nobel de economia Amartya Sem, conforme nos diz Ricardo Petrella.

[11] Definiu-se, ainda, que cada Estado membro da OMC deve submeter as solicitações de liberalização que espera dos outros membros. As formuladas pela União Européia, até aqui, principalmente para o Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Egito e a África do Sul, insistem sobre a liberalização dos serviços de água (Ler ATTAC nº 338, do dia 7 de junho 2002 jornal@attac.org


[Nota da Equipe Educom: Parece que o Brasil está fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos... De modo geral, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM (Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais) têm ajudado o mercado da água a acelerar o processo de privatização, à medida que pesquisadores do país descobrem que nosso potencial de água é maior do que imaginávamos. Entregam pesquisas já feitas por brasileiros a estrangeiros, patrocinadas a peso de ouro com recursos do povo brasieliro, negados aos pesquisadores das instuições e das universidades brasileiras.]

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O problema da seca no Nordeste não é falta de água

23/04/2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog

Foto: Pedro Penha
Mais de 250 municípios decretaram estado de emergência por conta da seca prolongada no Nordeste.

O nível dos açudes está baixo, sendo que alguns já secaram. Plantações se perderam. Quem tem cisterna ou reservatório na propriedade está conseguindo garantir qualidade de vida para a família e as criações.

Dilma Rousseff tem reunião, nesta segunda (23/04), com governadores do Nordeste e deve tratar da seca e de medidas que serão tomadas pelo governo federal para ajudar a mitigar seus efeitos.
Tempos atrás, durante outra estiagem, fiz um ping-pong curto com João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Ele é um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina. Entrei em contato com ele de novo e refiz as perguntas. Pouco mudou.

Por mais que haja evaporação e açudes sequem, a região possui uma grande quantidade de água, suficiente para abastecer sua gente.

Segundo Suassuna, o problema não é de falta de recursos naturais, mas de sua distribuição.


Falta água no Nordeste?
O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado em regiões semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metro cúbicos, estocados em cerca de 70 mil represas. A água existe, todavia o que falta aos nordestinos é uma política coerente de distribuição desses volumes, para ao atendimento de suas necessidades básicas.


O que é o projeto de transposição do São Francisco?
O projeto do governo, remanescente de uma idéia que surgiu na época do Império, visa ao abastecimento de cerca de 12 milhões de pessoas no Nordeste Setentrional, com as águas do rio São Francisco. Ele foi idealizado para retirar as águas do rio através de dois eixos (Norte e Leste), abastecer as principais represas nordestinas e, a partir delas, as populações.


Hoje, as obras estão praticamente paralisadas, com alguns trechos dos canais se estragando com o tempo, apresentando rachaduras.


Então ele é a saída para essa distribuição?
O projeto é desnecessário tendo em vista os volumes d´água existentes nas principais represas nordestinas. Da forma como o projeto foi concebido e apresentado à sociedade, com o dimensionamento dos faraônicos canais, fica clara a intenção das autoridades: será para o benefício do grande capital, principalmente os irrigantes, carcinicultores [criadores de camarão], industriais e empreiteiras.

Então, há outras alternativas para matar a sede e desenvolver a região?
A solução do abastecimento urbano foi anunciada pelo próprio governo federal, através da Agência Nacional de Águas (ANA), ao editar, em dezembro de 2006, o Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de água. Nesse trabalho é possível, com menos da metade dos recursos previstos na transposição, o beneficio de um número bem maior de pessoas. Ou seja, os projetos apontados pelo Atlas, com custo de cerca de R$ 3,6 bilhões, têm a real possibilidade de beneficiar 34 milhões de pessoas, em municípios com mais de 5.000 habitantes.


O meio rural, principalmente para o abastecimento das populações difusas – aquelas mais carentes em termos de acesso à água, poderá se valer das tecnologias que estão sendo difundidas pela ASA (Articulação do Semiárido), através do uso de cisternas rurais, barragens subterrâneas, barreiros, trincheiras, programa duas águas e uma terra, mandalas etc.


Enquanto isso, o orçamento do projeto de Transposição não pára de crescer. No governo Sarney, ele foi dimensionado com um único eixo e tinha um orçamento estimado em cerca de R$ 2,5 bilhões. Na gestão Fernando Henrique, ganhou mais um eixo e o orçamento pulou para R$ 4,5 bilhões. No governo Lula, saltou para R$ 6,6 bilhões. E, agora, no governo Dilma, chegou na casa dos R$ 8,3 bilhões. Como se trata de um projeto de médio a longo prazo, essa conta chegará facilmente à cifra dos R$ 20 bilhões nos próximos 25 a 30 anos.

Notas do blog do Sakamoto:
- O governo Dilma mudou a política de apoio à construção de cisternas que vinha sendo tocada pela ASA através do projeto “Um Milhão de Cisternas para o Semiárido”. Para acelerar a produção de cisternas (gigantes caixas d’água que guardam a água da chuva), as placas de cimento foram trocadas por pré-moldados de polietileno – que podem deformar com o calor, custam mais que o dobro que os feitos com a matéria-prima anterior, não utilizam mão-de-obra local na sua confecção (não gerando renda) e tem manutenção mais complexa do que se fossem feitos de alvenaria. As organizações sociais criticaram a tomada de decisão centralizada, sem questionar quem vem executando e se beneficiando da política pública na base.

- No ano passado, a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União constataram um desvio de R$ 312 milhões em verbas do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), que poderiam estar sendo utilizadas para diminuir o impacto da estiagem deste ano.

Como disse, o problema (que não é novo) não é de falta e sim de distribuição. De água, de decisões, de recursos. Enfim, de cidadania.

Nota do blog Educom:
"- De fato, não temos escassez de água, tanto no solo quanto, agora, também no subsolo. Entretanto, o modelo atual do uso racional desse bem ... começa a ser posto em cheque. Ainda nos resta um longo caminho até que esse "desenho" atual se veja completamente superado. Existe sim água para abastecer a população mundial sem a necessidade de racionamento. O problema da crise da água no mundo é de gerenciamento e de distribuição. As pessoas acham que a água vai acabar porque consideram para o abastecimento apenas a água superficial, porque cultivamos uma cultura do desperdício e finalmente porque não cessa a contaminação dos cursos d`água." (ver Milton Matta - http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_8901.html )