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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Mineradoras: câncer ambiental que suga água e destrói ecossistemas

Por Zilda Ferreira*



As mineradoras estão poluindo o solo, o ar e a água. Os minerodutos, tubulações usadas para transporte rápido e barato de minérios a longas distâncias, estão sendo multiplicados. Sem conhecimento da população e das autoridades, as mineradoras sugam, através dessas tubulações, milhões de litros de água, secando nascentes e regiões onde a água era outrora abundante.

Pequiá de Baixo, bairro rural de Açailândia (MA), exemplifica bem esse cenário, sendo considerado "O inferno siderúrgico na Amazônia", com cinco unidades de produção de ferro gusa, liderada da Companhia Vale. A justiça já reconheceu que a vida no lugar é inviável e solicitou o reassentamento da população em outro lugar. Para agravar essa situação de desequilíbrio ambiental, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras das siderúrgicas fez de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

E são raras as denúncias de ONGs ou de pesquisadores sobre a catástrofe ambiental que as mineradoras têm provocado. Coincidentemente, essas mineradoras patrocinam ONGs, financiam pesquisas acadêmicas, e nas últimas eleições, foram as maiores doadoras de recursos às campanhas legislativas, estaduais e federais.

Não só na Amazônia elas sugam e envenenam a água, na Bahia também foi constatado situação parecida, veja link abaixo. Em Minas Gerais há exemplos desse cenário de desvio dos recursos hídricos. A Samarco, que já em possui dois minerodutos ativos, que ligam Germano, em Mariana(MG) a Ubu, em Anchieta (ES), projeta construir mais três - ligando MG ao litoral. Esse sistema dutoviário, que consiste no transporte dos minérios através de um líquido, no caso a água, traz danos ao meio ambiente. Tal sistema impacta no abastecimento doméstico, em função da drenagem excessiva de água que abastece os dutos. (Mineração na Caatinga: o pesadelo das comunidades rurais)

A Lei das águas 9433/97 prevê pagamento de Royalties, em outorgas. A mesma Lei estabelece que as águas subterrâneas são de Domínio Estadual e não Federal. O geólogo Milton Matta assegurou que as mineradoras usam de graça as águas subterrâneas. Milton é conhecido pelo seu trabalho junto à Universidade Federal do Pará-UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre o potencial do Aquífero Alter do Chão, na Amazônia (que tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani).

Diante desse cenário, vale destacar a importância das águas subterrâneas na estrutura hídrica brasileira: ainda não há números oficiais apurados, mas cientistas afirmam que volumes subterrâneos já são maiores que volumes superficiais.Como grandes empresas, incluindo mineradoras, compram terras em cima de aquíferos, o Brasil está perdendo a soberania de suas águas subterrâneas, uma vez que o controle é de responsabilidade estadual,não cabendo intervenção federal.

Essa situação de degradação não é novidade. Há 18 anos, em 1997, participei de uma expedição com a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) para percorrer o Caminho Contrário dos Irmãos Vilas-Boas. A ideia era trazer o conhecimento indígena à civilização e estudar também o avanço do agronegócio e das mineradoras no entorno do Parque do Xingu.O Grupo multidisciplinar era coordenado pelo Geólogo José Domingues Godói Filho, chefe do Departamento de Geologia da UFMT. Ao longo dessa expedição me explicaram sobre o “Projeto” que eles haviam ironicamente denominado “Projeto Amansa a Terra".


“A mídia espalha que há muito ouro, ou pedras preciosas e os garimpeiros todos rumam para o lugar. Depois, as ONGs, patrocinadas pelas empresas, denunciam que os garimpeiros acabaram com o meio ambiente. Em seguida, as mineradoras se instalavam e as denúncias cessavam. Isso, não é apenas ironia, acontecia e continua acontecendo”. Atualmente, aqui no Brasil, quase todos desconhecem as denúncias de que uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas no Peru. E por coincidência, a cidade mais poluída do Continente Sul Americano fica nos Andes, no Peru, La Oroya, pólo minerador. 

Leia também:
Manobra tenta aprovar Código da Mineração

A luta pelo direito a água na Rio + 20

Um inferno siderúrgico na Amazônia


Secaram São Paulo e podem secar o Brasil


Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Telesur: Privatización global del agua por "megabancos" de Wall Street y el Banco Mundial


* Zilda Ferreira é editora do blog e especialista em Educação Ambiental.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água

22/03/2013 - por Zilda Ferreira (*)

O Brasil é o país mais rico em água do planeta. Mas, não tem políticas públicas adequadas que possam gerir esses recursos, em benefício do Estado e da população.

As dificuldades do povo, principalmente o mais carente, para ter acesso à água potável, em alguns municípios, mesmo em cima de aquíferos, denunciam essa má gestão dos recursos hídricos que  tem priorizado o mercado em detrimento do bem estar social.

A Resolução da ONU 64/292 determina como direito humano a água e o saneamento, mas ela não é cumprida. Por isso, não temos nada para comemorar, hoje, Dia Internacional da Água.

Para se ter ideia como a gestão das águas tem priorizado o mercado, basta viajar por este país.

Não se precisa de teoria e nem de uma literatura sobre o assunto, os dados e os fatos saltam aos olhos, principalmente onde o abastecimento é feito por concessões às empresas privadas.

A água é cara, quem não pode pagar não tem acesso, além da contaminação presente nela por falta de investimentos.

Na região Norte, durante um seminário de geologia, na UFPA (Universidade Federal do Pará), denunciou-se que em Manaus a água é a mais cara do país  A concessionária é uma empresa  francesa do grupo Suez e muitas pessoas pobres tiveram a água cortada por falta de pagamento.

Manaus fica na extremidade oeste do aquífero Alter do Chão, provavelmente, o maior do mundo em volume de água. 

Em Belém, segundo alguns estudantes presentes, estão tentando privatizar a água da cidade e por isso o abastecimento tem sido precário para que a ideia de privatização da empresa Cosanpa seja vendida como a tábua de salvação.

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, situada sobre o aquífero Guarani, a concessionária pertence a grupos políticos, não identificados.

Lá, conhecemos uma senhora que, ganhando salário minimo pagava uma conta de água de R$ 100,00 (cem reais). Embora ela passasse o dia fora e suas duas crianças ficassem na creche.

O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado, em regiões semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metros cúbicos estocados em cerca  de 70 mil represas de portes variados.

A água existe, mas falta aos nordestinos uma política coerente de distribuição desses volumes para o atendimento de necessidades básicas.

Estes dados constam de um depoimento recente de João Suassuna, um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

Em Santarém, Pará (foto), em plena região dos maiores rios do Brasil, às vezes, não é possível tomar banho, necessidade primordial em virtude do calor e da poeira, porque não há água nas torneiras.

Essa maravilhosa cidade, às margens do Tapajós, fica no coração do aquífero Alter do Chão (foto).

Durante a Rio+20, a água foi o assunto principal, até nas filas para pegar o ônibus para o Riocentro, onde acontecia a Conferência...

Um engenheiro sanitarista comentava com uma jornalista:
- No Rio Grande do Norte não há perigo de privatizar a água.
- Por que? indagou ela.
- O processo de fornecimento lá, fica caro, temos que buscar (bombear) água de longe. Além disso, temos vários programas sociais de abastecimentos às populações carente. Não dá lucro. Por isso, não há demanda por concessões para prestar esse  serviço, respondeu o sanitarista.

O mesmo não acontece no norte de Mato Grosso, onde cada município tem uma concessionária, a demanda é grande, mas todas pertencem ao mesmo grupo.

A água é abundante e o abastecimento é precário e oneroso à população, informou uma pesquisadora da Universidade do Amazonas, explicando que essa região fica na chamada Amazônia Legal.

A ONU lançou 2013 como o Ano Internacional da Cooperação pela Água.

O objetivo da iniciativa é incentivar o relacionamento social positivo das pessoas e comunidades, a partir da água como instrumento de relação.

A ideia é boa, mas a política brasileira de gestão das águas, que prioriza o mercado em detrimento da população não permite essa cooperação.

Dizem que a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (foto), não vai conseguir entregar toda a água do país, porque é demais.

Tampouco toda a
biodiversidade existente em nossas terras, sem dúvida a maior megabiodiversidade do  planeta..., não haveria tempo suficiente para isso.

Mas com o MMA ela vai acabar.

Aliás já começou o desmonte do ministério.

Nesta última terça feira, dia 19, ela propôs o fim do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), instituído pela Lei 6938/81, que revolucionou a política ambiental brasileira e gerou o Art. 225 da Constituição Federal.

Para quem não lembra, a ministra Izabella Teixeira foi, há mais de quinze anos, a Coordenadora do PDBG - Programa de Despoluição da Baia de Guanabara que, ao final, redundou em um notório fracasso a exalar até os dias de hoje, o cheiro fétido, que os moradores do Complexo da Maré tão bem conhecem, de tanta incompetência.

A política ambiental do país é um espelho da do Rio de Janeiro, onde desastres ambientais em cascata, fruto de duas décadas de gestão do mesmo grupo político mentor da atual ministra do Meio Ambiente, escancaram cenas como - mais uma vez - a da recente mortandade de quase 100 toneladas de peixes da lagoa Rodrigues de Freitas, na zona sul da cidade.

Algo semelhante ao terror que assombra os moradores da região serrana a cada anúncio de chuvas, com as vidas ceifadas a cada verão, como as praias e rios poluídos, cujas imagens percorrem o mundo sem revelar a extensão desse drama.

Como as agressões - do que ainda sobra -, seja à Mata Atlântica ou à Floresta da Tijuca.

Luto e luta para saudar o Dia Internacional da Água. Mas nada pra comemorar.

(*) Zilda Ferreira é jornalista e editora deste blog


Não deixe de ler:
- Privatização da Água: o 'fracasso' melhor financiado - Revista Fórum - original do Envolverde
- A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
- A centralidade da água - Mônica Bruckman

E mais:
- Quem são os donos dessas águas? - Antonio Fernando Araujo
- Água não se nega a ninguém - Carlos Walter Gonçalves
- Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - Antonio Fernando Araujo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html

Parte 5/6 - NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_04.html


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM

Antonio Fernando Araujo*

O esforço que se faz hoje para distribuir entre as oligarquias políticas e as elites empresariais ambiciosas a abundância de terras e a vastidão mineral do Carajás ao grupo de homens e instituições poderosas associadas ao clã Sarney encontra um paralelo perfeito quando nos referimos às riquezas da bacia do rio Tapajós, das margens da rodovia Cuiabá-Santarém, da eletricidade que virá de Belo Monte e, principalmente, desse mundo de águas subterrâneas sob Alter-do-Chão, alvos grandiosos e insubstituíveis da cobiça do clã Barbalho. Delineia-se assim o quadro da avidez dos que pretendem fatiar o Pará criando mais dois Estados: Carajás e Tapajós. Nesse jogo de ardilosos políticos e homens de negócios perde a população, perde o Estado, perde a Amazônia e perde o Brasil, a cobiça internacional sempre vê com bons olhos a divisão do adversário a ser, primeiro, politicamente derrotado, depois, economicamente conquistado. Portanto, não se trata daquela submissão feita a partir das armas, como faziam os velhos corsários, mas aquela dos ardis e da astúcia típica de veteranos trapaceiros que a vida consagrou, compartilhada com o indispensável conluio com seus aliados locais.

Talvez, por estar trilhando uma daquelas inúmeras possibilidades futuras de uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance e que ainda possa servir como modelo para o desenvolvimento local da população, Matta, apontando para algumas ilhas em volta de Belém, começou a descrever-me entusiasmado seu projeto mais recente. Quer integrar a população que habita em algumas delas, em diversos empreendimentos de caráter sustentável, todos, por ora, voltados apenas para a agricultura. O contraste entre o meio ambiente ainda preservado naquelas 39 ilhas do entorno de Belém e a degradação ambiental que vimos presente às margens da rodovia Belém-Mosqueiro assume outras feições quando se constata que a canoa é o meio de transporte mais comum utilizado pelos moradores para alcançar a metrópole. "A estrada é o ponto de partida do processo de degradação da natureza", aponta o estudioso Leonardo Coutinho em seu blog. "Mais de 80% das queimadas acontecem perto das rodovias", enfatiza. E isso vale tanto para as minúsculas trilhas vicinais escondidas sob a capa da floresta quanto para uma imensa Cuiabá-Santarém que se quer asfaltar o quanto antes para, não apenas melhorar as condições do percurso, mas também para que a valorização de suas margens ganhe um novo impulso.


As crianças e adolescentes dessas ilhas cursam a escola no continente. Como seus pais, quando precisam ir à cidade, fazem a travessia do rio Guamá ou da baía de Santo Antonio ou da de Guajará remando suas "montarias" e indo ao encontro de uma realidade absolutamente distinta daquela quase primitiva onde habitam. O diagnóstico preciso e as conseqüências advindas desse choque cultural, dessa realidade que parece pecar contra as regras do saber viver, é um desafio diante de Matta, levando-se em conta que esses jovens despendem um dia inteiro nesse ir e vir deslizando nas águas e de frequentar aulas como se fazia no princípio do mundo.

Mas o projeto do professor se enquadra no esforço de inseri-lo na economia local, longe de qualquer ideia de justificar o extrativismo vegetal puro e simples, consciente de que a "síndrome extrativa foi importante para chamar a atenção para a Amazônia e para uma mudança de mentalidade da sociedade brasileira quanto ao processo de desenvolvimento que vinha sendo seguido." E mais: que "a economia extrativa contribuiu fortemente para a formação histórica, econômica, social e política da região e, também, para o processo de pauperização secular", como anotou Homma. Ao contrário, através do estabelecimento de parcerias, como, por exemplo, com a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu, no sentido desta fornecer para as ilhas mudas de cacau, cupuaçu e açaí, prover assistência técnica aos agricultores, viabilizar a comercialização dos produtos oriundos desses plantios e em troca assegurar-se que um fornecimento sistemático lhe garantirá a possibilidade de contratos firmes com os distribuidores de Belém, exportadores nacionais e importadores internacionais fez com que Matta percebesse esse momento como o passo inicial de um plano que prevê, agregar valor a esses produtos, seja através de um beneficiamento primário ou, numa etapa mais adiante, vê-los envolvidos nas utopias que cercam as pesquisas, testes e fabricação de fitoterápicos e cosméticos, ainda que sujeitos a rigorosa legislação dos países desenvolvidos para onde serão exportados.

Esse é um tipo de atividade de fato sustentável que ele defende para alguns dos projetos amazônicos. Pouco ou nada tem a ver com as mentiras que contam sobre sustentabilidade, um modismo que hoje transparece em "cada produto que você compra nesta loja, plantamos 5 árvores”. Esse "marketing verde" que respira bondade ecológica por todos os poros e propõe o "consumo consciente" não passa de mais uma manipulação de quem, como dissemos, pratica com maestria o ofício de não sentir remorsos por seus crimes, desse capitalismo sem freios que esmaga e distorce as boas idéias praticando uma obsolescência programada, onde os prazos são cada vez mais curtos, sem levar em conta que, tecnicamente é possível produzir uma geladeira que dure 60 anos e uma lâmpada 100 ao invés de apenas 1 ano e, ainda assim, ir embutindo na velha carcaça os avanços tecnológicos produzidos a cada geração, como sucede com os ônibus espaciais e as estações orbitais. Ser sustentável, portanto, tem unicamente a ver com o respeito ao ritmo do planeta se regenerar e, para isso o consumo de qualquer produto, independentemente de sua origem, é para ser norteado apenas pelo necessário, o econômico, o consumir menos, em suma, e não consumir mais os produtos ditos "sustentáveis", mesmo que a roupa nova, mas desnecessária, que se compra porque está na moda, tenha sido produzida com fibras "sustentáveis". Da mesma forma que o celular que se troca simplesmente porque saiu um modelo novo, fará com que o aparelho velho seja despejado como lixo eletrônico na costa da África, embora todos seus componentes tenham sido produzidos com dispositivos "ecológicos".

Nesses trapaceios em que os poderosos se unem para levar adiante seus interesses, quase sempre contrários aos da população, pelo menos a voz do governador do Pará, Simão Jatene, em uma mensagem oficial sobre a divisão do Estado, no que ela contém de oportuno, denunciou que "a insegurança é maior quando sabemos que o projeto de divisão em pauta não foi fruto de qualquer estudo prévio que procurasse definir o perfil de cada novo Estado. Quais os municípios que deveriam integrar esse ou aquele Estado para que se tivesse um melhor equilíbrio econômico, social e político, para que o povo fosse efetivamente beneficiado. Não, a população em todo esse processo, lamentavelmente, não teve seus interesses considerados. Foi apenas 'um detalhe'. 'Detalhe' que, agora, tem a responsabilidade de decidir diante de um 'prato feito', sem poder mudar mais nada. Até que seja provado o contrário, os parcos estudos existentes não fundamentam uma proposta de divisão, quando muito tentam justificar, ou não, uma divisão baseada num elevado grau de aleatoriedade e subjetividade."

Só assim projetos como o de Matta para as ilhas da região metropolitana de Belém tem um sentido histórico, coerente com o conceito amplo de sustentabilidade global, tornada socialmente cúmplice das melhorias de vida da população. No instante em que essa gente se vê inserida no mercado de consumo, por ter galgado um patamar de renda que lhe permite "ir às compras", em algum lugar do mundo as pessoas precisarão reduzir seu próprio consumo, norteadas pela concepção de que a sustentabilidade do planeta exige exatamente isso, a redução do desperdício, do desnecessário, do que pode ser postergado, para permitir então que os moradores das ilhas de Belém passem a consumir algo acima da linha da miséria e comecem a se beneficiar dos confortos da civilização e sonhado equilíbrio ecológico do planeta não seja por demais afetado, o velho passado e o futuro, agora dando as mãos. Essa é a utopia que norteia a exata noção, agora tornada universal, de desenvolvimento sustentável. Visto dessa forma não há fraudes e os interesses difusos como os que se abrigam nesse arsenal de falsas maravilhas que ora tentam vender à população, camuflados em algumas das propostas de divisão do Estado do Pará, tem mais a ver com a ambição de políticos e empresários mancomunados para, apenas em benefício próprio, se apossarem com mais facilidade das riquezas da região, como fizeram e fazem corsários e piratas, do que com projetos que, como os de Matta, desde cedo impõem um compromisso com a prosperidade das gentes desta região.

E o professor vai mais adiante. Se por um lado a proposta de contenção do consumo de bens industrializados permeia o discurso do desenvolvimento sustentável esse pensamento se prolonga até o consumo da água potável, a qual já há algum tempo insiste em desaparecer das torneiras, mundo afora, por sua vez, esse mundão de águas presente nesta região pode facilmente nos fazer pensar que, pelo menos aqui, não há o que temer. Ora, garante Matta, nada é tão falso quanto isto, embora esteja evidente a contradição. De fato, não temos escassez de água, tanto no solo quanto, agora, também no subsolo. Entretanto, o modelo atual do uso racional desse bem e que passa por processos técnicos e operacionais de identificação de fontes na superfície, cuidados para evitar contaminações, de captação, de tratamento e termina em uma enorme rede de distribuição, associados aos indispensáveis serviços de manutenção, de administração e de cobrança, nos faz pensar que, postos agora diante desses enormes mananciais subterrâneos, onde a pureza da água é comprovadamente mais alta, pois está mais bem protegida de agentes contaminantes, apresenta melhor qualidade físico-química e bacteriológica, sofre menos evaporação, a captação é mais simples, o tratamento menos oneroso e a rede de distribuição infinitamente menos complexa, mais fáceis de construir e manter, portanto mais econômica, pois cada poço abasteceria apenas algumas poucas unidades consumidoras, não temos dúvidas de que o modelo vigente começa a ser posto em cheque. Ainda nos resta um longo caminho até que esse "desenho" atual se veja completamente superado.

Daí porque, com o olhar voltado para a baía, prosseguiu: - 70% da água potável usada no mundo está voltada para a agricultura; 20%, para as indústrias e apenas 10%, para o abastecimento público. Quer dizer que estamos nos esforçando para economizar apenas um percentual desses 10%. Comparativamente, sabemos que 60% do total de água utilizado na agricultura é desperdiçado e, de acordo com dados da ONU, se baixássemos esse nível de desperdício para 50%, esses 10% economizados seriam suficientes para abastecer o dobro da população humana mundial. Há muitos mitos girando em torno desse tema. O mais contundente deles alerta que se não alterarmos radicalmente a forma como usamos nosso recursos hídricos, em 2050, quase a metade da população mundial não terá água para necessidades básicas. Atualmente, existem 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água doce. Em 40 anos, poderá atingir 10 bilhões de indivíduos.

- Não é nada disso, contesta o mesmo Matta, existe sim água para abastecer a população mundial sem a necessidade de racionamento. O problema da crise da água no mundo é de gerenciamento e de distribuição. As pessoas acham que a água vai acabar porque consideram para o abastecimento apenas a água superficial, porque cultivamos uma cultura do desperdício e finalmente porque não cessa a contaminação dos cursos d´água. Embora a maior parte da superfície da Terra seja coberta por água, 97,5% dela é salgada e encontra-se nos mares e oceanos; 1,7% está sob a forma sólida em geleiras e calotas polares deixando apenas 0,8% disponível para o consumo humano. Desse total de água potável no mundo, cerca de 4% estão sobre a superfície, em lagos, rios ou, ainda, na forma de vapor. Os outros 96% estão debaixo dos nossos pés, nas águas subterrâneas.

O aquífero de Alter-do-Chão é um deles, o maior desses mananciais gigantes como as Mães dos Deuses que ainda reinam na selva. Lá do fundo recusam-se a reproduzir a voz dos desertos, daquelas terras cada vez mais extensas, pouco a pouco tornadas sedentas na superfície.


Referências e fontes:
- Meio Século de Mineração Industrial na Amazônia e suas Implicações para o Desenvolvimento Regional - Maurílio Abreu Monteiro - Estudos Avançados - 2005
- Ciência e Democracia na Amazônia - Alain Ruellan - 2009
- Questão Agrária e Macro Políticas para a Amazônia - Francisco de Assis Costa – Estudos Avançados - vol. 19, nº 53 - Dossiê Amazônia Brasileira I - 2005;
- Vale do Rio Doce: Hora da Mudança - Mineração x Petróleo. Os Royaltes Nossos de Cada Dia - Luiz Begazo - Revista Valor Econômico - jan/2011;
- Amazônia: Como Aproveitar os Benefícios da Destruição? - Alfredo Kingo Oyama Homma - Estudos Avançados - vol. 19, nº 54 - Dossiê Amazônia Brasileira II - 2005;
- Pará e Minérios - Movimento da Receita: Sonegação e Desvio - Lúcio Flávio Pinto – Jornal Pessoal - mar/2011;
- O Desmatamento na Amazônia e a Importância das Áreas Protegidas - Leandro Valle Ferreira, Eduardo Venticinque e Samuel Almeida - Estudos Avançados, vol. 19, nº 53 - 2005;
- Governo Planeja Laboratório Oceanográfico em Alto-Mar Para Garantir Domínio Territorial - Roberto Maltchik e Eliane Oliveira - O Globo - 09/jan/2011.

Agradecimentos ao:
- Dr. Edilson Pereira, Secretário Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão da Prefeitura Municipal de Belém que através de seu Diretor Geral, geólogo Herbert de Almeida, nos facilitou o acesso ao NAEA e aos professores João Batista Ribeiro, Evaldo Pinto da Silva, Francisco de Assis de Abreu e Estanislau Luczynski;
- Engenheiro José Octávio Jatene, ex-Secretário Adjunto de Indústria, Comércio e Mineração do Governo do Pará que propiciou o encontro com o professor Taylor Collyer, em Marahú;
- Jornalista Zilda Ferreira, administradora do blog Educom quem idealizou este trabalho e forneceu os contatos do professor Milton Matta, em Belém.

* Antonio Fernando Araujo é paraense, engenheiro, residente no Rio, colabora em blogs e é um apoiador de Movimentos ligados a popularização da comunicação e da cultura. Para a elaboração deste trabalho passou um mês em Belém e arredores.

Belém do Pará, outubro/2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 5/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html


 NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

Antonio Fernando Araujo

Piratas foram intrépidos, aventureiros, alguns sedutores, outros até românticos. Ainda assim, teme-se que ocorra aqui algo semelhante ao que sucedeu no passado com aquelas cidades da Carolina do Norte e Caribe e o que vem sucedendo no presente na costa da Somália. Lá, embarcações - como os velhos corsários, contam, ainda que de forma velada, com algum tipo de proteção de um Estado, de uma corporação ou de uma nação - de frotas pesqueiras vindas da Europa ocidental (principalmente da Espanha e França) e Ásia, quase sempre sob "bandeiras de conveniência" compradas pela internet em alguns minutos e por menos de 500 euros, há anos, fazem do mar territorial daquele país miserável um celeiro gratuito de onde surrupiam toneladas de atum e outros peixes sem pagar um centavo e, pior, retirando da população a maior e talvez única fonte de proteínas de que dispõe. Ao se rebelarem - depois de inúmeras e inócuas queixas formuladas à ONU -, atacando esses modernos saqueadores, são os pescadores somalis os que receberam, da mídia internacional, a alcunha de piratas para, em seguida, serem vítimas da chamada "Operação Atalanta", organizada e financiada por Espanha e França que deslocaram seus vasos de guerra para a região para dar apoio aos seus próprios piratas enquanto reprimia os "piratas" somalis.

Que fique viva a lição da Somália. Ainda estamos longe de realizar aqui a travessia entre o discurso e a adoção de práticas que nos permitam evitar o surrupio da nossa fauna, da flora, das águas e dos minérios. Faríamos isso se - armado com garras nucleares - nosso combate à biopirataria propusesse a necessidade de investimentos maciços no esforço de transformar a imensa biodiversidade dessa região na geração de renda e emprego e não apenas apoiar o procedimento tradicional de coleta extrativa ou, quando nada disso der certo, acionar a Marinha, o IBAMA e a Polícia Florestal, já que não dispomos ainda daqueles armamentos que poderiam nos emprestar mais dignidade. A adoção de práticas que impliquem em uma contínua atividade de pesquisa e identificação de recursos genéticos e seus componentes, de consumar a domesticação das espécies mais valiosas e através de plantios racionais prover a extração dos princípios ativos seguido do respectivo patenteamento se for o caso, implicaria na criação de um parque produtivo local que, entre outros benefícios, contribuiria não apenas para evitar que nossos produtos oriundos da biodiversidade amazônica sejam patenteados como já o foram nos Estados Unidos, Japão e União Européia e que marcas com os nomes de frutas amazônicas, como cupuaçu e açaí, sejam registradas e, acima de tudo, para desestimular que outros países efetuem plantios semelhantes.

Torna-se mais visível quando sabemos que as chamadas reservas extrativistas - ainda que louváveis quando se pensa em apenas ganhar tempo enquanto não surgem alternativas econômicas mais rentáveis - apresentam apenas raras possibilidades futuras de servir como modelo para o desenvolvimento local da população, limitadas que são no objetivo de atender ao crescimento do mercado e quando se tem a plena convicção de que elas não são inesgotáveis. E quando se pensa em mercado, nosso olhar não se detém apenas "nos chás, infusões e garrafadas que se apóiam somente na disponibilidade dos recursos naturais, ainda que sejam eles que integram a lida diária das vendedoras da formidável feira do Ver-o-Peso, em Belém do Pará e em outros locais parecidos, atraente, sem dúvida, porém, mais como um saboroso apelo folclórico e turístico do que como uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance". O alcance que se pretende aqui visa também "sua inserção com a economia nacional, procurando equilibrá-la com as regiões mais desenvolvidas do país. A aparente prioridade que tem sido estabelecida na Amazônia não acompanha a magnitude do desafio e da propaganda que fazem dela, tanto do governo, das empresas privadas quanto dos organismos internacionais", como escreveu Homma. "A fronteira científica e tecnológica na Amazônia, prosseguiu, a despeito dos grandes avanços, ainda não provocou o impacto e as transformações que a sociedade aguarda." Como um corolário desse pensamento conclui Monteiro: "Trata-se de uma possibilidade. Todavia, distante de ser uma realidade, uma vez que isto implica confronto com interesses econômicos, visões de mundo, com o tradicionalismo de diversas ordens e instituições etc., o que requer firmeza e clareza estratégica dos dirigentes políticos, a edificação de uma institucionalidade pública na Amazônia que seja permeável à pluralidade de forças que expressam a sua diversidade social e cultural, e, sobretudo, a ampla mobilização dos diversos segmentos sociais comprometidos com um novo tipo de desenvolvimento regional."

A pirataria é tão antiga quanto a navegação e no que tem de deletéria e no interesse deste texto, ela já é visível no lado amazônico do litoral do Amapá e em dezenas de outros sítios desta região. Como se denuncia agora, ela também se exibe nos barris de resíduos tóxicos, radioativos e hospitalares despejados nos litorais desguarnecidos de alguns países africanos, além dos da própria Somália, também nos da Costa do Marfim, Nigéria, Congo e Benim, transformados em vertedouros tóxicos pelos países industrializados. Portanto, não se trata mais de uma profecia ainda que calcada numa espécie de "roteiro" futurível bastante persuasivo, mas de uma constatação dolorosa que também pode nos atingir no futuro. Só em 2011 chegaram à costa da África 600 mil toneladas desses resíduos. E aos portos brasileiros do Rio Grande e do Suape alguns "containers" mais do que suspeitos foram flagrados ao desembarcarem em 2010 e 2011 acomodando todo tipo de lixo e resíduos hospitalares norte-americanos, surpreendendo-nos com uma excêntrica "mercadoria" que até então nunca houvera sido listada entre nossos itens de importação. Quem são os que se encontram nos extremos e no meio dessa aparente cadeia de trapaceiros?


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 4/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html



DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO

Antonio Fernando Araujo


Da varanda do apartamento do geólogo e professor Milton Matta, coordenador do Laboratório de Recursos Hídricos e Meio-Ambiente, da UFPa, no 15º andar de um prédio, vê-se uma vasta porção da Belém rumo ao sudeste. O que nos permite identificar à esquerda, desde parte do contorno da baía de Santo Antonio que banha a cidade ao norte, com algumas ilhas pelo meio e as águas iniciais da baía do Marajó, até os meandros do rio Guamá, à direita e ao sul, onde se espalham outras tantas ilhas, num total de 39. E é nas margens desse grande rio, como já vimos, que se encontram as instalações do "campus" da UFPa. Entre essa imensidão de águas, a Belém que se expande horizontalmente e cresce vertiginosamente para o alto em nada se assemelha com aquelas cidades costeiras da Carolina do Norte e das ilhas caribenhas que, dos séculos XVI ao XVIII, passaram por maus bocados sob os ataques de bucaneiros e piratas.

Todavia, dificilmente poderemos assegurar que aquela avidez capitalista de corsários e seus patrões tenha chegado ao fim, neste instante em que a imensa biodiversidade amazônica, as reservas minerais ímpares de nióbio e tálio e até mesmo as de petróleo, bauxita, ferro, ouro e manganês, todos presentes na região, voltaram a excitar a cupidez do mercado tornado global e simétrico. Entretanto, Belém mesmo, está assentada sobre outra riqueza mineral. São nada desprezíveis reservas de água doce e potável, Pirabas e o Grupo Barreiras, as mais importantes. Todavia é na direção oeste do estado, algumas centenas de quilômetros adiante, que se inicia outra, bem mais rica, localizada cerca de 1500 metros de profundidade com uma espessura que vai de 500m a 600m. Há anos Matta dedica-se a elas. De acordo com seus estudos e de outros quatro pesquisadores (Francisco de Abreu, André Duarte, Mário Ribeiro, todos da UFPa e Itabaraci Cavalcanti, da UFCe) essa nova reserva se estende desde lá até a parte oriental do estado do Amazonas, "submersa" sob quase todo o estado do Pará e boa parte do Amapá. Começou ele a falar-me do aquífero Alter-do-Chão, com seus estimados 90 mil quilômetros cúbicos de água, "o suficiente para abastecer com folga toda a população mundial por mais de 300 anos" e que desde maio/2010, quando foi apresentado à comunidade científica, o fez exibindo-se com praticamente o dobro do volume do aquífero Guarani, na região sudeste (dividido entre Brasil, Paraguai e Argentina), tido até então como o maior do Brasil, quiçá do mundo.

E agora estamos postos diante daquilo que muitos estudiosos já consideram como a próxima e mais promissora riqueza de qualquer região, seus recursos hídricos. E se quisermos dar um significado adicional à exploração do aquífero Alter-do-Chão, agora como o maior manancial subterrâneo do planeta, devemos levar em conta que não estamos identificando aqui um procedimento tradicional, comumente associado a uma coleta extrativa como observada em muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade amazônica. Não precisa nem levar em conta, como lembra ainda o professor, que Alter-do-Chão hoje, já abastece cidades como Manaus (mais de 10 mil poços particulares e 130 da rede pública) e diversos municípios do Pará, como o de Santarém, às margens do Tapajós, no ponto em que ele deságua no Amazonas e por cujo porto pretende-se que escoa a produção de grãos do Mato Grosso. Trata-se assim, de uma atividade que visa atender uma necessidade primordial humana e animal, voltada tanto para o consumo próprio quanto para a agricultura e a indústria. Portanto, "a Região Norte é, sem dúvida, um dos maiores símbolos da riqueza natural encontrada no Brasil. Agora, além de abrigar a floresta Amazônica e o rio Amazonas, ela pode ser conhecida por possuir a maior reserva mundial de águas subterrâneas", garante-nos a jornalista Sílvia Pacheco. "É água que não acaba mais", enfatiza.

Assim como Carajás tornou-se alvo da ambição internacional, cristalizada em seus testas-de-ferro - políticos e empresários nacionais sob a liderança do clã Sarney -, a região do rico rio Tapajós, cujas margens da estrada que ligará em definitivo Cuiabá a Santarém, já se encontram totalmente loteadas, dessa vez entre os integrantes daquilo que se poderia chamar de clã Barbalho. Assim, é perfeitamente possível entendermos que tanto a criação do estado de Carajás, quanto a do Tapajós, passa por essa constelação de interesses que nada tem a ver com melhorias significativas das condições de vida da população. Visam tão somente saciar a ambição de algumas expressivas lideranças locais e regionais, ávidas por mais poder e fortuna. Ao invés de apoiar essa inócua divisão a população, através de suas organizações sociais, deveria se mobilizar cada vez mais na exigência do governo estadual, as melhorias que almeja em cada caso. Além de não serem iludidas, não estariam assim arcando com os altos custos de instalação de uma máquina política, administrativa e judiciária que, em última instância, beneficiará exclusivamente, aquelas elites de empresários e políticos e, em número muito reduzido alguns dos seus habitantes.
Não existem mais Barbas Negras e suas naus piratas. Mas estão aí os descendentes dos que foram reis e príncipes, cientistas e empresários, governos estrangeiros e organismos internacionais e no lugar dos barcos à vela são as grandes embarcações que para atravessar os oceanos necessitam lastrear seus porões com água, muita água. E é exatamente aqui que se pode encontrar "água que não acaba mais".

Alter-do-Chão, na verdade, é apenas o nome de uma vila balneária, antiga aldeia dos índios Borari, seus primeiros habitantes, ornada de praias com areias faiscantes e, como boa parte das vilas e cidades paraenses, carrega no nome a influência portuguesa. Floresceu às margens do rio Tapajós, a 30 quilômetros ao sul de Santarém, oeste do Pará, e sob ela, estima-se, fica localizada a parte central do aquífero que ela nominou.
Alter-do-Chão tem gosto de paraíso perdido. Talvez por conta disso, "em abril de 2009, o jornal inglês The Guardian destacava-a como a melhor e a mais bela praia do Brasil. O lugar realmente é lindo e só agora começa a ser divulgado", anotou a jornalista Zilda Ferreira, do blog Educom, que em maio de 2010, durante uma semana, permaneceu na vila procurando entender porque, de uns tempos pra cá, a mídia nacional e européia começou a anunciar aquele vilarejo como o centro da região mais rica de água do planeta.

Tudo indica que a história começou quando o príncipe Charles, herdeiro da Coroa britânica, fez, parte de sua comitiva de cerca de 30 membros passar, não apenas uma semana, mas quase todo o mês de março de 2009 no balneário. Ele próprio esteve lá por um dia percorrendo de barco e de carro, ao lado do embaixador britânico no Brasil, Alan Charlton e à frente de jornalistas ingleses, cientistas e pesquisadores, além da então governadora do Estado, Ana Carepa e de representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Itamaraty, boa parte da região, incluindo Santarém e o município vizinho de Belterra. Depois de quase 20 anos, o príncipe retornava ao Pará, onde esteve em 1991, ocasião em que visitou a Serra dos Carajás. Era a quarta vez de Charles no Brasil e há décadas ele trata de temas como desenvolvimento sustentável, gestão de recursos naturais e cooperação global para proteção do patrimônio ambiental, por meio da fundação que dirige, a Prince's Rainforest Project (Os Projetos de Florestas Tropicais do Príncipe). Belterra, às margens do Tapajós, foi o palco, em meados do século passado, da ambição frustrada do mal-aconselhado norte-americano Henry Ford, para transformar a floresta tropical brasileira crua em área de plantio. Visava a exploração de borracha de forma racional como décadas antes fizeram os ingleses na sua colônia na Malásia. Passados esses anos todos, o mais provável agora é que os olhos britânicos estejam voltados, entre outras atrações, também para as reservas hídricas de Alter-do-Chão.

Na comunidade de Maguari, o príncipe conheceu detalhes do Projeto Barco Saúde & Alegria e, empolgado, visitou a Floresta Nacional do Tapajós, uma das sete unidades de uso sustentável dos recursos naturais da região que visa compatibilizar projetos de conservação da natureza com a exploração e o aproveitamento econômico direto de forma planejada e regulamentada, alguns deles beneficiários de um mecanismo global de investimentos, baseado na quantidade de emissão de gás carbônico na atmosfera, voltado exclusivamente para países tropicais.

Na Ponta de Pedras, entre as últimas línguas de sol, a fragrância de árvores e o zumbido de varejeiras abusadas, o príncipe participou de um luau amazônico, a piracaia. Os moradores prepararam para a comitiva peixe assado na brasa - curimatá e tucunaré - e frutas, enquanto meninas dançavam em volta da fogueira, sobre a terra molhada e ao som de carimbó.
No entardecer, antes de voltar para Manaus, quando na ponta do Cururu foi espiar os botos, lhe amamentaram com lendas sobre esses dóceis animais que até num passado recente e por não conhecerem predadores, eram facilmente abatidos. Hoje, tanto o cor-de-rosa quanto o tucuxi (cinza), esses golfinhos amazônicos em extinção, visitam os barcos. Ao desligarem seus motores em torno da praia os atrai e numa espécie de reverência à natureza, como se quisesse reatar com ela uma intimidade perdida o príncipe testemunhou o que pode ser descrito como o advento de um novo convívio possível entre as ambições das elites capitalistas mundiais, as mesmas que há muito exercitam com perícia a arte de não ter escrúpulos, e alguns dos habitantes mais amáveis da Terra, e por instantes deixou de lembrar as matanças de baleias no Pacífico sul, as mais de 1 bilhão de pessoas (1 em cada 5) que não tem acesso à água potável segura e os mais de 300 conflitos potenciais espalhados mundo afora por conta da água, nos quais, em quase todos, aquelas elites avidamente participam.

Por aqui, tais disputas ainda não são sangrentas. Até quando? Mídia alguma propagou o instante em que, léguas dali, grandes embarcações de bandeiras piratas - tal e qual seus ancestrais -, esvaziavam seus tanques lastreados com águas trazidas de outras regiões do globo - contaminadas inclusive com um tipo de caramujo que na foz do Amazonas não encontra predador natural -, e os reabasteciam com a água amazônica doce e quase potável, oriunda dos Andes e das dezenas dos afluentes, desde o Marañon e o Solimões até o Amazonas. - Não basta a pirataria dos espécimes dos rios, da nossa biodiversidade e dos lugarejos ribeirinhos, estamos diante também do surrupio descarado das nossas águas que são estudadas na Europa, para em seguida serem vendidas a peso de ouro, no Oriente Médio e no norte da África, onde um barril de água potável já vale mais do que um de petróleo, denunciou o professor Matta. Nos dias de hoje, e como uma espécie de subproduto da moderna pirataria, aqueles caramujos infestaram de tal forma a região costeira do Amapá voltada para a foz do Amazonas que se tornaram uma praga ambiental com a qual nem os técnicos do Ministério do Meio-Ambiente e muito menos a população sabem como lidar.


NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 3/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
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Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
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CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS

Antonio Fernando Araujo

- Já se cogitou até em substituir o carvão vegetal empregado nas siderúrgicas, por carvão mineral, barato e abundante, mas altamente poluente. Ela libera na atmosfera dióxido e monóxido de carbono na forma de gases do efeito estufa, atalhou Luczynski. Contudo, ao se avaliar o dano maior à atmosfera que tal alternativa provocaria, onde o dióxido de enxofre, presente nesse mineral e um dos maiores causadores da chuva ácida, entra como uma espécie de vilão oportunista, se conclui que estaríamos apenas mudando o foco das nossas preocupações, da preservação da floresta para a qualidade do ar que respiramos. Embora já se encontrem disponíveis ou em estudos, novas tecnologias - empregadas antes da combustão - de remoção de grandes proporções de enxofre e outras impurezas utilizando-se de técnicas enzimáticas e microbiológicas, entre outras, elas ainda precisarão ser consideradas tecnológica e comercialmente aprovadas para só assim se generalizarem entre as cerca de 25 mil carvoarias produtoras, espalhadas pelo entorno de Marabá. Virou-se pra mim, percebeu meu assombro e cravou, "é com isso que estamos lidando, meu caro, 25 mil".

Não entregou os pontos. Apressou-se em apontar-me outra vertente, a do gás natural. E seguiu contando-me o quanto esse gás já foi cogitado como substituto do carvão vegetal. Viria dos campos Espigão e Oeste de Canoas, da região de Barreirinhas, no Maranhão e, através de um gasoduto alcançaria Açailândia e a partir daí e 200 e pouco quilômetros mais chegaria à Marabá, sob os aplausos da floresta - ou do que restasse dela - e desses ambientalistas teimosos que sangram em silêncio como morrem as árvores e a cada mês pagam com a vida essa vontade indomável de mantê-las intactas. Ou - de outra forma -, o gás abundante seria trazido da jazida do rio Uatumã, no Amazonas, liquefeito, posto em containers e transportado em navios ou barcaças. Portanto, projetos não faltam para que se torne realidade a produção daquilo que alguns ambientalistas chamam de "gusa verde", mas ora esbarram em dificuldades quase intransponíveis de obtenção de licenças ambientais, ora se constata que não estão ainda economicamente amadurecidos, ora se vêem sujeitos às injunções políticas ou sociais que, quando não os extinguem, postergam em conjunto o avanço dessas alternativas.

Amplia-se a dimensão desse drama "com a notícia da instalação, já confirmada, de novos alto-fornos na região, e assim a produção de ferro-gusa continuará a ser expandida", como nos assegura Abreu Monteiro. "Isso implica também no aumento do consumo de carvão vegetal, que já não é nem um pouco desprezível, são pelo menos cinco milhões de toneladas. Uma demanda que estende a pressão pelo desmatamento de novas áreas, em especial com a elevação do preço do ferro-gusa registrado em 2004", concluiu em tom de lamento.

Assim, quando se constata que a "questão amazônica situa-se numa interseção particular do conjunto de possibilidades econômicas que o País dispõe, com o conjunto de seus problemas associados à concentração da renda e com, ainda, o conjunto de seus problemas ambientais" não é difícil concluirmos - "não se trata de mera suposição", escreveu o mesmo Assis Costa, num texto em que procura apontar defeitos e mostrar caminhos - que "a equação que se pretende resolver para a superação dos desafios que o Governo Federal se coloca pensando o País como um todo, podem apresentar inconsistências com os seus próprios termos na Amazônia", diante das "múltiplas faces da sua realidade", dos macro desafios postos diante dele, dos riscos ambientais e ecológicos, das racionalidades econômicas, dos antagonismos sociais, do oportunismo e, até mesmo, dos ambientes institucionais.

E é essa mesma "questão amazônica" e uma de suas "múltiplas faces" que sobressai, quando nos detemos sobre um dado no mínimo curioso, destacou o professor Milton Matta, com quem, dentro de alguns dias vou me encontrar. Hoje, assegurou-me, "20% do PIB é gerado pelo agronegócio, mas ninguém lembra que 50 a 80 bilhões de metros cúbicos da água que a cada safra irrigam o solo do centro-oeste, serrado, sul e sudeste provem da Amazônia através das correntes úmidas atmosféricas que descem da região norte pelo lado ocidental do centro-oeste em direção ao sul." Essa "generosidade" amazônica não rende um centavo aos cofres dos Estados fornecedores de um bem preciosíssimo, imprescindível, vital para a sobrevivência e pujança do agronegócio. É como uma "transfusão de sangue" em que a atmosfera tornada cúmplice de uma "pirataria", subtrai da Amazônia parcela considerável de uma riqueza que, em última instância, deveria ser motivo de, no mínimo, algumas compensações e polpudos dividendos. Algo parecido ocorre, ainda dentro do território nacional, quando se constata uma expressiva drenagem de exemplares da flora amazônica, cujas mudas são levadas para o nordeste, sul e sudeste e, nos estados dessas regiões, plantados de forma racional e extensiva assenhoreando-se assim de uma cadeia produtiva que facilmente conduzirá a uma apropriação de direitos de patentes que, de outra forma, poderia também render dividendos aos Estados do norte, originários de tais mudas.

Não obstante nossa preocupação com a biopirataria externa, é como se estivéssemos agora, reproduzindo internamente o roubo de sementes de seringueira que ingleses perpetraram contra nós no final do século XIX, quando Henry Wickham, um conterrâneo do príncipe Charles e funcionário da Botantical Royal Gardens, em Londres, surrupiou 70 mil sementes (Hevea brasiliensis) de um lugar chamado Boim, no Vale do Tapajós e os mandou para a Inglaterra. Lá, elas produziram 2.700 mudas, uma taxa de sucesso de 3,8%, que foram então levadas para sua colônia na Malásia, no sudeste asiático. Em extensas plantações altamente produtivas, cinco décadas depois, essa pirataria provocaria a quebra definitiva da produção brasileira de seringa da região do Tapajós, cuja economia, perdida para sempre, ainda se baseava na extração predatória dos seringais nativos como continuaria a fazê-lo até os dias de hoje, em reservas extrativistas.

Mais adiante ele voltou-se para outro aspecto, dessa vez com relação ao pH das águas minerais vendidas em Belém. Para ele, esse é um problema importante. “Se você pegar qualquer garrafinha de água mineral, o pH varia de 3,6 a 4,2. Ora, isso é ácido. O pH tinha que ser entre 6.5 e 8.5, segundo a legislação vigente”. Ele conta que, a longo prazo, o consumo frequente de uma água com característica tão ácida pode causar diversos males, como gastrite, úlcera, câncer estomacal. De acordo com o professor, essa não é uma característica somente das águas minerais, isso acontece com todas as águas da Amazônia. Ainda não há incidência de chuva ácida nessa região, mas de uma maneira geral, as águas daqui são ácidas, quer sejam de poços, de rios, quer sejam minerais. Ainda que se possa assegurar que essa acidez das águas amazônicas não está relacionada com a presença de dióxido de enxofre na atmosfera, essa constatação não livra a população da convivência com essa realidade incongruente, distante dos domínios do conhecimento da grande maioria, transformada em um componente a mais dessa constelação de dramas tal como ela se apresentava aos habitantes das primeiras idades da terra.

No alvorecer do capitalismo quando ainda na sua fase mercantilista, piratas e flibusteiros saqueavam cidades e navios apoderando-se das riquezas recém descobertas no Novo Mundo, o ouro, a prata, a madeira e as pedras preciosas compunham o quadro da cobiça dos reis, governadores, príncipes e comerciantes que os patrocinavam diretamente ou confundidos com as sombras. O mundo tornava-se menor e se as ambições do capitalismo serviram de mola propulsora para sua extraordinária expansão justificando a pilhagem, o que ainda se pode dizer, decorridos cinco séculos, sobre essa atividade que fez a glória de Barba Negra e Francis Drake entre outros, é que ela continua na ordem do dia, tão ou mais rentável quanto o fora naqueles tempos e como tem sido ao longo da História.


Próxima parte - 4/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO