Mostrando postagens com marcador minérios. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador minérios. Mostrar todas as postagens

domingo, 16 de setembro de 2012

“Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular”

11/09/2012 - Por Inés Benítez, no IPS (Inter Press Service)
- extraído do blog Sociedade dos Amigos da TV Brasil (SOA Brasil)

[Aquilo que o mundo já conhece como Holocausto Colonial (*), se reproduz tanto na Faixa de Gaza e nas Colinas de Golan quanto aqui na África. A reconquista da Líbia pelas forças armadas do ocidente, uma das poucas nações africanas que ainda esboçava uma reação aos planos de dominação imperialista e neocolonial patrocinados pelas grandes corporações capitalistas, serviu para nos dar uma ideia das características  do naco da humanidade a ser varrido do mapa para que, acima de tudo, prevaleçam os interesses do mundo abastado do dinheiro.

O artigo que aqui publicamos anteontem sobre a luta pela água no Quênia (costa oriental da África), A Água ou a Vida revela outras facetas desse processo de dominação e extermínio.

E porque possui as mesmas raízes históricas coloniais, em tudo se assemelha às guerras fraticidas que assolam a República Democrática do Congo (costa ocidental dessa mesma África), objeto do artigo de hoje sobre o coltan, esse raro e imprescindível mineral presente em todos os "brinquedinhos eletrônicos" dos dias atuais.]
(Equipe Educom)

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que já causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”.

Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

No Brasil, já existem mais celulares que habitantes, mas poucos consumidores sabem da exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.

(Inés Benítez, no IPS)

Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular”, disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o silêncio absoluto” sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. “A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali”, lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.

A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do “vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo”. Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.

A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010, Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.

No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum - Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.

A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo – uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa – lançou em fevereiro a campanha Não Com o Meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.

O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.

Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.

Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga.

Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais “não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente”. Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.

O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.

Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro”, disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas.

Os governos vizinhos são “cúmplices” e “até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas”, ressaltou.

Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan”, alertou Jean-Bertin.

Enquanto isso, na RDC “as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse”.

Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos “minerais de conflitos”. A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.

Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU.

Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean-Bertin insiste que os grupos armados “dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando".

Para Rivas, “a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito”.


Postado por SOA BRASIL
Fonte:
http://amigosdatvbrasil.blogspot.com.br/2012/09/pense-talvez-duas-criancas-tenham.html
(*) Alusão ao livro de Mike Davis, Holocaustos Coloniais

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Os minérios e o interesse nacional

12/08/2012 - Mauro Santayana - Carta Maior

As empresas mineradoras, quase todas estrangeiras ou com forte participação de capital externo, ameaçam ir à Justiça contra o governo brasileiro.

Alegam “direitos minerários”. Razão alegada: o governo não têm emitido novas licenças para pesquisas de lavras, nem outorgas de concessão do direito de minerar.
(Mauro Santayana)

As empresas mineradoras, quase todas estrangeiras ou com forte participação de capital externo, ameaçam ir à Justiça contra o governo brasileiro. Alegam “direitos minerários”. Razão alegada: o Ministério de Minas e Energia e o Departamento Nacional de Produção Mineral, a ele subordinado, não têm emitido novas licenças para pesquisas de lavras, nem outorgas de concessão do direito de minerar. Segundo informações oficiosas, e não oficiais, a ordem é do Planalto.

A matéria sobre o assunto, publicada sexta-feira pelo jornal Valor, não esclarece de que “direitos minerários” se trata. Pelo que sabemos, e conforme a legislação a respeito, o subsolo continua pertencendo à União, como guardiã dos bens comuns nacionais. A União pode, ou não, conceder, a empresas brasileiras, o direito de pesquisa no território brasileiro e o de explorar esses recursos naturais, dentro da lei. Nada obriga o Estado a atender aos pedidos dos interessados.

A Constituição de 1988, e sob proposta da Comissão Arinos, apresentada pelo inexcedível patriota que foi Barbosa Lima Sobrinho, havia determinado que tais concessões só se fizessem a empresas realmente nacionais: aquelas que, com o controle acionário de brasileiros, fossem constituídas no Brasil, nele tivessem sua sede e seus centros de decisão.

O então presidente Fernando Henrique Cardoso, com seus métodos peculiares de convencimento, conseguiu uma reforma constitucional que tornou nacionais quaisquer empresas que assim se identificassem, ao revogar o artigo 171 da Constituição, em 15 de agosto de 1995, com a Emenda nº 6.
Ao mesmo tempo, impôs a privatização de uma das maiores e mais bem sucedidas mineradoras do mundo, a nossa Vale do Rio Doce.

É bom pensar pelo menos uns dois minutos sobre a América Latina, seus recursos minerais e a impiedosa tirania ibérica sobre os nossos povos. A prata de Potosi – e de outras regiões mineiras do Altiplano da Bolívia – fez a grandeza da Espanha no século 17. O ouro e os diamantes de Minas, confiscados de nosso povo pela Coroa Portuguesa, financiou a vida da nobreza parasita da Metrópole, que preferiu usar o dinheiro para importar produtos estrangeiros a criar manufaturas no país. As astutas cláusulas do Tratado de Methuen, firmado entre Portugal e a Inglaterra, em 1703, pelo embaixador John Methuen e o Conde de Alegrete, foram o instrumento dessa estultice. Assim, o ouro de Minas financiou a expansão imperialista britânica nos dois séculos que se seguiram.

A luta em busca do pleno senhorio de nosso subsolo pelos brasileiros é antiga, mas se tornou mais aguda no século 20, com a intensa utilização do ferro e do aço na indústria moderna.

Essa luta se revela no confronto entre os interesses estrangeiros (anglo-americanos, bem se entenda) pelas imensas jazidas do Quadrilátero Ferrífero de Minas, tendo, de um lado, o aventureiro Percival Farquhar e, do outro, os nacionalistas, principalmente mineiros, como os governadores Júlio Bueno Brandão e Artur Bernardes.

Bernardes manteve a sua postura quando presidente da República, ao cunhar a frase célebre: minério não dá duas safras. Essa frase foi repetida quarta-feira passada, pelo governador Antonio Anastasia, ao reivindicar, junto ao presidente do Senado, José Sarney, a aprovação imediata do novo marco regulatório, que aumenta a participação dos estados produtores nos lucros das empresas mineradoras, com a elevação dos royalties devidos e que, em tese, indenizam os danos causados ao ambiente.

Temos que agir imediatamente, a fim de derrogar toda a legislação entreguista do governo chefiado por Fernando Henrique, devolver a Vale do Rio Doce ao pleno controle do Estado Nacional e não conceder novos direitos de exploração às empresas estrangeiras, dissimuladas ou não. E isso só será obtido com a mobilização da cidadania.


Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5725

domingo, 4 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte final 6/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html

Parte 5/6 - NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_04.html


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM

Antonio Fernando Araujo*

O esforço que se faz hoje para distribuir entre as oligarquias políticas e as elites empresariais ambiciosas a abundância de terras e a vastidão mineral do Carajás ao grupo de homens e instituições poderosas associadas ao clã Sarney encontra um paralelo perfeito quando nos referimos às riquezas da bacia do rio Tapajós, das margens da rodovia Cuiabá-Santarém, da eletricidade que virá de Belo Monte e, principalmente, desse mundo de águas subterrâneas sob Alter-do-Chão, alvos grandiosos e insubstituíveis da cobiça do clã Barbalho. Delineia-se assim o quadro da avidez dos que pretendem fatiar o Pará criando mais dois Estados: Carajás e Tapajós. Nesse jogo de ardilosos políticos e homens de negócios perde a população, perde o Estado, perde a Amazônia e perde o Brasil, a cobiça internacional sempre vê com bons olhos a divisão do adversário a ser, primeiro, politicamente derrotado, depois, economicamente conquistado. Portanto, não se trata daquela submissão feita a partir das armas, como faziam os velhos corsários, mas aquela dos ardis e da astúcia típica de veteranos trapaceiros que a vida consagrou, compartilhada com o indispensável conluio com seus aliados locais.

Talvez, por estar trilhando uma daquelas inúmeras possibilidades futuras de uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance e que ainda possa servir como modelo para o desenvolvimento local da população, Matta, apontando para algumas ilhas em volta de Belém, começou a descrever-me entusiasmado seu projeto mais recente. Quer integrar a população que habita em algumas delas, em diversos empreendimentos de caráter sustentável, todos, por ora, voltados apenas para a agricultura. O contraste entre o meio ambiente ainda preservado naquelas 39 ilhas do entorno de Belém e a degradação ambiental que vimos presente às margens da rodovia Belém-Mosqueiro assume outras feições quando se constata que a canoa é o meio de transporte mais comum utilizado pelos moradores para alcançar a metrópole. "A estrada é o ponto de partida do processo de degradação da natureza", aponta o estudioso Leonardo Coutinho em seu blog. "Mais de 80% das queimadas acontecem perto das rodovias", enfatiza. E isso vale tanto para as minúsculas trilhas vicinais escondidas sob a capa da floresta quanto para uma imensa Cuiabá-Santarém que se quer asfaltar o quanto antes para, não apenas melhorar as condições do percurso, mas também para que a valorização de suas margens ganhe um novo impulso.


As crianças e adolescentes dessas ilhas cursam a escola no continente. Como seus pais, quando precisam ir à cidade, fazem a travessia do rio Guamá ou da baía de Santo Antonio ou da de Guajará remando suas "montarias" e indo ao encontro de uma realidade absolutamente distinta daquela quase primitiva onde habitam. O diagnóstico preciso e as conseqüências advindas desse choque cultural, dessa realidade que parece pecar contra as regras do saber viver, é um desafio diante de Matta, levando-se em conta que esses jovens despendem um dia inteiro nesse ir e vir deslizando nas águas e de frequentar aulas como se fazia no princípio do mundo.

Mas o projeto do professor se enquadra no esforço de inseri-lo na economia local, longe de qualquer ideia de justificar o extrativismo vegetal puro e simples, consciente de que a "síndrome extrativa foi importante para chamar a atenção para a Amazônia e para uma mudança de mentalidade da sociedade brasileira quanto ao processo de desenvolvimento que vinha sendo seguido." E mais: que "a economia extrativa contribuiu fortemente para a formação histórica, econômica, social e política da região e, também, para o processo de pauperização secular", como anotou Homma. Ao contrário, através do estabelecimento de parcerias, como, por exemplo, com a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu, no sentido desta fornecer para as ilhas mudas de cacau, cupuaçu e açaí, prover assistência técnica aos agricultores, viabilizar a comercialização dos produtos oriundos desses plantios e em troca assegurar-se que um fornecimento sistemático lhe garantirá a possibilidade de contratos firmes com os distribuidores de Belém, exportadores nacionais e importadores internacionais fez com que Matta percebesse esse momento como o passo inicial de um plano que prevê, agregar valor a esses produtos, seja através de um beneficiamento primário ou, numa etapa mais adiante, vê-los envolvidos nas utopias que cercam as pesquisas, testes e fabricação de fitoterápicos e cosméticos, ainda que sujeitos a rigorosa legislação dos países desenvolvidos para onde serão exportados.

Esse é um tipo de atividade de fato sustentável que ele defende para alguns dos projetos amazônicos. Pouco ou nada tem a ver com as mentiras que contam sobre sustentabilidade, um modismo que hoje transparece em "cada produto que você compra nesta loja, plantamos 5 árvores”. Esse "marketing verde" que respira bondade ecológica por todos os poros e propõe o "consumo consciente" não passa de mais uma manipulação de quem, como dissemos, pratica com maestria o ofício de não sentir remorsos por seus crimes, desse capitalismo sem freios que esmaga e distorce as boas idéias praticando uma obsolescência programada, onde os prazos são cada vez mais curtos, sem levar em conta que, tecnicamente é possível produzir uma geladeira que dure 60 anos e uma lâmpada 100 ao invés de apenas 1 ano e, ainda assim, ir embutindo na velha carcaça os avanços tecnológicos produzidos a cada geração, como sucede com os ônibus espaciais e as estações orbitais. Ser sustentável, portanto, tem unicamente a ver com o respeito ao ritmo do planeta se regenerar e, para isso o consumo de qualquer produto, independentemente de sua origem, é para ser norteado apenas pelo necessário, o econômico, o consumir menos, em suma, e não consumir mais os produtos ditos "sustentáveis", mesmo que a roupa nova, mas desnecessária, que se compra porque está na moda, tenha sido produzida com fibras "sustentáveis". Da mesma forma que o celular que se troca simplesmente porque saiu um modelo novo, fará com que o aparelho velho seja despejado como lixo eletrônico na costa da África, embora todos seus componentes tenham sido produzidos com dispositivos "ecológicos".

Nesses trapaceios em que os poderosos se unem para levar adiante seus interesses, quase sempre contrários aos da população, pelo menos a voz do governador do Pará, Simão Jatene, em uma mensagem oficial sobre a divisão do Estado, no que ela contém de oportuno, denunciou que "a insegurança é maior quando sabemos que o projeto de divisão em pauta não foi fruto de qualquer estudo prévio que procurasse definir o perfil de cada novo Estado. Quais os municípios que deveriam integrar esse ou aquele Estado para que se tivesse um melhor equilíbrio econômico, social e político, para que o povo fosse efetivamente beneficiado. Não, a população em todo esse processo, lamentavelmente, não teve seus interesses considerados. Foi apenas 'um detalhe'. 'Detalhe' que, agora, tem a responsabilidade de decidir diante de um 'prato feito', sem poder mudar mais nada. Até que seja provado o contrário, os parcos estudos existentes não fundamentam uma proposta de divisão, quando muito tentam justificar, ou não, uma divisão baseada num elevado grau de aleatoriedade e subjetividade."

Só assim projetos como o de Matta para as ilhas da região metropolitana de Belém tem um sentido histórico, coerente com o conceito amplo de sustentabilidade global, tornada socialmente cúmplice das melhorias de vida da população. No instante em que essa gente se vê inserida no mercado de consumo, por ter galgado um patamar de renda que lhe permite "ir às compras", em algum lugar do mundo as pessoas precisarão reduzir seu próprio consumo, norteadas pela concepção de que a sustentabilidade do planeta exige exatamente isso, a redução do desperdício, do desnecessário, do que pode ser postergado, para permitir então que os moradores das ilhas de Belém passem a consumir algo acima da linha da miséria e comecem a se beneficiar dos confortos da civilização e sonhado equilíbrio ecológico do planeta não seja por demais afetado, o velho passado e o futuro, agora dando as mãos. Essa é a utopia que norteia a exata noção, agora tornada universal, de desenvolvimento sustentável. Visto dessa forma não há fraudes e os interesses difusos como os que se abrigam nesse arsenal de falsas maravilhas que ora tentam vender à população, camuflados em algumas das propostas de divisão do Estado do Pará, tem mais a ver com a ambição de políticos e empresários mancomunados para, apenas em benefício próprio, se apossarem com mais facilidade das riquezas da região, como fizeram e fazem corsários e piratas, do que com projetos que, como os de Matta, desde cedo impõem um compromisso com a prosperidade das gentes desta região.

E o professor vai mais adiante. Se por um lado a proposta de contenção do consumo de bens industrializados permeia o discurso do desenvolvimento sustentável esse pensamento se prolonga até o consumo da água potável, a qual já há algum tempo insiste em desaparecer das torneiras, mundo afora, por sua vez, esse mundão de águas presente nesta região pode facilmente nos fazer pensar que, pelo menos aqui, não há o que temer. Ora, garante Matta, nada é tão falso quanto isto, embora esteja evidente a contradição. De fato, não temos escassez de água, tanto no solo quanto, agora, também no subsolo. Entretanto, o modelo atual do uso racional desse bem e que passa por processos técnicos e operacionais de identificação de fontes na superfície, cuidados para evitar contaminações, de captação, de tratamento e termina em uma enorme rede de distribuição, associados aos indispensáveis serviços de manutenção, de administração e de cobrança, nos faz pensar que, postos agora diante desses enormes mananciais subterrâneos, onde a pureza da água é comprovadamente mais alta, pois está mais bem protegida de agentes contaminantes, apresenta melhor qualidade físico-química e bacteriológica, sofre menos evaporação, a captação é mais simples, o tratamento menos oneroso e a rede de distribuição infinitamente menos complexa, mais fáceis de construir e manter, portanto mais econômica, pois cada poço abasteceria apenas algumas poucas unidades consumidoras, não temos dúvidas de que o modelo vigente começa a ser posto em cheque. Ainda nos resta um longo caminho até que esse "desenho" atual se veja completamente superado.

Daí porque, com o olhar voltado para a baía, prosseguiu: - 70% da água potável usada no mundo está voltada para a agricultura; 20%, para as indústrias e apenas 10%, para o abastecimento público. Quer dizer que estamos nos esforçando para economizar apenas um percentual desses 10%. Comparativamente, sabemos que 60% do total de água utilizado na agricultura é desperdiçado e, de acordo com dados da ONU, se baixássemos esse nível de desperdício para 50%, esses 10% economizados seriam suficientes para abastecer o dobro da população humana mundial. Há muitos mitos girando em torno desse tema. O mais contundente deles alerta que se não alterarmos radicalmente a forma como usamos nosso recursos hídricos, em 2050, quase a metade da população mundial não terá água para necessidades básicas. Atualmente, existem 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água doce. Em 40 anos, poderá atingir 10 bilhões de indivíduos.

- Não é nada disso, contesta o mesmo Matta, existe sim água para abastecer a população mundial sem a necessidade de racionamento. O problema da crise da água no mundo é de gerenciamento e de distribuição. As pessoas acham que a água vai acabar porque consideram para o abastecimento apenas a água superficial, porque cultivamos uma cultura do desperdício e finalmente porque não cessa a contaminação dos cursos d´água. Embora a maior parte da superfície da Terra seja coberta por água, 97,5% dela é salgada e encontra-se nos mares e oceanos; 1,7% está sob a forma sólida em geleiras e calotas polares deixando apenas 0,8% disponível para o consumo humano. Desse total de água potável no mundo, cerca de 4% estão sobre a superfície, em lagos, rios ou, ainda, na forma de vapor. Os outros 96% estão debaixo dos nossos pés, nas águas subterrâneas.

O aquífero de Alter-do-Chão é um deles, o maior desses mananciais gigantes como as Mães dos Deuses que ainda reinam na selva. Lá do fundo recusam-se a reproduzir a voz dos desertos, daquelas terras cada vez mais extensas, pouco a pouco tornadas sedentas na superfície.


Referências e fontes:
- Meio Século de Mineração Industrial na Amazônia e suas Implicações para o Desenvolvimento Regional - Maurílio Abreu Monteiro - Estudos Avançados - 2005
- Ciência e Democracia na Amazônia - Alain Ruellan - 2009
- Questão Agrária e Macro Políticas para a Amazônia - Francisco de Assis Costa – Estudos Avançados - vol. 19, nº 53 - Dossiê Amazônia Brasileira I - 2005;
- Vale do Rio Doce: Hora da Mudança - Mineração x Petróleo. Os Royaltes Nossos de Cada Dia - Luiz Begazo - Revista Valor Econômico - jan/2011;
- Amazônia: Como Aproveitar os Benefícios da Destruição? - Alfredo Kingo Oyama Homma - Estudos Avançados - vol. 19, nº 54 - Dossiê Amazônia Brasileira II - 2005;
- Pará e Minérios - Movimento da Receita: Sonegação e Desvio - Lúcio Flávio Pinto – Jornal Pessoal - mar/2011;
- O Desmatamento na Amazônia e a Importância das Áreas Protegidas - Leandro Valle Ferreira, Eduardo Venticinque e Samuel Almeida - Estudos Avançados, vol. 19, nº 53 - 2005;
- Governo Planeja Laboratório Oceanográfico em Alto-Mar Para Garantir Domínio Territorial - Roberto Maltchik e Eliane Oliveira - O Globo - 09/jan/2011.

Agradecimentos ao:
- Dr. Edilson Pereira, Secretário Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão da Prefeitura Municipal de Belém que através de seu Diretor Geral, geólogo Herbert de Almeida, nos facilitou o acesso ao NAEA e aos professores João Batista Ribeiro, Evaldo Pinto da Silva, Francisco de Assis de Abreu e Estanislau Luczynski;
- Engenheiro José Octávio Jatene, ex-Secretário Adjunto de Indústria, Comércio e Mineração do Governo do Pará que propiciou o encontro com o professor Taylor Collyer, em Marahú;
- Jornalista Zilda Ferreira, administradora do blog Educom quem idealizou este trabalho e forneceu os contatos do professor Milton Matta, em Belém.

* Antonio Fernando Araujo é paraense, engenheiro, residente no Rio, colabora em blogs e é um apoiador de Movimentos ligados a popularização da comunicação e da cultura. Para a elaboração deste trabalho passou um mês em Belém e arredores.

Belém do Pará, outubro/2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 5/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html


 NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

Antonio Fernando Araujo

Piratas foram intrépidos, aventureiros, alguns sedutores, outros até românticos. Ainda assim, teme-se que ocorra aqui algo semelhante ao que sucedeu no passado com aquelas cidades da Carolina do Norte e Caribe e o que vem sucedendo no presente na costa da Somália. Lá, embarcações - como os velhos corsários, contam, ainda que de forma velada, com algum tipo de proteção de um Estado, de uma corporação ou de uma nação - de frotas pesqueiras vindas da Europa ocidental (principalmente da Espanha e França) e Ásia, quase sempre sob "bandeiras de conveniência" compradas pela internet em alguns minutos e por menos de 500 euros, há anos, fazem do mar territorial daquele país miserável um celeiro gratuito de onde surrupiam toneladas de atum e outros peixes sem pagar um centavo e, pior, retirando da população a maior e talvez única fonte de proteínas de que dispõe. Ao se rebelarem - depois de inúmeras e inócuas queixas formuladas à ONU -, atacando esses modernos saqueadores, são os pescadores somalis os que receberam, da mídia internacional, a alcunha de piratas para, em seguida, serem vítimas da chamada "Operação Atalanta", organizada e financiada por Espanha e França que deslocaram seus vasos de guerra para a região para dar apoio aos seus próprios piratas enquanto reprimia os "piratas" somalis.

Que fique viva a lição da Somália. Ainda estamos longe de realizar aqui a travessia entre o discurso e a adoção de práticas que nos permitam evitar o surrupio da nossa fauna, da flora, das águas e dos minérios. Faríamos isso se - armado com garras nucleares - nosso combate à biopirataria propusesse a necessidade de investimentos maciços no esforço de transformar a imensa biodiversidade dessa região na geração de renda e emprego e não apenas apoiar o procedimento tradicional de coleta extrativa ou, quando nada disso der certo, acionar a Marinha, o IBAMA e a Polícia Florestal, já que não dispomos ainda daqueles armamentos que poderiam nos emprestar mais dignidade. A adoção de práticas que impliquem em uma contínua atividade de pesquisa e identificação de recursos genéticos e seus componentes, de consumar a domesticação das espécies mais valiosas e através de plantios racionais prover a extração dos princípios ativos seguido do respectivo patenteamento se for o caso, implicaria na criação de um parque produtivo local que, entre outros benefícios, contribuiria não apenas para evitar que nossos produtos oriundos da biodiversidade amazônica sejam patenteados como já o foram nos Estados Unidos, Japão e União Européia e que marcas com os nomes de frutas amazônicas, como cupuaçu e açaí, sejam registradas e, acima de tudo, para desestimular que outros países efetuem plantios semelhantes.

Torna-se mais visível quando sabemos que as chamadas reservas extrativistas - ainda que louváveis quando se pensa em apenas ganhar tempo enquanto não surgem alternativas econômicas mais rentáveis - apresentam apenas raras possibilidades futuras de servir como modelo para o desenvolvimento local da população, limitadas que são no objetivo de atender ao crescimento do mercado e quando se tem a plena convicção de que elas não são inesgotáveis. E quando se pensa em mercado, nosso olhar não se detém apenas "nos chás, infusões e garrafadas que se apóiam somente na disponibilidade dos recursos naturais, ainda que sejam eles que integram a lida diária das vendedoras da formidável feira do Ver-o-Peso, em Belém do Pará e em outros locais parecidos, atraente, sem dúvida, porém, mais como um saboroso apelo folclórico e turístico do que como uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance". O alcance que se pretende aqui visa também "sua inserção com a economia nacional, procurando equilibrá-la com as regiões mais desenvolvidas do país. A aparente prioridade que tem sido estabelecida na Amazônia não acompanha a magnitude do desafio e da propaganda que fazem dela, tanto do governo, das empresas privadas quanto dos organismos internacionais", como escreveu Homma. "A fronteira científica e tecnológica na Amazônia, prosseguiu, a despeito dos grandes avanços, ainda não provocou o impacto e as transformações que a sociedade aguarda." Como um corolário desse pensamento conclui Monteiro: "Trata-se de uma possibilidade. Todavia, distante de ser uma realidade, uma vez que isto implica confronto com interesses econômicos, visões de mundo, com o tradicionalismo de diversas ordens e instituições etc., o que requer firmeza e clareza estratégica dos dirigentes políticos, a edificação de uma institucionalidade pública na Amazônia que seja permeável à pluralidade de forças que expressam a sua diversidade social e cultural, e, sobretudo, a ampla mobilização dos diversos segmentos sociais comprometidos com um novo tipo de desenvolvimento regional."

A pirataria é tão antiga quanto a navegação e no que tem de deletéria e no interesse deste texto, ela já é visível no lado amazônico do litoral do Amapá e em dezenas de outros sítios desta região. Como se denuncia agora, ela também se exibe nos barris de resíduos tóxicos, radioativos e hospitalares despejados nos litorais desguarnecidos de alguns países africanos, além dos da própria Somália, também nos da Costa do Marfim, Nigéria, Congo e Benim, transformados em vertedouros tóxicos pelos países industrializados. Portanto, não se trata mais de uma profecia ainda que calcada numa espécie de "roteiro" futurível bastante persuasivo, mas de uma constatação dolorosa que também pode nos atingir no futuro. Só em 2011 chegaram à costa da África 600 mil toneladas desses resíduos. E aos portos brasileiros do Rio Grande e do Suape alguns "containers" mais do que suspeitos foram flagrados ao desembarcarem em 2010 e 2011 acomodando todo tipo de lixo e resíduos hospitalares norte-americanos, surpreendendo-nos com uma excêntrica "mercadoria" que até então nunca houvera sido listada entre nossos itens de importação. Quem são os que se encontram nos extremos e no meio dessa aparente cadeia de trapaceiros?


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 4/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html



DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO

Antonio Fernando Araujo


Da varanda do apartamento do geólogo e professor Milton Matta, coordenador do Laboratório de Recursos Hídricos e Meio-Ambiente, da UFPa, no 15º andar de um prédio, vê-se uma vasta porção da Belém rumo ao sudeste. O que nos permite identificar à esquerda, desde parte do contorno da baía de Santo Antonio que banha a cidade ao norte, com algumas ilhas pelo meio e as águas iniciais da baía do Marajó, até os meandros do rio Guamá, à direita e ao sul, onde se espalham outras tantas ilhas, num total de 39. E é nas margens desse grande rio, como já vimos, que se encontram as instalações do "campus" da UFPa. Entre essa imensidão de águas, a Belém que se expande horizontalmente e cresce vertiginosamente para o alto em nada se assemelha com aquelas cidades costeiras da Carolina do Norte e das ilhas caribenhas que, dos séculos XVI ao XVIII, passaram por maus bocados sob os ataques de bucaneiros e piratas.

Todavia, dificilmente poderemos assegurar que aquela avidez capitalista de corsários e seus patrões tenha chegado ao fim, neste instante em que a imensa biodiversidade amazônica, as reservas minerais ímpares de nióbio e tálio e até mesmo as de petróleo, bauxita, ferro, ouro e manganês, todos presentes na região, voltaram a excitar a cupidez do mercado tornado global e simétrico. Entretanto, Belém mesmo, está assentada sobre outra riqueza mineral. São nada desprezíveis reservas de água doce e potável, Pirabas e o Grupo Barreiras, as mais importantes. Todavia é na direção oeste do estado, algumas centenas de quilômetros adiante, que se inicia outra, bem mais rica, localizada cerca de 1500 metros de profundidade com uma espessura que vai de 500m a 600m. Há anos Matta dedica-se a elas. De acordo com seus estudos e de outros quatro pesquisadores (Francisco de Abreu, André Duarte, Mário Ribeiro, todos da UFPa e Itabaraci Cavalcanti, da UFCe) essa nova reserva se estende desde lá até a parte oriental do estado do Amazonas, "submersa" sob quase todo o estado do Pará e boa parte do Amapá. Começou ele a falar-me do aquífero Alter-do-Chão, com seus estimados 90 mil quilômetros cúbicos de água, "o suficiente para abastecer com folga toda a população mundial por mais de 300 anos" e que desde maio/2010, quando foi apresentado à comunidade científica, o fez exibindo-se com praticamente o dobro do volume do aquífero Guarani, na região sudeste (dividido entre Brasil, Paraguai e Argentina), tido até então como o maior do Brasil, quiçá do mundo.

E agora estamos postos diante daquilo que muitos estudiosos já consideram como a próxima e mais promissora riqueza de qualquer região, seus recursos hídricos. E se quisermos dar um significado adicional à exploração do aquífero Alter-do-Chão, agora como o maior manancial subterrâneo do planeta, devemos levar em conta que não estamos identificando aqui um procedimento tradicional, comumente associado a uma coleta extrativa como observada em muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade amazônica. Não precisa nem levar em conta, como lembra ainda o professor, que Alter-do-Chão hoje, já abastece cidades como Manaus (mais de 10 mil poços particulares e 130 da rede pública) e diversos municípios do Pará, como o de Santarém, às margens do Tapajós, no ponto em que ele deságua no Amazonas e por cujo porto pretende-se que escoa a produção de grãos do Mato Grosso. Trata-se assim, de uma atividade que visa atender uma necessidade primordial humana e animal, voltada tanto para o consumo próprio quanto para a agricultura e a indústria. Portanto, "a Região Norte é, sem dúvida, um dos maiores símbolos da riqueza natural encontrada no Brasil. Agora, além de abrigar a floresta Amazônica e o rio Amazonas, ela pode ser conhecida por possuir a maior reserva mundial de águas subterrâneas", garante-nos a jornalista Sílvia Pacheco. "É água que não acaba mais", enfatiza.

Assim como Carajás tornou-se alvo da ambição internacional, cristalizada em seus testas-de-ferro - políticos e empresários nacionais sob a liderança do clã Sarney -, a região do rico rio Tapajós, cujas margens da estrada que ligará em definitivo Cuiabá a Santarém, já se encontram totalmente loteadas, dessa vez entre os integrantes daquilo que se poderia chamar de clã Barbalho. Assim, é perfeitamente possível entendermos que tanto a criação do estado de Carajás, quanto a do Tapajós, passa por essa constelação de interesses que nada tem a ver com melhorias significativas das condições de vida da população. Visam tão somente saciar a ambição de algumas expressivas lideranças locais e regionais, ávidas por mais poder e fortuna. Ao invés de apoiar essa inócua divisão a população, através de suas organizações sociais, deveria se mobilizar cada vez mais na exigência do governo estadual, as melhorias que almeja em cada caso. Além de não serem iludidas, não estariam assim arcando com os altos custos de instalação de uma máquina política, administrativa e judiciária que, em última instância, beneficiará exclusivamente, aquelas elites de empresários e políticos e, em número muito reduzido alguns dos seus habitantes.
Não existem mais Barbas Negras e suas naus piratas. Mas estão aí os descendentes dos que foram reis e príncipes, cientistas e empresários, governos estrangeiros e organismos internacionais e no lugar dos barcos à vela são as grandes embarcações que para atravessar os oceanos necessitam lastrear seus porões com água, muita água. E é exatamente aqui que se pode encontrar "água que não acaba mais".

Alter-do-Chão, na verdade, é apenas o nome de uma vila balneária, antiga aldeia dos índios Borari, seus primeiros habitantes, ornada de praias com areias faiscantes e, como boa parte das vilas e cidades paraenses, carrega no nome a influência portuguesa. Floresceu às margens do rio Tapajós, a 30 quilômetros ao sul de Santarém, oeste do Pará, e sob ela, estima-se, fica localizada a parte central do aquífero que ela nominou.
Alter-do-Chão tem gosto de paraíso perdido. Talvez por conta disso, "em abril de 2009, o jornal inglês The Guardian destacava-a como a melhor e a mais bela praia do Brasil. O lugar realmente é lindo e só agora começa a ser divulgado", anotou a jornalista Zilda Ferreira, do blog Educom, que em maio de 2010, durante uma semana, permaneceu na vila procurando entender porque, de uns tempos pra cá, a mídia nacional e européia começou a anunciar aquele vilarejo como o centro da região mais rica de água do planeta.

Tudo indica que a história começou quando o príncipe Charles, herdeiro da Coroa britânica, fez, parte de sua comitiva de cerca de 30 membros passar, não apenas uma semana, mas quase todo o mês de março de 2009 no balneário. Ele próprio esteve lá por um dia percorrendo de barco e de carro, ao lado do embaixador britânico no Brasil, Alan Charlton e à frente de jornalistas ingleses, cientistas e pesquisadores, além da então governadora do Estado, Ana Carepa e de representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Itamaraty, boa parte da região, incluindo Santarém e o município vizinho de Belterra. Depois de quase 20 anos, o príncipe retornava ao Pará, onde esteve em 1991, ocasião em que visitou a Serra dos Carajás. Era a quarta vez de Charles no Brasil e há décadas ele trata de temas como desenvolvimento sustentável, gestão de recursos naturais e cooperação global para proteção do patrimônio ambiental, por meio da fundação que dirige, a Prince's Rainforest Project (Os Projetos de Florestas Tropicais do Príncipe). Belterra, às margens do Tapajós, foi o palco, em meados do século passado, da ambição frustrada do mal-aconselhado norte-americano Henry Ford, para transformar a floresta tropical brasileira crua em área de plantio. Visava a exploração de borracha de forma racional como décadas antes fizeram os ingleses na sua colônia na Malásia. Passados esses anos todos, o mais provável agora é que os olhos britânicos estejam voltados, entre outras atrações, também para as reservas hídricas de Alter-do-Chão.

Na comunidade de Maguari, o príncipe conheceu detalhes do Projeto Barco Saúde & Alegria e, empolgado, visitou a Floresta Nacional do Tapajós, uma das sete unidades de uso sustentável dos recursos naturais da região que visa compatibilizar projetos de conservação da natureza com a exploração e o aproveitamento econômico direto de forma planejada e regulamentada, alguns deles beneficiários de um mecanismo global de investimentos, baseado na quantidade de emissão de gás carbônico na atmosfera, voltado exclusivamente para países tropicais.

Na Ponta de Pedras, entre as últimas línguas de sol, a fragrância de árvores e o zumbido de varejeiras abusadas, o príncipe participou de um luau amazônico, a piracaia. Os moradores prepararam para a comitiva peixe assado na brasa - curimatá e tucunaré - e frutas, enquanto meninas dançavam em volta da fogueira, sobre a terra molhada e ao som de carimbó.
No entardecer, antes de voltar para Manaus, quando na ponta do Cururu foi espiar os botos, lhe amamentaram com lendas sobre esses dóceis animais que até num passado recente e por não conhecerem predadores, eram facilmente abatidos. Hoje, tanto o cor-de-rosa quanto o tucuxi (cinza), esses golfinhos amazônicos em extinção, visitam os barcos. Ao desligarem seus motores em torno da praia os atrai e numa espécie de reverência à natureza, como se quisesse reatar com ela uma intimidade perdida o príncipe testemunhou o que pode ser descrito como o advento de um novo convívio possível entre as ambições das elites capitalistas mundiais, as mesmas que há muito exercitam com perícia a arte de não ter escrúpulos, e alguns dos habitantes mais amáveis da Terra, e por instantes deixou de lembrar as matanças de baleias no Pacífico sul, as mais de 1 bilhão de pessoas (1 em cada 5) que não tem acesso à água potável segura e os mais de 300 conflitos potenciais espalhados mundo afora por conta da água, nos quais, em quase todos, aquelas elites avidamente participam.

Por aqui, tais disputas ainda não são sangrentas. Até quando? Mídia alguma propagou o instante em que, léguas dali, grandes embarcações de bandeiras piratas - tal e qual seus ancestrais -, esvaziavam seus tanques lastreados com águas trazidas de outras regiões do globo - contaminadas inclusive com um tipo de caramujo que na foz do Amazonas não encontra predador natural -, e os reabasteciam com a água amazônica doce e quase potável, oriunda dos Andes e das dezenas dos afluentes, desde o Marañon e o Solimões até o Amazonas. - Não basta a pirataria dos espécimes dos rios, da nossa biodiversidade e dos lugarejos ribeirinhos, estamos diante também do surrupio descarado das nossas águas que são estudadas na Europa, para em seguida serem vendidas a peso de ouro, no Oriente Médio e no norte da África, onde um barril de água potável já vale mais do que um de petróleo, denunciou o professor Matta. Nos dias de hoje, e como uma espécie de subproduto da moderna pirataria, aqueles caramujos infestaram de tal forma a região costeira do Amapá voltada para a foz do Amazonas que se tornaram uma praga ambiental com a qual nem os técnicos do Ministério do Meio-Ambiente e muito menos a população sabem como lidar.


NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS