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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Água, saneamento e energia: contas pendentes

20/02/2014 - Thalif Deen, da IPS (Inter Press Service)
- extraído do site Envolverde

Nações Unidas, 20/2/2014 – Quando vencer o prazo para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2015, haverá uma omissão grave: milhões de pessoas continuarão sem água potável, saneamento e eletricidade em suas casas.

Conscientes dessa falta, os 193 membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) realizaram uma reunião de alto nível de dois dias, encerrada ontem, para abordar esses três temas com relação à próxima agenda mundial de desenvolvimento que substituirá os ODM.

Especialistas em água têm sérias dúvidas de que esses objetivos sejam alcançados até o próximo ano, a menos que haja uma drástica aceleração de esforços, particularmente na Ásia meridional e na África subsaariana.

Um informe da ONU afirmava em 2012 que a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas que vivem sem água potável fora alcançada e beneficiava mais de dois bilhões de seres humanos.

Porém, atualmente há 327 milhões de subsaarianos a mais do que em 1990 sem acesso a este serviço, disse à IPS o diretor de programas internacionais da organização WaterAid, com sede em Londres, Girish Menon [foto].

Nesse passo, essa região africana só poderá alcançar a referida meta em 2030, ressaltou.

Ao falar, no dia 18, perante os delegados, o presidente da Assembleia Geral, John Ashe [foto abaixo], descreveu a magnitude do problema com dados concretos: 783 milhões de pessoas vivem sem água potável, 2,5 bilhões não têm saneamento adequado e 1,4 bilhão carecem de eletricidade.

Para agravar essa situação, em muitos países do planeta existe um severo estresse hídrico e escassez de água”, afirmou. Ashe disse que cerca de 80% da população mundial vive em áreas com graves ameaças à segurança hídrica.

Um documento de referência preparado por seu escritório alerta que “conseguir o acesso universal à água potável, ao saneamento básico e aos serviços modernos de energia é um dos grandes desafios multifacetários do desenvolvimento que o mundo enfrenta hoje”.

Menon estima que essas carências devem ser contempladas nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda que substituirá os ODM no próximo ano. “Se os ODS tiverem êxito em erradicar a pobreza sobre uma base sustentável, devem aprender com os fracassos dos ODM e reverter a negligência em matéria de saneamento e higiene”, afirmou.

Clarissa Brocklehurst [foto], ex-chefe de assuntos de água, saneamento e higiene do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), disse à IPS que, “embora os ODM sejam maravilhosos para impulsionar ações, ainda há vários desafios quando se aproxima o prazo de 2015”.

A meta referente à água foi alcançada, mas ainda não há um monitoramento geral da qualidade do serviço, e as estimativas sobre o número de pessoas que têm água potável se baseia em cálculos de aproximação, como o tipo de tecnologia usada pelas famílias, pontuou Brocklehurst. “Não houve progresso suficiente em saneamento, e estamos atrasados para alcançar a meta dos ODM”, acrescentou.

A especialista lamentou que o saneamento não faça parte dos ODM e, portanto, não tenha a atenção que merece. “Talvez o mais preocupante seja que os progressos feitos tanto em água como em saneamento estejam muito desiguais”, acrescentou.

Os moradores de zonas urbanas têm mais probabilidades de contar com água e saneamento do que os que residem em áreas rurais, bem como os ricos têm maior chance de contar com esses serviços do que os pobres.

Também há evidência de que, em alguns países, os grupos étnicos marginalizados têm mais probabilidade de depender de fontes de água não melhoradas e de serem obrigados a defecar ao ar livre, acrescentou Brocklehurst.

No jargão hídrico, uma fonte melhorada é aquela cuja instalação protege apropriadamente a água da contaminação externa, especialmente da matéria fecal.

“No ritmo atual, não conseguiremos a meta mundial de saneamento de 8%, isso representa 500 milhões de pessoas”, ressaltou Menon à IPS. Apenas 30% dos africanos subsaarianos contam com adequado saneamento, proporção que aumentou apenas 4% desde 1990. Este lento progresso está atrasando muitas outras metas, alertou.

Água, saneamento e higiene são fundamentais para erradicar a pobreza, melhorar a saúde, a nutrição, a educação e a igualdade de gênero, e tudo isso permite o crescimento econômico, observou Menon. “Devido ao alcance do desafio, propomos que seja fixada uma meta mundial concentrada em garantir água sustentada e saneamento para todos”, ressaltou.

Porém, Brocklehurst advertiu que os progressos constatados em vários ODM mostram um padrão semelhante. As novas metas pós-2015 deveriam ser desenhadas de forma a estimular os governos a considerarem com máxima prioridade os pobres, vulneráveis e marginalizados.

A água, o saneamento e a higiene devem ser parte das futuras metas. E essas metas devem ser capazes de criar o impulso para um acesso universal, enfatizou.

Segundo Menon, a ajuda internacional para água e saneamento caiu cerca de US$ 1 bilhão entre 2009 e 2011, em parte devido à crise financeira mundial. 

Embora essa assistência tenha se recuperado em 2012, ainda está na metade do valor necessário para financiar completamente os ODM. A informação dos países em desenvolvimento em água e saneamento não é clara, mas parece que nenhum governo subsaariano cumpriu sequer seu próprio objetivo de destinar 0,5% de seu produto interno bruto a esses setores, apontou Menon.

O ativista afirmou que o secretário-geral adjunto da ONU, Jan Eliasson [foto], assumiu a liderança nesses temas, e destacou seu “chamado à ação sobre saneamento” e seus discursos em diversos fóruns internacionais.

Por outro lado, acrescentou, a Organização Mundial da Saúde e o Unicef lideraram consultas internacionais para elaborar novas metas para depois de 2015.

A WaterAid apoia ativamente esses esforços e acredita que o acesso universal até 2030 é uma meta ambiciosa mas alcançável”, concluiu.

Número por número

• 748 milhões de pessoas não têm água limpa. Isto é quase um em cada dez habitantes do planeta.

• 2,5 bilhões de pessoas não têm banheiro adequado. Isto é um em cada três habitantes do planeta.

• Cerca de 700 mil crianças morrem por ano de diarreia causada por água contaminada e falta de saneamento. Isto é quase duas mil crianças por dia.

* Fonte: WaterAid - Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/agua-saneamento-e-energia-contas-pendentes/

Leituras afins:
A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
Agora, água para todos - Thalif Deen

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Indígenas brasileiros em águas represadas

22/01/2014 - Indígenas brasileiros convivem mal com as águas represadas
- por Mario Osava, da Inter Press Service (IPS) - Envolverde

Foz do Iguaçu e Paulo Afonso, Brasil, 22/1/2014 – A hidrelétrica de Itaparica [foto] ocupou território dos indígenas pankararu, mas enquanto outros foram compensados, a eles coube apenas perder suas terras e o acesso ao rio São Francisco, queixam-se líderes desse povo do Nordeste do Brasil.

Já não comemos pescado como antes, mas o maior dano foi a perda da cascata sagrada, onde realizávamos nossos ritos religiosos”, lamentou à IPS o cacique José Auto dos Santos.

Quase 200 quilômetros rio abaixo, a comunidade indígena xokó sofre a diminuição de água, contida acima por grandes represas que suprimiram as cheias estacionais e regulares do São Francisco, inviabilizando os arrozais de aluvião e reduzindo drasticamente a pesca.

Efeitos semelhantes são temidos no rio Xingu [foto], na Amazônia, onde a construção da central de Belo Monte desviará parte das águas do trecho conhecido como Volta Grande, o que afetará os povos juruna e arara.

Cerca de 2.500 quilômetros ao sul, os avá-guarani assentados às margens da represa de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, se dedicaram à piscicultura para manter seu alto consumo tradicional de pescado, em uma população crescente e com escassa terra para cultivar.

Nos anos 1970 e 1980, emergiu no Brasil uma geração de indígenas de águas paradas, quando o país construiu numerosas centrais hidrelétricas, algumas gigantescas como Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí [foto], na Amazônia oriental, ambas inauguradas em 1984.

No São Francisco, cujo maior trecho cruza terras semiáridas, foram instaladas cinco centrais, que alteraram seu fluxo fluvial.

Uma delas, Sobradinho [foto], exigiu uma represa de 4.214 quilômetros quadrados, um dos maiores lagos artificiais do mundo, segundo sua operadora, a estatal Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que tem outras 13 centrais na região nordestina.

A abertura de Sobradinho, em 1982, acabou com a plantação de arroz em terras inundáveis do território xokó, cerca de 630 quilômetros rio abaixo, contaram à IPS seus moradores.

O ciclo anual de cheias praticamente desapareceu no Baixo São Francisco desde 1986, quando foi criada em Pernambuco a represa de Itaparica, de
828 quilômetros quadrados, que regula o fluxo auxiliar de Sobradinho.

Assim, se pôs fim ao aluvião, que fertilizava os arrozais e enchia ciclicamente de peixes os lagos conectados ao rio por um canal.

Sem corrente, o rio perde força, é um prato plano que se cruza a pé”, descreveu Lucimário Apolônio Lima [foto], o cacique xokó, com uma juventude incomum entre líderes indígenas.

O jovem cacique xokó Apolônio Lima busca novas formas de sustento para seu povo, depois que a represa de Itaparica cortou suas atividades tradicionais de agricultura e pesca, dependentes das águas do rio São Francisco.

Com 30 anos, explicou à IPS que busca para sua gente, pouco mais de 400 pessoas, um futuro sustentável. Para isso, estimula a apicultura e outras produções alternativas, luta pela revitalização do São Francisco e se opõe à transposição de suas águas para combater secas no norte, um megaprojeto do governo federal.

Antes de fazer isso, é preciso dar vida ao rio, os doentes não doam sangue para transfusões”, afirmou o cacique.

Meus avós já asseguravam que as margens do São Francisco morreriam. Eu não, mas meus netos o verão”, profetizou à IPS o xamã Raimundo Xokó, de 78 anos.

Para os pankararu, estabelecidos a cinco quilômetros da muralha que represa as águas em Itaparica, as ribeiras fluviais são coisa do passado.

Seus líderes se sentem roubados.

Não temos onde pescar, a empresa tomou nossa terra, desconhecendo nosso direito legal até a margem”, explicou à IPS o xamã José João dos Santos, mais conhecido como Zé Branco.

O ex-cacique Jurandir Freire, apelidado de Zé Índio, luta por indenizações milionárias, porque os indígenas foram excluídos das compensações por sua terra inundada, ao contrário dos municípios, cujas prefeituras recebem benefícios, e os camponeses assentados nas chamadas agrovilas com áreas irrigadas.

Zé Índio esteve preso e perdeu seu cargo por liderar, em 2001, um protesto que danificou linhas de transmissão elétrica da central, que passam por montanhas do território pankararu sem compensação alguma.

A terra fértil, em um vale e ladeiras montanhosas que favorecem uma umidade que contrasta com a semiaridez à sua volta, é outra fonte de conflitos.

Desde a demarcação da Reserva Pankararu, em 1987, os indígenas pressionam o governo para retirar os agricultores brancos que ocupam a melhor parte.

Minha avó nasceu ali e morreu aos 91 anos, isso há cinco”, disse Isabel da Silva para defender que sua família e outras vizinhas pertencem ao território pankararu há mais de um século.

“Segundo a lei, temos que sair, mas fazer isso seria uma injustiça”, disse à IPS esta funcionária do Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, que conseguiu o reassentamento de quase seis mil famílias camponesas afetadas pela central de Itaparica.

Há 435 famílias ameaçadas de expulsão há duas décadas, em uma medida que demora por falta de terra para reassentá-las, justificam as autoridades.

O povo pankararu vive em uma reserva de 8.376 hectares e em 2003 contava com 5.584 integrantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela proteção das populações originárias.

Mas outros milhares emigraram para as cidades, especialmente São Paulo, onde mantêm sua identidade e se reúnem em ritos religiosos e festas indígenas. Com terra menos escassa, muitos regressariam, espera Zé Índio.

A escassez de terra também impacta os ocoy, situados nas margens da represa de Itaipu.

São 160 famílias, cerca de 700 pessoas, que sobrevivem em apenas 250 hectares, a maioria de florestas protegidas, vedada à agricultura.

A piscicultura, impulsionada pela empresa Itaipu Binacional, surgiu como alternativa para completar sua alimentação, diante da queda da pesca tradicional e das limitações agrícolas.

Os indígenas se destacaram entre os 850 pescadores que se somaram à iniciativa, “talvez por sua cultura, vinculada à água”, destacou à IPS o diretor de coordenação e meio ambiente da companhia, Nelton Friedrich [foto].

Com 40 tanques rede [foto abaixo], a comunidade ocoy obtém quase seis toneladas de pescado por ano, segundo o vice-cacique Silvino Vass.

No entanto, esta não é sua maior fonte alimentar e poucos participam diretamente da atividade, segundo pesquisa acadêmica realizada em 2011 por Magali Stempniak Orsi.

Além disso, os indígenas dependem muito da empresa, que lhes fornece os alevinos e a alimentação para os peixes, disse a pesquisadora, segundo a qual o projeto deve promover maior participação comunitária.

Os ocoy precisam de assistência alimentar para completar suas necessidades, ao contrário de duas vizinhas comunidades avá-guarani, que contam com mais terras doadas pela Itaipu Binacional e mais produção agrícola.

Em todo caso, o apoio de Itaipu aos indígenas locais é uma exceção entre as centrais hidrelétricas.

Além de buscar alternativas de desenvolvimento para eles, cuida da sustentabilidade de toda sua sub-bacia, com o Programa Cultivando Água Boa, um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e produtivas.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/indigenas-brasileiros-convivem-mal-com-aguas-represadas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Então, que venha do BRICS um desenvolvimento inteligente

06/01/2014 - Busca-se desenvolvimento inteligente no BRICS
- Fabíola Ortiz, da IPS (*) para o site Envolverde

Rio de Janeiro – O desenvolvimento inteligente é o que concilia um avanço econômico inclusivo e sustentável, afirmou o economista indiano Nanak Kakwani [foto], que formulou uma nova metodologia para medir a pobreza.

Agora existe uma tentativa acadêmica de medi-la no BRICS, começando pelo Brasil.

Os países emergentes, como os integrantes deste bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) devem refletir sobre qual é o tipo de desenvolvimento que desejam alcançar, ressaltou.

Kakwani viveu vários anos no Brasil, onde fundou, em 2004, o Centro Internacional da Pobreza, que depois deu lugar ao Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, com participação do estatal Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Se o desejo é melhorar as condições de vida das pessoas, é necessário crescer rápido, mas este crescimento tem seus custos para o meio ambiente”, disse o agora professor da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, e pesquisador convidado do Ipea.

É preciso existir um equilíbrio entre os dois aspectos, que seja inteligente”, ressaltou.

O crescimento econômico é apenas um meio para alcançar o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas, que priorize o bem-estar de todas elas e não apenas de um pequeno grupo, afirmou Kakwani em conversa desde Sydney.

Em termos gerais, se define como desenvolvimento inclusivo aquele que implanta ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, a fim de promover, em equilíbrio com o meio ambiente, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independente de sua condição, como o status social ou o gênero.

Ainda se prioriza muito o avanço econômico de um país, se acelera ou desacelera.

Assim acontece no Brasil, que atualmente apresenta uma freada em seu ritmo de crescimento, apontou Kakwani. “O crescimento inclusivo não deve ser volátil”, destacou.

O crescimento econômico, além do mais, não determina o fundamental: a forma como são distribuídos na sociedade os benefícios do progresso.

“Um desenvolvimento inclusivo incorpora todas as pessoas e significa que todos obterão algum tipo de benefício do crescimento”, explicou, o economista indiano.

Com estas premissas, ele estabeleceu um método para medir a pobreza, que calcula a função do bem-estar social, a função de oportunidades sociais e o cumprimento dos objetivos sociais do desenvolvimento inclusivo.

Todas têm como propósito avaliar as políticas públicas e medidas destinadas a melhorar os serviços sociais e públicos.

Também é medido o acesso de toda a população a serviços básicos, como saúde, educação, nutrição, saneamento, água ou emprego.

Além disso, indaga os resultados desse acesso, como
- melhoria na expectativa de vida das pessoas e a boa saúde;
- melhora da sobrevivência infantil;
- maior alfabetização;
- educação de qualidade;
- vigência da liberdade de expressão;
- acesso à justiça ou a participação social.

Entre os objetivos sociais se inclui o da redução ou não das tensões sociais, como pobreza extrema, excessiva desigualdade, insegurança ou polarização.

Calculo uma espécie de índice de igualdade de oportunidades” para estabelecer o nível de desenvolvimento inclusivo, explicou Kakwani.

O desenvolvimento é um conceito multidimensional e para ser inclusivo deve conter três pilares:
- crescimento alto e sustentado,
- eliminação ou redução de tensões sociais,
- e ampliação de oportunidades e igualdade no acesso.

O Brasil é um “caso típico” de alto nível de desigualdade, afirmou Kakwani.

O país apresenta elevada tensão social com uma grande brecha entre classes sociais e uma sociedade muito polarizada.

O Brasil teve um crescimento muito flutuante, volátil, que subia e caía rapidamente, até que em 1995 se tornou mais estável.

A primeira premissa é que esse crescimento deveria melhorar o nível de vida das pessoas”, ressaltou.

Se a economia de um país é volátil, causará perdas no bem-estar social coletivo.

O grande desafio dos estudos sobre o desenvolvimento inclusivo é elaborar indicadores que estabeleçam o nível de tensão social e de desigualdade, explicou Kakwani.

O índice de pobreza extrema no Brasil caiu para 6% de seus quase 200 milhões de habitantes, mas as desigualdades permanecem muito altas entre sua população.

O país, em alguma medida, começou a reduzir a desigualdade da renda… Nunca o fizera antes. Mas há preocupação sobre a sustentabilidade do crescimento”, ressaltou o pesquisador.

Até março deste ano, quando acontecerá no Brasil o próximo encontro dos BRICS, Kakwani trabalhará nos indicadores dos programas para transferência de renda no país, como o programa Bolsa Família, para calcular a taxa de retorno social.

Sua meta é medir o desenvolvimento inclusivo de todos os membros do BRICS.

O diretor de estudos de políticas sociais do Ipea, Rafael Osório [foto], que trabalhou com Kakwani quando este vivia no Brasil, ressaltou a importância do componente ambiental.

A sustentabilidade não deve ser inserida apenas na relação com o meio ambiente. As soluções são complexas e o crescimento não pode ser para uma única geração.

Não se pode esgotar todos os recursos naturais, e nem se pode manejar temerariamente os fundos de pensão”, afirmou.

A falta de coordenação e articulação dos serviços públicos também é obstáculo à sustentabilidade, argumentou Osório.

A pobreza reside onde falta planejamento.

Inclusive os problemas específicos não podem ser vistos de forma separada.

O desenvolvimento inclusivo vê a articulação nas políticas. O desafio para o desenvolvimento inclusivo no Brasil é reunir os melhores recursos para implantar políticas integradas”, acrescentou.

Não é uma equação fácil, sobretudo porque as pessoas se articulam em torno desses conceitos nos grandes centros urbanos e não nos municípios onde está a grande carência de gestão inclusiva.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/busca-se-desenvolvimento-inteligente-brics/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

(*) IPS - Inter Press Service

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Suíça diante de frouxos controles de mercenários

20/2/2013 - Inter Press Service (IPS)

- Reportagem extraída do site Envolverde - por Ray Smith, da IPS



Basileia, Suíça – O governo suíço apresentou um projeto de lei para regular a indústria militar privada, mas críticos afirmam que é inútil.
No dia 24 de março de 2010 foi incluída uma nova empresa no registro comercial da Basileia. Seu nome era Aegis Group Holdings AG.

Poucos meses depois, em 2 de agosto, foi informado que o grupo havia assumido o controle sobre a Aegis Defense Services Ltd., com sede em Londres.

A Aegis descreve a si mesma como “uma empresa líder” na área “de segurança privada e manejo de riscos”. Assim, fornece serviços em todo o mundo, incluindo países devastados por guerras, como Iraque e Afeganistão.

A Aegis se mudou silenciosamente para a Suíça

Foto: Ray Smith/IPS

A chegada da companhia pegou de surpresa o governo, e também o público.

A previsão é de que mais empresas militares privadas se mudarão para a Suíça tentando tirar proveito da estabilidade política do país, dos baixos impostos e de sua imagem pacífica e de neutralidade.

As companhias militares privadas legalmente não diferem de nenhum outro fornecedor de serviços de segurança, e as firmas ativas em áreas de conflito são difíceis de serem identificadas no registro comercial. O Departamento Federal de Justiça e Polícia estima que no país operam 20 dessas empresas.

A Suíça tem uma longa história de enviar agricultores pobres como mercenários para campos de batalha europeus.

No final da Idade Média, os cantões suíços assumiram o papel de mediadores. A queda do negócio dos mercenários começou no século 18 e terminou com a introdução da Constituição federal suíça em 1848. A partir de 1859, já não era permitido combater em campos de batalha estrangeiros.

Desde então a “neutralidade” se converteu em um elemento fundamental da política externa da Suíça e, de um modo mitológico, em uma peça fundamental de sua identidade coletiva.

Muitos viram a chegada da Aegis como uma ameaça à neutralidade do país. Os políticos suíços impulsionaram a criação de um novo contexto legal para o registro e a extensão de licenças para empresas de segurança privada. Josef Lang, então conselheiro nacional e uma das principais figuras do Grupo Para Uma Suíça Sem Exército, pediu uma proibição nacional para as companhias militares privadas.

A ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, anunciou no dia 23 de janeiro uma “proibição para as companhias mercenárias”. Afirmou que a Suíça já não serviria como base para atividades que violaram os direitos humanos. Mas, o que foi anunciado como uma “proibição” se mostrou ser uma regulação inútil.

O projeto de lei prevê a notificação e proibição de certas atividades, mas não das companhias de segurança privadas em si mesmas. Proíbe que firmas ou grupos empresariais com sede na Suíça “participem diretamente de hostilidades dentro de um conflito armado no exterior”.

Em poucas palavras, “isto significa que a nova lei permite às chamadas empresas de segurança agirem dentro de conflitos armados no exterior e participarem indiretamente das hostilidades”, disse Josef Lang (foto à direita).

Quem pensa que no fragor da batalha alguém pode diferenciar entre participação ‘direta’ e ‘indireta’, não tem ideia de como são as batalhas atuais”, acrescentou.


Ulrich Petersohn (foto), pesquisador do Centro para os Estudos sobre Segurança, disse que no direito internacional a definição de “participação direta em hostilidades” é vaga e está sujeita a debate. “E onde termina a autodefesa?”, perguntou. “Obviamente, há uma zona cinza”, acrescentou.

Petersohn também apresentou um dilema realista. “O que se aplica quando é atacado um complexo militar custodiado por pessoal de empresas militares privadas?”.

O novo projeto de lei também proíbe essas companhias de “realizarem qualquer atividade que incentive violações sérias aos direitos humanos”.
Sobre isto, Lang perguntou: “Por acaso significa que está permitido incentivar violações leves dos direitos humanos?”.

O político do Partido Verde acredita que a lei não pode obrigar a Aegis a deixar a Suíça. “Eles simplesmente prometerão não participar diretamente de hostilidades em áreas de conflito, e também nada fazer para incentivar violações sérias aos direitos humanos”.

Não está claro como as autoridades suíças poderão controlar as atividades dos mercenários no terreno.

Albert A. Stahel (foto), diretor do Instituto de Estudos Estratégicos, com sede em Wädenswil, perto de Zurique, acredita ser possível uma queda da atração que a Suíça representa para as companhias militares privadas, mas disse que as que já estão presentes no país não serão limitadas. “O Conselho Federal deveria ter proposto uma proibição clara para as empresas militares privadas, declarando expressamente que não toleramos nenhuma firma que participe de guerras”, enfatizou Stahel à IPS.

Petersohn tampouco vê uma imposição de limitações legais significativas para a Aegis. “No entanto, a arma mais afiada do projeto de lei é que podem ser apresentadas demandas com base em suspeitas”. As companhias estão ansiosas para evitar publicidade negativa, e isto pode colocá-las sob pressão, explicou.

Lang citou como exemplo a rígida regulação da Noruega. “Em lugar de proibir determinadas atividades praticamente impossíveis de serem definidas, seria mais factível aplicar um critério mais controlável. As empresas norueguesas não têm permitido a entrada de armas em outros países”, afirmou.

No plano internacional, a Suíça, junto como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, lançou um processo que levou, em 2008, ao Documento de Montreux. Este texto intergovernamental assinado por 44 Estados contém uma compilação de boas práticas, mas não é legalmente vinculante.

Inesperadamente, a lei proposta pelo governo suíço não adere às boas práticas sugeridas.

O Documento de Montreux promove medidas para garantir a transparência em autorizações como a do controle por parte dos órgãos parlamentares. O projeto suíço deixa fora toda medida de transparência.

No entanto, se for aprovada, a lei obrigará as companhias militares privadas que operam na Suíça a assinar o Código de Conduta Internacional para Fornecedores de Serviços de Segurança Privada (Icoc-PSP), um contexto autorregulatório já assinado por 592 empresas do setor.

Para Stahel, este enfoque é inútil, porque não há mecanismo para impor sanções. Petersohn tem esperanças de que esses códigos possam levar ao desenvolvimento de normas que impliquem certo grau de obrigatoriedade.

O Icoc-PSP é funcional principalmente para a imagem das empresas signatárias, e mantém à distância outros fornecedores de serviços.

Petersohn enfatizou que as violações ao Código, de todo modo, correm o risco de desembocar em campanhas de denúncias.

O parlamento suíço debaterá o projeto de lei, mas não se espera que o torne mais severo. “Foi dado um passo nessa direção. Porém, o copo está apenas pela metade”, disse Stahel.

Fonte: Envolverde/IPS

http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/suica-diante-de-frouxos-controles-de-mercenarios/


Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sábado, 20 de outubro de 2012

A segurança das usinas nucleares europeias em xeque


 18/10/2012 - por Julio Godoy, da IPS (Inter Press Service)
- extraído do site Envolverde

Muitas centrais nucleares da Europa estão fora dos padrões mínimos de segurança.
Foto: Monica S/CC-BY-ND-2.0

Berlim, Alemanha, 18/10/2012

 A chamada “prova de resistência” realizada nas usinas nucleares da União Europeia (UE) confirmaram os piores temores de ambientalistas e opositores às centrais atômicas: que estas não cumprem os padrões mínimos de segurança.

Os testes realizados em 134 reatores nucleares em 14 países do bloco obedeceram à preocupação da população diante da possibilidade de um desastre como o ocorrido na central japonesa de Fukushima Daiichi, em março de 2011.


O informe assegura que “os cidadãos da UE devem ter confiança em que a indústria nuclear da Europa é segura”. Contudo, as conclusões do documento, apresentado no dia 4 em Bruxelas, sugerem o contrário, que os cidadãos da União Europeia têm muitos motivos para sentir medo. Apenas quatro países “contam com sistemas de segurança adicionais, independentes dos normais, localizados em áreas bem protegidas de fenômenos externos”, afirma.

O estudo também conclui que, “em quatro reatores (em dois países diferentes), os operadores têm menos de uma hora para restabelecer as funções de segurança em caso de falhas”. Além disso, “em outros dez ainda não há instrumentos sísmicos instalados no local”, acrescenta o documento.

Apenas sete países contam com um “equipamento móvel, em particular geradores a óleo combustível, necessários em caso de total falta de eletricidade, fenômenos externos ou acidentes graves”, alerta o estudo. Os ativistas questionam que os testes foram quase totalmente teóricos, e que suas conclusões e recomendações não foram legalmente vinculantes.

O próprio informe diz que “grupos de revisão principalmente compostos por especialistas dos países-membros visitaram 24 locais, dos 68 existentes, levando em conta o tipo de reator e sua localização geográfica.” Detalha também que “as visitas a cada país foram concebidas para consolidar a implantação dos testes de resistência, sem invadir as responsabilidades das autoridades nacionais em matéria de inspeções na área de segurança nuclear”.


A catástrofe de Fukushima, considerada a pior deste tipo desde o acidente de 1986 em Chernobil, na Ucrânia, provou que as centrais atômicas precisam estar protegidas contra os fenômenos considerados “altamente improváveis”.

Segundo a própria União Europeia, “o ocorrido em Fukushima revelou elementos muito conhecidos e recorrentes: projetos ruins, sistemas de apoio insuficientes, erros humanos, planos de contingência inadequados e falta de comunicação”.

Os testes de resistência apenas confirmaram o que organizações ambientais e contrárias à energia nuclear temem há anos. Agora, aproveitam as conclusões do estudo para reclamar sua eliminação gradual do continente.

Tobias Muenchmeyer, especialista do escritório alemão do Greenpeace, declarou à IPS que “os testes de resistência confirmam que os sistemas de alerta são insuficientes e que a aplicação das diretrizes em caso de acidentes graves também o é. Nessas situações, as usinas devem ser fechadas. Os testes constituem um sinal de alarme para a eliminação gradual das usinas nucleares em toda a Europa”.



Segundo outros ativistas e dirigentes políticos, pelo menos as conclusões da avaliação devem levar ao fechamento imediato de todas as centrais nas regiões fronteiriças, nas quais os acidentes não teriam impactos apenas na população e no meio ambiente locais, mas também em regiões externas e em seus cidadãos. Tais medidas afetariam instalações de Bélgica, Bulgária, Eslováquia, França, Holanda, Hungria, República Checa e Romênia.

Johannes Remmel, ministro do Meio Ambiente do estado alemão de Renânia do Norte-Westfalia, disse aos jornalistas que todas as centrais nucleares deficientes instaladas nas regiões de fronteira da Europa deveriam ser fechadas ou, pelo menos, não funcionarem após sua “vida operacional”. Segundo Remmel, “um acidente com vazamento radiativo afetaria as populações de vários países”. Ele se referiu em especial às centrais belgas de Tihange e Doel, consideradas particularmente frágeis e localizadas, respectivamente, a 60 e 120 quilômetros do território alemão. Houve reclamações semelhantes na Áustria pelas usinas nucleares de Eslováquia e República Checa.


Os testes de resistência lançaram luz sobre o alto preço que as centrais atômicas podem ter. Contudo, a UE assegurou que “os países participantes começaram a tomar medidas para melhorar a segurança de suas usinas nucleares."

O custo para melhorar a segurança iria de US$ 39 milhões a US$ 258 milhões para cada um dos 132 reatores existentes. Os números se baseiam em estimativas da autoridade de segurança nuclear francesa, que cobre mais de um terço dos reatores da UE e estão sujeitas a confirmação pelos planos nacionais de ação.

Jo Leinen, ex-ministro do Meio Ambiente do Estado alemão de Sarre, considera que poderia ser feito melhor uso desse dinheiro. “Ou a UE e seus membros investem para melhorar as usinas nucleares a fim de torná-las mais seguras, ou as fecham”, disse à IPS o atual deputado do Parlamento Europeu. “Se as melhoras custam, realmente, US$ 32 milhões no total, seria melhor investi-los em fontes alternativas de energia”, ressaltou.


Fukushima também fortaleceu a oposição popular à energia nuclear no mundo. Enquanto isso, numerosas centrais em construção, como Olkiluoto 3, na Finlândia, e Flamanville, na França, incorrem em custos elevadíssimos.

Agora, os testes de resistência feitos pela UE acrescentaram outra pedra no sapato da energia nuclear.

O crescente peso das fontes renováveis na geração de eletricidade revela que é possível e factível um mundo sem energia nuclear, a qual, por outro lado, diminuiu de forma regular em relação ao máximo histórico de 17%, em 1993, para 11% no ano passado.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/a-seguranca-das-usinas-nucleares-europeias-em-xeque/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=18