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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Água, saneamento e energia: contas pendentes

20/02/2014 - Thalif Deen, da IPS (Inter Press Service)
- extraído do site Envolverde

Nações Unidas, 20/2/2014 – Quando vencer o prazo para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2015, haverá uma omissão grave: milhões de pessoas continuarão sem água potável, saneamento e eletricidade em suas casas.

Conscientes dessa falta, os 193 membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) realizaram uma reunião de alto nível de dois dias, encerrada ontem, para abordar esses três temas com relação à próxima agenda mundial de desenvolvimento que substituirá os ODM.

Especialistas em água têm sérias dúvidas de que esses objetivos sejam alcançados até o próximo ano, a menos que haja uma drástica aceleração de esforços, particularmente na Ásia meridional e na África subsaariana.

Um informe da ONU afirmava em 2012 que a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas que vivem sem água potável fora alcançada e beneficiava mais de dois bilhões de seres humanos.

Porém, atualmente há 327 milhões de subsaarianos a mais do que em 1990 sem acesso a este serviço, disse à IPS o diretor de programas internacionais da organização WaterAid, com sede em Londres, Girish Menon [foto].

Nesse passo, essa região africana só poderá alcançar a referida meta em 2030, ressaltou.

Ao falar, no dia 18, perante os delegados, o presidente da Assembleia Geral, John Ashe [foto abaixo], descreveu a magnitude do problema com dados concretos: 783 milhões de pessoas vivem sem água potável, 2,5 bilhões não têm saneamento adequado e 1,4 bilhão carecem de eletricidade.

Para agravar essa situação, em muitos países do planeta existe um severo estresse hídrico e escassez de água”, afirmou. Ashe disse que cerca de 80% da população mundial vive em áreas com graves ameaças à segurança hídrica.

Um documento de referência preparado por seu escritório alerta que “conseguir o acesso universal à água potável, ao saneamento básico e aos serviços modernos de energia é um dos grandes desafios multifacetários do desenvolvimento que o mundo enfrenta hoje”.

Menon estima que essas carências devem ser contempladas nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda que substituirá os ODM no próximo ano. “Se os ODS tiverem êxito em erradicar a pobreza sobre uma base sustentável, devem aprender com os fracassos dos ODM e reverter a negligência em matéria de saneamento e higiene”, afirmou.

Clarissa Brocklehurst [foto], ex-chefe de assuntos de água, saneamento e higiene do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), disse à IPS que, “embora os ODM sejam maravilhosos para impulsionar ações, ainda há vários desafios quando se aproxima o prazo de 2015”.

A meta referente à água foi alcançada, mas ainda não há um monitoramento geral da qualidade do serviço, e as estimativas sobre o número de pessoas que têm água potável se baseia em cálculos de aproximação, como o tipo de tecnologia usada pelas famílias, pontuou Brocklehurst. “Não houve progresso suficiente em saneamento, e estamos atrasados para alcançar a meta dos ODM”, acrescentou.

A especialista lamentou que o saneamento não faça parte dos ODM e, portanto, não tenha a atenção que merece. “Talvez o mais preocupante seja que os progressos feitos tanto em água como em saneamento estejam muito desiguais”, acrescentou.

Os moradores de zonas urbanas têm mais probabilidades de contar com água e saneamento do que os que residem em áreas rurais, bem como os ricos têm maior chance de contar com esses serviços do que os pobres.

Também há evidência de que, em alguns países, os grupos étnicos marginalizados têm mais probabilidade de depender de fontes de água não melhoradas e de serem obrigados a defecar ao ar livre, acrescentou Brocklehurst.

No jargão hídrico, uma fonte melhorada é aquela cuja instalação protege apropriadamente a água da contaminação externa, especialmente da matéria fecal.

“No ritmo atual, não conseguiremos a meta mundial de saneamento de 8%, isso representa 500 milhões de pessoas”, ressaltou Menon à IPS. Apenas 30% dos africanos subsaarianos contam com adequado saneamento, proporção que aumentou apenas 4% desde 1990. Este lento progresso está atrasando muitas outras metas, alertou.

Água, saneamento e higiene são fundamentais para erradicar a pobreza, melhorar a saúde, a nutrição, a educação e a igualdade de gênero, e tudo isso permite o crescimento econômico, observou Menon. “Devido ao alcance do desafio, propomos que seja fixada uma meta mundial concentrada em garantir água sustentada e saneamento para todos”, ressaltou.

Porém, Brocklehurst advertiu que os progressos constatados em vários ODM mostram um padrão semelhante. As novas metas pós-2015 deveriam ser desenhadas de forma a estimular os governos a considerarem com máxima prioridade os pobres, vulneráveis e marginalizados.

A água, o saneamento e a higiene devem ser parte das futuras metas. E essas metas devem ser capazes de criar o impulso para um acesso universal, enfatizou.

Segundo Menon, a ajuda internacional para água e saneamento caiu cerca de US$ 1 bilhão entre 2009 e 2011, em parte devido à crise financeira mundial. 

Embora essa assistência tenha se recuperado em 2012, ainda está na metade do valor necessário para financiar completamente os ODM. A informação dos países em desenvolvimento em água e saneamento não é clara, mas parece que nenhum governo subsaariano cumpriu sequer seu próprio objetivo de destinar 0,5% de seu produto interno bruto a esses setores, apontou Menon.

O ativista afirmou que o secretário-geral adjunto da ONU, Jan Eliasson [foto], assumiu a liderança nesses temas, e destacou seu “chamado à ação sobre saneamento” e seus discursos em diversos fóruns internacionais.

Por outro lado, acrescentou, a Organização Mundial da Saúde e o Unicef lideraram consultas internacionais para elaborar novas metas para depois de 2015.

A WaterAid apoia ativamente esses esforços e acredita que o acesso universal até 2030 é uma meta ambiciosa mas alcançável”, concluiu.

Número por número

• 748 milhões de pessoas não têm água limpa. Isto é quase um em cada dez habitantes do planeta.

• 2,5 bilhões de pessoas não têm banheiro adequado. Isto é um em cada três habitantes do planeta.

• Cerca de 700 mil crianças morrem por ano de diarreia causada por água contaminada e falta de saneamento. Isto é quase duas mil crianças por dia.

* Fonte: WaterAid - Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/agua-saneamento-e-energia-contas-pendentes/

Leituras afins:
A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
Agora, água para todos - Thalif Deen

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um inferno siderúrgico na Amazônia

10/2/2014 - Terramérica - por Mario Osava (*) - Envolverde

Florêncio de Souza Bezerra [foto] aponta com o pé um punhado de carvão pulverizado, perigosamente inflamável, na sarjeta de uma rua de Piquiá de Baixo. Fotos: Mario Osava/IPS

Piquiá de Baixo, Brasil, 10 de fevereiro de 2014 (Terramérica)

- “Meu sobrinho tinha oito anos quando pisou na ‘munha’ (carvão pulverizado) e queimou as pernas até os joelhos”, conta Angelita Alves de Oliveira neste pedaço da Amazônia brasileira transformado em armadilha mortal para seus habitantes.

O tratamento em hospitais distantes não conseguiu salvar a criança, porque “seu sangue ficou intoxicado, segundo o médico. Minha irmã jamais voltou a ser a mesma mulher. Perdeu seu filho mais novo”, disse a professora Oliveira.

Seu marido também foi vítima dessas queimaduras, como comprovam as cicatrizes em suas pernas.

A munha ou “moinha”, segundo o dicionário siderúrgico português, é o pó de carvão vegetal resultante da produção de ferro gusa, material intermediário na obtenção de aço, que fez de Piquiá de Baixo, na faixa oriental da Amazônia brasileira, um caso trágico de contaminação industrial.

Trata-se de um bairro da zona rural de Açailândia, município do Maranhão, que nasceu com os acampamentos de operários que se instalaram em 1958 para construir a rodovia Belém-Brasília, um eixo centro-norte de desenvolvimento e integração do Brasil, que gerou muitos desastres ambientais e sociais.

A ferrovia [foto] inaugurada em 1985 para transportar minério de ferro da gigantesca mina na Serra de Carajás, selou o destino de Açailândia como entroncamento e polo siderúrgico.

Piquiá de Baixo ficou cercado por cinco unidades produtoras de ferro gusa, pelos trilhos e por grandes armazéns de minérios.

Enquanto isso, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras siderúrgicas se somava à pecuária para fazer de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

Essas chagas diminuíram diante da repressão estatal e diferentes pressões. Mas a contaminação em Piquiá se agravou, segundo testemunhos colhidos para esta reportagem.

O resíduo pulverizado de carvão continua ameaçador. A secura o torna inflamável a um ligeiro toque. Isso custou a vida do sobrinho de Angelita em 1993, quando poucos conheciam o quanto é letal esse pó negro.

As pessoas ficaram cautelosas e os acidentes menos frequentes, mas não acabaram. Outra criança, de sete anos, se queimou até a cintura em 1999 e agonizou durante três semanas.

Um inferno siderúrgico na Amazônia

Uma família sorri para a câmera enquanto se protege do calor à sombra de uma árvore. A estrada a separa da indústria de ferro gusa, que torna impossível a vida no bairro.

Vi gado incinerado”, disse Florêncio de Souza Bezerra, que foi camponês e agora é membro ativo da Associação Comunitária de Moradores de Piquiá, onde vive há dez anos com nove filhos e dois netos, em uma casa grande de madeira e amplo quintal.

Os montículos de munha podem ser vistos nas ruas por onde passam os caminhões das siderúrgicas [foto] e em pelo menos um depósito a céu aberto no qual este repórter entrou sem encontrar nenhum controle [foto abaixo].

Porém, a queixa mais frequente dos moradores é contra o ar envenenado. 

Há pouco mais de um ano morreu uma menina com pó de ferro nos pulmões e câncer, depois de 15 dias na terapia intensiva”, recordou Florêncio.

Na pequena praça do bairro, o ativista vai apontando as casas cujos moradores morreram de doenças respiratórias.

Angelita contou que um “exame mostrou manchas em meus pulmões há um ano, e o médico me acusou de fumar quando jovem, mas nunca coloquei um cigarro na boca”.

Ela deseja dar “uma esperança de vida” às suas netas, que vivem aqui “ingerindo contaminação 24 horas por dia”.

Já vivi bastante, mas minhas netas não”, afirmou, aos 61 anos de idade, mais de 30 dedicados ao ensino.

Sua casa fica ao lado da Gusa Nordeste, uma das cinco unidades produtoras de ferro gusa.

A situação se agravou “há dois anos”, quando a empresa começou a produzir cimento, segundo ela, lançando um pó negro que suja tudo em segundos e, em algumas madrugadas, torna impossível ver sua casa da estrada, a apenas 30 metros de distância.

Para a empresa foi um avanço, porque se trata de aproveitar a escória do alto forno como matéria-prima, evitando uma volumosa quantidade de dejeto e abastecendo o mercado local da construção com um produto que antes era preciso trazer de longe.

A Gusa Nordeste destaca sua responsabilidade ambiental porque emprega a munha como combustível, economizando carvão granulado, e o gás derivado da produção de ferro gusa é usado para gerar toda a energia elétrica que a empresa precisa.

Um inferno siderúrgico na Amazônia

Uma rua de Piquiá de Baixo danificada pela erosão, e as habituais casas deterioradas. Os moradores esperam por um demorado reassentamento em uma área expropriada pela justiça.

Porém, a realidade reconhecida pela justiça, por várias autoridades e inclusive pela indústria, é que a contaminação do ar, da água e da terra torna inviável manter Piquiá de Baixo no local onde nasceu, há mais de 40 anos.

Já há uma proposta aprovada pela justiça e pela câmara municipal para reassentar as 312 famílias que restam em Piquiá de Baixo, em um terreno de 38 hectares a seis quilômetros da atual.

Em dezembro, a justiça ordenou a expropriação da área e fixou seu valor no equivalente a US$ 450 mil, mas o dono exige quatro vezes essa quantia, e assim se prolonga a agonia para os moradores de Piquiá.

A própria comunidade elaborou um projeto urbanístico, que inclui casas, escola, praça, lojas e igrejas, explicou Antonio Soffientini, membro da Justiça Nos Trilhos, uma rede de dezenas de organizações que apoiam a população afetada pelo “sistema Carajás”.

Na Serra de Carajás, a empresa Vale, que foi privatizada em 1997, extrai cerca de 110 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, que percorrem 892 quilômetros em trem até o porto Ponta da Madeira, em São Luis, capital maranhense, para ser exportado.

Uma pequena parte fica em Açailândia. Como provedora da indústria local de ferro gusa, a Vale tem responsabilidade direta na contaminação, acusa a organização Justiça Nos Trilhos.

Poderia suspender a entrega do minério até a indústria instalar filtros e pôr fim ao drama de Piquiá”, opinou Antonio, missionário italiano do movimento católico comboniano.

Isso geraria uma crise de desemprego em Açailândia, advertiu Zenaldo Oliveira, diretor global de Operações Logísticas da Vale.

Este polo siderúrgico já vive uma queda de atividades desde 2008.

Os seis mil empregos que oferecia nessa época caíram para 3.500 atuais, segundo Jarles Adelino, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia.

Ele se queixa dos altos preços que a Vale impõe à matéria-prima, que representam metade dos custos do ferro gusa.

No entanto, isso não se reflete na cidade, que exibe hotéis e sinais de prosperidade.

É que várias obras próximas oferecem trabalho temporário, explicou Jarles, e cada emprego em uma produtora de ferro gusa gera dez postos indiretos. 

(Envolverde/Terramérica)

(*) O autor é correspondente da IPS.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/terramerica-um-inferno-siderurgico-na-amazonia/

Leia também:
- Um povo cercado por um anel de ferro - Fabíola Ortiz

domingo, 26 de janeiro de 2014

Indígenas brasileiros em águas represadas

22/01/2014 - Indígenas brasileiros convivem mal com as águas represadas
- por Mario Osava, da Inter Press Service (IPS) - Envolverde

Foz do Iguaçu e Paulo Afonso, Brasil, 22/1/2014 – A hidrelétrica de Itaparica [foto] ocupou território dos indígenas pankararu, mas enquanto outros foram compensados, a eles coube apenas perder suas terras e o acesso ao rio São Francisco, queixam-se líderes desse povo do Nordeste do Brasil.

Já não comemos pescado como antes, mas o maior dano foi a perda da cascata sagrada, onde realizávamos nossos ritos religiosos”, lamentou à IPS o cacique José Auto dos Santos.

Quase 200 quilômetros rio abaixo, a comunidade indígena xokó sofre a diminuição de água, contida acima por grandes represas que suprimiram as cheias estacionais e regulares do São Francisco, inviabilizando os arrozais de aluvião e reduzindo drasticamente a pesca.

Efeitos semelhantes são temidos no rio Xingu [foto], na Amazônia, onde a construção da central de Belo Monte desviará parte das águas do trecho conhecido como Volta Grande, o que afetará os povos juruna e arara.

Cerca de 2.500 quilômetros ao sul, os avá-guarani assentados às margens da represa de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, se dedicaram à piscicultura para manter seu alto consumo tradicional de pescado, em uma população crescente e com escassa terra para cultivar.

Nos anos 1970 e 1980, emergiu no Brasil uma geração de indígenas de águas paradas, quando o país construiu numerosas centrais hidrelétricas, algumas gigantescas como Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí [foto], na Amazônia oriental, ambas inauguradas em 1984.

No São Francisco, cujo maior trecho cruza terras semiáridas, foram instaladas cinco centrais, que alteraram seu fluxo fluvial.

Uma delas, Sobradinho [foto], exigiu uma represa de 4.214 quilômetros quadrados, um dos maiores lagos artificiais do mundo, segundo sua operadora, a estatal Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que tem outras 13 centrais na região nordestina.

A abertura de Sobradinho, em 1982, acabou com a plantação de arroz em terras inundáveis do território xokó, cerca de 630 quilômetros rio abaixo, contaram à IPS seus moradores.

O ciclo anual de cheias praticamente desapareceu no Baixo São Francisco desde 1986, quando foi criada em Pernambuco a represa de Itaparica, de
828 quilômetros quadrados, que regula o fluxo auxiliar de Sobradinho.

Assim, se pôs fim ao aluvião, que fertilizava os arrozais e enchia ciclicamente de peixes os lagos conectados ao rio por um canal.

Sem corrente, o rio perde força, é um prato plano que se cruza a pé”, descreveu Lucimário Apolônio Lima [foto], o cacique xokó, com uma juventude incomum entre líderes indígenas.

O jovem cacique xokó Apolônio Lima busca novas formas de sustento para seu povo, depois que a represa de Itaparica cortou suas atividades tradicionais de agricultura e pesca, dependentes das águas do rio São Francisco.

Com 30 anos, explicou à IPS que busca para sua gente, pouco mais de 400 pessoas, um futuro sustentável. Para isso, estimula a apicultura e outras produções alternativas, luta pela revitalização do São Francisco e se opõe à transposição de suas águas para combater secas no norte, um megaprojeto do governo federal.

Antes de fazer isso, é preciso dar vida ao rio, os doentes não doam sangue para transfusões”, afirmou o cacique.

Meus avós já asseguravam que as margens do São Francisco morreriam. Eu não, mas meus netos o verão”, profetizou à IPS o xamã Raimundo Xokó, de 78 anos.

Para os pankararu, estabelecidos a cinco quilômetros da muralha que represa as águas em Itaparica, as ribeiras fluviais são coisa do passado.

Seus líderes se sentem roubados.

Não temos onde pescar, a empresa tomou nossa terra, desconhecendo nosso direito legal até a margem”, explicou à IPS o xamã José João dos Santos, mais conhecido como Zé Branco.

O ex-cacique Jurandir Freire, apelidado de Zé Índio, luta por indenizações milionárias, porque os indígenas foram excluídos das compensações por sua terra inundada, ao contrário dos municípios, cujas prefeituras recebem benefícios, e os camponeses assentados nas chamadas agrovilas com áreas irrigadas.

Zé Índio esteve preso e perdeu seu cargo por liderar, em 2001, um protesto que danificou linhas de transmissão elétrica da central, que passam por montanhas do território pankararu sem compensação alguma.

A terra fértil, em um vale e ladeiras montanhosas que favorecem uma umidade que contrasta com a semiaridez à sua volta, é outra fonte de conflitos.

Desde a demarcação da Reserva Pankararu, em 1987, os indígenas pressionam o governo para retirar os agricultores brancos que ocupam a melhor parte.

Minha avó nasceu ali e morreu aos 91 anos, isso há cinco”, disse Isabel da Silva para defender que sua família e outras vizinhas pertencem ao território pankararu há mais de um século.

“Segundo a lei, temos que sair, mas fazer isso seria uma injustiça”, disse à IPS esta funcionária do Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, que conseguiu o reassentamento de quase seis mil famílias camponesas afetadas pela central de Itaparica.

Há 435 famílias ameaçadas de expulsão há duas décadas, em uma medida que demora por falta de terra para reassentá-las, justificam as autoridades.

O povo pankararu vive em uma reserva de 8.376 hectares e em 2003 contava com 5.584 integrantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela proteção das populações originárias.

Mas outros milhares emigraram para as cidades, especialmente São Paulo, onde mantêm sua identidade e se reúnem em ritos religiosos e festas indígenas. Com terra menos escassa, muitos regressariam, espera Zé Índio.

A escassez de terra também impacta os ocoy, situados nas margens da represa de Itaipu.

São 160 famílias, cerca de 700 pessoas, que sobrevivem em apenas 250 hectares, a maioria de florestas protegidas, vedada à agricultura.

A piscicultura, impulsionada pela empresa Itaipu Binacional, surgiu como alternativa para completar sua alimentação, diante da queda da pesca tradicional e das limitações agrícolas.

Os indígenas se destacaram entre os 850 pescadores que se somaram à iniciativa, “talvez por sua cultura, vinculada à água”, destacou à IPS o diretor de coordenação e meio ambiente da companhia, Nelton Friedrich [foto].

Com 40 tanques rede [foto abaixo], a comunidade ocoy obtém quase seis toneladas de pescado por ano, segundo o vice-cacique Silvino Vass.

No entanto, esta não é sua maior fonte alimentar e poucos participam diretamente da atividade, segundo pesquisa acadêmica realizada em 2011 por Magali Stempniak Orsi.

Além disso, os indígenas dependem muito da empresa, que lhes fornece os alevinos e a alimentação para os peixes, disse a pesquisadora, segundo a qual o projeto deve promover maior participação comunitária.

Os ocoy precisam de assistência alimentar para completar suas necessidades, ao contrário de duas vizinhas comunidades avá-guarani, que contam com mais terras doadas pela Itaipu Binacional e mais produção agrícola.

Em todo caso, o apoio de Itaipu aos indígenas locais é uma exceção entre as centrais hidrelétricas.

Além de buscar alternativas de desenvolvimento para eles, cuida da sustentabilidade de toda sua sub-bacia, com o Programa Cultivando Água Boa, um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e produtivas.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/indigenas-brasileiros-convivem-mal-com-aguas-represadas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Então, que venha do BRICS um desenvolvimento inteligente

06/01/2014 - Busca-se desenvolvimento inteligente no BRICS
- Fabíola Ortiz, da IPS (*) para o site Envolverde

Rio de Janeiro – O desenvolvimento inteligente é o que concilia um avanço econômico inclusivo e sustentável, afirmou o economista indiano Nanak Kakwani [foto], que formulou uma nova metodologia para medir a pobreza.

Agora existe uma tentativa acadêmica de medi-la no BRICS, começando pelo Brasil.

Os países emergentes, como os integrantes deste bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) devem refletir sobre qual é o tipo de desenvolvimento que desejam alcançar, ressaltou.

Kakwani viveu vários anos no Brasil, onde fundou, em 2004, o Centro Internacional da Pobreza, que depois deu lugar ao Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, com participação do estatal Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Se o desejo é melhorar as condições de vida das pessoas, é necessário crescer rápido, mas este crescimento tem seus custos para o meio ambiente”, disse o agora professor da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, e pesquisador convidado do Ipea.

É preciso existir um equilíbrio entre os dois aspectos, que seja inteligente”, ressaltou.

O crescimento econômico é apenas um meio para alcançar o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas, que priorize o bem-estar de todas elas e não apenas de um pequeno grupo, afirmou Kakwani em conversa desde Sydney.

Em termos gerais, se define como desenvolvimento inclusivo aquele que implanta ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, a fim de promover, em equilíbrio com o meio ambiente, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independente de sua condição, como o status social ou o gênero.

Ainda se prioriza muito o avanço econômico de um país, se acelera ou desacelera.

Assim acontece no Brasil, que atualmente apresenta uma freada em seu ritmo de crescimento, apontou Kakwani. “O crescimento inclusivo não deve ser volátil”, destacou.

O crescimento econômico, além do mais, não determina o fundamental: a forma como são distribuídos na sociedade os benefícios do progresso.

“Um desenvolvimento inclusivo incorpora todas as pessoas e significa que todos obterão algum tipo de benefício do crescimento”, explicou, o economista indiano.

Com estas premissas, ele estabeleceu um método para medir a pobreza, que calcula a função do bem-estar social, a função de oportunidades sociais e o cumprimento dos objetivos sociais do desenvolvimento inclusivo.

Todas têm como propósito avaliar as políticas públicas e medidas destinadas a melhorar os serviços sociais e públicos.

Também é medido o acesso de toda a população a serviços básicos, como saúde, educação, nutrição, saneamento, água ou emprego.

Além disso, indaga os resultados desse acesso, como
- melhoria na expectativa de vida das pessoas e a boa saúde;
- melhora da sobrevivência infantil;
- maior alfabetização;
- educação de qualidade;
- vigência da liberdade de expressão;
- acesso à justiça ou a participação social.

Entre os objetivos sociais se inclui o da redução ou não das tensões sociais, como pobreza extrema, excessiva desigualdade, insegurança ou polarização.

Calculo uma espécie de índice de igualdade de oportunidades” para estabelecer o nível de desenvolvimento inclusivo, explicou Kakwani.

O desenvolvimento é um conceito multidimensional e para ser inclusivo deve conter três pilares:
- crescimento alto e sustentado,
- eliminação ou redução de tensões sociais,
- e ampliação de oportunidades e igualdade no acesso.

O Brasil é um “caso típico” de alto nível de desigualdade, afirmou Kakwani.

O país apresenta elevada tensão social com uma grande brecha entre classes sociais e uma sociedade muito polarizada.

O Brasil teve um crescimento muito flutuante, volátil, que subia e caía rapidamente, até que em 1995 se tornou mais estável.

A primeira premissa é que esse crescimento deveria melhorar o nível de vida das pessoas”, ressaltou.

Se a economia de um país é volátil, causará perdas no bem-estar social coletivo.

O grande desafio dos estudos sobre o desenvolvimento inclusivo é elaborar indicadores que estabeleçam o nível de tensão social e de desigualdade, explicou Kakwani.

O índice de pobreza extrema no Brasil caiu para 6% de seus quase 200 milhões de habitantes, mas as desigualdades permanecem muito altas entre sua população.

O país, em alguma medida, começou a reduzir a desigualdade da renda… Nunca o fizera antes. Mas há preocupação sobre a sustentabilidade do crescimento”, ressaltou o pesquisador.

Até março deste ano, quando acontecerá no Brasil o próximo encontro dos BRICS, Kakwani trabalhará nos indicadores dos programas para transferência de renda no país, como o programa Bolsa Família, para calcular a taxa de retorno social.

Sua meta é medir o desenvolvimento inclusivo de todos os membros do BRICS.

O diretor de estudos de políticas sociais do Ipea, Rafael Osório [foto], que trabalhou com Kakwani quando este vivia no Brasil, ressaltou a importância do componente ambiental.

A sustentabilidade não deve ser inserida apenas na relação com o meio ambiente. As soluções são complexas e o crescimento não pode ser para uma única geração.

Não se pode esgotar todos os recursos naturais, e nem se pode manejar temerariamente os fundos de pensão”, afirmou.

A falta de coordenação e articulação dos serviços públicos também é obstáculo à sustentabilidade, argumentou Osório.

A pobreza reside onde falta planejamento.

Inclusive os problemas específicos não podem ser vistos de forma separada.

O desenvolvimento inclusivo vê a articulação nas políticas. O desafio para o desenvolvimento inclusivo no Brasil é reunir os melhores recursos para implantar políticas integradas”, acrescentou.

Não é uma equação fácil, sobretudo porque as pessoas se articulam em torno desses conceitos nos grandes centros urbanos e não nos municípios onde está a grande carência de gestão inclusiva.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/busca-se-desenvolvimento-inteligente-brics/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

(*) IPS - Inter Press Service

sábado, 21 de dezembro de 2013

Indigestão ambiental na escola de Gestão Ambiental da USP

18/12/2013 - por Juliana Guarexick, da Envolverde

Infestação por ratos, ácaros de pombos e contaminação da água causaram mais uma interrupção das atividades acadêmicas no Campus Leste da Universidade de São Paulo (USP) desde a segunda-feira, (16).

Ironicamente, os problemas ambientais se intensificam na unidade que concentra o curso de gestão ambiental da mais importante universidade da América Latina.

Alunos, professores e funcionários marcam ato de protesto em frente à Reitoria nesta quinta-feira (19) às 17 horas (Marcelo Camargo/ABR)

Alunos, funcionários e professores já haviam feito, em setembro, uma greve que durou 50 dias, para exigir medidas saneadoras da direção da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), que em 2 de agosto foi advertida pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) de que deveria cumprir exigências para descontaminação do solo do campus e afastar o risco de explosão.

Os prazos para atendimento de todas as exigências da Cetesb é abril de 2014. Porém, a companhia exige que algumas etapas sejam concluídas até o final de dezembro, como por exemplo “a definição sobre a implantação dos sistemas de extração de gases e a finalização das investigações do solo contaminado”.

Além disso, a Cetesb adverte que “não serão autorizadas quaisquer intervenções nos solos, ou nas águas subterrâneas, na área do campus da EACH, até que um estudo de investigação ambiental e um plano de intervenção tenham sido aprovados pela companhia”.

No e-mail dirigido aos alunos, professores e funcionários para comunicar a suspensão das atividades acadêmicas, o vice-diretor no exercício da direção da EACH, Edson Leite [foto-D], informou que já foram iniciadas as providências para saneamento das instalações de água, com a limpeza dos reservatórios, dedetização e desratização geral do campus e troca de filtros dos bebedouros.

Quanto aos ácaros, estava prevista para ontem (17) uma inspeção detalhada em todas as instalações da unidade para planejar as ações necessárias.

Riscos à saúde
No final de novembro, o Ministério Público Estadual (MPE) entrou com uma ação civil pública solicitando a suspensão das aulas e a interrupção das obras de ampliação no Campus Leste.

O detalhamento dos riscos à saúde e dos problemas ambientais também estão entre as demandas do MPE.

Apesar de admitir que a água do subsolo está contaminada em diversos pontos do campus, a direção publicou no site da EACH que “estudos apontam a inexistência de riscos atuais aos trabalhadores e estudantes do campus, desde que não haja ingestão de água do subsolo”.

Afirma também que “não existe nenhuma relação do gás metano com a água fornecida pela Sabesp ou com a água de reúso do Campus USP Leste”. Os detalhes sobre a segurança ambiental do campus podem ser acessados aqui.

O terreno, cedido pelo governo do Estado de São Paulo, já funcionou como aterro de dejetos do Rio Tietê.

Com o passar do tempo, o material decomposto começou a emitir gás metano. Segundo a Cetesb, esse contaminante é tóxico e pode até ser explosivo.

Parecer técnico elaborado por professores de Avaliação de Impacto Ambiental e de Gestão de Recursos Hídricos da EACH ressalta, porém, que “o risco à saúde humana é um risco crônico que somente irá se manifestar depois de algum tempo”. Veja o documento completo aqui.

Campus da USP Leste, em Ermelino Matarazzo. Foto: Divulgação

O buraco é fundo
Nós estamos mergulhados no caos. O cenário na EACH é uma fratura exposta da USP”, disse à Envolverde o professor de Gestão de Políticas Públicas da unidade, Marcelo Nerling [foto], ao relatar que a situação no campus não se restringe aos problemas ambientais.

“Há prática de abuso de autoridade, constrangimento de professores e incapacidade de ampliação do espaço físico.”

Nerling diz que a gestão do campus, atualmente sob responsabilidade do vice-diretor Edson Leite, é parte de “um jogo de ‘faz de contas’ com o diretor José Jorge Boueri Filho, afastado do cargo em 13 de setembro por decisão de reunião aberta da Congregação da USP Leste”.

Boueri foi afastado temporariamente em consequência do despejo de terra de origem desconhecida no campo central, em 2011.

O afastamento definitivo deve ser oficializado em novo encontro da congregação.

Até agora nenhuma reunião foi marcada e o poder concentra-se 
nas mãos de Leite, que não tem capacidade nem legitimidade para funcionários, professores e alunos”, diz o professor Nerling.

Todos esses fatores, segundo ele, compõem “um quadro comprometedor da qualidade de ensino”.

Ato por respeito à EACH
A interrupção das aulas ocorre justamente no período de finalização do semestre, já atrasado para reposição dos dias da greve que se estendeu até o dia 29 de outubro.

Alguns alunos faziam provas, outros teriam trabalhos e outros ainda tinham aulas”, explicou à Envolverde Augusto Amado, aluno do 5° ano de gestão ambiental.

Segundo ele, “estava marcada para quinta-feira uma cervejada de fim de ano”, mas a confraternização vai ser substituída por um ato em frente à reitoria da USP Butantã às 17 horas – no mesmo dia da eleição do novo reitor da Universidade.

Até o fechamento desta matéria, mais de 670 pessoas já tinham confirmando presença na página do evento no Facebook.

Procurada pela Envolverde para se manifestar sobre o assunto, a direção da EACH informou por e-mail que “estará em recesso entre os dias 18 de dezembro e 3 de janeiro de 2014. As atividades serão retomadas no dia 6 de janeiro de 2014 (segunda-feira)”.

* Edição:
Sávio de Tarso - Envolverde

Fonte:
http://envolverde.com.br/noticias/indigestao-ambiental-na-escola-de-gestao-ambiental-da-usp/