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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um inferno siderúrgico na Amazônia

10/2/2014 - Terramérica - por Mario Osava (*) - Envolverde

Florêncio de Souza Bezerra [foto] aponta com o pé um punhado de carvão pulverizado, perigosamente inflamável, na sarjeta de uma rua de Piquiá de Baixo. Fotos: Mario Osava/IPS

Piquiá de Baixo, Brasil, 10 de fevereiro de 2014 (Terramérica)

- “Meu sobrinho tinha oito anos quando pisou na ‘munha’ (carvão pulverizado) e queimou as pernas até os joelhos”, conta Angelita Alves de Oliveira neste pedaço da Amazônia brasileira transformado em armadilha mortal para seus habitantes.

O tratamento em hospitais distantes não conseguiu salvar a criança, porque “seu sangue ficou intoxicado, segundo o médico. Minha irmã jamais voltou a ser a mesma mulher. Perdeu seu filho mais novo”, disse a professora Oliveira.

Seu marido também foi vítima dessas queimaduras, como comprovam as cicatrizes em suas pernas.

A munha ou “moinha”, segundo o dicionário siderúrgico português, é o pó de carvão vegetal resultante da produção de ferro gusa, material intermediário na obtenção de aço, que fez de Piquiá de Baixo, na faixa oriental da Amazônia brasileira, um caso trágico de contaminação industrial.

Trata-se de um bairro da zona rural de Açailândia, município do Maranhão, que nasceu com os acampamentos de operários que se instalaram em 1958 para construir a rodovia Belém-Brasília, um eixo centro-norte de desenvolvimento e integração do Brasil, que gerou muitos desastres ambientais e sociais.

A ferrovia [foto] inaugurada em 1985 para transportar minério de ferro da gigantesca mina na Serra de Carajás, selou o destino de Açailândia como entroncamento e polo siderúrgico.

Piquiá de Baixo ficou cercado por cinco unidades produtoras de ferro gusa, pelos trilhos e por grandes armazéns de minérios.

Enquanto isso, o carvão vegetal para alimentar as caldeiras siderúrgicas se somava à pecuária para fazer de Açailândia um foco de desmatamento e trabalho escravo.

Essas chagas diminuíram diante da repressão estatal e diferentes pressões. Mas a contaminação em Piquiá se agravou, segundo testemunhos colhidos para esta reportagem.

O resíduo pulverizado de carvão continua ameaçador. A secura o torna inflamável a um ligeiro toque. Isso custou a vida do sobrinho de Angelita em 1993, quando poucos conheciam o quanto é letal esse pó negro.

As pessoas ficaram cautelosas e os acidentes menos frequentes, mas não acabaram. Outra criança, de sete anos, se queimou até a cintura em 1999 e agonizou durante três semanas.

Um inferno siderúrgico na Amazônia

Uma família sorri para a câmera enquanto se protege do calor à sombra de uma árvore. A estrada a separa da indústria de ferro gusa, que torna impossível a vida no bairro.

Vi gado incinerado”, disse Florêncio de Souza Bezerra, que foi camponês e agora é membro ativo da Associação Comunitária de Moradores de Piquiá, onde vive há dez anos com nove filhos e dois netos, em uma casa grande de madeira e amplo quintal.

Os montículos de munha podem ser vistos nas ruas por onde passam os caminhões das siderúrgicas [foto] e em pelo menos um depósito a céu aberto no qual este repórter entrou sem encontrar nenhum controle [foto abaixo].

Porém, a queixa mais frequente dos moradores é contra o ar envenenado. 

Há pouco mais de um ano morreu uma menina com pó de ferro nos pulmões e câncer, depois de 15 dias na terapia intensiva”, recordou Florêncio.

Na pequena praça do bairro, o ativista vai apontando as casas cujos moradores morreram de doenças respiratórias.

Angelita contou que um “exame mostrou manchas em meus pulmões há um ano, e o médico me acusou de fumar quando jovem, mas nunca coloquei um cigarro na boca”.

Ela deseja dar “uma esperança de vida” às suas netas, que vivem aqui “ingerindo contaminação 24 horas por dia”.

Já vivi bastante, mas minhas netas não”, afirmou, aos 61 anos de idade, mais de 30 dedicados ao ensino.

Sua casa fica ao lado da Gusa Nordeste, uma das cinco unidades produtoras de ferro gusa.

A situação se agravou “há dois anos”, quando a empresa começou a produzir cimento, segundo ela, lançando um pó negro que suja tudo em segundos e, em algumas madrugadas, torna impossível ver sua casa da estrada, a apenas 30 metros de distância.

Para a empresa foi um avanço, porque se trata de aproveitar a escória do alto forno como matéria-prima, evitando uma volumosa quantidade de dejeto e abastecendo o mercado local da construção com um produto que antes era preciso trazer de longe.

A Gusa Nordeste destaca sua responsabilidade ambiental porque emprega a munha como combustível, economizando carvão granulado, e o gás derivado da produção de ferro gusa é usado para gerar toda a energia elétrica que a empresa precisa.

Um inferno siderúrgico na Amazônia

Uma rua de Piquiá de Baixo danificada pela erosão, e as habituais casas deterioradas. Os moradores esperam por um demorado reassentamento em uma área expropriada pela justiça.

Porém, a realidade reconhecida pela justiça, por várias autoridades e inclusive pela indústria, é que a contaminação do ar, da água e da terra torna inviável manter Piquiá de Baixo no local onde nasceu, há mais de 40 anos.

Já há uma proposta aprovada pela justiça e pela câmara municipal para reassentar as 312 famílias que restam em Piquiá de Baixo, em um terreno de 38 hectares a seis quilômetros da atual.

Em dezembro, a justiça ordenou a expropriação da área e fixou seu valor no equivalente a US$ 450 mil, mas o dono exige quatro vezes essa quantia, e assim se prolonga a agonia para os moradores de Piquiá.

A própria comunidade elaborou um projeto urbanístico, que inclui casas, escola, praça, lojas e igrejas, explicou Antonio Soffientini, membro da Justiça Nos Trilhos, uma rede de dezenas de organizações que apoiam a população afetada pelo “sistema Carajás”.

Na Serra de Carajás, a empresa Vale, que foi privatizada em 1997, extrai cerca de 110 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, que percorrem 892 quilômetros em trem até o porto Ponta da Madeira, em São Luis, capital maranhense, para ser exportado.

Uma pequena parte fica em Açailândia. Como provedora da indústria local de ferro gusa, a Vale tem responsabilidade direta na contaminação, acusa a organização Justiça Nos Trilhos.

Poderia suspender a entrega do minério até a indústria instalar filtros e pôr fim ao drama de Piquiá”, opinou Antonio, missionário italiano do movimento católico comboniano.

Isso geraria uma crise de desemprego em Açailândia, advertiu Zenaldo Oliveira, diretor global de Operações Logísticas da Vale.

Este polo siderúrgico já vive uma queda de atividades desde 2008.

Os seis mil empregos que oferecia nessa época caíram para 3.500 atuais, segundo Jarles Adelino, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia.

Ele se queixa dos altos preços que a Vale impõe à matéria-prima, que representam metade dos custos do ferro gusa.

No entanto, isso não se reflete na cidade, que exibe hotéis e sinais de prosperidade.

É que várias obras próximas oferecem trabalho temporário, explicou Jarles, e cada emprego em uma produtora de ferro gusa gera dez postos indiretos. 

(Envolverde/Terramérica)

(*) O autor é correspondente da IPS.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/terramerica-um-inferno-siderurgico-na-amazonia/

Leia também:
- Um povo cercado por um anel de ferro - Fabíola Ortiz

sábado, 21 de dezembro de 2013

Indigestão ambiental na escola de Gestão Ambiental da USP

18/12/2013 - por Juliana Guarexick, da Envolverde

Infestação por ratos, ácaros de pombos e contaminação da água causaram mais uma interrupção das atividades acadêmicas no Campus Leste da Universidade de São Paulo (USP) desde a segunda-feira, (16).

Ironicamente, os problemas ambientais se intensificam na unidade que concentra o curso de gestão ambiental da mais importante universidade da América Latina.

Alunos, professores e funcionários marcam ato de protesto em frente à Reitoria nesta quinta-feira (19) às 17 horas (Marcelo Camargo/ABR)

Alunos, funcionários e professores já haviam feito, em setembro, uma greve que durou 50 dias, para exigir medidas saneadoras da direção da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), que em 2 de agosto foi advertida pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) de que deveria cumprir exigências para descontaminação do solo do campus e afastar o risco de explosão.

Os prazos para atendimento de todas as exigências da Cetesb é abril de 2014. Porém, a companhia exige que algumas etapas sejam concluídas até o final de dezembro, como por exemplo “a definição sobre a implantação dos sistemas de extração de gases e a finalização das investigações do solo contaminado”.

Além disso, a Cetesb adverte que “não serão autorizadas quaisquer intervenções nos solos, ou nas águas subterrâneas, na área do campus da EACH, até que um estudo de investigação ambiental e um plano de intervenção tenham sido aprovados pela companhia”.

No e-mail dirigido aos alunos, professores e funcionários para comunicar a suspensão das atividades acadêmicas, o vice-diretor no exercício da direção da EACH, Edson Leite [foto-D], informou que já foram iniciadas as providências para saneamento das instalações de água, com a limpeza dos reservatórios, dedetização e desratização geral do campus e troca de filtros dos bebedouros.

Quanto aos ácaros, estava prevista para ontem (17) uma inspeção detalhada em todas as instalações da unidade para planejar as ações necessárias.

Riscos à saúde
No final de novembro, o Ministério Público Estadual (MPE) entrou com uma ação civil pública solicitando a suspensão das aulas e a interrupção das obras de ampliação no Campus Leste.

O detalhamento dos riscos à saúde e dos problemas ambientais também estão entre as demandas do MPE.

Apesar de admitir que a água do subsolo está contaminada em diversos pontos do campus, a direção publicou no site da EACH que “estudos apontam a inexistência de riscos atuais aos trabalhadores e estudantes do campus, desde que não haja ingestão de água do subsolo”.

Afirma também que “não existe nenhuma relação do gás metano com a água fornecida pela Sabesp ou com a água de reúso do Campus USP Leste”. Os detalhes sobre a segurança ambiental do campus podem ser acessados aqui.

O terreno, cedido pelo governo do Estado de São Paulo, já funcionou como aterro de dejetos do Rio Tietê.

Com o passar do tempo, o material decomposto começou a emitir gás metano. Segundo a Cetesb, esse contaminante é tóxico e pode até ser explosivo.

Parecer técnico elaborado por professores de Avaliação de Impacto Ambiental e de Gestão de Recursos Hídricos da EACH ressalta, porém, que “o risco à saúde humana é um risco crônico que somente irá se manifestar depois de algum tempo”. Veja o documento completo aqui.

Campus da USP Leste, em Ermelino Matarazzo. Foto: Divulgação

O buraco é fundo
Nós estamos mergulhados no caos. O cenário na EACH é uma fratura exposta da USP”, disse à Envolverde o professor de Gestão de Políticas Públicas da unidade, Marcelo Nerling [foto], ao relatar que a situação no campus não se restringe aos problemas ambientais.

“Há prática de abuso de autoridade, constrangimento de professores e incapacidade de ampliação do espaço físico.”

Nerling diz que a gestão do campus, atualmente sob responsabilidade do vice-diretor Edson Leite, é parte de “um jogo de ‘faz de contas’ com o diretor José Jorge Boueri Filho, afastado do cargo em 13 de setembro por decisão de reunião aberta da Congregação da USP Leste”.

Boueri foi afastado temporariamente em consequência do despejo de terra de origem desconhecida no campo central, em 2011.

O afastamento definitivo deve ser oficializado em novo encontro da congregação.

Até agora nenhuma reunião foi marcada e o poder concentra-se 
nas mãos de Leite, que não tem capacidade nem legitimidade para funcionários, professores e alunos”, diz o professor Nerling.

Todos esses fatores, segundo ele, compõem “um quadro comprometedor da qualidade de ensino”.

Ato por respeito à EACH
A interrupção das aulas ocorre justamente no período de finalização do semestre, já atrasado para reposição dos dias da greve que se estendeu até o dia 29 de outubro.

Alguns alunos faziam provas, outros teriam trabalhos e outros ainda tinham aulas”, explicou à Envolverde Augusto Amado, aluno do 5° ano de gestão ambiental.

Segundo ele, “estava marcada para quinta-feira uma cervejada de fim de ano”, mas a confraternização vai ser substituída por um ato em frente à reitoria da USP Butantã às 17 horas – no mesmo dia da eleição do novo reitor da Universidade.

Até o fechamento desta matéria, mais de 670 pessoas já tinham confirmando presença na página do evento no Facebook.

Procurada pela Envolverde para se manifestar sobre o assunto, a direção da EACH informou por e-mail que “estará em recesso entre os dias 18 de dezembro e 3 de janeiro de 2014. As atividades serão retomadas no dia 6 de janeiro de 2014 (segunda-feira)”.

* Edição:
Sávio de Tarso - Envolverde

Fonte:
http://envolverde.com.br/noticias/indigestao-ambiental-na-escola-de-gestao-ambiental-da-usp/

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Vazamento da Chevron. Cadê a Globo?


Por Altamiro Borges

Há cerca de uma semana ocorrem vazamentos de petróleo no poço da Chevron-Texaco no Campo do Frade, na Bacia de Campos (RJ). Estima-se que estejam sendo lançados ao mar de 200 a 330 barris de óleo por dia. Apesar da gravidade do acidente ambiental, a mídia corporativa tem evitado dar destaque ao assunto. Será que ela recebe algum “mensalão” da multinacional estadunidense?

Nos jornalões, apenas pequenas notas da assessoria de imprensa da corporação. Um dos tecnocratas da incompetente Chevron chegou a culpar a natureza pelo acidente. Nas televisões, o silêncio é criminoso, conforme criticou Fernando Brito, do blog Tijolaço. É como se o acidente não existisse. Caso o desastre ocorresse numa plataforma da Petrobras, a mídia privatista faria o maior escândalo.

Dois motivos da mídia privatista

Há informações de que 18 navios já trabalham na contenção do vazamento. Mas a mídia nada fala. “Devem ser navios-fantasmas, como é a direção da Chevron. Não têm nome, não têm comandantes, não tem tripulação... Será que vamos ter que esperar que coloquem uma mensagem na garrafa para que a nossa imprensa publique algo além de notas oficiais?”, ironiza Fernando.

O silêncio criminoso da mídia tem duas explicações. Uma econômica, já que as multinacionais do petróleo gastam bilhões em anúncios publicitários nas revistonas, jornalões e emissoras de TV. Seria um tipo de “mensalão” para comprar a sua cumplicidade. A outra razão é política, ideológica. A mídia privatista e entreguista sempre defendeu os interesses das multinacionais do petróleo.

Um histórico de traição e entreguismo

Historicamente, ela foi contra a criação da Petrobras no governo Getúlio Vargas e contra a campanha “O petróleo é nosso”. Ela dizia que não existia petróleo no Brasil. Monteiro Lobato foi um dos primeiros a contestar esta visão derrotista. Depois da descoberta das primeiras reservas, a mídia colonizada passou a difundir que o país seria incapaz de extrair e refinar esta riqueza natural.

Mais recentemente, com a descoberta do pré-sal, ela bombardeou a proposta do governo Lula de alterar os contratos no setor – de concessão para partilha. O ex-presidente também deu mais força à Petrobras, que passou a ser a operadora exclusiva nos campos do pré-sal. Estas mudanças irritaram a mídia privatista, defensora da Chevron e das outras multinacionais do setor.

As revelações do WikiLeaks

Também neste ponto, a mídia entreguista e o candidato José Serra tiveram total concordância. Segundo documentos vazados pelo WikiLeaks, o tucano se comprometeu a rever o marco regulatório da exploração do pré-sal. Um telegrama diplomático dos EUA, de dezembro de 2009, confirma a subserviência do presidenciável do PSDB diante das poderosas multinacionais do setor:

“Deixa estes caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patrícia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron. Outros documentos vazados mostram que os EUA se empenharam para evitar a mudança nos contratos do setor e para inviabilizar a Petrobras como “operadora-chefe” do pré-sal.

O silencio diante do grave vazamento no Campo do Frade não é por acaso. Os interesses alienígenas ainda são muito influentes no Brasil, principalmente na sua mídia colonizada e corrompida.


Fonte: Blog do Miro


Vejam também: EUA questionam exigência de conteúdo local da ANP

domingo, 11 de outubro de 2009

A Terra está doente

Alterações Climáticas
Colaboração de Zilda Ferreira, ex-representante da Associação Brasileira de Imprensa no Comitê Assessor do órgão gestor da Política Nacional de Educação Ambiental (Min. do Meio Ambiente/MEC). Zilda Ferreira é editora política deste blog

Esta matéria foi escrita no auge do frisson da mídia sobre as conclusões do relatório do IPCC-Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. O relatório foi divulgado em fevereiro de 2007. Na época, a Europa, liderada pela França queria criar uma Agência Internacional para fiscalizar os países que não respeitassem o meio ambiente. Em seguida, os mesmos europeus tentaram impor um tratado de intervenção aos países que desrespeitassem o meio ambiente. E sempre defendendo a internacionalização da Amazônia, mas não de maneira explícita.
Agora, fiquemos em alerta. Os países hegemônicos vão tentar, em Copenhague, aprovar este tratado intervencionista. (Z.F)

22/3/2007 - publicado originalmente no Jornal da ABI
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro... ou forma uma aliança global para cuidar da terra e uns dos outros, ou arrisca a nossa destruição e a diversidade da vida”, texto de abertura da Carta da Terra.

O maior desafio deste século é o aquecimento global e a mais grave ameaça é a nossa destruição e a diversidade da vida. Os cientistas e os ambientalistas defendem que para resolver o problema do aquecimento global seria necessária uma profunda transformação na economia e no modo de vida das pessoas.

É muito difícil que isso ocorra. As nações hegemônicas, principalmente os EUA, privilegiam uma perspectiva neoconservacionista para economizar o planeta, não para evitar, mas para retardar a catástrofe. Bombardeiam com a idéia de escassez, a fim de que o medo molde a cultura dos países subdesenvolvidos, e assim, possam promover um neocolonialismo tranqüilo, mantendo os mesmos mecanismos de produção e consumo, aumentando as desigualdades e, conseqüentemente, o desequilíbrio da Terra. Os EUA apostam em novas tecnologias para poluir menos sem mudar a matriz energética, sem sair do petróleo e do gás. E com isso, ganham mais com a inovação de tecnologias descontaminantes.

A Europa também apostou nesse filão, porém foi mais esperta; de maneira muito sofisticada, seqüestrou o discurso dos ambientalistas para lucrar com o seqüestro, o do carbono. Parece um absurdo, mas acompanhe a implantação do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e depois a cronologia da esperteza.

O MDL foi uma das peças chaves para o protocolo de Quioto ser ratificado em 2005. A idéia central do MDL (está no artigo 12 do Protocolo) é a possibilidade de mitigar, de combater o efeito estufa por meio de projetos. Para um projeto ser certificado pelo MDL tem que provar que foi pensado para reduzir as emissões ou para seqüestrar carbono. E é muito difícil provar. Normalmente, só grandes empresas conseguem, porque o processo é sofisticado: é preciso provar, por intermédio, de fotos feitas por satélites que a área escolhida para reflorestamento já estava desmatada, em l989, um ano antes, do primeiro Relatório do IPCC, em 1990.

Agora, no início de 2007, quando o último Relatório do IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas foi anunciado, a mídia divulgou com veemência o conteúdo e uma catástrofe iminente, como novidade, o quê já era conhecido e amplamente divulgado, em 2005, quando o Protocolo de Quioto entrou em vigor. Isso porque o medo molda profundamente a sociedade e a cultura. E a Europa aposta muito mais do que os EUA nesse comportamento. Isto porque ela tem apenas 3,8% de água, manipula mais de 70% do mercado d’água global, base de custeio de sua mídia e de seu mercado editorial, principalmente o da França, segundo panorama traçado no livro “Ouro Azul”, de Maude Barlow e Tony Clarke. É bom lembrar que os países pobres da América do Sul têm mais de um terço d’água do Planeta, só a região amazônica tem mais de 20%. Além disso, a Europa está apostando no mercado de carbono, mesmo antes do Protocolo de Quioto entrar em vigor. Veja o resumo dessa cronologia:

Em 2004, estava no site da Fundação Getúlio Vargas o seguinte: - “Embora o Protocolo de Quioto ainda não tenha entrado em vigor, observa-se no mercado internacional, uma crescente demanda por reduções de Gases do Efeito Estufa – GEE não só por parte dos fundos de investimentos, constituídos especificamente para essa proposta, como por parte da empresas, investidores estrangeiros que visem aproveitar os baixos preços atuais da tonelada evitada de carbono equivalente para formar seus estoques de reduções passíveis de virem a ser certificados e posteriormente registrados pelo Executive Board.”

A União Européia estabeleceu para seus membros um esquema de Negociações de Emissões conhecido como European Union Emissions Trading Scheme — EU UTS — a partir do estabelecimento de metas para seus membros, vinculados ao sistema de negociações conhecido, em inglês, como Cap and Trade System. No âmbito do Protocolo de Quioto, a União Européia, sem dúvida, é o maior expoente nesse mercado, registra o mesmo site da FGV, em 2004, um ano antes do Protocolo entrar em vigor. E assim, os países do Bloco I podem continuar poluindo, investindo nos Créditos de Carbono.

Apesar de tudo, não resta dúvida a importância do Protocolo de Quioto que regulamentou a Convenção de Mudanças Climáticas e demonstrou que há um processo de alterações climáticas e que, de fato, existe uma participação humana nele, ou seja, somos culpados. Além disso, estabelece regras para que os países cumpram. As discussões e os debates das propostas do Protocolo tiveram um papel importante na conscientização de que a maior ameaça à humanidade são as mudanças climáticas e que os padrões de produção e de consumo são os principais responsáveis pelo estado da Terra.

“A Terra grita. A Lógica que explora as classes e submete os povos aos interesses de uns poucos países ricos e poderosos é a mesma que depreda a Terra e espolia suas riquezas sem solidariedade com o restante da humanidade e para com as gerações futuras”, de Leonardo Boff, no livro Ecologia: Grito da Terra; Grito dos Pobres.

Cada ano, desde 1984, o Worldwatch Institute, dos EUA, publica um relatório sobre o “estado da Terra”. Este estado é cada vez mais assustador. A Terra está enferma e ameaçada.

ilustrando...
Mercado de emissão de gases bate US$ 30 bi

A dimensão do mercado mundial de licenças para a emissão de gases geradores do efeito estufa mais do que dobrou, passando a 22,5 bilhões de euros (US$ 30 bilhões) no ano passado, disse a Point Carbon, editora e empresa de pesquisa de Oslo, na Noruega. Os volumes negociados podem disparar 50% este ano. Fonte: DCI (09/03/2007)