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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Tempos sombrios

14/01/2014 - Tempos sombrios para os povos indígenas
- Oiara Bonilla - blogue Amazônia Real

Os ataques aos povos indígenas começaram 514 anos atrás, e sempre foram pautados pela lógica de expansão territorial e econômica do país, atingindo períodos de particular crueldade, levando ao extermínio de populações inteiras e ao desaparecimento de grande parte da diversidade sócio-cultural do país.

Hoje é possível dizer que estamos em um destes períodos.

Desde novembro do ano passado, assistimos no Brasil a uma avalanche de agressões e ataques explícitos e diretos aos povos indígenas.

A Rodovia Transamazônica (BR 230) foi construída numa época particularmente atroz para os índios.

Atravessando terras indígenas e retalhando implacavelmente a floresta, a estrada abriu brechas para a “colonização” da região, – isto é, para a extração de madeira, a criação extensiva de gado (mediante extenso desmatamento prévio) para, mais recentemente, possibilitar o plantio de soja, cana e demais commodities – hoje motores econômicos e justificativas “incontestáveis” das atrocidades mais atuais que continuam sendo cometidas.

Um dos territórios atravessados pela estrada é justamente o do povo Tenharim, que ocupou a cena nos noticiários no final do ano e continua no centro das atenções.

Atualmente, essa região, conhecida como sul do Amazonas, é campeã de desmatamento, de grilagem e de violências contra seringueiros, índios e pequenos agricultores.

Desde os anos 1970, os Tenharim estão aguardando compensações por suas terras terem sido cortadas pela estrada, e pelas mortes acarretadas ao longo do processo de sua construção.

Uma investigação aparentemente inconclusa sobre a morte mal explicada de uma das principais lideranças Tenharim, seguida do desaparecimento de três não indígenas na região provocou um levante da população local contra os índios, gerando uma onda de violências, declarações e vociferações preconceituosas e racistas sem precedentes nas ruas da cidade de Humaitá (AM).

Diversas reportagens, relatos, comentários, fotografias e vídeos (onde, por exemplo, é possível ouvir gritos de alegria e comemorações durante as ações violentas) nas redes sociais e na mídia local estamparam a brutalidade do racismo de alguns moradores não-indígenas de Humaitá.

Este fato, que poderia ser considerado como um mero caso policial, infelizmente, não deve ser tratado como um caso isolado. Ele é o último de uma série cada vez mais massiva de agressões e ações abertamente preconceituosas e violentas contra os povos indígenas no país.

Impossível não lembrar, mais uma vez, da invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por ruralistas em Campo Grande e do discurso de uma mulher desejando aos índios: “Morram! Morram!” no contexto do Leilão da Resistência.

Organizado em dezembro de 2013 por fazendeiros e simpatizantes do agronegócio no Mato Grosso do Sul, o encontro arrecadou quase um milhão de reais para financiar milícias armadas – ou, oficialmente, “empresas de segurança privada” – destinadas a proteger as fazendas de eventuais retomadas de terra pelos Guarani, Kaiowá e Terena.

Desde o início do século XX, os Guarani e Kaiowá foram espoliados sistematicamente de suas terras e obrigados a viver em exíguas reservas, ecologicamente devastadas, sem ter nenhuma outra perspectiva a não ser servir como mão de obra barata para os mesmos latifundiários que hoje ocupam e exploram suas terras tradicionais.

Há poucos dias, também no Mato Grosso do Sul, a investigação da morte de Oziel Terena [foto] foi declarada inconclusiva pela Polícia Federal.

Em maio de 2013, o jovem indígena foi assassinado durante a reintegração de posse da Fazenda Buriti, uma das propriedades do ex-deputado Ricardo Bacha (PSDB) [foto abaixo] que incide sobre a terra indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional.

No mesmo dia, proprietários de terra recusavam indenizações milionárias oferecidas pelo governo como compensação pela devolução das terras aos índios. “Vamos para o pau!”, declarou publicamente Bacha, insatisfeito com os mais de 10 milhões de reais oferecidos a ele e sua família.

Ameaças, truculência, abuso de poder, disputa judicial interminável.

A isso estão cotidianamente sujeitos os Guarani Ñandeva da terra conhecida como Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai.

Eles esperam a homologação de sua terra há quase 10 anos, vivem acampados em suas próprias terras e anunciaram recentemente que resistirão até a morte à execução de reintegrações de posse ou ações de pistoleiros contra sua permanência na área.

O mesmo delegado responsável pela reintegração da Fazenda Buriti os ameaçou verbalmente na última ação realizada pela Policia Federal em Yvy Katu.

Deus abençoe vocês”, respondeu quando os índios disseram que não deixariam sua terra.

No Mato Grosso do Sul, dezenas de áreas indígenas aguardam demarcação ou homologação, em configurações semelhantes.

São inúmeros os casos, e não caberia aqui estabelecer uma lista sistemática dessa avalanche de agressões.

O que nos parece mais importante é enfatizar que as tensões e os conflitos fundiários se dão em um contexto de ataques políticos e jurídicos intensos aos povos indígenas e a seus direitos constitucionalmente garantidos.

De fato, o ano de 2013 foi também um ano de grandes ataques aos direitos indígenas no Congresso, levados a cabo principalmente pela bancada ruralista, que atualmente forma parte da base aliada do governo.

Ao menos trinta proposições sobre legislação indígena tramitam no Legislativo ou foram editadas pelo Executivo, todas afetam diretamente os povos indígenas.

Estes projetos de lei e decretos dialogam diretamente com os ataques sofridos pelos indígenas; são uma resposta positiva às demandas das oligarquias agrárias e do agronegócio, principais motores da violência contra as populações originárias.

Assim, esse verdadeiro rolo compressor – liderado e conduzido pela bancada ruralista, e praticado hoje no campo da legalidade e da ilegalidade pelo capital brasileiro e transnacional – está dando o tom da reedição da guerra de colonização.

Fonte:
http://amazoniareal.com.br/tempos-sombrios-para-os-povos-indigenas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Indígenas brasileiros em águas represadas

22/01/2014 - Indígenas brasileiros convivem mal com as águas represadas
- por Mario Osava, da Inter Press Service (IPS) - Envolverde

Foz do Iguaçu e Paulo Afonso, Brasil, 22/1/2014 – A hidrelétrica de Itaparica [foto] ocupou território dos indígenas pankararu, mas enquanto outros foram compensados, a eles coube apenas perder suas terras e o acesso ao rio São Francisco, queixam-se líderes desse povo do Nordeste do Brasil.

Já não comemos pescado como antes, mas o maior dano foi a perda da cascata sagrada, onde realizávamos nossos ritos religiosos”, lamentou à IPS o cacique José Auto dos Santos.

Quase 200 quilômetros rio abaixo, a comunidade indígena xokó sofre a diminuição de água, contida acima por grandes represas que suprimiram as cheias estacionais e regulares do São Francisco, inviabilizando os arrozais de aluvião e reduzindo drasticamente a pesca.

Efeitos semelhantes são temidos no rio Xingu [foto], na Amazônia, onde a construção da central de Belo Monte desviará parte das águas do trecho conhecido como Volta Grande, o que afetará os povos juruna e arara.

Cerca de 2.500 quilômetros ao sul, os avá-guarani assentados às margens da represa de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, se dedicaram à piscicultura para manter seu alto consumo tradicional de pescado, em uma população crescente e com escassa terra para cultivar.

Nos anos 1970 e 1980, emergiu no Brasil uma geração de indígenas de águas paradas, quando o país construiu numerosas centrais hidrelétricas, algumas gigantescas como Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí [foto], na Amazônia oriental, ambas inauguradas em 1984.

No São Francisco, cujo maior trecho cruza terras semiáridas, foram instaladas cinco centrais, que alteraram seu fluxo fluvial.

Uma delas, Sobradinho [foto], exigiu uma represa de 4.214 quilômetros quadrados, um dos maiores lagos artificiais do mundo, segundo sua operadora, a estatal Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que tem outras 13 centrais na região nordestina.

A abertura de Sobradinho, em 1982, acabou com a plantação de arroz em terras inundáveis do território xokó, cerca de 630 quilômetros rio abaixo, contaram à IPS seus moradores.

O ciclo anual de cheias praticamente desapareceu no Baixo São Francisco desde 1986, quando foi criada em Pernambuco a represa de Itaparica, de
828 quilômetros quadrados, que regula o fluxo auxiliar de Sobradinho.

Assim, se pôs fim ao aluvião, que fertilizava os arrozais e enchia ciclicamente de peixes os lagos conectados ao rio por um canal.

Sem corrente, o rio perde força, é um prato plano que se cruza a pé”, descreveu Lucimário Apolônio Lima [foto], o cacique xokó, com uma juventude incomum entre líderes indígenas.

O jovem cacique xokó Apolônio Lima busca novas formas de sustento para seu povo, depois que a represa de Itaparica cortou suas atividades tradicionais de agricultura e pesca, dependentes das águas do rio São Francisco.

Com 30 anos, explicou à IPS que busca para sua gente, pouco mais de 400 pessoas, um futuro sustentável. Para isso, estimula a apicultura e outras produções alternativas, luta pela revitalização do São Francisco e se opõe à transposição de suas águas para combater secas no norte, um megaprojeto do governo federal.

Antes de fazer isso, é preciso dar vida ao rio, os doentes não doam sangue para transfusões”, afirmou o cacique.

Meus avós já asseguravam que as margens do São Francisco morreriam. Eu não, mas meus netos o verão”, profetizou à IPS o xamã Raimundo Xokó, de 78 anos.

Para os pankararu, estabelecidos a cinco quilômetros da muralha que represa as águas em Itaparica, as ribeiras fluviais são coisa do passado.

Seus líderes se sentem roubados.

Não temos onde pescar, a empresa tomou nossa terra, desconhecendo nosso direito legal até a margem”, explicou à IPS o xamã José João dos Santos, mais conhecido como Zé Branco.

O ex-cacique Jurandir Freire, apelidado de Zé Índio, luta por indenizações milionárias, porque os indígenas foram excluídos das compensações por sua terra inundada, ao contrário dos municípios, cujas prefeituras recebem benefícios, e os camponeses assentados nas chamadas agrovilas com áreas irrigadas.

Zé Índio esteve preso e perdeu seu cargo por liderar, em 2001, um protesto que danificou linhas de transmissão elétrica da central, que passam por montanhas do território pankararu sem compensação alguma.

A terra fértil, em um vale e ladeiras montanhosas que favorecem uma umidade que contrasta com a semiaridez à sua volta, é outra fonte de conflitos.

Desde a demarcação da Reserva Pankararu, em 1987, os indígenas pressionam o governo para retirar os agricultores brancos que ocupam a melhor parte.

Minha avó nasceu ali e morreu aos 91 anos, isso há cinco”, disse Isabel da Silva para defender que sua família e outras vizinhas pertencem ao território pankararu há mais de um século.

“Segundo a lei, temos que sair, mas fazer isso seria uma injustiça”, disse à IPS esta funcionária do Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, que conseguiu o reassentamento de quase seis mil famílias camponesas afetadas pela central de Itaparica.

Há 435 famílias ameaçadas de expulsão há duas décadas, em uma medida que demora por falta de terra para reassentá-las, justificam as autoridades.

O povo pankararu vive em uma reserva de 8.376 hectares e em 2003 contava com 5.584 integrantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela proteção das populações originárias.

Mas outros milhares emigraram para as cidades, especialmente São Paulo, onde mantêm sua identidade e se reúnem em ritos religiosos e festas indígenas. Com terra menos escassa, muitos regressariam, espera Zé Índio.

A escassez de terra também impacta os ocoy, situados nas margens da represa de Itaipu.

São 160 famílias, cerca de 700 pessoas, que sobrevivem em apenas 250 hectares, a maioria de florestas protegidas, vedada à agricultura.

A piscicultura, impulsionada pela empresa Itaipu Binacional, surgiu como alternativa para completar sua alimentação, diante da queda da pesca tradicional e das limitações agrícolas.

Os indígenas se destacaram entre os 850 pescadores que se somaram à iniciativa, “talvez por sua cultura, vinculada à água”, destacou à IPS o diretor de coordenação e meio ambiente da companhia, Nelton Friedrich [foto].

Com 40 tanques rede [foto abaixo], a comunidade ocoy obtém quase seis toneladas de pescado por ano, segundo o vice-cacique Silvino Vass.

No entanto, esta não é sua maior fonte alimentar e poucos participam diretamente da atividade, segundo pesquisa acadêmica realizada em 2011 por Magali Stempniak Orsi.

Além disso, os indígenas dependem muito da empresa, que lhes fornece os alevinos e a alimentação para os peixes, disse a pesquisadora, segundo a qual o projeto deve promover maior participação comunitária.

Os ocoy precisam de assistência alimentar para completar suas necessidades, ao contrário de duas vizinhas comunidades avá-guarani, que contam com mais terras doadas pela Itaipu Binacional e mais produção agrícola.

Em todo caso, o apoio de Itaipu aos indígenas locais é uma exceção entre as centrais hidrelétricas.

Além de buscar alternativas de desenvolvimento para eles, cuida da sustentabilidade de toda sua sub-bacia, com o Programa Cultivando Água Boa, um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e produtivas.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/indigenas-brasileiros-convivem-mal-com-aguas-represadas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O renascimento indigena sob fogo cruzado



por Mario Osava, da IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 17/6/2013 – Os tratores e as máquinas com as quais fazendeiros e outros grandes agricultores bloquearam estradas no dia 14, em mais de dez pontos de norte a sul do Brasil, destacaram o poder econômico do setor que se levantou contra a demarcação de terras indígenas. A presença de senadores e deputados nos protestos indica o crescente poder político dos ruralistas, que frequentemente impõem derrotas parlamentares ao governo que, nominalmente, desfruta de ampla maioria no Congresso.

A “paralisação nacional” de atividades, convocada pela Frente Parlamentar Agropecuária, mobilizou uns poucos milhares de pessoas em alguns lugares e centenas em outros, mas é apenas parte de uma ofensiva dos fazendeiros contra a criação de novos territórios indígenas ou a ampliação dos existentes. Modificar a Constituição de 1988, que assegura aos povos indígenas o “usufruto exclusivo” de terras que ocupavam tradicionalmente, em uma extensão suficiente para sua “reprodução física e cultural”, é o maior objetivo dos ruralistas, que em 2012 já conseguiram revisar o Código Florestal em benefício próprio e em detrimento do meio ambiente.

Outras medidas reclamadas, como participação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e de centros de pesquisa agrícola no processo de demarcação, objetivam conter o reconhecimento de novas reservas indígenas. Compõem “um retrocesso completo”, segundo Marcos Terena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão governamental responsável pela política para o setor, e veterano líder de lutas pela afirmação e autonomia dos povos originários.

Para os ruralistas se trata de “uma disputa patrimonial”, desejam expandir o grande negócio agropecuário como sempre, tomando terras públicas, em áreas não ocupadas ou atribuídas à conservação e a povos tradicionais, afirmou Marcio Santilli, especialista do não governamental Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai. Por isso buscam definir como simples conflito agrário o caso de terras identificadas como indígenas que incluem áreas privadas, que são legalmente inadmissíveis e condenadas à evacuação.

Em numerosas ocasiões são posses ilegais, mas no Mato Grosso do Sul muitos fazendeiros têm títulos de propriedade válidos, reconhecidos por governos anteriores. Ali, grande quantidade dos conflitos se prolonga há décadas e se tornaram sangrentos. Esse Estado pecuário e grande produtor de soja concentrou 57% dos 560 assassinatos de indígenas ocorridos entre 2003 e 2012 no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica. Nem todos os homicídios se devem a disputas pela terra, mas a matança reflete a absoluta assimetria no confronto entre ruralistas e indígenas.

As mortes violentas não impediram uma explosão demográfica inimaginável há três ou quatro décadas, quando a população indígena parecia ameaçada de extinção. Nos anos 1980, estimava-se que no Brasil só restassem pouco mais de 200 mil integrantes dos povos originários. Contudo, no censo de 2010, 896.917 pessoas se declararam indígenas, o triplo de 1991, quando essa categoria passou a ser incluída entre as opções étnicas para autoidentificação das pessoas entrevistadas pelos recenseadores.

Não foi apenas a natalidade que triplicou a população. O reconhecimento na Constituição de 1988 dos direitos das minorias étnicas estimulou um renascimento indígena, que fez recuperar a identidade, mesmo mos que vivem fora de suas aldeias originais. Dos autoidentificados como indígenas em 2010, 36% vivem em cidades. Há “aldeias urbanas” em várias delas, como Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

A ressurreição alimenta avanços na educação indígena, às vezes com o resgate da língua originária, nas raízes culturais e na adoção de novas tecnologias. Em cerca de dez anos, “um fator novo” determinará o desenvolvimento dos povos indígenas e suas relações com a sociedade envolvente, pontuou Terena. “São os doutores indígenas”, que estão se formando nas universidades, “sem perder sua cultura própria”, especialmente no sul do Brasil, destacou.

Este ciclo representou uma virada na história brasileira de etnocídio desde a chegada dos colonizadores em 1500, quando, se estima, cinco milhões de indígenas habitavam o atual território nacional. Agora, no entanto, enfrentam novas ameaças. Além dos ruralistas, que buscam fechar as instituições que alimentaram o renascimento indígena, grandes projetos de infraestrutura na Amazônia tendem a alterar as condições tradicionais em que vivem vários povos originários.

A construção de dezenas de hidrelétricas, planejadas para os rios da bacia amazônica nos próximos anos, está intensificando as lutas entre indígenas, construtoras e governo. Às repetidas invasões indígenas na hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, um grande afluente do Amazonas, no Estado do Pará, corresponde um recrudescimento da repressão policial. Esse clima de exasperação culminou com a morte de Oziel Gabriel no dia 30 de maio, aparentemente causada por um disparo da polícia no município de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul.

A tragédia aconteceu durante uma operação policial, ordenada pela justiça, para retirar centenas de indígenas que haviam ocupado uma fazenda, identificada como parte do território tradicional dos terenas há 13 anos. Contraditórias decisões judiciais e dificuldades para indenizar o proprietário vão dilatando o processo. A correlação de forças e a prioridade que o governo dá ao desenvolvimento econômico são totalmente adversas para os indígenas.

Entretanto, eles contam com a Constituição, convênios internacionais e uma opinião pública internacional que defende a diversidade humana. Com a consciência e os valores hoje consolidados, “a sociedade brasileira não permitiria retrocessos nos direitos reconhecidos na Constituição”, declarou Paulo Maldos, secretário nacional de Articulação Social do governo federal, cuja função já o levou a perigosas negociações com grupos indígenas rebelados.

A repercussão negativa desestimula atos antiaborígines. Cada indígena assassinado, como Gabriel, se converte em um mártir que realça a resistência de seus povos. Por isso é possível que essa morte neutralize, ou pelo menos modere por algum tempo, a ofensiva ruralista contra territórios ancestrais. Segundo a Funai, há no país mais de 450 territórios indígenas em processo de demarcação, que somam mais de cem mil hectares, enquanto outra centena de territórios está em fase de identificação.

Fonte:Envolverde/IPS

 http://envolverde.com.br/ambiente/o-renascimento-indigena-brasileiro-sob-fogo-cruzado/

domingo, 9 de junho de 2013

Megaprojetos na Amazônia ameaçam os povos indígenas isolados


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Fonte da notícia: Cimi - Conselho Indigenista Missinário

A equipe do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, de apoio aos povos indígenas isolados, reunida em Manaus nos dias 4 a 7 de junho/2013 fez uma análise dos impactos dos megaprojetos de infraestrutura projetados e em construção na Amazônia sobre esses povos.

Foi constatado que está em curso uma campanha contra os direitos dos povos indígenas veiculada diariamente pelos grandes meios de comunicação para respaldar os interesses dos empresários do agronegócio, latifundiários, mineradoras e a política desenvolvimentista do Governo Federal, caracterizada pelo autoritarismo, pelo uso da violência pelas forças repressivas (dois indígenas assassinados pela PF, um Munduruku/PA em novembro/2012 e outro Terena/MS em maio/2013), pelo desrespeito a Constituição, as convenções internacionais e a legislação ambiental.

Este cenário, que se materializa na Amazônia pelas obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, pelo avanço do desmatamento, do gado, da exploração madeireira, mineral e petrolífera, espalha os conflitos na região e é particularmente trágico para a vida e o futuro dos povos indígenas isolados.

No Maranhão os Awá Guajá tem o seu território sistematicamente invadido por madeireiros que agem impunemente há anos, inclusive em terras indígenas já regularizadas aonde vivem estes indígenas isolados. Este fato foi recentemente denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Os isolados Avá Canoeiro na Ilha do bananal Tocantins estão ameaçados pelos projetos de monocultura, que retiram água do rio Javaé e Formoso, assoreando e contaminando os rios, pelas invasões de pescadores, e pela projeção de duas estradas que cortarão a ilha ao meio.

As barragens de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira atingem cinco grupos indígenas isolados. A existência desses grupos só foi reconhecida após terem sido concedidas as licenças de instalação das obras. Estes grupos, em busca de um habitat mais seguro, estão se aproximando de fazendas e de aldeias de outros povos indígenas podendo gerar conflitos.

Na bacia do Rio Xingu, 06 grupos indígenas isolados sofrem a influência da barragem de Belo Monte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, em 29 de julho de 2011, determinou ao Estado brasileiro que adotasse medidas para a proteção da vida, a saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas em situação de isolamento. Após três anos, praticamente inexistem ações do governo para cumprir a solicitação.

A vida de outros 5 grupos de isolados será ameaçada caso sejam construídas as barragens, atualmente na fase de estudos, da bacia do rio Tapajós.

As empresas petrolíferas ameaçam os povos indígenas isolados no Departamento de Ucayali no lado peruano e no lado brasileiro, na terra indígena Vale do Javari no Amazonas e no Acre.  Na mesma região está em estudo a construção da ferrovia Cruzeiro do Sul-AC/Brasil – Pucalpa/Peru, cujo traçado incide diretamente sobre o território do povo indígena isolado do igarapé Tapada.

Denunciamos à sociedade brasileira que o risco a vida dos povos isolados vem aumentando nos últimos anos e tem-se agravado com a atual política do governo Dilma de imposição de um modelo macro econômico altamente agressivo e depredador.

Manaus, AM, 07 de junho de 2013.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados

 http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6961&action=read&page=34

quinta-feira, 6 de junho de 2013

A nova "guerra justa" aos índios


Conflito

Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil


por Felipe Milanez , no seu blog - Carta Capital
 

A crise da questão indígena nas últimas semanas ganhou ares dramáticos. Conflitos antigos estão pipocando por todas as partes do Brasil, do Sul à Amazônia. Seja onde se constrói Belo Monte, seja na futura usina São Luiz do Tapajós, seja em fazendas no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, no Paraná, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, no Pará, na Bahia, ou madeireiros em Rondônia e no sul do Amazonas.

De repente todo o campo ganhou ares de fronteira, de velho oeste.

Protestos de indígenas são seguidos por pistolagem, e a polícia agindo para "dispersar" convulsões sociais - agora os ruralistas também estão pedindo o exército.

E as tristes mortes de Oziel Terena e Adenilson Kirixi Munduruku, com pífia resposta das autoridades que produziram essas mortes, a Polícia Federal, são apenas a parte mais exposta e visível desse grave problema que o governo tem mostrado não apenas incapacidade de resolver, mas uma capacidade de insuflar ainda mais, como tem sido as declarações dos ministros Gleisi Hoffman (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça), atacando a Funai e defendendo a PF, e o silêncio público da presidenta Dilma Rousseff.

Uma das razões pelas quais os conflitos se agravaram não é porque eles não existiam, mas porque agora os indígenas, e os aliados dos povos indígenas, decidiram responder e se manifestar. Contra eles, capitaneados pela bancada ruralista no Congresso e no governo federal, a violência explodiu. Tanto no campo, com mortes e repressão física, quanto na imprensa, com ataques racistas pela mídia e a inversão da lógica de quem é vítima.

As vítimas se tornam os agressores. "Índios invadem fazendas", aparece no noticiário. Mas não são as fazendas que invadiram estes mesmos territórios indígenas em conflitos?

No caso da Terra Indígena Buriti, onde ocorreu o conflito entre fazendeiros e Polícia Federal contra os indígenas, a resposta é clara, e está judicializada em dois tipos de ação.

Em uma das ações na Justiça, os fazendeiros, entre eles do ex-deputado estadual do PSDB Ricardo Bacha (que se considera "ambulante" na sua ficha), discute a portaria declaratória. Nela, o desembargador Luiz Stefanini, que votou contra os índios, teve suspeição alegada pela Funai, e negada pelo próprio tribunal.

A razão é que sua mulher é credora da Funai em outro conflito com indígenas Terena no estado, e seu sogro era uma liderança da associação de classe dos fazendeiros, a Famasul.

A suspeição foi negada com a alegação de que "ainda que o falecido sogro do excepto tenha sido filiado à aludida federação, nem por isso seria caso de acolher-se a exceção, simplesmente porque da premissa estabelecida pela excipiente não resulta a conclusão exposta" (sic), e que a Funai é que deve a esposa do desembargador, logo: "Ora, qual seria o interesse do juiz em julgar a causa em detrimento de sua devedora? Absolutamente nenhum!", decidiu o desembargador Nelton dos Santos.

Agressão desmedida da PF

A outra ação decorrente desse mesmo conflito é a reintegração de posse que visa a tirar os indígenas das áreas reocupadas dentro do limite declarado com base no argumento de que a decisão do Tribunal Federal diz que não é terra indígena e que por isso os indígenas não podem ficar lá. Acontece que, no momento que a decisão liminar que determinou a expulsão dos índios foi expedida, ocasionando a morte de Oziel, o que prevalecia era a área declarada pelo Ministro da Justiça em 2009 como TI Buriti, com 17200 hectares. A agressão desmedida da Polícia Federal apenas reforça o argumento de que as vítimas desse processo de expropriação, os índios, se tornaram vítimas da justiça e do governo. E os agressores viram falsas vítimas, passando a controlar o acesso as instituições em seu benefício.

No caso das demarcações, governo tem agido em movimentos coordenados pela elite rural anti-indígena, como foi a ida da ministra Gleisi Hoffmann ao Congresso. Nos últimos dias, os piores momentos da ditadura estão sendo lembrados, tanto por declarações do governo, capitaneadas pela ministra da Casa Civil - que vê a Embrapa, especializada em pesquisa agropecuária, como o órgão mais apto a pesquisas antropológicas – quanto por cartas de intelectuais e movimentos sociais denunciando essa violência.

Exemplo dessas manifestações é uma carta, assinada entre outros pelo jurista Dalmo Dallari, endereçada à presidenta Dilma Rousseff sobre a “desqualificação da Funai”:

"A decisão da Casa Civil da Presidência da República apresentada aos representantes do agronegócio e parlamentares do Mato Grosso do Sul, em reunião na semana passada em Brasília, de que a Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, “avaliarão e darão contribuições” aos estudos antropológicos realizados pela FUNAI, repete a ação do último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, capitaneado pelo general Venturini, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.

Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil com relação aos índios.

Utilizar as forças de repressão para atacar indígenas foi medida utilizada no passado, durante a ditadura, contra os ava-canoeiro, em Goiás, os waimiri-atroari, no Amazonas, os panara, no Mato Grosso, ou mesmo os kaingang, em São Paulo, logo antes do surgimento do Serviço de Proteção aos Índios, em 1910. Alguns desses crimes apareceram no relatório Figueiredo, que ficou desaparecido por 45 anos. Mas o relatório é anterior aos piores tempos da ditadura. E precisaria ser escrito um novo relatório sobre o que está acontecendo, hoje, em diferentes os cantos do país.

Se os ruralistas dão entrevistas, escrevem artigos, e aparecem por todos os lados sempre disponíveis, os índios ainda não têm chance de se expressar. A eles têm restado as redes sociais, pelas quais podem manifestar suas indignações. Expor, por exemplo, a crueldade de uma jornalista da TV Globo que invadiu um funeral para entregar uma intimação judicial a índios terenas durante o enterro de Oziel Terena. O que mais tem circulado nas redes sociais são manifestos que não encontram eco na mesma mídia que ataca os índios - mas que encontra meios de se fazer circular e provocar o debate.

As críticas se dirigem aos ruralistas, e junto deles, Gleisi e Dilma: "Como essa senhora consegue dormir sabendo que a parte mais desprotegida do povo brasileiro, os povos indígenas, está sendo assassinada a bala pela Polícia Federal em suas aldeias, as crianças indígenas são assassinadas por jagunços do agronegócio em suas terras invadidas por supostos fazendeiros?" perguntou no facebook o indigenista da Funai, Cláudio Romero, que trabalha há quase quatro décadas na fundação.

Kátia Abreu e Dilma

Durante o julgamento do caso da Raposa Serra do Sol, havia sido exposto que o juiz Carlos Alberto Menezes Direito poderia ter servido ao lobby de fazendeiros do sul do país para decidir contrariamente aos indígenas em Roraima. Para garantir a demarcação no Norte, Direito tentou legislar para impedir que os direitos de outros fossem garantidos. Tentou escolher na cara de quem a porta da Justiça iria se fechar.

Passou a soar uníssono entre ruralistas, governo e imprensa que as "regras não são claras" na Funai, como se todos fossem comentaristas de futebol tentando encontrar uma "a regra é clara".

Alegavam que a Funai não conseguia fazer uma "intermediação" com fazendeiros, e mais uma série de argumentos retóricos reproduzindo uma falsa vitimização da casa grande, cada vez mais poderosa com o avanço tecnológico na agricultura e a sede por commodities da China, e criminalizando quem está no pelourinho.

A desconstrução dos direitos indígenas segue a destruição dos direitos do meio ambiente, com o fim do Código Florestal e a sua substituição por um "novo" codex, a regular menos as florestas e mais as lavouras produtoras de commodities em grande escala.

O governo, em alguns momentos, tenta se colocar como "refém" dos poderosos ruralistas. Esse segmento, que construiu uma aliança com a bancada evangélica, saiu da "oposição" e veio para a "base aliada", sobretudo durante a campanha de Dilma.

E para ter uma chamada "governabilidade", o governo se aliou a esses setores. Até "ideologicamente", como tem repetido a senadora Kátia Abreu ao dizer que suas idéias são as mesmas de Dilma.

Essa aliança, além de tragédia no campo, tem também acirrado disputas internas no governo, entre esta ala reacionária e os setores mais progressistas, como os que defendem os indígenas e quilombolas, na Funai e INCRA, e o meio ambiente no Ibama.

Quando Dilma convocou uma reunião para decidir o futuro dos índios em meio à atual crise, não convidou representantes dos povos indígenas, e nem mesmo a Funai.

Dilma teria declarado querer que o índio tenha "autonomia econômica", algo que ressoa declarações da época da ditadura, como quando os militares tentaram impor aos xavantes o cultivo de arroz, que se revelou um desastre, econômico e social, ou impôs aos kayapo a extração predatória de madeira. Nas declarações que sucederam a reunião, não se falou de algo mais fundamental: a garantia dos direitos dos povos indígenas. Nem sequer apareceu termos como "etnodesenvolvimento" nas falas.

Esse movimento anti-indígena cada vez mais ganha áreas de uma "guerra justa".

Os índios são selvagenizados, desculturalizados, desterritorializados, desumanizados. Devem abrir caminho para a soja, a cana, o boi, e a energia hidrelétrica, sem opor resistência.

Caso contrário, toda violência contra eles é justificada e respaldada pelo Estado. Contra o índio, é tolerado partir para cima. Como nas "guerras justas" nos tempos a colonização utilizadas como justificativa para a escravização dos índios – escravização que ainda é o provável destino dos índios nas lavouras de cana no Mato Grosso do Sul, como acontecia no Brasil colônia.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/a-nova-guerra-justa-aos-indios-8151.html

CIMI: Novo genocídio ameaça povos indígenas do país



Dermi Azevedo - Carta Maior    

         De acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá.

         O aumento dos casos de violência que envolvem, de um lado, latifundiários e grileiros e, de outro lado, lideranças e povos indígenas do Brasil, apontam para um novo genocídio. É o que denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

         De acordo com o relatório sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá. Os índios Kaiowá chegaram a publicar uma carta que foi traduzida e divulgada em todo o mundo:

         “Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos em ser mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção: esta é a ultima decisão unânime diante do despache da Justiça”.

         “Se for para a gente se entregar – afirma a carta – nós não nos entregaremos fácil. É por causa da terra que estamos aqui; nós estamos unidos com o mesmo sentimento e com a mesma palavra para morrermos na nossa terra. Esta terra é nossa mesma! Os brancos querem nos atacar. Por isso nós dizemos: morreremos pela terra! Mas a ideia da gente se matar, ou se suicidar, nós não iremos fazer. Nós morreremos, se os fazendeiros nos atacarem. Aí poderemos morrer!”.

         Processos

         O município de Aral Moreira, no sul do Mato Grosso do Sul, lidera as estatísticas oficiais da violência contra os indígenas; nela, vivem 43 mil indígenas Guarani Kaiowá. Dos 43 mil, 32 mil vivem nessa área. A Justiça do Mato Grosso do Sul já examina mais de 100 processos que tratam da violência que envolvem os índios e os grandes fazendeiros. Entre os Kaiowá mortos, entre 2000 e 2011, 555 Guarani Kaiowá suicidaram-se. A grande maioria enforcou-se.

         De acordo com o CIMI, os conflitos pela terra, desde os anos 70, vêm representando um verdadeiro extermínio, com muitos indígenas feridos, torturados e humilhados pelos grandes latifundiários. Muitos índios tiveram que deixar sua condição de povos indígenas, para se tornarem “caboclos”, o que vem gerando a perda de territórios, para a criação dos seringais e sobretudo, a perda da identidade do povo indígena e de sua dignidade. Apesar dos crimes por encomenda, praticados por fazendeiros contra os Guarani Kaiowá, denuncia o CIMI, nenhum não-indígena cumpre pena de prisão por ter matado um índio, mesmo com provas contundentes, ou testemunhas idôneas e réus confessos.

         Numa ação clandestina conta a comunidade indígena Guaiviry, no município de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul em 18 de novembro de 2011, os fazendeiros orientaram os capangas para chegarem atirando, a começar contra as crianças, jovens e pessoas idosas. Na invasão da terra indígena, foram utilizadas seis armas calibre 12 com balas de borracha e moedas. De acordo com a Policia Federal, as moedas usadas nos canos das armas ferem mais, têm mais impacto e são mais letais.

         Em reação a esse quadro de genocídio, as redes sociais da internet criaram a campanha “Somos todos Guarani Kaiowá”. Nessa iniciativa solidária, no Facebook, os internautas acrescentaram o nome do povo Guarani Kaiowá ao seu próprio sobrenome.

Fonte:         http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22117

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Na terra da justiça


Por Janio de Freitas - No fAlha*


Uma sentença judicial não precisa se estender por folhas incontáveis para valer por uma aula. Em poucas palavras, a decisão da juíza Raquel Domingues do Amaral, da Justiça Federal, no caso dos índios terena, deu uma aula de direito brasileiro e ainda uma aula de história.

Em resposta à morte do índio Oziel Gabriel na quinta-feira, durante operação das polícias Federal e de Mato Grosso Sul que expulsou os terena invasores da fazenda Buriti, no dia seguinte deu-se nova invasão. Diante disso, a juíza determinou à Funai e à União a retirada dos índios em 48 horas e, se não cumprida tal ordem, multa diária de R$ 1 milhão para a União e, para o coordenador local da Funai e para o chefe da aldeia terena, multa de 1% do valor da causa. (Não ria desta obrigação imposta às finanças do índio).

A Funai não tem meios nem poder de retirar índios à força de lugar algum. A União tem um instrumento para a ação: a Polícia Federal. O prazo de 48 horas, no caso, só poderia significar ação imediata da Polícia Federal contra a anunciada disposição dos índios, exaltados com a morte de um deles, de resistir à força aos policiais.

A decisão da Justiça Federal determinou a ocorrência de um conflito. Ou seja, uma reprodução a mais dos atos que se revestiram dos formalismos judiciários para dar continuidade, mais atualizada, à relação histórica do poder branco com os donos originais da terra.

Já o confronto que resultou na morte do terena Oziel decorrera de sentença da Justiça Federal. Ao ver frustrada a audiência de acordo, sob sua coordenação, com a presença da Funai, do fazendeiro e ex-deputado Ricardo Bacha e de representante terena, o juiz Ronaldo José da Silva determinou a imediata retirada dos índios. As polícias agiram, para a retirada imediata, com a competência esperada e, também no seu caso, multissecular. Sentença cumprida.

Mas que terra é essa em que os terena não podem estar? A julgar pela mesma Justiça Federal que os dois juízes integram, é terra dos fazendeiros que a exploram, segundo sentença judicial; e é terra de ocupação permanente dos terena, segundo reconhecimento do Tribunal Regional Federal ao levantamento feito pela Funai e ao recurso judicial do Ministério da Justiça. E assim continua, como terra de uns e de outros, a depender de cada papel que saia do Poder Judiciário.

Mas, claro, no duplo reconhecimento de posse, só os fazendeiros ganham da Justiça Federal o direito de permanecer na terra e de explorá-la. Aos terena obriga-se a retirada imediata ou o confronto, de resultado conhecido por antecipação, com a Polícia Federal e com a polícia de Mato Grosso do Sul. É, sempre, o resultado histórico na disputa e posse da terra.

Janio de Freitas
No fAlha

Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/06/na-terra-da-justica.html

Nota do Educom: A setença dessa juíza demonstra também que, de modo geral, o judiciário brasileiro desconhece Educação Ambiental, defende  de fato o marketing ambiental, quando atua na defesa do meio ambiente. (Zilda FErreira)...

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Antropólogos brasileiros divulgam Manifesto sobre demarcação de terras indígenas

"Nada, nem mesmo a ideologia empresarial, pode ser sobreposta à Constituição Federal do país ou justificar sua brutal violação. Seu fim primordial é garantir fundamentalmente o bem-estar de sua população como um todo, o que inclui todos os segmentos diferenciados do país e as gerações vindouras. Mais do que notícias alarmantes e discursos que visam o bem privado, cobramos todos os setores envolvidos, incluindo os meios de comunicação brasileiros, que tornem acessíveis à população, antes de mais nada, as luzes da Constituição Federal do nosso país", afirma Manifesto coletivo divulgado por antropólogos brasileiros, publicado pela Agência Repórter Brasil, 27-05-2013.

Eis o manifesto.

De maneira flagrantemente parcial, a mídia brasileira tem criminalizado a regularização fundiária de terras habitadas por populações indígenas no país. Para resumir os alarmantes argumentos, a ideia mais comum veiculada é a de que esses processos são artifícios fraudulentos, que transformariam “terras produtivas” e de “gente que trabalha”, em “reservas indígenas”. Para bom entendedor, meia palavra basta, como é de domínio popular.

O que se anuncia é que terras “produtivas” serão tornadas “improdutivas” e, paralelamente a isso, “gente que trabalha” será como que “substituída” por “gente que não trabalha”, isto é, “índios” – como se os índios não trabalhassem ou produzissem. Esta metamorfose perversa é atribuída, em muitos casos, a um suposto concerto criminoso de forças nacionais e internacionais que atuariam em proveito próprio, tendo pouca ou nenhuma relação com os legítimos ocupantes das terras.

Não é de hoje que este tipo de conjunção suspeita de ideias aparece na opinião pública ou mesmo em documentos e outras manifestações formais relacionados a trâmites legais ou matérias igualmente cruciais à existência das populações indígenas. Estas mesmas ideias vêm se repetindo cronicamente no tempo até os nossos dias, ao longo das muitas ondas desenvolvimentistas de colonização que marcam a história do nosso país desde os tempos da coroa portuguesa.

E sim. É sempre preciso trazer à luz o fato de que este arcabouço ideológico cauciona, insidiosamente, ações e disposições tanto do Estado brasileiro quanto de agentes privados na direção do extermínio, submissão e esbulho daqueles povos.

Lamentavelmente, estamos muito longe de poder acalentar a esperança de lançar este fatídico ideário, repleto de trágicos fatos que clamam por erradicação, às trevas da memória nacional. Em tempos de rápida repercussão dos discursos através de mídias eletrônicas, há mesmo a impressão de que este ideário estaria se multiplicando em incontáveis desdobramentos e manifestações. De conversas informais em redes sociais a artigos de jornais, é em documentos como Relatórios de Impacto Ambiental de grandes empreendimentos econômicos ou em célebres contestações jurídicas aos processos de regularização fundiária que ele aparece de forma mais perniciosa. Trata-se, no entanto, bem mais de uma imensa cortina de fumaça comunicacional providencialmente interposta entre a população e seus os direitos mais fundamentais, distorcendo e obscurecendo o funcionamento dos principais instrumentos constitucionais de resguardo desses direitos.

Como agravante central desta coleção de equívocos e distorções, está a gravíssima acusação ética de que os antropólogos estariam supostamente fraudando o estudo antropológico de identificação e delimitação, conforme ele é juridicamente definido e regulamentado. É legítimo que o leitor se pergunte sobre o que é exatamente isso. Não há qualquer registro na imprensa que, afinal, lance verdadeira luz sobre o que é e como se faz, enfim, a regularização de uma Terra Indígena no Brasil. O que é, por que e como acontece, quem realmente faz, tudo isso permanece nas trevas e ignorado pelo grande público ou mesmo por especialistas de outras áreas. Tudo converge em uma situação que tem como resultado o total desconhecimento deste instrumento técnico-jurídico e sua função primordial neste tipo de regularização, representando um terreno fértil para as especulações mais estapafúrdias.

Respostas adequadas a tais perguntas permanecem ausentes de manchetes rápidas, notícias ou editoriais dedicados a tratar - e quase sempre deslegitimar - o assunto. No entanto, estas respostas estariam bem mais próximas a todos se a Constituição Federal, como expressão e instrumento primordial de democracia e cidadania, não viesse sendo completamente ignorada, senão sistematicamente desfigurada, por meios de comunicação e outras frentes que atingem o grande público. Se alguns o fazem quase involuntariamente, por mero desinteresse ou desinformação, há os que o fazem deliberadamente, interessados que estão em dar continuidade aos crimes efetivos raramente apurados, à exploração e à desigualdade, contra os quais a carta magna se propõe a ser valioso instrumento de representação coletiva.

Constituição Federal: A demarcação de toda e qualquer terra indígena, como também todas as suas fases e ações, é devidamente fundamentada e regida pela Constituição Federal, pela Lei nº. 6001 de 1973, o chamado “Estatuto do Índio”, e pelo Decreto 1775 de 1996. Ela é um longo e sério processo que envolve etapas diferenciadas, uma equipe multidisciplinar de profissionais e instâncias diversas. Os antropólogos são aqueles legalmente responsáveis por compilar e analisar os detalhados estudos de um grupo interdisciplinar e que inclui também funcionários de órgãos federais, estaduais e até municipais.

O grande equívoco: A gente lê ou ouve com frequência que os antropólogos são contratados para dizer se uma terra é indígena ou não é, ou mesmo se um grupo de pessoas é ou não indígena. Isto demonstra que, mais uma vez, há muitas “trevas” e completo desconhecimento não apenas sobre a natureza desse estudo como do processo de regularização fundiária como um todo. É importante esclarecer que o trabalho do antropólogo na demarcação de uma terra indígena não é, de forma alguma, pericial ou resultará em umlaudo, como normalmente se tem veiculado e mesmo como constam de alguns processos jurídicos. Há uma obscurecedora e talvez proposital confusão nos discursos veiculados pelos meios de comunicação entre os conceitos de laudo e de relatório de identificação e delimitação.

Fala-se muito sobre a necessidade jurídico-legal do Estado em definir e fixar sujeitos de direito e a incompatibilidade disto com o atributo dinâmico, fugidio, mas também prioritariamente endógeno da identidade étnica. Entretanto, é importante notar que, mesmo deste ponto de vista, as próprias disposições constitucionais são por si mesmas profundamente antropológicas, no sentido em que estabelecem que ninguém, além do próprio grupo, é capaz de responder a estas questões postas pelo Estado. E ele o faz dentro determinado espaço, indissociável à singularidade de sua existência enquanto grupo, como dita a Constituição Federal, em seu artigo 231, caput e Parágrafo 1º, nos termos de um território cultural,conforme já foi definido pela procuradora Deborah Duprat. A medida diferencial da territorialidade e identidade de um grupo indígena está, portanto, embutida no próprio texto constitucional.

Mas os processos de regularização fundiária não tratam fundamentalmente disso, ao contrário do que se poderia supor a partir das informações acessíveis ao público. Absolutamente. Quando estes processos acontecem, isto é expressão direta dos direitos daquele povo sobre o espaço que ocupa ou, em muitos casos, do espaço do qual ele foi sistematicamente impedido de ocupar de forma plena, tendo sido na maior parte das vezes pilhado e usurpado. Quando se chega a este estado avançado de reivindicação formal daquilo que de direito já o pertence, o processo de regularização fundiária é formalmente inaugurado através de uma portaria da Fundação Nacional do Índio, publicada no Diário Oficial da União. Neste sentido, e nos termos do Artigo 1° do Decreto 1775 de 1996, o órgão administrativamente responsável pela formalização da iniciativa e orientação da regularização, rigorosamente submetidas aos termos constitucionais, é a FUNAI. O órgão, mais do que responsável pela assistência ao índio é, neste caso, um representante do Estado brasileiro e de suas diretrizes fundamentais, zelando pela adequada aplicação da Constituição, em todas as etapas da regularização.

Da Portaria publicada, e conforme as disposições constitucionais, constam a natureza do estudo, o nome e a instituição de cada componente do grupo interdisciplinar, o município, a etnia e as Terras Indígenas que serão estudadas em tal ou qual período.

Este grupo produzirá diferentes estudos integrados e coordenados por um antropólogo, a partir daquela publicação, denominado de antropólogo-coordenador, conforme também determina a Constituição Federal. É facultativa a presença de outros antropólogos, que serão caracterizados como “colaboradores”, de modo que não há qualquer exigência constitucional neste sentido, embora seja prática complementar da FUNAI em muitos casos.

Deste estudo resultará, conforme as prerrogativas constitucionais, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de uma determinada Terra Indígena. Este é um trabalho extenso e complexo (i.e., circunstanciado), elaborado pelo antropólogo-coordenador a partir dos subsídios produzidos pelo Grupo Técnico em conjunto e com a participação do grupo indígena em questão, conforme as prerrogativas constitucionais. Também são fundamentais os estudos de campo realizados por ele, como aqueles de gabinete, o que inclui uma conscienciosa revisão crítica de fontes históricas e documentais, tanto quanto de informações antropológicas apuradas diretamente ou em trabalhos disponíveis sobre o grupo em questão. Uma vez tecnicamente aprovado, o Relatório terá seu resumo publicado no Diário Oficial da União e também dos estados envolvidos. Conforme as disposições legais no Decreto 1775/96, as partes que por ventura se vejam afetadas poderão apresenta r sua contestação ao órgão indigenista. O documento original será também colocado à disposição daqueles que pretenderem contestá-lo.

Considerando que o ocupante que possua títulos ou qualquer outra forma de comprovação documental de sua ocupação poderá, prontamente, apresentá-los ao órgão federal, lhes são disponibilizados para fazê-lo, desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação do citado resumo no Diário Oficial da União. Isto, em teoria, comprovará que tais ocupações foram feitas de boa-fé.E, uma vez constatada a boa-fé das ocupações, as determinações constitucionais serão aplicadas, tais quais a indenização por suas benfeitorias e, para os pequenos agricultores, a prioridade no reassentamento em outros locais, se este for seu desejo.

À Luz da Constituição: Nada há de criminoso ou secreto neste processo. Ele transcorre no mesmo espaço de circunspecção e cautela requerido por trâmites científicos, ainda mais quando se lida com matérias delicadas, como fraudes com vistas a expropriações territoriais, semi-escravidão, esbulho de recursos e gentes. Em muitos casos, a rigorosa pesquisa documental demonstra o vício de grande parte de títulos definitivos incidentes sobre Terras Indígenas, quando analisados em sua genealogia primária. Mas isto é não mais do que um agravante, porque a orientação primeira de todo trabalho de delimitação é a correta aplicação da Constituição Federal e, como dissemos, dos direitos imprescritíveis dos índios às terras que diferencialmente ocupam, segundo a compreensão do texto constitucional. Ou seja, tratam-se não apenas de “lotes” de terra, mas de espaços complexos, compostos por atributos materiais e imateriais; compreendendo as terras habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, de acordo com o Parágrafo 1° do Artigo 231 da Constituição Federal.

Sobretudo, um Relatório Circunstanciado demonstra, através de documentos e estudos científicos, os nexos fundamentais entre um povo indígena e a terra que ocupa, entre suas estratégias tradicionais de subsistência e, mais que isso, de “existência”, e o ambiente que o circunda, entre sua história e a concepção de espaço que adota. Um espaço que é, neste sentido, insubstituível por outro qualquer, ainda que, por ventura, de igual metragem. Tal é a ordem singular entre um povo indígena e seu “território”, conforme a definição constitucional.

Não há fraude ou invenção nesse processo sério e detalhadamente disciplinado pela Constituição Federal. E tampouco haveria espaço para isso, se consideramos a multiplicidade de profissionais das mais variadas áreas e instituições envolvidos. Trata-se, portanto, de um instrumento valoroso de cidadania, expressão jurídica de direitos e conquistas sociais que tanto tardaram a acontecer no nosso país. Um país que, lembramos, é também de “índios”, conforme sua natureza pluriétnica, devidamente reconhecida pela Constituição cidadã de 1988.

Vulnerabilidade: As populações indígenas representam 0,4 % da população do país, segundo os dados apurados pelo IBGE, em 2010. Cerca de 60% da população indígena está localizada dentro dos domínios da Amazônia Legal. Estas populações apresentam uma rica multiplicidade étnico-linguística e cultural, consistindo em cerca de 220 povos, falantes de cerca de 180 línguas diferentes. São línguas, cosmologias e modos de vida, compondo diferencialmente um patrimônio humano milenar de imensa complexidade e riqueza, normalmente desconhecido do público em geral.

Lamentavelmente, o conjunto formado por esta rica diversidade humana constitui o segmento mais vulnerável da população brasileira. Os grupos indígenas sustentam índices de desigualdade de desfavorável magnitude quando comparados aos segmentos mais desfavorecidos da população. Neste âmbito, são surpreendentes os altos índices nacionais de mortalidade de crianças indígenas, especialmente se consideramos que esta situação se mantém em regiões como a Sudeste e Sul do país, paradoxalmente, aquelas que formalmente apresentam o maior índice de desenvolvimento socioeconômico. É na garantia de um território para seu usufruto exclusivo, livre de práticas contumazes de expropriação e aliciamento, que está uma das chaves mais importantes para uma possível reversão dessa situação.

Da Perversa Metamorfose: Não é possível, por força retórica de uma lógica entortada, querer transformar esbulho, turbação e, sobretudo, expropriação pregressa ou atual em uma espécie de tradicionalidade aplicada às avessas em relação ao uso que lhe empresta a Constituição, como o pretendem os seculares métodos de grilagem vigentes nesse país, com ou sem conivência de agentes governamentais. E eis que neste ponto se desvenda a verdadeira metamorfose perversa que assola as “terras produtivas” da “gente que trabalha”, ponto de partida de nossas reflexões: os interesses privados de um pequeno grupo de latifundiários rurais e supostos benefícios econômicos, que não revertem diretamente ao bem-estar da população brasileira, ganham, subrepticiamente, ares de permanência, imprescindibilidade e imemorialidade. E este é tratado como o único caminho possível e indiscutível para a nação.

A Constituição Federal garantiu aos habitantes originários desta terra, tardiamente chamada Brasil, seus direitos também originários. Isto por razões de ordem histórica e antropológica, mas também em nome do devido resguardo da cidadania de todos os seus habitantes. O reparo de um genocídio continuado e reconhecido, como também a garantia de uma nação plural. Por isso não há o menor cabimento na suposta ideia de que o Estado não deve mais demarcar as terras indígenas, calcada de forma totalmente arbitrária e ditatorial sobre se ter chegado ao “fim” desse processo pura e simplesmente, sem que seus erros (inumeráveis) do passado tenham de ser corrigidos.

É importante também trazer à luz para o público em geral, que não há necessidade de demarcação formal para que o direito originário dos povos indígenas sobre seu território seja efetivamente respeitado, conforme as disposições do Art. 25 da lei 6.001 de 1973, conhecida como o “Estatuto do Índio”. As atribuições de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação são, justamente,reconhecer e delimitar, e não propriamente estabelecer os direitos às suas terras. Estas são, nas palavras da lei, inalienáveis, indisponíveise imprescritíveis, conforme o Parágrafo 4° do Art. 231 da atual Constituição Federal. Ou seja, não podem ser transferidas para outrem, usufruídas por ninguém além do próprio grupo e nem passíveis de serem extintas, por qualquer decisão, Decreto ou Portaria. Por esta mesma razão, qualquer ocupação ou empreendimento que tenha lugar nestes mesmos espaços é, por determinação constitucional, nulo e extint o, de pleno direito, conforme os parágrafos 4° e 6°, do artigo 231 da nossa atual Constituição. O mesmo se aplica a atos deexploração de recursos de solo, rios e lagos, que têm efeito jurídico nulo e sobre os quais os índios têm direito de usufruto exclusivo.

Portanto, nem “índios” e nem uma “terra” ou um “espaço” indígenas, são inaugurados a partir de um processo formal de regularização. Ao contrário, sua existência antecede a este processo, que dela decorre. Quando, finalmente, uma Portaria no Diário Oficial da União determina a constituição de um Grupo Técnico que produzirá um determinado Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação e que trata de aspectos múltiplos e interdisciplinares da relação entre um povo e o que ele entende como seu espaço, isto acontece porque a demanda de regularização é já, de fato e direito, legítima.

Neste sentido, os processos de regularização fundiária indígena têm sofrido uma desfiguração muito semelhante àquela que vem reconhecidamente acontecendo aos processos de licenciamento ambiental no país. Assim, ações e decisões de políticas públicas que primam pela cidadania e reconhecimento de direitos sociais duramente conquistados ao longo do tempo, aqueles que vigem sobre a “vida” e sobre as “pessoas”, vão sendo, ao mesmo tempo, soterrados por uma idéia empresarial da nação, que toma o desenvolvimento econômico de forma unilateral e completamente apartada do desenvolvimento humano. Abafando a existência ou a razão daquelas “vozes” de direito, são normalmente evocados ganhos e perdas econômicos, de “produtividade” e outros indicadores que, como sabemos, podem estar em completo desacordo com a realidade da vida das pessoas nas cidades e no campo.

E, no entanto, a prática nos tem mostrado que, mesmo quando reconhecidos os incontestáveis efeitos negativos de determinados empreendimentos, como por exemplo, os hidrelétricos, eles têm sido, sempre, executados. Diante de outras possíveis matrizes energéticas (ou de reaproveitamentos de sistemas preexistentes), e mesmo não cumpridas suas condições jurídicas de estabelecimento e funcionamento, como a consulta pública às populações atingidas, previstas tanto na legislação vigente quanto em pactos internacionais assinados pelo Estado brasileiro, a ênfase recai sobre as vantagens formalmente econômicas de tal ou qual projeto, antes do que sobre seu impacto, muitas vezes devastador, na vida das pessoas.

Trevas ou Luzes? Nada, nem mesmo a ideologia empresarial, pode ser sobreposta à Constituição Federal do país ou justificar sua brutal violação. Seu fim primordial é garantir fundamentalmente o bem-estar de sua população como um todo, o que inclui todos os segmentos diferenciados do país e as gerações vindouras. Mais do que notícias alarmantes e discursos que visam o bem privado, cobramos todos os setores envolvidos, incluindo os meios de comunicação brasileiros, que tornem acessíveis à população, antes de mais nada, as luzes da Constituição Federal do nosso país.

De que tratam e para quem servem os tais caminhos unilaterais de “progresso” e “desenvolvimento” de uma nação, se eles não são acompanhados, passo a passo, por seu desenvolvimento humano e do respeito à sua Constituição?

Neste reduto, o que há são apenas trevas.

Adriana Romano Athila, antropóloga, Santa Catarina
Adriana Strappazzon, antropóloga, Santa Catarina
Ana Beatriz de Miranda Vasconcelos e Almeida, enfermeira, Mato Grosso
Ana Claudia Cruz da Silva, antropóloga, Rio de Janeiro
Ana Maria R. Gomes, antropóloga, Minas Gerais
Ana Maria Ramalho Ortigão Farias, médica, Rio de Janeiro
Ana Paula Lima Rodgers, antropóloga, Rio de Janeiro
André Demarchi, antropólogo, Tocantins
Andreia Fanzeres, jornalista, Mato Grosso
Angela Sacchi, antropóloga, Distrito Federal
Antonio Carlos Mendonça Viana, estudante de antropologia, Rio de Janeiro
Antonio Carlos de Souza Lima, antropólogo, Rio de Janeiro
Antonio Hilario Aguilera Urquiza, antropólogo, Mato Grosso do Sul
Bárbara Maisonnave Arisi, antropóloga, Paraná
Bárbara Villa Verde Revelles Pereira, jornalista, Paraná
Beatriz Carretta Corrêa da Silva, linguista, Distrito Federal
Betty Mindlin, antro póloga, São Paulo
Bruno Emílio Fadel Daschieri, antropólogo, Rio de Janeiro
Bruno Simionato Castro, engenheiro florestal, Mato Grosso
Cândido Eugênio Domingues de Souza, Historiador, Bahia
Carlos Eduardo Rebello de Mendonça, sociólogo, Rio de Janeiro
Carmen Junqueira, antropóloga, São Paulo
Carmen Rial, antropóloga, Santa Catarina
Carolina Souza Pedreira, antropóloga, Distrito Federal
Cassio Brancaleone, sociólogo, Rio Grande do Sul
Cecilia Malvezzi, médica, São Paulo.
Celia Leticia Gouvêa Collet, antropóloga, Acre
Cinthia Creatini da Rocha, antropóloga, Santa Catarina
Clarissa Rocha de Melo, antropóloga, Santa Catarina
Daniel Bitter, antropólogo, Rio de Janeiro
Daniel Garibotti, produtor de documentários, Espanha
Daniel de Oliveira Santos, farmacêutico, Mato Grosso
David Rodgers, antropólogo, Rio de Janeiro
Denise Cavalcante Gomes, arqueóloga, Rio de Janeiro
Die go Giuseppe Pelizzari, indigenista, Paraná
Diego Madi Dias, antropólogo, Rio de Janeiro
Diogo de Oliveira, antropólogo, Santa Catarina
Edison Rodrigues de Souza, antropólogo, Bahia
Edviges Ioris, antropóloga, Santa Catarina
Eduardo Pires Rosse, antropólogo, França
Eliana de Barros Monteiro, antropóloga, Pernambuco
Eliana E. Diehl, Farmacêutica (Saúde Indígena), Santa Catarina
Emanuel Oliveira Braga, antropólogo, Paraíba
Emilia Juliana Ferreira, antropóloga, Distrito Federal
Esther Jean Langdon, antropóloga, Santa Catarina
Eunice Dias de Paula, pedagoga e linguista, Mato Grosso
Fabiane Vinente dos Santos, antropóloga, Amazonas
Fábio Christian de Carvalho, administrador, Mato Grosso
Fanny Longa Romero, antropóloga, Rio Grande do Sul
Felipe Agostini Cerqueira, antropólogo, Rio de Janeiro
Felipe Bruno Martins Fernandes, antropólogo, Santa Catarina
Fernanda Ratto, psicóloga, Rio de Janeiro
Flávio Wiik, antropólogo, Paraná
Flora Monteiro Lucas, antropóloga, Rio de Janeiro
Georgia da Silva, antropóloga, Distrito Federal
Gilberto Azanha, antropólogo, Distrito Federal
Giovana Acácia Tempesta, antropóloga, Distrito Federal
Hein van der Voort, Linguista, Pará
Helena Tenderini, antropóloga, Pernambuco
Hélio Barbin Junior, médico e antropólogo, Santa Catarina
Heloisa Barbati, estudante de Antropologia, Itália
Henry Luydy Abraham Fernandes, antropólogo, Bahia.
Henyo Trindade Barretto Filho, antropólogo, Distrito Federal
Jacira Bulhões, antropóloga, Mato Grosso.
Jackson Fernando Rêgo Matos, Engenheiro Florestal, Pará
Jeremy Paul Jean Loup Deturche, antropólogo, Santa Catarina
João Batista de Almeida Costa, antropólogo, Minas Gerais
José Andrade, antropólogo, Pará
João Daniel Dorneles Ramos, sociólogo, Rio Grande do Sul
José Ronaldo Mendon ça Fassheber, antropólogo, Paraná
Juracilda Veiga, antropóloga, São Paulo
Jurema Machado de Andrade Souza, antropóloga, Bahia
Juliana de Almeida, antropóloga, Amazonas
Katia Maria Ratto, médica, Rio de Janeiro
Larissa Menendez, antropóloga, Mato Grosso
Laura Graziela F. F. Gomes, antropóloga, Rio de Janeiro
Lea Tomass, antropóloga, Distrito Federal
Léia de Jesus Silva, linguista, Goiás
Leonardo Pires Rosse, etnomusicólogo, Minas Gerais
Leonardo Santos Leitão, sociólogo, Santa Catarina
Lisiane Koller Lecznieski, antropóloga, Santa Catarina
Lucia Helena Rangel, antropóloga, São Paulo
Lucia Hussak van Velthem, antropóloga, Distrito Federal
Luciana Gonçalves de Carvalho, antropóloga, Pará
Lucila de Jesus Mello Gonçalves, psicanalista, São Paulo
Maria Audirene Cordeiro, linguista, Amazonas
Maria Christina Barra, antropóloga, Minas Gerais
Mariana Corrêa dos Santos, cientista social, Rio de Janeiro
Mariana Cristina Galante Nogueira, servidora pública federal, São Paulo
Maria Dorothea Post Darella, antropóloga, Santa Catarina
Maria Lúcia Haygert, antropóloga, Santa Catarina
Maria Rosário Carvalho, antropóloga, Bahia
Marina Monteiro, antropóloga, Santa Catarina
Marina Pereira Novo, antropóloga, São Paulo
Márcia Leila de Castro Pereira, antropóloga, Distrito Federal
Marcos Alexandre dos Santos Albuquerque, antropólogo, Rio de Janeiro
Marcos de Almeida Matos, antropólogo, Acre
Marcus Vinícius Carvalho Garcia, antropólogo, Distrito Federal
Maria Fernanda Salvadori Pereira, antropóloga, Santa Catarina
Marlene Lúcia Siebert Sapelli, Educadora, Paraná.
Marta Caravantes, jornalista, Espanha
Martinho Tota Filho Rocha de Araújo, antropólogo, Rio de Janeiro
Matteo Raschietti, filósofo, São Paulo
Maurício Soares Leite, nutricionista (saúde indíg ena), Santa Catarina
Mauro Silveira de Castro, farmacêutico, Rio Grande do Sul
Miguel Aparicio, antropólogo, Amazonas
Mirella Alves de Brito, antropóloga, Santa Catarina
Nádia Heusi Silveira, antropóloga, Santa Catarina
Odair Giraldin, antropólogo, Tocantins
Paulo Humberto Porto Borges, Educador, Paraná
Peter M.I.B. Beysen, antropólogo, Rio de Janeiro.
Philippe Hanna, antropólogo, Holanda
Raquel Mombelli, antropóloga, Santa Catarina
Renan Reis de Souza, antropólogo, Rio de Janeiro
Ricardo Ventura Santos, antropólogo, Rio de Janeiro
Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, antropólogo, São Paulo
Robson Rodrigues, arqueólogo, São Paulo
Rodrigo Marcelino, biólogo, Mato Grosso
Rodrigo Toniol, antropólogo, Rio Grande do Sul
Roberto Salviani, antropólogo, Rio de Janeiro
Robin M. Wright, antropólogo, São Paulo.
Rosângela Pereira de Tugny, etnomusicóloga, Minas Gerais
Senilde Alcantara Guanaes, antropóloga, Paraná
Sergio Baptista da Silva, antropólogo, Rio Grande do Sul
Silvana Jesus do Nascimento, antropóloga, Mato Grosso do Sul
Silvana Sobreira de Matos Patriota, antropóloga, Pernambuco
Sônia Weidner Maluf, antropóloga, Santa Catarina
Soren Hvalkof, antropólogo, Dinamarca
Suzana Castanheiro Uliano, antropóloga, Santa Catarina
Tatiana Dassi, antropóloga, Santa Catarina
Thiago Mota Cardoso, antropólogo, Santa Catarina
Tiago Moreira dos Santos, antropólogo, São Paulo
Waleska Aureliano, antropóloga, Rio de Janeiro
Wellington de Jesus Bomfim, antropólogo, Sergipe
Vanessa Alvarenga Caldeira, antropóloga, São Paulo
Vaneska Taciana Vitti, antropóloga, São Paulo
Victor Amaral Costa, antropólogo, São Paulo
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos/ São Paulo
Comitê Metropolitano Xingu Vivo

Fonte:  Agência Repórter Brasil

domingo, 26 de maio de 2013

Responsabilidade face ao futuro da espécie humana




Por Leonardo Boff - do Rio de Janeiro em 24/05/2013


Numa votação unânime de 22 de abril de 2009 a ONU acolheu a ideia, durante muito tempo proposta pelas nações indígenas e sempre relegada, de que a Terra é Mãe. Por isso a ela se deve o mesmo respeito, a mesma veneração e o mesmo cuidado que devotamos às nossas mães. A partir de agora, todo dia 22 de abril não será apenas o dia da Terra, mas o dia da Mãe Terra.

Esse reconhecimento comporta consequências importantes. A mais imediata delas é que a Terra viva é titular de direitos. Mas não só ela e, sim, também todos os seres orgânicos e inorgânicos que a compõem; são, cada um a seu modo, também portadores de direitos. Vale dizer, cada ser possui valor intrínseco, como enfatiza a Carta da Terra, independentemente do uso ou não que fizermos dele. Ele tem direito de existir e de continuar a existir neste planeta e de não ser maltratado nem eliminado.

Essa aceitação do conceito da Mãe Terra vem ao encontro daquilo que já nos anos 20 do século passado o geoquímico russo Wladimir Vernadsky (1983-1945), criador do conceito de biosfera (o nome foi cunhado do geólogo austríaco Eduard Suess (1831-1914) que chamava de ecologia global no sentido de ecologia o globo terrestre como um todo. Conhecemos a ecologia ambiental, a politico-social e a mental. Faltava uma ecologia global da Terra tomada como uma complexa unidade total. Na esteira do geoquímico russo, recentemente, James Lovelock, com dados empíricos novos, apresentou a hipótese Gaia, hoje já aceita como teoria científica: a Terra efetivamente comparece como um superorganismo vivo que se autorregula, tese apoiada pela teoria dos sistemas, da cibernética e pelos biólogos chilenos Maturana e Varela.

Vernadsky entendia a biosfera como aquela camada finíssima que cerca a Terra, uma espécie de sutil tecido indivisível que capta as irradiações do cosmos e da própria Terra e as transforma em energia terrestre altamente ativa. A vida se realiza aqui.

Nesse todo se encontra a multiplicidade dos seres em simbiose entre si, sempre interdependentes de forma que todos se autoajudam para existir, persistir e co-evoluir. A espécie humana é parte deste todo terrestre, aquela porção que pensa, ama, intervém e constrói civilizações.

A espécie humana possui uma singularidade no conjunto dos seres: cabe-lhe a responsabilidade ética de cuidar, manter as condições que garantam a sustentabilidade do todo.

Como descrevemos no artigo anterior, vivemos gravíssimo risco de destruir a espécie humana e todo o projeto planetário. Fundamos, como afirmam alguns cientistas, o antropoceno: uma nova era geológica com altíssimo poder de destruição, fruto dos últimos séculos que significaram um desarranjo perverso do equilíbrio do sistema Terra. Como enfrentar esta nova situação nunca ocorrida antes de forma globalizada?

Temos pessoalmente trabalhado os paradigmas da sustentabilidade e do cuidado como relação amigável e cooperativa para com a natureza. Queremos agora, brevemente, apresentar um complemento necessário: a ética da responsabilidade do filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) com o seu conhecido Princípio responsabilidade, seguido pelo Princípio vida.
Jonas parte da triste verificação de que o projeto da tecno-ciência tornou a natureza extremamente vulnerável a ponto de não ser impossível o desaparecimento a espécie humana. Daí emerge a responsabilidade humana, formulada neste imperativo: Aja de tal maneira que os efeitos de suas ações não destruam a possibilidade futura da vida.

Jonas trabalha ainda com outra categoria que deve ser bem entendida para não provocar uma paralisação: o temor e o medo (Furcht). O medo aqui possui um significado pedestre, um medo que nos leva instintivamente a preservar a vida e toda a espécie. Há efetivamente o temor de que se deslanche um processo irrefreável de destruição em massa, com os meios diante dos quais não tínhamos temor em construir e que, agora, temos fundado temor de que nos podem realmente destruir a todos. Daí nasce a responsabilidade face às novas tecnociências como a biotecnologia e a nanotecnologia, cuja capacidade de destruição é inconcebível. Temos que realmente nos responsabilizar pelo futuro da espécie humana por temor do desaparecimento e muito mais por amor à nossa própria vida. Queremos viver e irradiar.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

Fonte: Correio do Brasil http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/responsabilidade-face-ao-futuro-da-especie-humana/612751/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20130525


terça-feira, 21 de maio de 2013

Governo contra os índios

Dalmo de Abreu Dallari*

Uma vez mais – e agora com a colaboração ativa de setores do governo federal – está em curso uma tentativa de negar cumprimento às determinações constitucionais de reconhecimento e proteção dos direitos das comunidades indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, para entregar essas terras aos investidores do agronegócio. O dado novo é que a iniciativa ostensiva da nova investida contra os direitos indígenas vem da cúpula do governo federal, que é justamente o principal responsável pela defesa desses direitos, por expressa e muito clara determinação constitucional. É oportuno lembrar que a última tentativa de retirada da proteção desses direitos foi feita por meio de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, de autoria de um deputado do estado de Roraima, que, absurdamente, pretendia transferir para o Legislativo a tarefa, essencialmente administrativa, de demarcação das áreas indígenas. Essa tentativa não prosperou, por sua evidente inconstitucionalidade e pelo reconhecimento da absoluta impossibilidade prática de incumbir o Legislativo de realizar tarefas para cuja execução ele não tem qualquer preparo nem as mínimas condições práticas.  A denúncia desse absurdo criou um obstáculo para o avanço daquela proposta.

Agora a investida dos interesses do agronegócio sobre as terras indígenas vem, surpreendentemente, da cúpula do Poder Executivo federal. Quem aparece como propositora de um novo tratamento da questão da identificação e demarcação das terras indígenas pelo governo federal é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleise Hoffmann, que não tem a mínima familiaridade com o assunto, jamais tendo participado de qualquer atividade com ele relacionado. É também oportuno e necessário lembrar que já existe, na estrutura do governo federal um órgão especializado nas questões indígenas, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), criada pela Lei federal nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que existia desde 1910. Por seu objetivo específico a Funai vem acumulando conhecimentos e experiências no trato das questões indígenas. O que tem sido denunciado há vários anos, sem qualquer efeito prático, é que, certamente por influência de poderosos interesses econômicos e, em decorrência, de poderes políticos, a Funai não tem recebido o apoio necessário para o melhor desempenho de suas tarefas, entre as quais se inclui a demarcação das áreas indígenas, intensamente cobiçadas por investidores do setor agrícola.

É pública e notória a interferência do agronegócio nessa área, já tendo sido objeto de informações pormenorizadas e de muitos comentários a atuação da senadora Kátia Abreu, cuja família é ocupante de grandes áreas rurais no estado de Tocantins e que acumula, ilegalmente, o desempenho do mandato de senadora com o exercício da presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, dando indisfarçável preferência aos interesses dessa área quando eles se opõem aos interesses de todo o povo brasileiro, como ficou evidente na discussão da alteração do Código Florestal, ou a interesses de setores sociais especialmente protegidos pela Constituição, como é o caso das comunidades indígenas. Inúmeras vezes tem sido alegada a insuficiência dos meios de que dispõe a Funai para o cumprimento, pelo governo federal, da obrigação constitucional de demarcação das terras indígenas, estabelecida no artigo 231 da Constituição de 1988. O que se tem deixado muito evidente é que há anos não são dados à Funai os recursos de que ela necessita, ficando muito claro o propósito de utilizar a inoperância da Funai como pretexto para transferir a outros setores do governo (ou de fora do governo, como se viu pela PEC 215) a tarefa de reconhecimento e demarcação das áreas indígenas, com o indisfarçável objetivo de redução substancial da extensão dessas áreas.

Pela proposta agora encampada pela ministra-chefe da Casa Civil, no processo de identificação e demarcação das terras indígenas deverão ser considerados, com especial atenção, dados do Ministério da Agricultura e do Ministério das Cidades, parecendo haver a intenção de colocar em plano secundário a Funai, que se limitaria a fornecer laudos antropológicos. Um ponto que causou estranheza foi o deslocamento do assunto da área do Ministério da Justiça, ao qual a Funai está vinculada, para a Casa Civil. Nada impede que outros órgãos do governo federal sejam consultados e forneçam informações à Funai, mas esta, por sua natureza, por sua organização e pela experiência acumulada, é que deve ter a principal responsabilidade no cumprimento do encargo de dar efetividade a essa obrigação constitucional do governo da República. Espera-se que o ministro da Justiça tome conhecimento das intenções da Casa Civil e que use sua influência para que a Funai receba mais recursos e, com a colaboração de outros setores do governo, acelere o processo de demarcação das áreas indígenas.

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr
Fonte: Jornal do Brasil online
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/05/10/governo-contra-os-indios/

Leia também :
http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2013/05/comeca-o-forum-permanente-da-onu-sobre-questoes-indigenas/

Veja o vídeo da violência do Estado...