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domingo, 12 de janeiro de 2014

Então, que venha do BRICS um desenvolvimento inteligente

06/01/2014 - Busca-se desenvolvimento inteligente no BRICS
- Fabíola Ortiz, da IPS (*) para o site Envolverde

Rio de Janeiro – O desenvolvimento inteligente é o que concilia um avanço econômico inclusivo e sustentável, afirmou o economista indiano Nanak Kakwani [foto], que formulou uma nova metodologia para medir a pobreza.

Agora existe uma tentativa acadêmica de medi-la no BRICS, começando pelo Brasil.

Os países emergentes, como os integrantes deste bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) devem refletir sobre qual é o tipo de desenvolvimento que desejam alcançar, ressaltou.

Kakwani viveu vários anos no Brasil, onde fundou, em 2004, o Centro Internacional da Pobreza, que depois deu lugar ao Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, com participação do estatal Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Se o desejo é melhorar as condições de vida das pessoas, é necessário crescer rápido, mas este crescimento tem seus custos para o meio ambiente”, disse o agora professor da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, e pesquisador convidado do Ipea.

É preciso existir um equilíbrio entre os dois aspectos, que seja inteligente”, ressaltou.

O crescimento econômico é apenas um meio para alcançar o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas, que priorize o bem-estar de todas elas e não apenas de um pequeno grupo, afirmou Kakwani em conversa desde Sydney.

Em termos gerais, se define como desenvolvimento inclusivo aquele que implanta ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, a fim de promover, em equilíbrio com o meio ambiente, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independente de sua condição, como o status social ou o gênero.

Ainda se prioriza muito o avanço econômico de um país, se acelera ou desacelera.

Assim acontece no Brasil, que atualmente apresenta uma freada em seu ritmo de crescimento, apontou Kakwani. “O crescimento inclusivo não deve ser volátil”, destacou.

O crescimento econômico, além do mais, não determina o fundamental: a forma como são distribuídos na sociedade os benefícios do progresso.

“Um desenvolvimento inclusivo incorpora todas as pessoas e significa que todos obterão algum tipo de benefício do crescimento”, explicou, o economista indiano.

Com estas premissas, ele estabeleceu um método para medir a pobreza, que calcula a função do bem-estar social, a função de oportunidades sociais e o cumprimento dos objetivos sociais do desenvolvimento inclusivo.

Todas têm como propósito avaliar as políticas públicas e medidas destinadas a melhorar os serviços sociais e públicos.

Também é medido o acesso de toda a população a serviços básicos, como saúde, educação, nutrição, saneamento, água ou emprego.

Além disso, indaga os resultados desse acesso, como
- melhoria na expectativa de vida das pessoas e a boa saúde;
- melhora da sobrevivência infantil;
- maior alfabetização;
- educação de qualidade;
- vigência da liberdade de expressão;
- acesso à justiça ou a participação social.

Entre os objetivos sociais se inclui o da redução ou não das tensões sociais, como pobreza extrema, excessiva desigualdade, insegurança ou polarização.

Calculo uma espécie de índice de igualdade de oportunidades” para estabelecer o nível de desenvolvimento inclusivo, explicou Kakwani.

O desenvolvimento é um conceito multidimensional e para ser inclusivo deve conter três pilares:
- crescimento alto e sustentado,
- eliminação ou redução de tensões sociais,
- e ampliação de oportunidades e igualdade no acesso.

O Brasil é um “caso típico” de alto nível de desigualdade, afirmou Kakwani.

O país apresenta elevada tensão social com uma grande brecha entre classes sociais e uma sociedade muito polarizada.

O Brasil teve um crescimento muito flutuante, volátil, que subia e caía rapidamente, até que em 1995 se tornou mais estável.

A primeira premissa é que esse crescimento deveria melhorar o nível de vida das pessoas”, ressaltou.

Se a economia de um país é volátil, causará perdas no bem-estar social coletivo.

O grande desafio dos estudos sobre o desenvolvimento inclusivo é elaborar indicadores que estabeleçam o nível de tensão social e de desigualdade, explicou Kakwani.

O índice de pobreza extrema no Brasil caiu para 6% de seus quase 200 milhões de habitantes, mas as desigualdades permanecem muito altas entre sua população.

O país, em alguma medida, começou a reduzir a desigualdade da renda… Nunca o fizera antes. Mas há preocupação sobre a sustentabilidade do crescimento”, ressaltou o pesquisador.

Até março deste ano, quando acontecerá no Brasil o próximo encontro dos BRICS, Kakwani trabalhará nos indicadores dos programas para transferência de renda no país, como o programa Bolsa Família, para calcular a taxa de retorno social.

Sua meta é medir o desenvolvimento inclusivo de todos os membros do BRICS.

O diretor de estudos de políticas sociais do Ipea, Rafael Osório [foto], que trabalhou com Kakwani quando este vivia no Brasil, ressaltou a importância do componente ambiental.

A sustentabilidade não deve ser inserida apenas na relação com o meio ambiente. As soluções são complexas e o crescimento não pode ser para uma única geração.

Não se pode esgotar todos os recursos naturais, e nem se pode manejar temerariamente os fundos de pensão”, afirmou.

A falta de coordenação e articulação dos serviços públicos também é obstáculo à sustentabilidade, argumentou Osório.

A pobreza reside onde falta planejamento.

Inclusive os problemas específicos não podem ser vistos de forma separada.

O desenvolvimento inclusivo vê a articulação nas políticas. O desafio para o desenvolvimento inclusivo no Brasil é reunir os melhores recursos para implantar políticas integradas”, acrescentou.

Não é uma equação fácil, sobretudo porque as pessoas se articulam em torno desses conceitos nos grandes centros urbanos e não nos municípios onde está a grande carência de gestão inclusiva.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/busca-se-desenvolvimento-inteligente-brics/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

(*) IPS - Inter Press Service

sábado, 28 de abril de 2012

Um povo cercado por um anel de ferro

26/4/2012 - Inter Press Service
por Fabíola Ortiz, da IPS - Envolverde
Rio de Janeiro, Brasil


As 380 famílias da localidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, são obrigadas a conviver com a elevada contaminação da água, do ar e do solo, causada pelo vizinho polo siderúrgico.


O lugar toma seu nome da árvore piquiá, que dá uma madeira altamente apreciada, mas que se extinguiu na região, onde estão instaladas, há 25 anos, cinco usinas siderúrgicas, lideradas pela Vale, empresa de mineração.

Atualmente são produzidas nesse lugar 500 mil toneladas de ferro-gusa, matéria-prima do aço, que se obtém fundindo em altos fornos carvão, calcário e minério de ferro. O polo de Açailândia, município com jurisdição sobre a área, depende do fortalecimento da atividade das minas de ferro da Vale, cuja produção é levada aos portos do Atlântico nas proximidades de São Luís, capital do Estado, que fica a 500 quilômetros de distância.

Os moradores da pequena localidade, onde os quintais de suas modestas casas ficam ao lado dos terrenos das grandes fábricas, já apresentam em sua saúde os impactos da contaminação e da degradação ambiental. Devido à péssima qualidade do ar que respiram e da água que consomem, mais de 40% dos moradores de Piquiá de Baixo se queixam de doenças e males respiratórios e dos pulmões, bem como de lesões dermatológicas, segundo um estudo do Centro de Referência em Enfermidades Infecciosas e Parasitárias, da Universidade Federal do Maranhão.

Esta população, que reclama sua transferência para um lugar seguro, limpo e distante do polo siderúrgico, é formada em sua maioria por agricultores que hoje só podem trabalhar a terra a mais de 200 quilômetros de suas casas. Este é um drama que se repete em muitas das cidades com atividade de mineração do Brasil, várias delas também mobilizadas.

Edvard Dantas Cardeal, de 68 anos, preside a associação dos moradores de Piquiá de Baixo, afetados pela fumaça e pelos resíduos gerados pelos 70 fornos de fundição existentes na região.


Estamos em perigo, pois vivemos ao lado de cinco siderúrgicas e, além disso, a Vale tem um posto de minério a 300 metros de nossas casas, e todos os dias centenas de toneladas de ferro cruzam nosso povoado durante as 24 horas do dia”, disse à IPS.


A denúncia das precárias condições de vida em Piquiá de Baixo está destacada no Relatório de Insustentabilidade da Vale 2012, apresentado no dia 18 [abril/2012] no Rio de Janeiro pela Articulação Internacional dos Afetados pela Vale, que reúne 30 movimentos sociais do Brasil, Canadá, Chile, Argentina e Moçambique, alguns dos países onde a empresa atua.


Andressa Caldas

A diretora-executiva da organização não governamental Justiça Global, Andressa Caldas, afirmou à IPS que o caso de Açailândia é emblemático, porque é uma comunidade assentada há mais de 50 anos e que “pede para ser trasladada devido ao grau de degradação ambiental e contaminação tóxica que sofre”. Concordando com Andressa, Danilo Chammas, advogado dos moradores de Piquiá de Baixo, observou que o lugar já existia quando foi instalado o polo siderúrgico na região, há 25 anos. Agora, “a convivência se tornou inviável, já que a população respira todos os dias pó de ferro misturado com carvão”, ressaltou. “O traslado das famílias deveria ter sido feito quando começou a construção do polo, e ainda hoje esta alternativa é a única e urgente”, assegurou Chammas à IPS, acrescentando que exige-se “da Vale um compromisso maior com os moradores e que, efetivamente, forneça recursos para a construção de um novo assentamento longe da contaminação”.
 
Segundo o Relatório de Insustentabilidade, a Vale “nega-se a reparar os danos causados a essas pessoas e, por conseguinte, a assumir o custo de reassentar as famílias”. Cardeal também aderiu a essa reclamação, porque sua comunidade “não pode mais ficar ali, já que existe um grande risco de a saúde pública degradar ainda mais”. E enfatizou que “não podemos mais, as siderúrgicas contaminam o rio que cruza a cidade e só podemos pedir a Deus para sair deste lugar”.


Cardeal e Chammas

A IPS confirmou que existe um terreno distante do polo siderúrgico que foi expropriado em julho de 2011 pelo município de Açailândia para reassentar os moradores afetados. Apesar de inicialmente terem existido recursos legais apresentados por seu proprietário, o assunto foi resolvido no dia 20 de março pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Cardeal e Chammas viajaram ao Rio de Janeiro tentando um encontro com representantes do consórcio Vale. “Viemos com o espírito de dialogar e para que a empresa aproveite a oportunidade para limpar sua imagem, manchada pelo vínculo que tem com as indústrias de ferro-gusa, muitas das quais promovem o trabalho escravo e infantil”, denunciou o advogado.


A assessoria de imprensa da Vale não quis comentar o assunto ao ser questionada pela IPS, mas depois divulgou um comunicado em resposta ao Relatório de Insustentabilidade. “A Vale recebe com respeito todas as sugestões e denúncias referentes às suas operações. Temos consciência de que a atividade mineradora provoca impacto e, por isso, trabalhamos em conjunto com as comunidades e os governos para encontrar soluções que garantam segurança às pessoas, bem como uma convivência harmônica e saudável”, diz o texto da companhia.

Envolverde/IPS (IPS)
Fotos: Gentileza da Associação de Moradores de Piquiá de Baixo