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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Amazônia que o BNDES financia

05.12.13 - Por Bruno Fonseca e Jessica Mota
- da série #BNDESnaAmazônia - Agência Pública

Pela lei de acesso à informação, a Pública obteve 43 contratos do BNDES com grandes corporações nacionais para empreendimentos na Amazônia.

Nos calhamaços de papel assinados e rubricados diversas vezes por gigantes da economia brasileira – Vale, Eletrobrás, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Votorantim, Alcoa, dentre outros -, saltam cifras de 500 milhões, 1 bilhão, até quase 10 bilhões de reais.

São os contratos de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a uma série de megaempreendimentos na Amazônia, que não são disponibilizados publicamente pelo banco, embora todas essas obras sejam custeadas com o dinheiro de impostos.

A Pública entrou com um pedido de acesso à informação para obter os contratos dos principais investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na Amazônia brasileira e obteve 43 contratos que revelam detalhes sobre o financiamento de projetos de empresas e estados – as garantias exigidas, os compromissos socioambientais acordados – e descobriu que, na prática, muitas dessas obras desrespeitam o que foi assinado, contribuindo para muitos dos problemas que a reportagem vem encontrando ao longo da produção dessa série, motivando inclusive ações judiciais.

O curioso é que isso ocorre apesar da complexidade de procedimentos que o processo de obtenção do financiamento implica. Para pleitear um empréstimo, é preciso enviar um pedido formal, que tem de ser acompanhado de documentação específica de acordo com a modalidade de financiamento – o banco oferece 11 produtos diferentes, cada um com linhas de financiamento específicas.

Esse documento inicial tem que conter dados gerais sobre a operação e dados específicos sobre o projeto em questão, incluindo informações sobre os aspectos econômicos e financeiros da empresa e do seu mercado de atuação; e sobre os aspectos jurídicos, com todos os estudos e licenças de operação e meio ambiente emitidos pelos órgãos responsáveis, como o IBAMA ou a Secretaria de Meio Ambiente.

Caso o projeto apresente algum impacto ambiental, são negociadas medidas de compensação através de outras linhas de apoio paralelas oferecidas pelo BNDES, voltadas ao meio ambiente.

A empresa também responde a um questionário sobre os aspectos e impactos sociais da empresa e do projeto.

Assim, o Comitê de Enquadramento e Crédito do BNDES, formado pelos 23 superintendentes do banco, classifica a operação com base nos riscos ambientais apresentados na proposta.

Só então o banco prossegue com a aprovação e a contratação do financiamento do projeto pela diretoria, formada pelo presidente, vice e sete diretores do BNDES. O contrato de financiamento não é disponibilizado no site do BNDES ou em outra plataforma ao alcance do público.

No caso dos contratos internacionais, o acesso à Pública foi negado, mesmo pela Lei de acesso à informação.

CLÁUSULAS SÃO INSUFICIENTES PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE
Através da análise dos 43 contratos aos quais a Pública teve acesso, foi possível perceber que mesmo com tantas exigências formais por parte do BNDES, as cláusulas que dizem respeito à proteção dos direitos humanos e meio ambiente são estipuladas, em sua maioria, através de parágrafos padronizados, e não garantem o cumprimento de compromissos de acordo com a especificidade dos projetos.

Por exemplo, a frase “manter em situação regular suas obrigações juntos aos órgãos do meio ambiente, durante o período de vigência deste Contrato” está presente em todos os documentos analisados, bem como “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, as medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Não há detalhes tampouco nas Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES, destinadas a todos os contratantes, que se limitam a estipular o cumprimento das obrigações estabelecidas por Lei, sem maiores acréscimos.

Até onde se sabe, não haveria uma customização. As cláusulas [socioambientais] não são desenhadas de acordo com o projeto, são cláusulas padrão”, critica Caio Borges, pesquisador da Conectas – ONG que promove os direitos humanos na África, América Latina e Ásia.

Na visão do pesquisador, o processo ideal para esses contratos envolveria três etapas: a elaboração de uma política de direitos humanos, a realização de auditoria em direitos humanos – “que criariam ferramentas operacionais [para] que essa política esteja efetivamente dentro da rotina e dos processos da empresa”, como explica Caio – e a criação de mecanismos operacionais de denúncia e reclamação a exemplo das ouvidorias dos bancos multilaterais, como o Banco Mundial.

Deve existir um canal institucional de diálogo em que uma pessoa que se sinta atingida possa ligar para o banco e dizer que aquele projeto está violando algum direito dela ou que alguma política do banco está sendo descumprida e que aquele projeto não está seguindo os procedimentos que o próprio banco estipula”, diz Caio que acredita que só assim, e com uma melhor fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela concessão de licença, seria possível estancar o uso de dinheiro público em projetos que descumprem as salvaguardas sócio-ambientais tanto no Brasil como em outros países.

DE BELO MONTE A IMPERATRIZ: LICENÇAS QUESTIONADAS
É este o caso de diversos empreendimentos que tiveram suas licenças ambientais questionadas, como a polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Mesmo após a Justiça brasileira determinar paralisação das obras por ilegalidade no licenciamento ambiental, o BNDES não divulgou qualquer modificação ou sanção em relação aos contratos de mais de 25 bilhões de reais firmados com o consórcio responsável, a Norte Energia.

E isso em um contrato que se destaca entre outros do BNDES por haver um maior detalhamento nas condicionantes socioambientais, entre eles, a obrigação de cumprimento das diretrizes dos Princípios do Equador, estabelecidas pelo International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.

Ali se estipulam as regras para avaliações ambientais; proteção a habitats naturais; segurança de barragens; populações indígenas; reassentamento involuntário de populações; trabalho infantil, forçado ou escravo; projetos em águas internacionais e saúde e segurança no trabalho; dentre outros.

Já na construção da usina produtora de celulose da Suzano, em Imperatriz, no Maranhão, objeto de um contrato de mais de 2,7 bilhões de reais, o BNDES determinou à Suzano “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Entretanto, a construção da usina, em andamento no interior do Maranhão, está envolvida na morte de três funcionários, isso após o Ministério Público do Trabalho ter constatado, seguidamente, problemas de segurança no canteiro de obras.

Uma das empresas envolvidas no projeto, a Imetame, chegou a se recusar a  assinar um Termo de Ajustamento de Conduta do MPT (leia mais aqui), o que mostra como, na prática, a lei é ignorada.

- Leia e baixe os 45 contratos que a Pública teve acesso e que estão exibidos no final dessa matéria, acessando o link da fonte:

Fonte:
http://www.apublica.org/2013/12/amazonia-bndes-financia/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Centralidade da Água

29/03/2012 - Mônica Bruckman** - site América Latina em Movimento

A centralidade da água na disputa global por recursos estratégicos*


As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos. (Monica Bruckman)



 ALAI AMLATINA - Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado “mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial, seu espaço de articulação mais dinâmico.

O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião, que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas, público-privadas, para a gestão local da água.

A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e sua condição de direito humano inalienável [1].

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento.

Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.

Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões, incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de desenvolvimento e de civilização.

Os aquíferos e a preservação de ecossistemas
Há muito tempo as investigações hidrológicas dos ciclos globais da água vem demonstrando que 99% da água doce acessível do planeta se encontram nos aquíferos de água doce, visíveis nos rios, lagos e capas congeladas de gelo. Estas águas constituem sistemas hídricos dinâmicos e desenvolvem seus próprios mecanismos de reposição que dependem, fundamentalmente, das chuvas. Parte deste caudal se infiltra nas rochas subjacentes e se deposita debaixo da superfície, no que se conhece como aquíferos. Os aquíferos recebem reposição das chuvas, portanto são, em sua maioria, renováveis. 

Dependendo do tamanho e as condições climáticas da localização dos aquíferos, o período de renovação oscila entre dias e semanas (nas rochas cársticas), ou entre anos e milhares de anos tratando-se de grandes bacias sedimentares. Em regiões onde a reposição é muito limitada (como nas regiões áridas e hiperáridas) o recurso da água subterrânea pode ser considerado como "não renovável" [3].

Os aquíferos e as águas subterrâneas que os conformam, fazem parte de um ciclo hidrológico cujo funcionamento determina uma complexa inter-relação com o meio ambiente. As águas subterrâneas são um elemento chave para muitos processos geológicos e hidroquímicos, e tem também uma função relevante na reserva ecológica, já que mantém o caudal dos rios e são a base dos lagos e dos pântanos, impactando definitivamente nos habitat aquáticos que se encontram neles. Portanto, os sistemas aquíferos além de serem reservas importantes de água doce, são fundamentais para a preservação dos ecossistemas.

A identificação dos sistemas aquíferos é um requisito básico para qualquer política de sustentabilidade e gestão de recursos hídricos que permitam que o sistema continue funcionando e, do ponto de vista de nossas investigações, é imprescindível para uma análise geopolítica que procure pôr em evidência elementos estratégicos na disputa pelo controle e apropriação da água.

As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos através de seu pessoal técnico para os quais as estações de tratamento de água, reciclagem e construção de mecanismos que evitem a contaminação dos aquíferos são gastos supérfluos [4].

Trata-se de um processo violento de expropriação e privatização do recurso natural mais importante para a vida. Apesar da centralidade da água potável para consumo humano, é necessário assinalar também a importância vital deste recurso para a agricultura, que afeta diretamente a soberania alimentar e para o processo industrial em seu conjunto.

Os maiores aquíferos da Europa se encontram na região euro-asiática, destacando-se, por sua dimensão, a bacia Russa, mais próxima à região polar. A Europa ocidental se vê reduzida a um único aquífero de médio porte, na bacia de Paris. Em quase todos os casos, as reservas de água da Europa padecem de problemas que afetam sua qualidade, o que ampliou drasticamente o consumo de água engarrafada, que se converteu em um item obrigatório na cesta de consumo familiar [5]. A Europa registra, proporcionalmente, a maior taxa mundial de extração de água para consumo humano: do total de água que se extrai, mais de 50% é utilizada pelos municípios, aproximadamente 40% se destina à agricultura e o resto é consumido pelo setor industrial.

A Ásia depende dos grandes aquíferos do norte de China e a Sibéria, mais próxima da região polar. Um dos casos mais graves é o da Índia, que junto com os Estados Unidos, tem uma das taxas mais altas de extração de água subterrânea do mundo.

A América do Sul possui três grandes aquíferos: a Bacia do Amazonas, a Bacia do Maranhão e o sistema aquífero Guarani, que mais parece um “mar subterrâneo” de água doce que se estende por quatro países do cone sul: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Pelo volume das reservas destes aquíferos e pela capacidade de reposição de água destes sistemas, a América do Sul representa a principal reserva de água doce do planeta.

As regiões mais críticas, por ter uma reposição limitada de água (menos de 5 milímetros de chuva por ano), são: o norte de África, na região desértica do Saara; a Índia; a Ásia central; grande parte da Austrália; a estreita faixa desértica que vai da costa peruana até o deserto de Atacama no Chile e a região norte do México e grande parte da região centro-oeste dos Estados Unidos. Nestas regiões, pode-se considerar a água como recurso não renovável. A África sub-saariana, o sudeste asiático, a Europa, os Bálcãs, a região norte da Ásia e a região nor-ocidental da América do Norte registram níveis moderados de reposição de água, entre 50 e 100 mm por ano.

A região de maior reposição de água do mundo é a América do Sul onde, em quase todo o território subcontinental, registram-se níveis de reposição de água maiores de 500 mm/ano, o que constitui o principal fator de abastecimento dos sistemas aquíferos da região. Esta altíssima capacidade de reposição de águas superficiais e subterrâneas é fundamental, não só para o abastecimento de água doce, mas também para a manutenção e reprodução dos sistemas ecológicos e da biodiversidade na região.

Notas:
[1] Ver: Mabel Faria de Melo. “Água não é mercadoria”. Em: ALAI, 3 de abril de 2009.
[2] Ver: Roberto Bissio. El derecho humano al agua. Disponível em http://alainet.org/active/39769
[3] Atlas of Transboundary Aquifers. Global maps, regional cooperation and local inventories. Paris: UNESCO, p. 16.
[4] TEIXEIRA, Francisco Carlos. Por uma geopolítica da água. 23 de janeiro de 2011. Disponível em http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=77 ,
[5] Ibid.

** Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável - REGGEN.

* Ver texto original em: http://alainet.org/publica/473.phtml da revista “América Latina en Movimiento”, No 473, correspondente a março de 2012 e que tem como tema "Extractivismo: contradicciones y conflictividad”.

Matéria copilada do endereço: http://alainet.org/active/53475

[Nota da Equipe do blog Educom: ver na série de textos as matérias relacionadas com as pesquisas do professor Milton Matta, da UFPa, o maior estudioso do aquífero Alter-do-Chão, o maior do Brasil em volume dágua, cujo centro geográfico encontra-se nesse balneário às margens do rio Tapajós, 30 km ao sul de Santarém.


quinta-feira, 22 de março de 2012

Parem com a apropriação da água!

Declaração da Via Campesina no Fórum Alternativo Mundial da Água 
22/03/2012
Via Campesina

Nós, organizações camponesas de diferentes países do mundo, membros da Via Campesina, reunidos de 12 a 17 de março de 2012, no Fórum Alternativo Mundial da Água, em Marselha, França, representados por delegados vindos da Turquia, Brasil, Bangladesh, Madagascar, Portugal, Itália, França e México, expressamos a nossa solidariedade aos afetados por catástrofes ambientais e, especialmente, aos que são vítimas da construção de represas, dos gases de xisto, da apropriação, da mercantilização e da escassez da água, das contaminações generalizadas, das repressões e dos assassinatos levados à prática contra os militantes defensores da água.
Reivindicamos que o direito pela água seja respeitado, dentro do princípio regulador da soberania alimentar. O direito à água é o respeito permanente ao ciclo da água, tomado integralmente. Afirmamos que a privatização e a mercantilização da água e de todo outro bem comum (sementes, terra, conhecimentos locais e tradicionais, etc.) são um crime contra a terra e a humanidade. Os grandes projetos de represas e de centrais hidroelétricas aprisionam e se apropriam da água, não tendo em conta nem necessidades, nem práticas tradicionais, nem a opinião das comunidades locais, além de debocharem da preservação do ecossistema.
As crises da água, da biodiversidade, as crises sociais, energéticas e financeiras encontram-se todas juntas e são as consequências do neoliberalismo e do modelo de agricultura industrial promovido pelas instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio), os tratados de livre comércio, o Conselho Mundial da Água, as multinacionais e a maioria dos governos.
A economia verde é uma falsa solução frente às mudanças climáticas e à escassez da água. A mercantilização da água, do carvão, da biodiversidade, os OGM, as nanotecnologias e a geoengenharia são as novas saídas e propostas do neoliberalismo para responder às crises. A evasão crescente continua enquanto estas respostas tecnicistas e mercantis são as principais responsáveis pelo caos ecológico e social que nos atinge.
O modelo de produção industrial, as monoculturas e a agroquímica têm contaminado nossas águas, pondo em perigo nossa saúde. Defendemos as práticas agroecológicas e a agricultura camponesa, que levam à prática a soberania alimentar e contribuem com a preservação e a utilização sustentável da água.
A água é um bem comum em benefício de todos os seres vivos, e deve ser submetida a um gerenciamento público, democrático, local e sustentável. Os conhecimentos locais e tradicionais de gerenciamento da água, que protegem e consideram o ecossistema em sua totalidade, existem desde sempre. Eles são testemunhas atemporais de sua eficácia. As políticas públicas e as leis sobre a água devem reconhecer e respeitar esses conhecimentos.
Pela soberania alimentar: Parem com a apropriação da água!
Marseille, França, 18 de Março de 2012.

(Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato)

quinta-feira, 8 de março de 2012

John Perkins: “Portugal está a ser assassinado, como muitos países do terceiro mundo já o foram"

Entrevista concedida por John Perkins a Sara Sanz Pinto, publicada em 3 Mar 2012
no site Informação online - Portugal

Chamou-se a si próprio assassino económico no livro “Confessions of an Economic Hit Man”, que se tornou bestseller do “New York Times”

Em tempos consultor na empresa Chas. T. Main, John Perkins andou dez anos a fazer o que não devia, convencendo países do terceiro mundo a embarcar em projectos megalómanos, financiados com empréstimos gigantescos de bancos do primeiro mundo. Um dia, estava nas Caraíbas, percebeu que estava farto de negócios sujos e mudou de vida. Regressou a Boston e, para compensar os estragos que tinha feito, decidiu usar os seus conhecimentos para revelar ao mundo o jogo que se joga nos bastidores financeiros.

Como se passa de assassino económico a activista?
Em primeiro lugar é preciso passar-se por uma forte mudança de consciência e entender o papel que se andou a desempenhar. Levei algum tempo a compreender tudo isto. Fui um assassino económico durante dez anos e durante esse período achava que estava a agir bem. Foi o que me ensinaram e o que ainda ensinam nas faculdades de Gestão: planear grandes empréstimos para os países em desenvolvimento para estimular as suas economias. Mas o que vi foi que os projectos que estávamos a desenvolver, centrais hidroeléctricas, parques industriais, e outras coisas idênticas, estavam apenas a ajudar um grupo muito restrito de pessoas ricas nesses países, bem como as nossas próprias empresas, que estavam a ser pagas para os coordenar. Não estávamos a ajudar a maioria das pessoas desses países porque não tinham dinheiro para ter acesso à energia eléctrica, nem podiam trabalhar em parques industriais, porque estes não contratavam muitas pessoas. Ao mesmo tempo, essas pessoas estavam a tornar-se escravos, porque o seu país estava cada mais afundado em dívidas.

E a economia, em vez de investir na educação, na saúde ou noutras áreas sociais, tinha de pagar a dívida. E a dívida nunca chega a ser paga na totalidade. No fim, o assassino económico regressa ao país e diz-lhes “Uma vez que não conseguem pagar o que nos devem, os vossos recursos, petróleo, ou o que quer que tenham, vão ser vendidos a um preço muito baixo às nossas empresas, sem quaisquer restrições sociais ou ambientais”. Ou então, “Vamos construir uma base militar na vossa terra”. E à medida que me fui apercebendo disto a minha consciência começou a mudar. Assim que tomei a decisão de que tinha de largar este emprego tudo foi mais fácil. E para diminuir o meu sentimento de culpa senti que precisava de me tornar um activista para transformar este mundo num local melhor, mais justo e sustentável através do conhecimento que adquiri. Nessa altura a minha mulher e eu tivemos um bebé. A minha filha nasceu em 1982 e costumava pensar como seria o mundo quando ela fosse adulta, caso continuássemos neste caminho. Hoje já tenho um neto de quatro anos, que é uma grande inspiração para mim e me permite compreender a necessidade de viver num sítio pacífico e sustentável.

Houve algum momento em particular em que tenha dito para si mesmo “não posso fazer mais isto”?
Sim, houve. Fui de férias num pequeno veleiro e estive nas Ilhas Virgens e nas Caraíbas. Numa dessas noites atraquei o barco e subi às ruínas de uma antiga plantação de cana-de-açúcar. O sítio era lindo, estava completamente sozinho, rodeado de buganvílias, a olhar para um maravilhoso pôr do Sol sobre as Caraíbas e sentia-me muito feliz. Mas de repente cheguei à conclusão que esta antiga plantação tinha sido construída sobre os ossos de milhares de escravos. E depois pensei como todo o hemisfério onde vivo foi erguido sobre os ossos de milhões de escravos. E tive também de admitir para mim mesmo que também eu era um esclavagista, porque o mundo que estava a construir, como assassino económico, consistia, basicamente, em escravizar pessoas em todo o mundo. E foi nesse preciso momento que me decidi a nunca mais voltar a fazê-lo. Regressei à sede da empresa onde trabalhava em Boston e demiti-me.

E qual foi a reacção deles?
De início ninguém acreditou em mim. Mas quando se aperceberam de que estava determinado tentaram demover-me. Fizeram-me propostas muito interessantes. Mas fui-me embora à mesma e deixei por completo de me envolver naquele tipo de negócios.

Diz que os assassinos económicos são profissionais altamente bem pagos que enganam os países subdesenvolvidos, recorrendo a armas como subornos, relatórios falsificados, extorsões, sexo e assassinatos. Pode explicar às pessoas que não leram o seu livro como tudo isto funciona?
Basicamente, aquilo que fazíamos era escolher um país, por exemplo a Indonésia, que na década de 70 achávamos que tinha muito petróleo do bom. Não tínhamos a certeza, mas pensávamos que sim. E também sabíamos que estávamos a perder a guerra no Vietname e acreditávamos no efeito dominó, ou seja, se o Vietname caísse nas mãos dos comunistas, a Indonésia e outros países iriam a seguir. Também sabíamos que a Indonésia tinha a maior população muçulmana do mundo e que estava prestes a aliar-se à União Soviética, e por isso queríamos trazer o país para o nosso lado.

Fui à Indonésia no meu primeiro serviço e convenci o governo do país a pedir um enorme empréstimo ao Banco Mundial e a outros bancos, para construir o seu sistema eléctrico, centrais de energia e de transmissão e distribuição. Projectos gigantescos de produção de energia que de forma alguma ajudaram as pessoas pobres, porque estas não tinham dinheiro para pagar a electricidade, mas favoreceram muito os donos das empresas e os bancos e trouxeram a Indonésia para o nosso lado. Ao mesmo tempo, deixaram o país profundamente endividado, com uma dívida que, para ser refinanciada pelo Fundo Monetário Internacional, obrigou o governo a deixar as nossas empresas comprarem as empresas de serviços básicos de utilidade pública, as empresas de electricidade e de água, construir bases militares no seu território, entre outras coisas. Também acordámos algumas condicionantes, que garantiam que a Indonésia se mantinha do nosso lado, em vez de se virar para a União Soviética ou para outro país que hoje em dia seria provavelmente a China.

Trabalhou de muito perto com o Banco Mundial?
Muito, muito perto. Muito do dinheiro que tínhamos vinha do Banco Mundial ou de uma coligação de bancos que era, geralmente, liderada pelo Banco Mundial.

Sugere no seu livro que os líderes do Equador e do Panamá foram assassinados pelos Estados Unidos. No entanto, existem vários historiadores que defendem que isso não é verdade. O que acha que aconteceu com Jaime Roldós e Omar Torrijos?
Não existem provas sólidas quer do que aconteceu no Equador, com Roldós, quer do que se passou no Panamá, com Torrijos. Porém, existem muitas provas circunstanciais. Por exemplo, Roldós foi o primeiro a morrer, num desastre de avião em Maio de 1981, e a área do acidente foi vedada, ninguém podia ir ao local onde o avião se despenhou, excepto militares norte-americanos ou membros do governo local por eles designados. Nem a polícia podia lá entrar. Algumas testemunhas-chave do desastre morreram em acidentes estranhos antes de serem chamadas a depor. Um dos motores do avião foi enviado para a Suíça e os exames mostram que parou de funcionar quando estava ainda no ar e não ao chocar contra a montanha. Isto é, existem provas circunstanciais tremendas em torno desta morte, e além disso todos estavam à espera que Jaime Roldós fosse derrubado ou assassinado porque não estava a jogar o nosso jogo. Logo depois de o seu avião se ter despenhado, Omar Torrijos juntou a família toda e disse: “O meu amigo Jaime foi assassinado e eu vou ser o próximo, mas não se preocupem, alcancei os objectivos que queria alcançar, negociei com sucesso os tratados do canal com Jimmy Carter e esse canal pertence agora ao povo do Panamá, tal como deve ser. Por isso, depois de eu ser assassinado, devem sentir-se bem por tudo aquilo que conquistei.”

A verdade é que os EUA, a CIA e pessoas como o Henry Kissinger admitiram que o nosso país tinha derrubado Salvador Allende, no Chile; Jacobo Arbenz, na Guatemala; Mohammed Mossadegh, no Irão; participámos no afastamento de Patrice Lumumba, no Congo; de Ngô Dinh Diem, no Vietname. Existem inúmeros documentos sobre a história dos EUA que provam que fizemos estas coisas e continuamos a fazê-las. Sabe-se que estivemos profundamente envolvidos, em 2009, no derrube no presidente Manuel Zelaya, nas Honduras, e na tentativa de afastar Rafael Correa, no Equador, também há não muito tempo. Os EUA admitiram muitas destas coisas e pensar que eles não estiveram envolvidos nos homicídios de Roldós e Torrijos... Estes dois homens foram assassinados quase da mesma forma, num espaço de três meses. Ambos tinham posições contrárias aos EUA e às suas empresas e estavam a assumir posições fortes para defender os seus povos – é pouco razoável pensar o contrário.

Algumas pessoas acusam-no de ser um teórico da conspiração. O que tem a dizer sobre isso?
Bem, não sou, de modo nenhum, um teórico da conspiração. Não acredito que exista uma pessoa ou um grupo de pessoas sentadas no topo a tomar todas as decisões. Mas torno muito claro no meu último livro, “Hoodwinked” (2009), e também em “Confessions of an Economic Hit Man” (2004) – editado em Portugal pela Pergaminho em 2007 com o título “Confissões de Um Mercenário Económico: a Face Oculta do Imperialismo Americano” –, que as multinacionais são movidas por um único objectivo que é maximizar os lucros, independentemente das consequências sociais e ambientais. Estes últimos são novos objectivos que não eram ensinados quando estudei Gestão, no final dos anos 60. Ensinaram-me que havia apenas este objectivo entre muitos outros, por exemplo tratar bem os funcionários, dar-lhes uma boa assistência na saúde e na reforma, ter boas relações com os clientes e os fornecedores, e também ser um bom cidadão, pagar impostos e fazer mais que isso, ajudar a construir escolas e bibliotecas.

Tudo se agravou nos anos 70, quando Milton Friedman, da escola de economia de Chicago, veio dizer que a única responsabilidade no mundo dos negócios era maximizar os lucros, independentemente dos custos sociais e ambientais. E Ronald Reagan, Margaret Thatcher e muitos outros líderes mundiais convenceram-se disso desde então. Todas estas empresas são orientadas segundo este objectivo e quando alguma coisa o ameaça, seja um acordo de comércio multilateral seja outra coisa qualquer, juntam--se para garantir que o mesmo é protegido. Isto não é uma conspiração, uma conspiração é ilegal, isto que fazem não é. No entanto, é extremamente prejudicial para a economia mundial.

Também escreveu que o objectivo último dos EUA é construir um império global. Como vê a recente estratégia norte-americana contra a China e o Irão?
Actualmente, podemos dizer que o novo império não é tanto americano como formado por multinacionais. Penso que a ditadura das grandes empresas e dos seus líderes forma hoje a versão moderna desse império. Repito, isto não é uma conspiração, mas todos eles são movidos por esse objectivo de que falámos anteriormente.

Mas vários especialistas defendem que estamos num cenário de terceira guerra mundial, com a China, a Rússia e o Irão de um lado e os EUA, a União Europeia (UE) e Israel do outro. E que toda a conversa de Washington em torno do programa nuclear iraniano não passa de uma grande mentira.
Não acredito que todo este conflito seja motivado por armas nucleares. Na verdade, vários estudos recentes, alguns deles das mais respeitadas agências de informações norte-americanas, mostram que não existem armas nucleares no Irão. E acredito que tudo isto não se deve apenas aos recursos iranianos mas também à ameaça de Teerão de vender petróleo no mercado internacional numa moeda que não o dólar, uma ameaça também feita por Muammar Kadhafi, na Líbia, e Saddam Hussein, no Iraque. Os norte-americanos não gostam que ameacem o dólar e não gostam que ameacem o seu sistema bancário, algo que todos esses líderes fizeram – o líder do Irão, o líder do Iraque, o líder da Líbia. Derrubaram dois deles e o terceiro ainda lá está. Penso que é disto que se trata.

Não tenho dúvidas de que a Rússia está a gostar de ver a agitação entre a UE e o Irão, porque Moscovo tem muito petróleo e, se os fornecedores iranianos deixarem de vender, o preço do petróleo vai subir, o que será uma grande ajuda para a Rússia. É difícil acreditar que qualquer destes países queira mesmo entrar numa terceira guerra mundial. No fundo, o que querem é estar constantemente a confundir as pessoas, parecendo que querem entrar em conflito e ajudar a alimentar as máquinas de guerra, porque isso ajuda uma série de grandes empresas.

Como durante a Guerra Fria?
Sim, como durante a Guerra Fria, porque isso é bom para os negócios. No fundo, estes países estão todos a servir os interesses das grandes empresas. Há algumas centenas de anos, a geopolítica era maioritariamente liderada por organizações religiosas; depois os governos assumiram esse poder. Agora chegámos à fase em que a geopolítica é conduzida em primeiro lugar pelas grandes multinacionais. E elas controlam mesmo os governos de todos os países importantes, incluindo a Rússia, a China e os EUA. A economia da China nunca poderia ter crescido da forma que cresceu se não tivesse estabelecido fortes parcerias com grandes multinacionais.

E todos estes países são muito dependentes destas empresas, dos presidentes destas empresas, que gostam de baralhar as pessoas, porque constroem muitos mísseis e todo o tipo de armas de guerra. É uma economia gigante. A economia norte-americana está mais baseada nas forças armadas que noutra coisa qualquer. Representa a maior fatia do nosso orçamento oficial e uma parte maior ainda do nosso orçamento não oficial. Por isso tanto a guerra como a ameaça de guerra são muito boas para as grandes multinacionais. Mas não acredito que haja alguém que nos queira ver de facto entrar em guerra, dada a natureza das armas. Penso que todas as pessoas sabem que seria extremamente destrutivo.

Como avalia o trabalho de Barack Obama enquanto presidente dos EUA?
Penso que se esforçou muito por agir bem, mas está numa posição extremamente vulnerável. Assim que alguém entra na Casa Branca, sejam quais forem as suas ideias políticas, os seus motivos ou a sua consciência, sabe que é muito vulnerável e que o presidente dos EUA, ou de outro país importante, pode ser facilmente afastado. Nalgumas partes do mundo, como a Líbia ou o Irão, talvez só com balas o seu poder possa ser derrubado, mas em países como os EUA um líder pode ser afastado por um rumor ou uma acusação.

O presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ver a sua carreira destruída por uma empregada de quarto de um hotel, que o acusou de violação, foi um aviso muito forte a Obama e a outros líderes mundiais. Não estou a defender Strauss-Kahn – não faço a mínima ideia de qual é a verdade por trás do que aconteceu, mas o que sei é que bastou uma acusação de uma empregada de quarto para destruir a sua carreira, não só como director do FMI mas também como potencial presidente francês. Bill Clinton também foi afastado por um escândalo sexual, mas no tempo de John Kennedy estas coisas não derrubavam presidentes. Só as balas. Porém, descobrimos com Bill Clinton que um escândalo sexual – e não é preciso ser uma coisa muito excitante, porque aparentemente ele nem sequer teve sexo com a Monica Lewinsky, fizeram uma coisa qualquer com um charuto que já não me lembro – foi o suficiente para o descredibilizar. Por isso Obama está numa posição muito vulnerável e tem de jogar o jogo e fazer o melhor que pode dentro dessas limitações. Caso contrário, será destruído.

No fim do ano passado escreveu um artigo onde afirmava que a Grécia estava a ser atacada por assassinos económicos. Acha que Portugal está na mesma situação?
Sim, absolutamente, tal como aconteceu com a Islândia, a Irlanda, a Itália ou a Grécia. Estas técnicas já se revelaram eficazes no terceiro mundo, em países da América Latina, de África e zonas da Ásia, e agora estão a ser usadas com êxito contra países como Portugal. E também estão a ser usadas fortemente nos EUA contra os cidadãos e é por isso que temos o movimento Occupy. Mas a boa notícia é que as pessoas em todo o mundo estão a começar a compreender como tudo isto funciona. Estamos a ficar mais conscientes. As pessoas na Grécia reagiram, na Rússia manifestam-se contra Putin, os latino-americanos mudaram o seu subcontinente na última década ao escolher presidentes que lutam contra a ditadura das grandes empresas. Dez países, todos eles liderados por ditadores brutais durante grande parte da minha vida, têm agora líderes democraticamente eleitos com uma forte atitude contra a exploração.

John Perkins com Llyn Roberts e Jane Goodall

Por isso encorajo as pessoas de Portugal a lutar pela sua paz, a participar no seu futuro e a compreender que estão a ser enganadas. O vosso país está a ser saqueado por barões ladrões, tal como os EUA e grande parte do mundo foi roubado. E nós, as pessoas de todo o mundo, temos de nos revoltar contra os seus interesses. E esta revolução não exige violência armada, como as revoluções anteriores, porque não estamos a lutar contra os governos mas contra as empresas. E precisamos de entender que são muito dependentes de nós, são vulneráveis, e apenas existem e prosperam porque nós lhes compramos os seus produtos e serviços. Assim, quando nos manifestamos contra elas, quando as boicotamos, quando nos recusamos a comprar os seus produtos e enviamos emails a exigir-lhes que mudem e se tornem mais responsáveis em termos sociais e ambientais, isso tem um enorme impacto. E podemos mudar o mundo com estas atitudes e de uma forma relativamente pacífica.

Mas as próprias empresas deviam ver que a ditadura das multinacionais é um beco sem saída.
Bem, penso que está absolutamente certa. Há alguns meses estive a falar numa conferência para 4 mil CEO da indústria das telecomunicações em Istambul e vou regressar lá, dentro de um mês, para uma outra conferência de CEO e CFO de grandes empresas comerciais, e digo-lhes a mesma coisa. Falo muitas vezes com directores-executivos de empresas e sou muitas vezes chamado a dar palestras em universidades sobre Gestão ou para empresários e também lhes digo o mesmo. Aquilo que fizemos com esta economia mundial foi um fracasso. Não há dúvida. Um exemplo disso: 5% da população mundial vive nos EUA e, no entanto, consumimos cerca de 30% dos recursos mundiais, enquanto metade do mundo morre à fome ou está perto disso. Isto é um fracasso. Não é um modelo que possa ser replicado em Portugal, ou na China ou em qualquer lado. Seriam precisos mais cinco planetas sem pessoas para o podermos copiar. Estes países podem até querer reproduzi-lo, mas não conseguiriam.

Por isso é um modelo falhado e você tem razão, porque vai acabar por se desmoronar. Por isso o desafio é como mudamos isto e como apelar às grandes empresas para fazerem estas mudanças. Obrigando-as e convencendo-as a ser mais sustentáveis em termos sociais e ambientais. Porque estas empresas somos basicamente nós, a maioria de nós trabalha para elas e todos compramos os seus produtos e serviços. Temos um enorme poder sobre elas. Por definição, uma espécie que não é sustentável extingue-se. Vivemos num sistema falhado e temos de criar um novo. O problema é que a maior parte dos executivos só pensa a curto prazo, não estão preocupados com o tipo de planeta que os seus filhos e os seus netos vão herdar.

Podemos afirmar que esta crise mundial foi provocada por assassinos económicos e rotular os líderes da troika como serial killers?
Penso que é justo dizer que os assassinos económicos são os homens de mão, nós, os soldados, e os presidentes das grandes multinacionais e de organizações como o Banco Mundial, o FMI ou Wall Street, os generais.

Ainda há dias o “Financial Times” divulgou que os gestores financeiros de Wall Street andavam a tomar testosterona para se tornarem ainda mais competitivos. Isto faz parte do beco sem saída de que estás a falar?
A sério?! Ainda não tinha ouvido isso, mas não me surpreende nada. No entanto, aquilo que precisamos hoje em dia é de um lado feminino, temos de caminhar na direcção oposta e livrar-nos dessa testosterona. Precisamos de mais líderes mulheres, mulheres reais – não homens vestidos com roupas de mulher, por assim dizer – para trazerem com elas os valores de receptividade e do apoio e encorajarem os homens a cultivar isso neles próprios. Nós, homens, temos de estar muito mais ligados ao nosso lado feminino.

Se fôssemos apresentar esta crise económica à polícia, quem seriam os criminosos a acusar?
Pense em qualquer grande multinacional e à frente dessa multinacional estará alguém responsável pela ditadura empresarial, seja a Goldman Sachs, em Wall Street, seja a Shell, a Monsanto ou a Nike. Todos os líderes dessas empresas estão profundamente envolvidos em tudo isto e, da mesma forma, estão os líderes do FMI, do Banco Mundial e de outras grandes instituições bancárias. Detesto estar a dar nomes, estas pessoas estão sempre a mudar de emprego, por isso prefiro apontar os cargos. Eles estão sempre em rotação, por exemplo, o nosso antigo presidente, George W. Bush, veio da indústria petrolífera. A sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, também veio da indústria petrolífera. Já Obama tem a sua política financeira concebida por Wall Street, maioritariamente pela Goldman Sachs. Mudaram-se da empresa para a actual administração norte-americana. A sua política de agricultura é feita por pessoas da Monsanto e de outras grandes empresas do sector. E a parte triste é que assim que o seu tempo expirar em Washington voltam para essas empresas. Vivemos num sistema incrivelmente corrupto. Aquilo a que chamamos política das portas giratórias é só uma outra designação de corrupção extrema.