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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A etnia mais ameaçada do mundo

07/02/2014 - Operação na Amazônia visa sobrevivência da etnia mais ameaçada do mundo
- Najla Passos - Carta Maior

Para indigenista, a ocupação irregular da terra awá-guajá provoca o mais próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil.

Brasília - Está em curso na Amazônia maranhense uma das maiores operações já realizadas pelo Estado brasileiro para desintrusão de uma terra indígena.

Trata-se da desocupação de uma área de 116 mil hectares destinada à etnia awá-guajá desde 1992, onde atividades ilegais como a extração de madeira e até o plantio de drogas já consumiram mais de 40% da cobertura florestal e colocam em risco a existência da etnia que está entre os últimos remanescentes dos povos amazônicos sem contato com o que é chamado de “civilização”.

Em 2012, a ONG Survival Internacional a classificou como a mais ameaçada do planeta.

Nômades, coletores e caçadores, os awá-guajá são classificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como índios isolados, que demandam farto território para preservar seu modo de vida tradicional.

Entretanto, com as ocupações irregulares dos últimos anos, vêm sofrendo um extermínio progressivo, causado pelas doenças provenientes do contato.

Há suspeitas até mesmo de execuções sumárias comandadas pelo crime organizado que atua na região.

“A situação da etnia é de vulnerabilidade extrema. É o processo mais próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil”, alerta o chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai, Carlos Travassos [foto].

Embora as terras dos awá-guajás tenham sido destinadas aos índios há duas décadas, ela só foi demarcada oficial por ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

A luta judicial pela posse da terra se arrastou por dez anos, e a decisão que determinou a desintrusão tramitou em julgado somente em 2013. 

Para cumpri-la, o governo federal destacou para a área um contingente não divulgado de servidores públicos de diferentes áreas, incluindo Incra, Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Abin e Forças Armadas, além da Funai e da Secretaria Geral da presidência da República, que coordenam a operação.

Mesmo assim, a tarefa não tem sido fácil.

Além das dificuldades geográficas inerentes à mata fechada, a força econômica que se impôs no local resiste.

E usa, para tal, centenas de brasileiros simples, humildes, que se estabeleceram na área em busca do sonho de ter seu próprio pedaço de terra [foto].

Segundo o coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria Geral da Presidência da República, Nilton Tubino [foto], os invasores entraram ali ciente de que as terras pertenciam aos índios.

Portanto, não têm direito a nenhum tipo de indenização.

O Estado, porém, reconhece entre eles uma maioria de brasileiros simples - pequenos agricultores que vivem da plantação de mandioca, do extrativismo na floresta ou que trabalham nas grandes fazendas vizinhas.

Por isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acompanha a operação com o intuito de identificar e cadastrar possíveis beneficiários da reforma agrária, que serão inseridos em lotes vagos de assentamentos já criados e em outros, em estudos, em terras a serem adquiridas na região ou em terras devolutas da União e do Maranhão.

Mas na área também há médios e grandes grileiros, inclusive na atividade pecuária, que terão que deixar o local.

Na semana passada, o governo concluiu a notificação para retirada voluntária das 427 famílias que vivem na área.

O prazo termina no final de fevereiro. Até o momento, só 235 famílias requisitaram cadastramento no Incra.

De acordo com Tubino, os motivos da baixa adesão vão desde a falta de documentos pessoais até a incredulidade de que o governo irá levar a cabo a missão de desobstruir à área.

O problema da falta de documentação, mais fácil de resolver, levou outras equipes de servidores públicos à região. Até o início desta semana, foram expedidas 105 carteiras de trabalho e 75 CPFs.

E 28 famílias foram inscritas no Bolsa Família, o principal programa social do governo. A campanha termina nesta sexta (7/2).

Já o problema da desinformação é mais grave.

Os madeireiros que lucram com a devastação da área não querem abrir mãos de suas atividades criminosas e, por isso, incitam os pequenos a permaneceram na terra indígena, prometendo que a terra deles será regularizada.

Informação oficial e contrainformação do poder econômico local disputam corações e mentes de pouca instrução e pouca fé em um Estado que demorou décadas para se fazer presente.

Histórico awá-guajá 

De acordo com Carlos Travassos, há relatos da presença dos índios awá-guajá na região desde o século XVII.

O primeiro contato oficial, entretanto, ocorreu em 1979, quando a política indigenista da ditadura promovia a atração dos grupos classificados como arredios, com o objetivo de fixá-los em uma área específica e, assim, facilitar o atendimento médico e a segurança alimentar do grupo.

O pano de fundo, entretanto, era a necessidade de extinguir os conflitos na Amazônia para a construção dos grandes projetos do regime, como a Estrada de Ferro Carajás [foto].

Nos anos seguintes, mais seis contatos foram realizados. Deles, resultaram a criação de duas aldeias awá-guajás que possuem hoje, juntas, 400 índios.

“A desintrusão chega em um momento em que a aldeia Juriti, por exemplo, tem seu espaço de caça restrito há 6 km, enquanto antes era de vários dias de caminhada.Se o Estado não intervir, eles morrerão de fome”, explica Travassos.

Há também outros grupos que, para evitar o contato com as frentes de atração, embrenharam-se cada vez mais na mata.

O número de indivíduos nessas condições é impreciso. Monitoramento que vem sendo realizado pela Funai, desde 1997, aponta que pelo menos dois grupos familiares ainda vagam pela região.

Entretanto, suas condições de sobrevivência estão cada vez mais difíceis.

O coordenador da Funai lembra também que, desde o fim da ditadura, a política indigenista brasileira mudou.

Se antes a meta era o aldeamento forçado, o objetivo hoje é respeitar o modo de vida tradicional das etnias, demarcando território suficiente para que possam viver isolados, se assim o quiserem. “O contato traz, historicamente, uma média de perda de 50% da população”, justifica o indigenista.

Planos futuros

De acordo com o coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria Geral da Presidência da República, a previsão inicial é que a operação de retirada dos não-índios esteja concluída até o final de março, inclusive com a destruição de todas as construções erguidas na área.

A etapa seguinte constará do fechamento de todas as estradas abertas por madeireiros e plantadores de drogas, o que dificultará o acesso ao local.

O chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai acrescenta que há planos também para a construção de uma estrada perimetral, no contorno da terra indígena, que permita ao poder público efetuar um monitoramento mais intenso da área.

Além disso, está em andamento a construção de uma base de operações do poder público na área.

Há ainda, projetos de reflorestamento da área descoberta da floresta que envolve, inclusive, índios que vivem em aldeias vizinhas.

Uma outra ação prevê uma campanha de educação etnoambiental a ser efetivada nos quatro municípios em que a terra indígena está cravada, além de outros cinco do entorno.

São municípios pobres, que vivem basicamente da madeira.

Se não houver uma ação pontual do poder público federal em parceria com estado e municípios, as invasões vão continuar e as doenças e outros problemas sociais, como alcoolismo e drogas, acabarão atingindo os awá-guajás”, afirma Travassos.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Operacao-na-Amazonia-visa-sobrevivencia-da-etnia-mais-ameacada-do-mundo/4/30208

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Indígenas brasileiros em águas represadas Mário Osava
- Tempos sombrios - Oiara Bonilla

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Contra Gilmar Mendes, TSE nega registro a partido de Marina


Conforme previsto, o TSE negou o registro ao partido de Marina Silva, apontada como segunda colocada nas pesquisas de intenção de voto para a corrida presidencial de 2014. Também como previsto, o único voto dissonante foi o do ministro Gilmar Mendes. À imprensa, Marina disse que o projeto Rede Sustentabilidade continua. Mas o deputado Miro Teixeira revelou que a decisão se ela concorrerá ou não em 2014 por outra legenda só seria selada mais tarde. 

Najla Passos - Carta Maior
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Brasília - Conforme previsto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou o registro do que seria o 33º partido brasileiro: a Rede Sustentabilidade de Marina Silva, apontada como segunda colocada nas pesquisas de intenção de voto para a corrida presidencial de 2014. Também conforme previsto, o único voto dissonante foi o do ministro Gilmar Mendes, que aproveitou os holofotes para vociferar mais um dos seus discursos políticos contra o PT. Após o veredito, Marina Silva disse à imprensa que o projeto Rede Sustentabilidade continua. Mas o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que se define como apoiador da Rede, confidenciou que a decisão se ela concorrerá ou não em outra legenda nas próximas eleições só seria selada mais tarde, em reunião da qual ambos participariam.

Foi uma sessão bastante concorrida. Com o plenário lotado, muitos apoiadores da rede e jornalistas tiveram que acompanhar o julgamento por telões dispostos em outro auditório e na entrada do prédio do TSE. Impávida, Marina assistiu à sessão na primeira fila, cercada por parlamentares que almejam se transferir para a nova legenda e pegar carona na sua popularidade: além de Teixeira, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) e os deputados Domingos Dutra (PT-MA), Regoffe (PDT-DF) e Alfredo Sirkis (PV-RJ).

A relatora da ação, ministra Laurita Vaz, proferiu um longo voto, explicando toda a dinâmica dos 36 dias de tramitação do processo de pedido de registro do Rede Sustentabilidade. Avaliou que a exiguidade do tempo correu contra o partido de Marina. Destacou o esforço do judiciário para avaliar o processo em tão curto prazo, o que exigiu plantões noturnos e em finais de semana.

Elogiou a postura do Ministério Público, que terminou seu parecer em apenas 24 horas. E a sua própria, que analisou o processo em 48.

Tal como os demais ministros, perdeu enorme tempo em justificativas para a plateia e, principalmente, para a mídia. Segundo seu parecer, a Rede comprovou apoio de 442 mil eleitores em assinaturas validadas pelos cartórios eleitorais, mas a lei exige 492 mil, o equivalente a 0,5% dos votos dados para os deputados federais nas últimas eleições. E observou que, sem o mínimo de assinaturas legais, não havia espaço para outra decisão se não o indeferimento. “Todas as outras agremiações recém-criadas foram submetidas às mesmas regras”, justificou.

Não se rendeu ao argumento da defesa de que os cartórios, deliberadamente, não cumpriram o prazo eleitoral para validação de assinaturas e indeferiram o registro de 93 mil, sem apresentar qualquer justificativa. “Provar a autenticidade das assinaturas é ônus do partido. Não do cartório”, sintetizou.
O ministro João Otávio Noronha também exteriorizou a preocupação da corte com a cobrança da mídia de que o partido fosse efetivado, mas ponderou que a questão posta “se resolve no plano da legalidade”. “A situação aqui em nada se compara aos registros deferidos nas últimas semanas. Aqui, a questão não é se a certidão é ou não válida. (...) O problema aqui é maior: é a ausência de certidões”, esclareceu.

Ele considerou que não se pode criar um partido para participar apenas de um pleito. E relatou que o Partido Ecológico Nacional (PEN), que sofreu o mesmo viés em 2011, agora está oficializado para disputar as próximas eleições. Lembrou, ainda, que o Brasil já dispõe de 32 partidos. “Como diz o ministro Marco Aurélio, o que não falta é partido para quem quer se candidatar”, acrescentou. Para Noronha, o fato da burocracia cartorial inviabilizar uma candidatura com capacidade de influir nas eleições sensibiliza, mas a legislação é clara. “Não sobra margem para preenchê-la com outros entendimentos, porque não há vácuo normativo”.

Gilmar Mendes, porém, tentou cavar este vácuo, embora com um discurso meramente político. “Estamos diante de um caso com algumas especificidades”, iniciou. De acordo com ele, o “partido da Marina” sempre foi uma ameaça para “o poder atual”. Ele lembrou que, este ano, Câmara e Senado chegaram a votar, em regime de urgência, projeto de lei que restringia a criação de novos partidos, ao impedir o parlamentar que mudasse de legenda de levar com ele seu tempo proporcional de TV e sua cota de recursos do fundo partidário.

Para o ministro, um projeto “casuístico” que tinha o único propósito de prejudicar Marina Silva e só foi barrado porque ele concedeu liminar desfavorável à tramitação. O projeto que limitava o troca-troca de partidos, de autoria do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), recebeu amplo apoio do PT.

Agora, está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Gilmar Mendes ressaltou também que as assinaturas colhidas pela Rede tiveram alto índice de rejeição nos cartórios do ABC Paulista, região em que o PT tem maioria política. “O partido preencheu todos os requisitos legais, exceto o número de assinaturas mínimas. (...) O Centro do debate, aqui, é o fato de que cerca de 95 mil assinaturas foram invalidadas sem motivação expressa. E isso no tribunal mais moderno do país, que se orgulha de apurar uma eleição em poucos minutos, com a urna eletrônica”, disparou.

Para o ministro, o caso demonstrou a ineficiência da justiça eleitoral brasileira e, só uma decisão favorável ao registro da Rede Sustentabilidade, poderia minimizar os efeitos da injustiça. “Não se trata aqui de aceitar o partido com menor número de assinaturas. Se trata de dizer que, neste caso, houve abuso sim, o que justifica o reconhecimento das assinaturas que restaram invalidadas sem qualquer motivação. Não se trata de descumprir a legislação, mas de aplicar a legislação”, defendeu.

Última a apresentar seu voto, a presidenta do TSE, ministra Carmem Lúcia, rebateu Mendes. “Não vejo nenhuma dissonância entre o que é legal e o que é justo. Descumprir a lei que vem sendo aplicada é que seria, sim, casuísmo. (...) Aceitar assinaturas não certificadas, aí sim, seria casuísmo. Seria situação fora do comum”.

A presidenta disse que também espera que haja uma reforma política e que à justiça não precise mais se submeter a situações como esta, mas frisou que, enquanto todos tiverem que se submeter à legislação em vigor, não será diferente para apenas um partido. Segundo Carmem Lúcia, as regras valem para todos os partidos, pequenos ou grandes, com lideranças desconhecidas ou não. “A Constituição brasileira assegura que tenhamos representações partidárias, e não individuais”.

O futuro da rede
Em coletiva à imprensa, Marina Silva subiu o tom e afirmou que a Rede Sustentabilidade só não conseguiu atingir o mínimo de apoiamento legal em função de “uma ação deliberada de 53% dos cartórios eleitorais do país”. E disse que, apesar de não conseguir o registro, a Rede já é um partido. "Eu aprendi no tempo da ditadura que para ser um partido político, bastava ter um programa, compromisso e militância social", afirmou.

Sob aplausos dos militantes que a acompanhavam, ela não considerou a hipótese de se filiar a outra sigla para concorrer as eleições 2014, já que o prazo para filiação se encerra neste sábado (5). Disse apenas que, nesta sexta (4), apresentará sua posição sobre o assunto. Miro Teixeira se esquivou de apontar quais seriam suas opções. “Creio que todos os partidos querem uma liderança como a Marina”, limitou a dizer o deputado que, sem a criação da Rede, continuará no seu velho PDT.

Já o petista Domingos Dutra avaliou que, com o patrimônio eleitoral já conquistado, Marina Silva tem fôlego para corrigir os problemas apresentados, legalizar a Rede e prepará-lo para as eleições de 2016. O deputado, porém, não irá esperar a oficialização da sigla fora do jogo eleitoral. Como já havia anunciado que se desfiliará do PT, corre contra o relógio para decidir se migra para o PSB de Eduardo Campos ou para o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical.

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22819

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/07/marina-silva-e-lobo-em-pele-de-cordeiro.html

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Golpe no Paraguai revela nova face da Operação Condor

05/07/2012 - Najla Passos em entrevista com Martin Almada, para Carta Maior

Em entrevista à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência revela a atualidade da Operação Condor, a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano.

 Para Almada, essa nova Condor é muito mais abrangente do que a iniciada em 1964, no Brasil: é mais suave, global e revestida de uma capa pseudodemocrática, por meio da cooptação dos parlamentos.
(Najla Passos - Brasília)

Brasília - Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o recente golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência do seu país revela a atualidade da Operação Condor, considerada a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano.

Prêmio Nobel da Paz alternativo, foi Almada quem descobriu, no Paraguai, na década de 90, o chamado “arquivo do terror”, que contém os principais registros conhecidos da Operação Condor, a articulação dos aparelhos repressivos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai que, a partir da década de 1960, sob a coordenação dos Estados Unidos, garantiram o extermínio das forças resistentes à implantação de um modelo econômico favorável aos interesses das oligarquias locais e das multinacionais que elas representam.

O ativista está em Brasília justamente para participar, nesta quinta (5/6), de um seminário sobre a Operação, promovido pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara.

Confira a entrevista:

José López Chávez, parlamentar, um dos líderes do golpe
- Como se deu a articulação do golpe que destitui Fernando Lugo da presidência do Paraguai?
Foi uma trama muito bem montada pela direita paraguaia. E quando digo direita paraguaia, me refiro à oligarquia Vicuna, aos grandes fazendeiros, me refiro aos donos da terra, os plantadores de soja transgênica, me refiro às multinacionais, como a Cargil e a Monsanto, e também aos partidos tradicionais ligados a essas oligarquias. É um caso muito particular de golpe.

- Mas é possível compará-lo, por exemplo, com o golpe que ocorreu em Honduras?
Ao contrário do que muitos dizem, não se pode comparar. Foram golpes completamente diferentes. Em Honduras, o exército norte-americano interviu, junto com as tropas hondurenhas. A embaixada americana teve uma atuação clara. O presidente caiu em sua cama. No Paraguai, tudo foi articulado via parlamento, que é a instituição mais corrupta do país. No fundo, é claro, sem aparecer, também estava a embaixada americana. Mas sua participação se deu através das organizações não governamentais (ONGs) e dos órgãos de inteligência. Normalmente, um golpe de estado, como ocorreu em Honduras, se dá com tiroteio, bomba, pólvora, morte. No Paraguai, não houve tiroteio, não houve pólvora. O que rolou foi muito dinheiro, muitos dólares.

- E como se comportou a imprensa paraguaia?
Os meios de comunicação estavam todos a serviço do golpe. É por isso que digo que foi um golpe perfeito: quando o presidente golpista assumiu, se cantou o hino nacional com uma orquestra. E uma orquestra de câmara. Foi um golpe planificado com muita antecipação.

- E onde estava o povo, os movimentos organizados que não saíram às ruas?
O presidente Lugo cometeu muitos erros. Primeiro, quando ocorreu a morte de sete policiais e onze camponeses, eu penso, como defensor dos direitos humanos, que tanto a polícia quanto os camponeses eram inocentes. Aquele conflito foi uma trama. Os policiais usavam colete à prova de balas, mas os tiros ultrapassaram estes coletes. E nós sabemos que as armas usadas pelos camponeses são muito artesanais. Não teriam essa capacidade. O que nós imaginamos é que haviam infiltrados com armas muito potentes. E Lugo, após o conflito, fez uma declaração péssima: condenou os camponeses e prestou condolências aos familiares dos policiais. Isso caiu muito mal.

Segundo, Lugo firmou uma lei repressiva, uma lei de tolerância zero. Outro erro de Lugo foi firmar acordo com a Colômbia para assessorar a polícia paraguaia.

- Para tentar se manter no poder, ele fez concessões à direita que o desgastaram com as classes populares. É isso?
Exatamente. Então, no momento do golpe, o povo não saiu às ruas. Na verdade, foram dois motivos. Primeiro, a frustração, a indignação e o desencanto com Lugo. Segundo, no Paraguai, as pessoas com mais de 40 anos têm muito medo. Porque nós não vivemos 20 anos de ditadura. Nós vivemos 60. Então, só os jovens saíram às ruas. Aliás sempre, no Paraguai, as manifestações de ruas são protagonizadas por jovens, que tem uma coragem admirável.

- Como o senhor avalia a posição dos demais países do Mercosul e da Unasul de condenarem o golpe?
Este golpe foi um golpe ao Mercosul, um golpe à Unasul, porque Lugo tinha boas relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o presidente da Bolívia, Evo Morales... e isso desagradava. Lugo, com todos os seus defeitos, melhorou a saúde do povo, melhorou a educação, deu alimentação nas escolas, comida, merenda. Nem tudo estava mal. Mas ao invés de premiar Lugo, o castigaram. É por isso que acreditamos que foi um golpe à unidade regional. Uma conspiração contra a unidade da região, contra a pátria grande com que sonhou Martin Bolívar para todos os latinoamericanos. Isso atenta contra todos. Pode ocorrer, amanhã, aqui, na Argentina... na Bolívia tentam um golpe de estado, no Equador também.

- Então, como na Operação Condor, é uma ameaça a toda a América Latina?
O golpe no Paraguai é a Condor se revelando. É prova que a Condor está se revelando com outro método. Uma Condor mais moderna, mais suave e mais parlamentar.

- E como o campo progressista pode reagir?
Esta reunião aqui no parlamento brasileiro para tratar da Operação Condor, por exemplo, é de extrema importância. Porque já é possível identificar três fases desta Operação. A primeira, que começou aqui no Brasil, em 1964, com a queda do presidente João Goulart, era uma Condor bilateral: Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-Uruguai. A segunda, em 1975, já era uma Condor multilateral, com um acordo ratificado entre as ditaduras dos cinco países. Agora, a Condor é global. Depois dos eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, se revelou que havia centros clandestinos de tortura americanos até na Europa. Portanto, há uma Condor global. E nós temos que entender o que é a Operação Condor, como ela funciona, quem a dirige... porque quem dirige a Condor é também quem dirige a Organização das Nações Unidas, o Pentágono, a máfia das drogas...

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20528