04.11.2012 - Mídias que se parecem - Claudio Bernabucci (*)
- extraído da revista Carta Capital
A poética imagem do arco-íris no céu de Brasília, imortalizada na primeira página do Globo no dia seguinte à condenação de José Dirceu, não tem representado o pano de fundo desejado pelos conservadores para as recentes eleições administrativas.
Não obstante a instrumentalização eleitoral do “mensalão” e os tons de cruzada utilizados, a direita saiu do pleito redimensionada e a base governista fortalecida.
Isso denota, entre outras coisas, que o eleitor brasileiro tem mais maturidade de quanto apostava a reação justiceira da grande imprensa e que o excesso de agressividade política pode resultar contraproducente no resultado das urnas.
É de se esperar que dinâmica similar possa se verificar daqui a poucos dias no outro hemisfério, na disputa estratégica pela Presidência dos Unidos Unidos.
Nas últimas semanas da campanha que opõe Obama a Romney, aconteceram fatos graves mas pouco divulgados no Brasil: os eleitores americanos sofreram pressões inéditas e autênticas chantagens por parte de poderosos oligarcas, inconformados com a possibilidade de vitória do candidato democrata.
Vale a pena mencionar alguns episódios para dar ideia da violência do combate. Era fato sabido que os Koch, donos de uma das maiores fortunas dos EUA, torciam pela direita mais retrógrada.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjptbEdkMQf1Un1tClBl6OaEYbdTfXuqlLkw3YAGsDV2OLZKSKJlGeP-7IWVBvIflf0pD8Vc1NjvYQWpeSQnedW7JigoiWDq76AxzT0G3Qnqukc0SQ8fD5UxXe-tvQFZlUoPvRAZUidikif/s400/siegel.jpg)
Outro exemplo: David Siguel [sic: 'Siegel', foto] é um bilionário do setor imobiliário da Flórida, já famoso por algumas extravagâncias como a construção da maior mansão do país, chamada com sobriedade de Versailles. Siguel [sic] teve o mérito de ser mais franco com os trabalhadores: declarou em entrevista que em caso de vitória de Obama ele poderia “fechar a empresa e despedir os 7 mil dependentes”.
Enredos do gênero apareceram aos magotes na imprensa americana.
Representam, porém, e apenas a ponta mais radical de uma aliança integrada pela finança e grandes corporações, visceralmente contra Obama, réu de querer lhes impor regras e limites depois da crise iniciada em 2008. Dois enredos talvez tenham marcado a fogo tal coligação antidemocrata.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD8JX46EONWuA-a4fVyU9JZHVfuJOd7TBvRu5IkKhpt1ZT2aKqxJCFyuAG6Ds8CaQ2GwrKjSb1_vHgCH7ajQfyFd8kFdajTh60Ct0Wr_Qv31co9CxDPrbugJsgag1S620BIasA39gHqF4I/s400/dbpix-chase-a1-tmagArticle.jpg)
O segundo, mais recentemente, é constituído pela acusação formal de fraude contra a Bear Stearns, financeira controlada pela JP Morgan, acusada pelo procurador-geral de Nova York de ter enganado os investidores nos escândalos acima citados.
Esse processo é o primeiro fruto importante da task force, iniciativa do governo Obama, que visa indagar a respeito das irregularidades financeiras originárias da crise.
Caso as acusações contra o JP Morgan sejam confirmadas em juízo, elas estabeleceriam uma jurisprudência muito perigosa para todo o sistema financeiro americano. Não por acaso Wall Street virou as costas a Obama, com quem simpatizou na primeira eleição, e agora financia, copiosamente, o adversário Romney. Como resultado dessa situação, a atual campanha é destinada a ser a mais cara da história americana, com orçamento total de aproximadamente 6 bilhões de dólares.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7PrdhKmxnt1-boojBSBM_jhxzDt8hhwYuwOJo48TalFvUyDw47wRuYsMwxkzls-6w6dkDqLKstjCDUN7X4T_y_AISd05wzAXwA1S-xoiLA1-se7f5koWECJ_0_CNZ0HT9TJKkDg9wtFFj/s400/USA-CAMPAIGN_ROMNEY.jpg)
Obama se confirma mais forte nas numerosas doações individuais e em alguns setores industriais de vanguarda, como a eletrônica, mas a desproporção dos meios materiais é brutal. Ao violar o sagrado princípio das oportunidades iguais, em tempos normais essa disparidade seria tomada como ameaça à democracia.
Hoje, no calor do combate, parece não haver espaço para sutilezas.
É certo que, em tais condições, uma vitória de Obama representaria um autêntico milagre: a supremacia da participação dos cidadãos contra o poder do dinheiro. Sobretudo, poderia significar a aplicação de novas regras contra a prepotência da finança e das grandes corporações, além de um primeiro passo para reequilibrar as relações de força entre política e setor econômico-financeiro, de sorte a beneficiar o futuro da nossa civilização.
De regresso às nossas latitudes, é certo que as mudanças encarnadas por Obama são exatamente as que os nossos donos do poder detestam profundamente.
Portanto, é necessária toda a atenção aos maus exemplos americanos, porque, aí sempre nasceu inspiração para as tragédias pátrias.
(*) Claudio Bernabucci, formado em Ciência Política na Universidade La Sapienza, em Roma, é ex-assessor internacional da prefeitura da capital italiana e ex-funcionário da ONU. Interpreta o Brasil, país que escolheu para morar a partir de 2010, aos olhos do mundo.
Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/midias-que-se-parecem/?autor=1347