sábado, 8 de março de 2014

Domitila, uma mulher das minas bolivianas

08/03/2014 - Domitila: 'Se me deixam falar...', o livro, 25 anos depois
- Testemunho de uma mulher das minas bolivianas
- para a professora Moema Viezzer
- Resenha do livro por Christina Iuppen (*) - Rio, março de 2014

Há quase quatro décadas, o mundo se assombrou com uma figura inusitada.

Saindo das minas fumegantes da Bolívia, Domitila Barrios de Chungara sobe à Tribuna Internacional da Mulher, organizada pelas Nações Unidas no Ano Internacional da Mulher (1975), e dali profere o seu 'Se me deixam falar...', que se tornaria um clássico da literatura de resistência latino-americana dos anos 70-80.

Não estava só.

Levava consigo a herança de Juana Azurduy, Manuela Sáenz, Policarpa Salavarrieta, Leona Vicario, Josefa Ortiz, Joana Mora de López, Maria Cornelia Olivares, Simona Manzaneda, Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar e tantas outras heroínas nossas, insuspeita inspiração. 

Não falava por si.

O que eu falei foi somente o que ouvi de meu povo desde o berço (...).

que de melhor aprendi foi dado pelo povo’.

E Domitila falou.

Contou da exploração voraz sobre os mineiros, operários, camponeses.

Da luta interminável das mulheres bolivianas pela sobrevivência, pela dignidade.

Das condições de semi-escravidão em que viviam os trabalhadores bolivianos. 

De seu co-protagonismo com a resistência popular.

Apontou as guerras múltiplas, desde o Chaco, impulsionadas pelas grandes empresas internacionais, nas quais só o povo sempre perdeu.

Priorizou as muitas batalhas político-ideológicas dos trabalhadores contra o capitalismo explorador sobre os combates meramente sexistas que animavam a burguesia de então.

Mostrou sua frustração com os governos pseudo-populares e sua incapacidade crônica de atender as necessidades de mudança para o povo. 

Mostrou ao mundo que a consciência política se forja no seio da própria luta.

E sonhou com o futuro:No futuro, nosso governo terá que ser da nossa origem, terá que ser operário, terá que ser camponês’.

A boliviana baixinha, gordota e determinada assumiu, desde então, um papel de ponta nos caminhos da militância feminina latino-americana.

Colhida por outro dos tantos golpes na Bolívia enquanto ainda nas Nações Unidas, foi obrigada ao exílio com toda a família – marido e sete filhos – na Suécia. 

Nada a deteve.

Do antigo Comitê de Donas de Casa da Siglo XX-Catavi, onde começou sua militância, até a atual Escola Móvel Domitila, onde trabalha na conscientização de jovens e edita o boletim Imilla (**), passando por incontáveis oficinas, palestras e conferências mundo afora, Domitila segue na Bolívia, aos 75 anos, (***) denunciando e combatendo o multifacético imperialismo norte-americano, ‘trazendo a visão de uma política que vem das mulheres, mas que é para toda a humanidade’.

Domitila Barrios de Chungara faz de sua trajetória de vida um exemplo e um alento para todas as mulheres, militantes e consciências livres de Nossa América.

(*) Christina Iuppen atualmente é tradutora, professora de literatura e, por muitos anos, militante da resistência de esquerda latino-americana. 
(**) Palavra quéchua que significa mulher jovem, garota solteira.
(***) Domitila faleceu nesse mesmo ano, em 2012.

Mais uma palavra:
Não é possível ler ou lembrar de 'Se me deixam falar...' sem trazer à memória a Professora Moema Viezzer [1], [foto] uma gaúcha de Caxias, socióloga, educadora e pesquisadora social, formuladora e militante em Educação de Gênero e Meio Ambiente, com contribuições incontáveis à questão consequente da mulher.  

Graças à visão política, combatividade, coragem e perseverança de Moema, as intervenções e lições de Domitila se registram e perpetuam para gerações de mulheres por todo o planeta.

  
Gerações que hoje, especialmente, a saúdam, aplaudem e agradecem.

[1] Moema Viezzer [foto] revolucionou a pesquisa social com seu livro 'Se me deixam falar...' fiel à vida do personagem Domitila Barrios de Chungara, mas contextualizado à historia do continente.

Leituras afins:
- O tratado de educação ambiental na Rio+20 - Zilda Ferreira
- Moema Viezzer faz balanço da RIO+20 - Zilda Ferreira