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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Créditos de carbono x o direito à terra

19/12/2013 - Projetos de carbono no Acre ameaçam direito à terra
- Por Verena Glass (*) - no site da ONG Repórter Brasil

Famílias de seringais nos rios Purus e Valparaíso sofrem restrições no manejo tradicional de agricultura para que latifundiários vendam créditos de carbono

Bacia dos rios Purus e Juruá
Uma das principais bandeiras da luta de Chico Mendes, a consolidação do direito dos seringueiros do Acre a seus territórios, continua sendo uma questão espinhosa 25 anos após a sua morte, completados neste domingo (22/12).

A falta de regularização fundiária de muitos seringais, ainda hoje áreas com alto nível de preservação ambiental, continua motivando sérios conflitos entre fazendeiros e seringueiros, mas também abre caminho para projetos de manejo da floresta que nem sempre beneficiam a população tradicional.

Problemas neste sentido têm sido relatados nos três primeiros projetos privados de crédito de carbono no Acre, propostos no contexto do Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa, aprovado por lei em outubro do ano 2010) e que pretendem promover a preservação florestal e a venda de créditos de carbono através de iniciativas de REDD+ (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal).

Margens preservadas do rio Purus despertaram interesse pela venda de carbono.
Fotos: Verena Glass

São eles os projetos Purus, Valparaiso e Russas, que preveem restrições e até paralisação das atividades tradicionais de cultivo agrícola de famílias de seringueiros e posseiros, para que emissões assim evitadas possam ser vendidas no mercado internacional de créditos de carbono.

O Projeto Purus, idealizado pelo ex-prefeito de Sena Madureira, Normando Sales, e pelo advogado Wanderley Rosa, foi apresentado ao Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) do Estado em junho de 2012.

Abrange cerca de 34,7 mil hectares dos seringais Porto Central e Itatinga, localizados às margens do rio Purus entre os municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano, e onde vivem 18 comunidades de seringueiros, posseiros e pescadores.

Apresentando-se como donos dos seringais, em 2009 Sales e Rosa começaram a procurar os moradores locais – muitos dos quais vivem na área há mais de 40 anos – para discutir o projeto, e no início de 2011 propuseram a 17 famílias que firmassem um acordo [foto] pelo qual deixarão de fazer o manejo tradicional de lavouras (brocagem, a roçagem e queima de mato), caça, retirada de madeira, abertura de picadas e estradas, e qualquer outra ação de interferência na vegetação.

Para monitorar o cumprimento do acordo, seria criado um sistema de fiscalização de infrações e providências quanto à punição dos infratores.

Para viabilizar a parte econômica e técnica do projeto (que encontra-se ainda em fase de registro no IMC), foi acordado um investimento inicial com a empresa CarbonCO, LLC, subsidiária da Carbonfund.org Foundation, localizada em Bethesda, Maryland, EUA.

O inventário do carbono que deixaria de ser liberado sem os manejo tradicional dos seringueiros foi supervisionado pela empresa de consultoria TerraCarbon, LLC, de Illinois/EUA.

E a venda dos créditos de carbono resultantes será feita pela The Carbon Neutral Company, de Londres.

De acordo com os moradores dos seringais, desde o início o projeto causou desconfiança entre a comunidade.

Vários movimentos sociais do Estado, críticos às soluções de Economia Verde propostas para mitigar problemas ambientais a partir da financeirização dos bens naturais, e preocupados com possíveis violações de direitos, também questionaram a iniciativa, o que motivou uma visita da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DHESCA (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) ao Acre entre final de novembro e início de dezembro deste ano, para verificação de eventuais problemas.

Em depoimento aos pesquisadores da relatoria, João (**), produtor de banana e morador do local há mais de 35 anos, relata: “um dia chegou aqui o Normando [Sales, dono do seringal Porto Central], e já começou ameaçando. 

Disse que aqui tudo era terra dele, mas ele nunca apresentou título do Incra. Eles chegaram com um documento para a gente assinar, desse negócio de carbono, e disse que quem assinava podia ficar na terra, quem não assinava tinha que sair”.

Em troca da assinatura, conta o seringueiro, Normando Sales prometeu que traria para a comunidade uma série de benfeitorias, como escola, posto de saúde, casas novas, barco e energia solar.

O documento mencionado (assinado por João, mas não entregue ao fazendeiro) reafirma por diversas vezes que o assinante reconhece a propriedade das terras em nome da empresa Moura e Rosa Investimentos Ltda, criada em 2009 por Normando Rodrigues Sales e Wanderley Cesário Rosa, seus diretores.

Legalmente, a empresa e a área do Projeto Purus pertenceriam a Felipe Moura Sales (filho de Normando) e Paulo Silva Cesário Rosa (filho de Wanderley).

Essa é uma das questões que mais preocupa a comunidade”, explica João, que afirma já ter dado entrada no programa Terra Legal para tentar a regularização de seu lote.

Independente disso, explica a advogada Laura Schwarz, do Centro de Memória das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia, que acompanha o caso, legalmente as famílias teriam direito ao usucapião da área em função do longo período de posse, mas ainda não existe nenhum o processo de regularização em andamento.

Futuro em cheque
No início de 2013, possivelmente por pressões das famílias, um relatório de execução do projeto, elaborado pelo técnico da Carbon.Co, LLC, Brian McFarland, aponta novas regras para o uso da terra.

Além de reconhecer que “existem comunidades assentadas sobre o que eram originalmente terras de propriedade privada”, o documento afirma que, “para resolver este conflito ou disputa Moura e Rosa irá reconhecer voluntariamente qualquer área desmatada e sob uso produtivo de cada família que vive no Seringal Itatinga, parcelas Seringal Porto e Central.

A área mínima a ser intitulado de cada família será de cem hectares, que é o tamanho mínimo que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) diz que uma família no Estado do Acre necessita para uma vida sustentável.

As comunidades que desmataram e colocaram em uso produtivo mais de cem hectares receberão toda a área que foi desmatada. Todas as comunidades – que se unirem voluntariamente o Projeto Purus ou não – serão chamadas à terra que eles têm colocado em uso produtivo. Este processo será facilitado por um grupo independente, incluindo o Ministério Público do Acre”.

De acordo com a advogada Laura Schwarz, no entanto, a questão não se resolve.

Para justificar o Projeto Purus, baseado na hipótese do “desmatamento evitado” para a geração de créditos de carbono, a empresa Moura e Rosa alegou que, como proprietária, poderia converter parte da floresta dos seringais em pastagem (prevendo o corte raso de 20% de sua extensão total para acomodar de 10 a 12 mil cabeças de gado), além de desenvolver atividades madeireiras.

Numa lógica inversa e perversa, explica a advogada, criminaliza-se então o manejo tradicional dos pequenos agricultores, impondo-lhes restrições que justifiquem a venda de carbono (apesar de o próprio governo do Acre ter reconhecido que o uso do fogo é essencial na agricultura familiar de pequeno porte, e sua proibição poderia causar insegurança alimentar), e limita-se definitivamente o desenvolvimento futuro da comunidade através da restrição da área disponível.

Além da agricultura, as famílias também usam as áreas florestadas para caçar, para o extrativismo, retirada de madeira para casas ou construção de canoas.

Isso passaria a ser proibido, bem como o estabelecimento de atividades produtivas das próximas gerações. Como ficariam os filhos dos posseiros se não puderem estabelecer futuramente seus próprios lotes produtivos, com casas e roças?”, questiona.

Roça de banana de familia do Projeto Purus. Impacto do plantio sobre o ambiente tradicionalmente é mínimo

Desmatamento incentivado
Muito similar ao Projeto Purus, os projetos de REDD+ nos seringais Valparaíso e Russas ainda não foram oficializados junto ao governo do Estado, mas já estabeleceram uma série de restrições às suas comunidades.

Localizados em áreas de mata fechada no rio Valparaíso  afluente do Juruá no município de Cruzeiro do Sul, os dois projetos são gerenciados pelo ex-deputado federal e presidente do Partido da República (PR) no Acre, Ilderlei Souza Rodrigues Cordeiro [foto abaixo] (dono da I.S.R.C. Investimentos e Assessoria Ltda) , em parceria com as empresas americanas CarbonCo e Carbon Securities.

De acordo com os moradores das comunidades Valparaíso  Terra Firme de Cima (localizadas na área do Projeto Valparaíso  e Três Bocas (na área do Projeto Russas), apesar de lidarem diretamente com Ilderlei, o dono dos seringais seria o fazendeiro Manoel Batista Lopes, envolvido em sérios conflitos com os seringueiros na década de 1990.

A situação dos trabalhadores, segundo relatório feito  na época pelos procuradores do Trabalho Victor Hugo Laitano e João Batista Soares Filho era análoga à de escravos, conforme detalhado na pesquisa Trabalho compulsório, poder e transgressão no rio Valparaíso – Alto Juruá – Amazônia brasileira - 1980-90″.

Pelo que sabemos, o Ilderlei arrendou essas terras do Manoel pra fazer esse projeto de carbono. Ou comprou, não sabemos direito”, explica José (**), da comunidade Valparaíso.

Desde os anos 1980, estamos lutando pela titulação das terras, queremos a criação de uma Reserva Extrativista (Resex), mas eles vieram e falaram que resex não é um bom negócio pra nós. Já teve muito conflito aqui por causa disso”.

Produtores de farinha de mandioca, principal fonte de renda das comunidades, os seringueiros explicam que o processo de implantação do projeto de carbono nunca foi explicado direito.

Chamavam uma família aqui, umas cinco ali, nunca todo mundo junto, e falaram que ia ter projeto quer a gente queira, quer não.

Falaram que a gente vai ser proibido de brocar e botar fogo, e que em troca iam dar de colher a geladeira. E cursos. Falaram que iam dar máquinas, mas aqui, pra chegar, só se for de helicóptero.

Mas até agora não veio nada, só as placas (dos projetos) [foto acima: Projeto Valparaíso na comunidade Terra Firme de Cima]. Eles inclusive tomaram a madeira que a gente tinha cortado pra nossa igrejinha, pra fazer as placas.

Hoje temos placa do projeto, mas a igreja continua sem paredes”, [foto abaixo] afirma João.

Foto: Reunião na igreja da comunidade Valparaíso  cuja madeira foi confiscada para fazer placas do projeto

Moradora da comunidade Terra Firme de Cima, dona Rosa (**), 68 anos, confirma que o desconhecimento dos detalhes do projeto é geral.

O Ilderlei passou de casa em casa com um documento e fez a gente assinar, muitos nem sabem ler, ninguém sabe o que assinou.

Disse que a gente nunca mais ia poder botar fogo nas roças, mas que ele ia dar mucuna (semente de adubação verde) pra gente, que a gente ia produzir o dobro. Mas ninguém nem sabe o que é mucuna. E das outras coisas que ele disse que ia dar, não deu nada”.

De acordo com outro morador, Ilderlei teria dito que a proibição da brocagem e do fogo começaria em 2014.

Aí ele falou pra gente desmatar bastante esse ano, quem brocava dois hectares devia brocar quatro, mas que não era pra contar pra ninguém. E que ano que vem estaria tudo proibido”.

Em Três Bocas [foto], os moradores, preocupados com a sobrevivência das próximas gerações, confirmam o incentivo “secreto” ao desmatamento, mas acrescentam que houve também uma promessa de que as áreas de uso poderiam eventualmente ser tituladas para as famílias.

Mas a gente acha que quem titula terra é o governo. Se temos o direito à terra, não precisa ter promessa de fazendeiro dizendo que vai fazer, porque até agora tudo que prometeu não cumpriu. Faz quase um ano que o Ilderlei não aparece aqui”, afirma um morador.

Questionados se a comunidade foi suficientemente informada sobre o projeto, outro morador conta que certa vez estava andando com um “gringo” no mato e, quando quebrou um galho, “o gringo ficou todo ouriçado, disse que isso era crime. E carbono é que nem caviar, a gente ouviu dizer que existe, mas nunca viu. Alguém lá fora vai ganhar dinheiro porque nós vamos deixar de fazer roças para alimentar nossas famílias? Isto não me parece justo”.

Apesar de várias tentativas, a reportagem não conseguiu falar com representantes do IMC e do Incra sobre os projetos.

Já a relatora da Plataforma Dhesca, Cristiane Faustino [foto], que se reuniu com diversos órgãos do governo estadual e federal após as visitas de campo em dezembro, explicou que o Incra apontou que, de início, não acompanha os projetos de REDD e tem pouca intervenção na regularização fundiária das áreas envolvidas.

Quanto ao IMC, a informação coletada pela Relatoria é que os Projeto Purus e Valparaíso/Russas não foram ainda aprovados pelo órgão, que requereu informações adicionais sobre os mesmos.

“Do ponto de vista dos direitos humanos, é preciso fazer uma avaliação aprofundada sobre os riscos que os projetos de REDD impõem as comunidades, especialmente devido às desigualdades econômicas e políticas que permeiam suas ações.

A segurança  dos territórios para os posseiros e as comunidades tradicionais é a primeira condição para que seus direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais sejam garantidos.

Isso deve ser política básica para enfrentar as injustiças e riscos sociais e ambientais, e não devem estar submetidas à lógica do mercado, que tem outros interesses e linguagens", explica Cristiane.

(*) A jornalista Verena Glass esteve na região acompanhando missão da Plataforma Dhesca 
(**) Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos comunitários

Leia também:
- 25 anos sem Chico Mendes e a realidade dos trabalhadores de Xapuri - Dercy Teles de Carvalho Cunha
- 25 anos depois, Chico Mendes vive mais indignado com o capitalismo verde - Elder Andrade de Paula
- Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida - Zilda Ferreira
- O negócio europeu das emissões perversas (I) - Daan Bawens
- O negócio europeu das emissões perversas (II) - Daan Bawens

Fonte:
http://reporterbrasil.org.br/2013/12/projetos-de-carbono-no-acre-ameacam-direito-a-terra/

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Marina, quatro anos depois

Por Saul Leblon - Carta Maior


Há quatro anos, no dia 19 de agosto de 2009, Marina Silva deixou o PT.

É cedo ainda, do ponto de vista de tempo histórico, para sentenças definitivas.

Por ora, cabe dizer, como já disse uma vez Carta Maior, que a agenda ambiental do PT não ganhou com a saída de Marina Silva.

E Marina ainda precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.

Neste domingo, Marina concedeu entrevista à Folha.

Entrevista magra, possivelmente descarnada pela edição do jornal.
Mas generosa o suficiente para ressaltar seu time de economistas.

Entre os quais avultam medalhões neoliberais, como Eduardo Giannetti da Fonseca, do conservador Insper, e André Lara Resende, formulador tucano do Plano Real, que hoje se dedica a buscar uma ponte entre o arrocho ortodoxo e a agenda verde do não crescimento.

Na edição da 2ª feira, nada menos que dois colunistas do diário da família Frias cobriram de elogios a presidenciável que mais cresceu com os protestos de junho.

Aspas para trechos das colunas de Vinicius Mota e Valdo Cruz, desta 2ª feira:

“Marina Silva deu mostras de ter amadurecido na entrevista publicada ontem nesta Folha. O discurso da ordem não se restringiu à crítica dos protestos violentos (...) Na eleição de 2010, Marina já acenava à chamada ortodoxia econômica, no meio de um palavreado confuso e contraditório. Parece que a fase de dúvidas passou. Sem entrar no mérito da convicção da ex-ministra, há boas razões práticas para abraçar a causa (liberal)”. (VM)

“Por mais que o petismo diga que Marina Silva não mete medo, a candidata verde passou a preocupar, sim, os responsáveis pela missão de reconduzir Dilma Rousseff a um segundo mandato. Seus recentes movimentos na direção de economistas como André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, deixaram desconfiados estrategistas da dona do Planalto”. (VC)

A inflexão saudada pelo entusiasmo conservador reflete a dificuldade histórica de uma agenda ‘neutra’ sobreviver na luta política, mesmo sendo ela a versátil bandeira verde.

Que agrega desde rótulos espertos de detergentes de limpeza, a militantes sinceros da resistência à destruição da natureza.

Carta Maior não menospreza a gravidade da questão ambiental submetida à hegemonia predatória e imediatista dos mercados desregulados.

Mas tem insistido em que o ambientalismo precisa decidir se quer ser um rótulo, uma tecnologia ou cerrar fileiras na luta por uma nova sociedade.

Quer ser um guia de boas maneiras para o engodo do 'capitalismo sustentável'? Ou um projeto alternativo à lógica desenfreada da exploração da natureza e do trabalho?

A 'Rede' de Marina nasceu como um flerte com a trama evanescente da 'terceira via’.
Nem de esquerda, nem de direita. Nem situação, nem oposição.

Há um tipo de neutralidade que só enxerga os erros da esquerda.

E costuma rejuvenescer o cardápio da direita, sempre que esta se ressente de atrativos para retomar a disputa pelo poder.

Não será propriamente inédito se vier a ocorrer de novo.

A bandeira do 'não crescimento' evolui nessa direção.

Não por acaso, é empunhada agora por Lara Resende – cuja fortuna pós-Real, a exemplo da de outros sábios banqueiros do PSDB, permite-lhe dedicar-se a cavalos de corrida e a divagações antidesenvolvimentistas.

Elide-se nessa poeira de sofisticação a essência predatória do sistema de produção de mercadorias.

Não crescimento em si é o que estamos assistindo há cinco anos, na maior crise do capitalismo desde 1929.

Nada na experiência histórica sugere que a qualidade da vida no planeta melhora quando o sistema congela, a ponto de dispensar o ecoliberalismo de responder a perguntas como: não crescimento para quem, como e a que custo?

Em vez de respostas, o que subsiste à passagem do tropel modernoso é a pertinência das perguntas históricas dirigidas às velhas utopias centristas.

Quem decidirá o quê e quanto a sociedade vai produzir, ou deixar de produzir?

Que tipo de Estado é necessário para viabilizar o planejamento de uma suficiência bem distribuída?

Quais critérios definirão o rateio sustentável dos recursos entre nações e dentro de cada nação?

Como serão superadas as desigualdades históricas acumuladas até o presente?

São perguntas quase rudimentares.

Mas suficientes para evidenciar que a tese do não crescimento responde aos desequilíbrios sociais e ambientais, tanto quanto a panaceia do crescimento é sinônimo de justiça social.

E que as duas protagonizam fugas da questão essencial do nosso tempo.

A democracia.

Quem e como se fará o controle de um Estado capaz, aí sim, de ordenar a sociedade e a produção num rumo sustentável?

Distinguir entre 'consumismo' e sociedade justa e extrair consequências práticas disso é mais que obrigação do ambientalismo consequente.

E da esquerda autêntica também.

Nunca é demais reiterar aquilo que desespera o conservadorismo: a década de governos do PT tirou 50 milhões de brasileiros da miséria.

Isso mudou a ossatura política do país.

Talvez de forma irreversível, no que diz respeito à plasticidade da produção e da demanda.

Mas esse novo protagonista, como fica cada vez mais evidente, ainda é um personagem inconcluso da nossa história.

Sua identidade política está em disputa na luta impiedosa dos dias que correm.

É disso que se trata quando se busca sofregamente eviscerar em praça pública o PT e suas principais lideranças.

Não o PT, o aparelho: mas o risco de a sua criação histórica evoluir a ponto de arrastar o próprio criador.

O caricato Joaquim Barbosa é a bigorna estridente encarregada de dar suporte às marretadas dos que sabem exatamente o risco que representa essa mutação.

O conjunto explica a ‘dosimetria’ hipócrita da mídia.

Ou será que a destinação de espaço --e a contundência— na cobertura do suposto mensalão, pode ser comparada ao empenho editorial e investigativo destinado agora ao escândalo do metrô tucano?.

Colunistas da indignação seletiva, súbito, recolhem-se como roedores às tocas da conveniência.

Mas, e Marina e sua Rede, que papel cumprem ao fazer vista grossa desse divisor escancarado da disputa política atual?

Não há na pergunta a intenção de ofender, mas a exortação a refletir.

A arguição de fundo indaga o que o projeto da Rede entende por sociedade sustentável e justa.

Não se avoque condescendência com quem está começando.

Marina, mais que ninguém conhece os antecedentes dessa história.

Nos anos 70, Chico Mendes (1944-1988), associado às pastorais da terra, vinculou então, pioneiramente, a defesa da floresta à luta contra a miséria e a opressão.

Rompeu-se ali uma tradição preservacionista europeia, branca, elitista e excludente.

No limite, ela preconizava o ostracismo de populações pobres para salvar paisagens.

A ecologia do não-crescimento tem suas raízes aí.

Desde o estirão percorrido por Chico Mendes, o aprofundamento estratégico da interação entre desenvolvimento, justiça social e sociedade sustentável ficou a dever dentro do PT.

Mas em que mesmo avança Marina Silva, quatro anos depois da ruptura com o partido?

Pode-se chamar de ‘amadurecimento’, como o faz a Folha, o ensaio de adesão a um neoliberalismo, cujo empenho específico em evitar que a humanidade seja jogada a um ponto de não retorno no século 21, foi empurrá-la à maior crise do capitalismo desde 1929?

Nada justifica que o tema ambiental continue engavetado na prateleira dos desafios remotos da esquerda.

O colapso financeiro e a multiplicação de eventos climáticos extremos evidenciam a exaustão econômica, social e civilizacional de uma época.

Mas há uma determinação clara do conjunto.

A supremacia do capital financeiro, elidida, astutamente, nas reflexões dos banqueiros do não-crescimento.

É ela que condiciona o cálculo econômico do nosso tempo, com a ganância intrínseca a uma lógica dissociada de compromisso com o mundo real.

Taxas de retorno incompatíveis com a exploração sustentável dos recursos naturais – de ciclo mais lento e mais longo – tornaram-se o paradigma de um regime global de extorsão de lucros.

A voragem do capital fictício encontra na ganância dos acionistas um roteador à altura.

Seu padrão de retorno torna incompatível o convívio entre produção e direitos sociais.

Entre a exploração de matérias-primas e a regeneração dos sistemas naturais.

O conjunto sugere que a dissociação entre socialismo democrático e ambientalismo consequente configura-se uma contradição nos seus próprios termos.

A atrofia de um desarma e derrota o outro.

Significa também que a assimilação da agenda ambiental pelo neoliberalismo , antes de configurar uma alternativa ao teor destrutivo do capital nos dias que correm, reforça o sopro da barbárie que já respira entre nós.

Quatro anos depois, Marina oscila à beira desse precipício, enquanto o jornalismo isento grita: 'Pula! Pula! Pula!

A ver.

Fonte Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1303

Leia também:
http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/11/ja-temos-resposta-senadora-marina.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/07/marina-silva-e-lobo-em-pele-de-cordeiro.html

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Manifesto Marineiros com Dilma para um #Brasil13 sustentável

Dos websites Dilma13 e #Dilmanarede
Num ato político que reuniu militantes e líderes do Partido Verde (PV), a candidata Dilma Rousseff lançou ontem os 13 Compromissos com a Política Ambiental, que vai combinar sustentabilidade com desenvolvimento econômico. Para Dilma Rousseff, não há crescimento econômico que justifique a destruição dos recursos naturais.

“Isso vale para todas as nossas políticas públicas. Não queremos mais que este país se desenvolva a custa da sua gente e da sua natureza”, afirmou Dilma, destacando o compromisso com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. “A redução do desmatamento é pré-condição para a sustentabilidade da Amazônia. Por isso, teremos tolerância zero com o desmatador. Não fizemos tudo, mas podemos dizer que avançamos.”

O programa de governo estabelece ainda a consolidação da atuação brasileira na política ambiental global, que assumiu o que Dilma chamou de “posição de vanguarda” na Conferência do Clima, em Copenhague: a redução entre 36% e 39% da emissão de gases que provocam o aquecimento global e em 80% o desmatamento da Amazônia.

“Não faço leilão para ganhar apoio. Assumo compromissos e cumpro”, ressaltou a candidata, levantando a plateia.

Avanços
Entre os avanços conquistados pelo Governo Lula na construção de um novo padrão de desenvolvimento sustentável está, além da redução do desmatamento da Amazônia, o aumento das Unidades de Conservação.

Em oito anos, foram destinados 26,8 milhões de hectares para novas unidades, o que corresponde a 75% das áreas de conservação da biodiversidade criadas no mundo após 2003. Já o desmatamento da Amazônia foi reduzido para menos de 7,5 mil km² em 2009, resultado das ações de fiscalização, apoio à produção sustentável e regularização fundiária.

Filha do líder da causa ambiental Chico Mendes, Ângela Mendes fez um discurso enfático em defesa do apoio à candidatura de Dilma à presidência. Segundo ela, a coerência a levou a votar em Marina Silva (PV) no primeiro turno e a escolher Dilma no segundo turno das eleições.

“A minha coerência me trouxe até aqui. O presidente Lula tem uma relação muito bonita com o nosso estado (Acre) e a luta de Chico Mendes e de todos os companheiros que tombaram pela causa ambiental”, disse a filha do líder seringueiro, assassinado em 1988, um crime ainda sem punição.

Para Dilma, Chico Mendes foi um guerreiro. “Chico Mendes é, sem sombra de dúvida, um líder político, um líder ambiental, um líder brasileiro que honra as lutas populares do nosso país.”

Partido Verde
Segundo Dilma, “foi muito importante o evento que fizemos hoje (ontem) porque tivemos apoio de um segmento do PV. Essa questão do meio ambiente é muito importante para nós. Tem três pontos que têm que se combinar: crescimento econômico, crescimento social e sustentabilidade. Para nós o principal não é o crescimento da economia e sim o crescimento das pessoas, como essas pessoas melhoram de vida”.

Dilma lembrou também que faz parte do cuidado com o meio ambiente o tratamento do esgoto e dos resíduos sólidos e isso também faz parte dos seus compromissos com os prefeitos.

Manifesto dos Marineiros com Dilma
Durante o ato público ambientalistas, integrantes do Partido Verde e apoiadores de Marina Silva entregaram a Dilma Rousseff o “Manifesto Marineiros com Dilma”.

No documento eles apontam que "a resposta oferecida por Dilma ao documento enviado por Marina às duas candidaturas que disputam o segundo turno foi a que mais se aproximou das nossas propostas, o que nutre expectativas de que Dilma poderá incorporar em seu governo vários dos compromissos da agenda socioambiental que defendemos". Por isso estão com Dilma no dia 31 de outubro.

MARINEIROS COM DILMA

Estivemos com Marina Silva no primeiro turno, porque buscamos uma alternativa política para o Brasil capaz de afirmar uma conduta pública marcada pela ética na política, em favor de uma política econômica que supere definitivamente a miséria e a concentração de renda e que redirecione o próprio modelo social com base na sustentabilidade. Nos orgulhamos de uma campanha que ofereceu uma contribuição efetiva ao País e que, mesmo com um tempo mínimo de propaganda eleitoral no rádio e na TV, conseguiu enfrentar as máquinas eleitorais montadas com o apoio do Estado, dos partidos tradicionais e do grande capital.

A votação recebida por Marina Silva expressa, basicamente, um claro sinal de que parcelas expressivas da população não toleram mais o jogo de cena, as alianças sem programa, os acordos que visam apenas a repartição do poder, a corrupção endêmica que abala as instituições, o oportunismo eleitoral e a demagogia que amesquinham a própria política. Os quase 20 milhões de votos que alcançamos sinalizam, ainda, que o Brasil precisa de uma agenda socioambiental séria e que este tema, antes circunscrito a pequenos grupos de ativistas ambientais e à intelectualidade, já possui apelo popular entre nós.

Por conta de tudo aquilo que a candidatura de Marina Silva representou, vivemos a generosa experiência da militância de centenas de milhares de apoiadores em uma campanha que nos ofereceu de volta o espaço da paixão pelas ideias, ao invés da promessa de cargos ou de qualquer expectativa de benefício pessoal. Talvez por conta disso, enfrentamos o sectarismo de muitos que se julgam o “sal da terra” e mesmo Marina – que jamais agrediu ou desrespeitou seus adversários – foi tratada primeiro com desprezo, depois com a costumeira intolerância que acompanha a trajetória da antiga esquerda como uma sombra.

Ao mesmo tempo, é preciso afirmar um caminho que aponte para um futuro de mais inclusão social e de maior sensibilidade com a realidade dos milhões de brasileiros que seguem à margem da própria cidadania. Entendemos que um eventual governo da coligação PSDB-DEM afastaria o Brasil destes grandes desafios, privilegiando os compromissos do “Estado Mínimo” e o discurso repressivo do tipo “Lei e Ordem”. Por isso, a opção representada por Dilma nos parece a mais adequada para impedir um retrocesso histórico cuja conta será paga pelos mais pobres. No mais, a resposta oferecida por Dilma ao documento enviado por Marina às duas candidaturas que disputam o segundo turno foi a que mais se aproximou das nossas propostas, o que nutre expectativas de que Dilma poderá incorporar em seu governo vários dos compromissos da agenda socioambiental que defendemos. Com base nesta avaliação, conclamamos todos os que apoiaram Marina a uma participação ativa nesta reta final da campanha em favor da candidata Dilma Rousseff.

Confira aqui quem assina o Manifesto.



Leia ainda:
Marina Silva diz que PT acolheu mais propostas do PV