Pesquisadores defendem que o projeto não passa de “maquiagem urbana” para a recepção de turistas e comitivas governamentais e empresariais na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos.
Agência Notisa – Pouco  mais de um ano após a construção do muro que separa o Complexo de Favelas da  Maré das  Linhas Vermelha e Amarela, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e  Espaços Populares (Nepef) das Redes de Desenvolvimento da Maré  realizou uma pesquisa para saber a opinião dos moradores da comunidade e dos  usuários das vias expressas sobre esse projeto. O estudo foi realizado em  parceria com o Observatório de Favelas e a ONG ActionAid.  O relatório final da pesquisa ainda não está pronto, mas alguns resultados foram  apresentados durante o seminário “A cidade dos e para os  megaeventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”, ocorrido  sexta-feira passada (30), no Complexo de Favelas da Maré (RJ).
Segundo  Marcelo Matheus de Medeiros, um dos coordenadores da pesquisa “Os muros do  invisível”, os argumentos do governo para a construção da barreira foram:  proteção dos usuários das vias contra tiros vindos das comunidades; barreira  acústica; aumento da sensação de segurança; melhoramento estético da paisagem e  impedir moradores nas vias, evitando atropelamentos.
Para  o pesquisador, o tempo mostrou que esses argumentos não se sustentam. “Os pressupostos colocados para a  construção do muro caem por terra porque o muro não é blindado, não impede o  trânsito de pessoas nem de animais nas vias e não tem nenhum efeito de beleza. O  que resta como justificativa plausível se chama ‘maquiagem urbana’”, afirmou  Marcelo.
“O  poder público alega que é uma barreira acústica construída em benefício da  população e da segurança de todos, mas sabemos que é uma intervenção estética  para ‘maquiar a cidade’ e esconder a favela da vista de quem passa pela  Linha Vermelha, uma das vias mais movimentadas da cidade e acesso ao  Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), por onde passarão as comitivas  dos países que participarão dos megaeventos. Além disso, existem outros  fatores que estão sendo deixados de lado, como a transparência dos gastos  públicos e a participação da população”, acrescentou Renata Neder,  coordenadora de projetos da ONG ActionAid.
O estudo revelou que a maioria dos  moradores da Maré (73%) é contra o projeto. Para os pesquisadores, o muro foi  construído para esconder e isolar ainda mais a comunidade do restante da cidade,  não tendo sido, portanto, idealizado para beneficiar essa população, mas sim os  usuários das vias. Eles também entendem que a forma como o processo se deu não  foi adequada. “Os moradores esperavam e ainda querem o diálogo”, disse  Marcelo.Contudo,  alguns moradores acabaram aprovando sua construção, principalmente os que moram  na beira da pista. Segundo esses moradores, a barreira diminuiu a poeira e o  barulho vindos das vias, os protegem de gestos obscenos e de objetos jogados em  suas casas por pessoas que circulam nas vias, e traz mais privacidade, porque em  engarrafamentos, os motoristas ficam olhando para dentro de suas  casas.
Segundo  os organizadores da pesquisa, esses dados trazem à tona uma reflexão: “Os  usuários das vias são alvo da comunidade ou a comunidade é alvo dos  usuários?”.
Jorge  Barbosa, professor de geografia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador  do Observatório de Favelas, afirmou que o estudo mostra as contradições de uma  política que não prega pela cidadania, ao contrário, “esconde e separa parte da  sociedade e entende que a favela não é modelo de cidade e, portanto, deve  acabar”.
“Nós  defendemos as favelas. Não achamos que elas devam acabar. Mas defender a favela  não significa defender a carência, a precariedade. Defender a favela é defender  que seus moradores tenham dignidade. Precisamos superar a ideia de que a favela  precisa ser integrada à cidade. Pelo contrário, a cidade que precisa ser  integrada à favela, ou seja, todos os direitos que estão presentes na cidade têm  que estar presentes na favela”, destacou o pesquisador.
 Agência Notisa (science journalism – jornalismo  científico)