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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Paz nas Escolas




Cristovam Buarque*

O assassinato brutal de 12 crianças em uma escola em Realengo não
afetará o PIB de 2011. Por isso, corremos o risco de um fato tão grave
ser esquecido dentro de pouco tempo, como aconteceu com o assassinato
de seis crianças em Luziânia, Goiás, em 2010. Isso porque ainda
estamos presos à economia e ao imediatismo. Quando ocorre um crime
como o de Realengo, a busca pela segurança prevalece sobre a ideia da
paz. Desde essa tragédia, surgiram várias propostas para evitar a
violência nas escolas: muros, detectores de metal. Mas não são solução
para formar as futuras gerações que governarão o País. Mesmo para
garantir a segurança imediata é preciso ter a perspectiva da paz, no
médio e longo prazo. E para isso, devemos entender melhor o problema
da violência nas escolas.

A sociedade brasileira é violenta, e é difícil imaginar uma escola em
paz cercada pelo tráfico, pelo assassinato de crianças, por lares
violentos. Existe ainda a violência da miséria convivendo com a
riqueza, ainda mais em uma sociedade permissiva e que não pune a
violência que se espalha diariamente.

É preciso lembrar que nos últimos cinco anos foram assassinadas mais
de 10 mil crianças, que muitos outros milhares morreram por falta de
cuidados. E que há uma violência aceita com naturalidade: o vandalismo
na escola, das cadeiras quebradas, dos prédios degradados por atos de
alunos ou pela omissão de governantes; o desrespeito ao professor; o
bullying generalizado. A construção da paz depende de uma mudança
cultural, mas também de leis que estimulem o respeito pela escola e a
punição de todos os crimes: dos assassinos em massa aos vândalos.

Um dos passos é criar no MEC um setor educacional dedicado à
segurança, sob a ótica da paz. Para construir um pacto dentro da sala
de aula, envolvendo professores, alunos, pais e servidores, e proteger
os arredores da escola, usando a capacidade e a competência dos
policiais. A escola passa a ser pacífica por dentro, e protegida de
forma invisível por fora. Projeto nesse sentido está no Senado desde
2008, é o PLS 191.

Isso não basta, pois a violência não existe apenas na escola, afeta
milhões de crianças que não têm um setor público federal que tome
conta delas: uma Agência (Secretaria Presidencial) Nacional de
Proteção à Criança e ao Adolescente. Como já existem para jovens,
afro-descendentes, mulheres, índios. Um Projeto de Lei nesse sentido
foi apresentado ao Senado há quase seis anos. Cinco dias depois da
tragédia de Realengo, a Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados
mandou arquivar, porque ele envolvia algum custo. Foi aprovada a
criação de um ministério para cuidar das pequenas e médias empresas,
mas falta dinheiro para cuidar dos pequenos e médios brasileiros.

Também está tramitando no Senado o PLS 518/2009, que propõe concentrar
a ação do MEC na educação de base. Nem é preciso criar um novo
ministério, as universidades podem ser bem cuidadas pelo Ministério de
Ciência e Tecnologia.

Ajudaria a trazer paz às escolas o PLS 480/2007, pelo qual seria falta
de decoro um político eleito proteger seus filhos em escolas privadas,
abandonando as públicas para os filhos dos seus eleitores. Esse também
está engavetado na Comissão de Constituição e Justiça.

Cabe lembrar que a paz na escola só virá se tivermos escolas com
qualidade. Só temos um caminho: criar uma carreira nacional do
magistério básico e um programa federal de qualidade escolar em
horário integral. Projeto para ambos tramita no Senado desde 2008.

Finalmente, é preciso implantar o cartão federal de acompanhamento de
toda criança, desde o nascimento, ou mesmo antes, desde a gestação,
como o MEC iniciou os estudos em 2003.

Depois de assistirmos a tantas mortes, de sabermos que nossas escolas
são depredadas e violentadas diariamente, esperemos que a
monstruosidade cometida em Realengo desperte a população para a
importância de ir além da segurança e construir a paz de que todas as
escolas precisam.

Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF

__._,_.___
|Fonte O Globo

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Chuvas, chamas e luz


*Cristovam Buarque

As dores não têm escala de medição. Mas algumas são mais profundas, outras mais extensas.

Nada pode ser comparado em profundidade à dor de recuperar o corpo sem vida de um filho soterrado. A extensão desta dor se amplia quando o número de mortos chega a centenas de corpos em uma mesma cidade, como vimos nestas últimas semanas na região montanhosa do Rio de Janeiro.

É de outra escala, mas também forte, a dor daqueles que, nestes últimos dias, viram seus sonhos de alegria incinerados pelas chamas.

Muito diferente é a dor, sem choros, mas extensa socialmente, daqueles que percebem a tragédia, nestes mesmos dias, da volta às aulas nas escolas do Brasil. As crianças voltam até com alegria pelo reencontro
de amigos, pela algazarra da convivência. Mas, olhando com mais cuidado, percebe-se que neste imenso movimento de quase 53 milhões de alunos, outros 50 milhões de pais, dois milhões de professores, em
cerca de 200 mil escolas, há um processo de soterramento e de incineração do futuro.

Ao longo da nossa história, nossas crianças têm sido matriculadas em escolas defasadas das exigências educacionais necessárias para o século XXI. Em conseqüência deste passado, apesar de esforços recentes, em pleno século XXI, cerca de 3% do total de nossas crianças não ingressarão na escola este ano. Parece pouco e muitos comemoram a diinuição desta exclusão em relação às últimas duas décadas, mas esquecem que esta pequena percentagem significa cerca de dois milhões de crianças.

Dos que se matricularão e voltarão à escola nesta semana, a maior parte ainda não a freqüentará todos os dias ou não assistirá todas as aulas, ou não permanecerá na escola todos os anos da infância e da adolescência.

Dentre os que superarem todas estas falhas, poucos adquirirão o conhecimento necessário para enfrentar os desafios do futuro. Não aprenderão a deslumbrar-se com a beleza das artes, não adquirirão a capacidade de indignar-se com as injustiças, nem o compromisso delutar por um Brasil melhor; nem a sensibilidade cidadã para uma convivência social mais respeitosa e democrática; nem o conhecimento científico necessário para a construção de uma sociedade mais eficiente, sintonizada com a modernidade do mundo.

Nas atuais condições, não mais de 20% terminarão um ensino médio de qualidade satisfatória. O que agrava ainda mais a situação é o fato de que o conhecimento se distribuirá de forma desigual, fazendo da escola o berço da desigualdade, no lugar da escada para a igualdade.

A continuidade deste passado histórico representará uma forma de soterramento do saber, de incineração de cérebros. Hoje não sentimos a dor desta perda, porque banalizamos e nos acostumamos com a tragédia
que acontece de forma indolor, sem chuvas, sem chamas, sem choros.

Mas amanhã, se continuarmos no ritmo do passado, estaremos amarrados a viver em um país com todas as conseqüências do descaso com a educação; com desigualdade, violência, pobreza, uma economia atrasada, mesmo que potente, e até insegurança nas encostas dos morros e nos barracões das escolas de samba.

Com sua repetição secular, a tragédia da deseducação deixa de ser sentida, perdemos consciência dela. Mas quem mergulha no futuro com sentimento patriótico, olhando o que ocorre ao redor, no mundo por vir, sente que falta fazer hoje uma revolução na educação, para assim, construirmos o amanhã.

Para os que têm esta consciência, a dor histórica não tem a profundidade da perda de entes queridos, mas é grande pela extensão de suas conseqüências: o risco da Nação ter seu futuro comprometido.

Felizmente, desperta no Brasil a dor e o sentimento com este risco. Diversas organizações lutam pela necessidade de mudanças na educação. Mas, sobretudo, a fala da presidenta Dilma em seu primeiro
pronunciamento em cadeia nacional traz esperança.

Pela primeira vez em nossa história, um governante nacional escolhe esta data e este tema para falar à Nação, ao invés de outros temas considerados mais importantes. Sobretudo, pela primeira vez ouve-se de
um Chefe de Estado a idéia de que "País rico é país sem pobreza", e o caminho para esse progresso é a educação.

Como a presidenta solicitou, cabe a nós alertarmos, sugerirmos, apoiarmos e cobrarmos tudo que é preciso fazer para realizar a Revolução na Educação que o Brasil precisa e pode fazer. A presidenta mostrou uma luz. Compromete-se com ações e convoca o país, cada cidadã e cidadão a cumprir sua parte na luta por uma revolução na Educação.

* É Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF