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sábado, 28 de setembro de 2013

... e se fosse a Rússia...?

26/09/2013 - E se fosse a Rússia (ou o Irã) quem espionasse o Brasil?
- Por Washington Araújo (*)
- em seu blog Cidadão do Mundo

Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações”. (Dilma Rousseff , abrindo a 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas [foto], em 24/9/2013).

Dois pesos e duas medidas’ - expressão geralmente usada para denunciar injustiça patente, evidente, clamorosa -, é máxima recorrente para identificar julgamento parcial, faccioso, eivado de segundas e terceiras intenções, quando o bem maior a ser protegido passa a ser o interesse particular em detrimento ao interesse coletivo.

Mas, nos dias atuais, a expressão cai como luva para certo tipo de jornalismo.

O jornalismo que manda às favas a busca da verdade; que tem partido, ideologia, interesses econômico-financeiros.

O jornalismo que abdica de sua função de bem informar, de ouvir o outro lado, de conferir as fontes e as informações, de distinguir entre fatos e versões, entre evidências e meras suposições.

É o jornalismo que prefere encampar como recurso procedimental a teoria do domínio do fato. Teoria em que as intenções pesam mais que as ações realizadas, verificáveis, constatáveis. Em grande medida, o jornalismo brasileiro nos dias que correm.

Façamos breve exercício mental sobre o enfoque jornalístico de temas muito atuais que vez por outra tomam de assalto as capas das revistas semanais, as capas dos jornais diários, a escalada dos telejornais mais tradicionais e de maior audiência aferível:

A espionagem orquestrada e executada pelo governo dos Estados Unidos em solo brasileiro e tendo como alvos nada menos que a Presidenta da República e a sua mais importante empresa, a Petrobrás isto para circunscrevermos apenas dois dos mais vistosos e importantes alvos, seria razoável supor que muitas outras autoridades, personalidades estão sendo alvos de espionagem de Washington.

Não estaria sendo espionando o Ministério da Defesa?
Vejamos, é ele que coordena a megalicitação para aquisição de 36 caças para reequipar a Força Aérea brasileira, negócio exuberante que ultrapassa os US$ 15 bilhões e, com um detalhe, concorrendo com a Boeing, dos Estados Unidos, encontram-se o Rafale, da França e o Gripen NG, da sueca Saab. Outro detalhe, a concorrência se arrasta já há mais de uma década.

Não estaria sendo espionado o Ministério das Minas e Energia?
Vejamos, é ele que coordena, estuda e discute políticas de governo para a extração do petróleo no pré-sal, significando, para especialistas em energia, um novo ‘Eldorado’ mundial fornecedor de petróleo. Seria deixado de fora da bisbilhotice norte-americana?

Não estaria sendo espionado o Ministério da Agricultura?
Vejamos, o Brasil está há muitos anos à frente da moderna pesquisa agropecuária e sua principal estrela na área é a Embrapa, ganhadora de diversos prêmios do setor, seja no campo da pesquisa pura de sementes e defensores agrícolas, seja no aspecto inovação, todos atuando na otimização de crescentes safras agrícolas.

Não estariam espionando o Ministério das Relações Exteriores?
Vejamos, o Brasil, à custa de muito esforço e perseverança, conseguiu por de pé o seu bloco econômico e político de integração continental – o Mercosul, e, ademais, firmou sua liderança em organismos multilaterais como o G-20, o BRICs, tendo atuação de destaque tanto nos Fóruns Mundiais Sociais (por sinal, criado no Brasil) quanto no Fórum de Davos, na Suíça; iniciou parcerias estratégicas com a China (que já suplantou os EUA como maior parceiro comercial do país) e com os vizinhos Bolívia, Argentina, Venezuela; atuou junto ao governo turco para encontrar solução pacífica para os muitos problemas criados pelo Irã, como aqueles relacionados ao desenvolvimento de energia nuclear, beligerância permanente com Israel, escalada de violação dos direitos humanos.

Não estaria sendo espionada toda a região da Amazônia Legal?
Vejamos, não é de hoje que estudantes do ensino médio dos Estados Unidos aprendem a ler mapas geográficos em que a Amazônia brasileira ao invés de fazer parte do Brasil, é nada menos que um enclave governado pelo Sistema Nações Unidas e, também, considerando sua condição de “pulmão do planeta” e de possuir o mais extenso e volumoso reservatório de água potável do mundo, além de sua exuberante fauna e flora para pesquisas no campo da biotecnologia e dos fármacos, dificilmente estaria distante das preocupações dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

Tendo o Brasil assumido – e em larga medida - sua condição de líder latino-americano, sua pujante economia, com o êxito de suas políticas públicas de erradicação da fome e da miséria, tais contornos tornam o país alvo preferencial para espionagem, em especial, por quem nutre históricos anseios imperialistas e hegemônicos.

Em meio a essa avalancha de informações vazada de dentro do próprio coração de seus organismos de inteligência (espionagem e contraespionagem), causa espécie observar a tibieza, quando não a leniência, com que o assunto vem sendo abordado por nosso aguerrido pool de empresas midiáticas.

O assunto da prisão no aeroporto de Heathrow (Londres), por algumas horas, do namorado do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, responsável por ajudar na divulgação das denúncias e documentos de outro norte-americano, Edward Snowden (este, antigo funcionário da NSA americana), recebeu formidável espaço na mídia imprensa e na mídia televisiva.

Contraste flagrante com o pouco caso com que essa mesma mídia abordou a questão que a todos interessa – sob o pretexto de preservar sua soberania nacional a custas da soberania de outras nações que, no caso do Brasil, trata-se nada menos que uma nação historicamente amiga.

Façamos um segundo exercício mental. É o seguinte:
Qual seria a reação da mídia brasileira, de sua maior rede de televisão aberta, de seus principais jornais e revistas impressos, se os e-mails, telefonemas e documentos da própria presidenta Dilma Rousseff fossem espionados pelo governo cubano?

E se o fossem pelo governo russo?

E se o fossem pelo governo venezuelano?

E se o fossem pelo governo iraniano?

O presente tema objeto deste prosaico artigo nos convida a uma vigorosa reflexão sobre a aplicação do “dois pesos, duas medidas” no fazer jornalístico do Brasil.

Ajuda a desvelar a teia de interesses escusos, sejam ideológicos, sejam partidários, que há muito minam a credibilidade dessa importante força motriz de uma sociedade justa e equânime, amante da liberdade e defensora dos direitos das populações vulneráveis – a imprensa.

A humanidade tem sido vítima constante de ambições imperialistas do Norte e do Sul, de sistemas ideológicos que privilegiam o mercado em detrimento do ser humano, de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, com legitimidade crescentemente questionável, em que menos que meia dúzia de nações impõe sua vontade e suas agendas política e econômica aos restantes 196 países, que não titubeiam em declarar guerras a seu bel prazer, seja para movimentar sua portentosa indústria bélica, seja para se apoderar de valiosas fontes de recursos energéticos ou, tão somente, fortalecer a insidiosa dualidade do eu-produtor e todo-o-resto-do-mundo-consumidor. 

Estamos testemunhando uma época de absoluta carência de grandes líderes, de grandes estadistas, de grande pensadores que consigam entender que toda a humanidade tem um só destino, um destino inescapável e comum a todos, um destino que se imanta à percepção de que aquilo que infelicita a parte, infelicita o todo.

Somos, a bem dizer, nada mais que um só planeta e um só povo.

(*) Washington Araújo é jornalista, escritor e professor.

Fonte:
http://www.cidadaodomundo.org/2013/09/e-se-fosse-a-russia-ou-o-ira-quem-espionasse-o-brasil/

Leia também:
- De espionagem e arapongas - Mário Augusto Jakobskind 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

De espionagem e arapongas

24/09/2013 - Mário Augusto Jakobskind - Direto da Redação

A recente espionagem feita pelos serviços de inteligência estadunidense no Brasil e na América Latina, reveladas graças, entre outros, a figuras como Edward Snowden, Julien Assange e Gleen Greenwald, não chegam a se constituir em fato novo propriamente dito.

O que mudou apenas foi a tecnologia utilizada.

Em décadas anteriores, arapongas da CIA e maus brasileiros que ajudavam no serviço faziam o jogo.

Muitos dos apoiadores de então, ou já estão ardendo no inferno ou, impunes, aproveitando a aposentadoria pelos serviços prestados como mercenários.

Um ou outro segue até ocupando espaços midiáticos com a mesma linguagem de ódio da época da Guerra Fria. Tem alguns residindo próximo da área onde se localiza a sede da CIA, em Richmond, na Virgínia.

Na história contemporânea são vários os países que sofreram com  a ação da CIA, entre os quais o Irã, em 1953, com a derrubada do nacionalista Mohammed Mossadegh, que ficou em prisão domiciliar para o resto da vida.

O líder iraniano é lembrado em livros de história e com a revelação dos documentos da época confirmou-se a intervenção da CIA, do serviço secreto inglês e israelense no golpe de estado.

Uma figura importante daquela época, embora não tão conhecida como Mossadegh é a do então Ministro dos Negócios Estrangeiros daquele governo, o jornalista Hossein Fatimi [foto], um dos idealizadores do projeto de nacionalização do petróleo iraniano.

Ele foi fuzilado por ordem do preposto dos EUA, o Xá Rheza Parlevi, que ainda chegou a manter relações amistosas com alguns ditadores brasileiros, como Castelo Branco, Costa e Silva e Médici, que, hoje já se sabe oficialmente com os arquivos revelados, tomaram o poder com a ajuda da CIA.

O Brasil não esteve de fora das artimanhas da CIA, presentes em 1954 com seus arapongas e mercenários que levaram Getúlio Vargas ao suicídio. Hoje se sabe também que depois da negativa de Vargas em mandar tropas brasileiras para lutar na Coreia em ajuda aos EUA, somado à criação da Petrobras, os quinta-colunas destas bandas intensificaram ações de desestabilização do governo eleito pelo povo.

O golpe de abril de 1964, que provocou a ruptura constitucional e lançou o Brasil em uma longa noite escura, só foi possível acontecer com o respaldo logístico e financeiro da CIA.

Quase 50 anos depois, as informações sobre esse período nefasto são maiores do que as de 1954. É possível até que os pesquisadores não se debruçaram tanto para certificar muitas ocorrências até hoje não totalmente esclarecidas. 

Nem tudo, entretanto, ainda foi revelado.

Recentemente, por exemplo, o jornalista Continentino Porto [foto], autor do livro JK segundo a CIA e SNI, teve mais acesso a documentos da CIA que comprovam a participação de um agente secreto a serviço dos EUA acompanhando em um hospital militar o então Ministro da Guerra (na época tinha essa denominação), Jair Dantas Ribeiro, que se afastara do cargo dias antes do golpe de 64 por motivo de saúde.

O araponga da CIA produzia relatórios diários, que provavelmente eram repassados para os golpistas militares e civis  brasileiros. 

Tais fatos, que fazem parte da memória deste país continente, devem ser sempre lembrados, porque se alguém imagina que a CIA e outros serviços de inteligência deixaram o Brasil sossegado, enganam-se redondamente.

Quanto mais o país ganha importância no cenário internacional, o que aconteceu sobretudo nos últimos 10 anos, maior a ação dos serviços secretos estrangeiros por estas bandas. 

Nesse sentido, os brasileiros devem ficar atentos para não caírem em armadilhas sofisticadas gestadas por grupos que historicamente sempre estiveram vinculados aos interesses de potências como Estados Unidos.

Antes do golpe que derrubou o Presidente constitucional João Goulart, a CIA encheu com muitos milhões de dólares as comportas de institutos como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Socais).

O objetivo do IBAD era formar uma bancada que defendesse os interesses norte-americanos e consequentemente divulgar a catilinária anticomunista da época da Guerra Fria.

O IPES, capitaneado pelo então coronel Golbery do Couto e Silva, procurava também fazer cabeças preparando-as para o apoio incondicional ao golpe de 64.

Tais fatos não chegam a ser uma grande novidade, porque depois de tantos anos decorridos, o que muitos já sabiam, através de indícios ou pesquisas de campo, os arquivos públicos informativos a respeito deixam claros.

Nos dias de hoje, o grande mérito dos personagens mencionados no início desta reflexão é que eles revelaram (e devem continuar revelando mais fatos) antecipadamente muitas informações que se tornariam públicas, se é que se tornariam, daqui a 30, 40 ou 50 anos.

Por estas e muitas outras pode ser explicado o ódio do establishment estadunidense a figuras como Snowden, Assange, Manning e Swartz,. que na sexta-feira (20/9) foram homenageados com o Prêmio Internacional de Direitos Humanos instituído pela Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

(*) Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato.
É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE

Fonte:
http://www.diretodaredacao.com/noticia/de-espionagem-e-arapongas