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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Globo: o odor da saturação

01/09/2013 - Saul Leblon - blog das Frases - Carta Maior

Não se sabe ainda se há relação de causalidade entre uma coisa e outra.

O fato é que manifestantes do Levante Popular guarneceram a sede da Globo em SP, neste sábado (31), com fezes.

A retribuição, em espécie, dizem os integrantes do protesto, remete ao conteúdo despejado diuturnamente pela emissora nos corações e mentes da cidadania brasileira.

Apenas algumas horas depois, uma nota postada no site do jornal ‘O Globo’ manifestava o arrependimento da corporação pelo editorial de 2 de abril de 1964, de apoio ao golpe que derrubou Jango e instalou, por 21 anos, uma ditadura militar no país (Leia os dois textos ao final desta nota).

Se a matéria-prima do protesto motivou a purgação é imponderável.

Mas por certo a recíproca é verdadeira.

O fecalismo voador de que foi alvo o edifício-sede das Organizações Globo na capital paulista é decorrência da ação coesa, contínua, não raro beligerante, que o maior grupo de mídia do país tem dispensado contra ideais e forças progressistas do país. 

A nota deste sábado é histórica. 

Mais pela evidência da mudança na correlação de forças que obriga a emissora a se desfazer de um legado incomodo, do que pelo arrependimento que simula.

Na verdade, nem simula direito. 

A nota faz malabarismo, tergiversa e mente para justificar o golpe que apoiou ostensivamente. 

No fundo, apenas lamenta ter sido tão desabrida, como se não houvesse amanhã.

O amanhã chegou. 

Seja na forma de matéria fecal, protestos massivos, redes alternativas de informação, desqualificação ética, queda de audiência e desprestígio editorial.

O fato é que há na sociedade um discernimento crescente em relação aos verdadeiros propósitos e interesses que movem o noticiário, as campanhas e perseguições movidas pelas Organizações Globo contra projetos, direitos, governos, lideranças e partidos.

A Globo foi e é parte diretamente interessada no assalto ao poder que interrompeu a democracia brasileira em março de 1964.

Não se trata de um editorial isolado, como tenta edulcorar a nota deste sábado. 

Testemunha-o o acervo de 49 anos de pautas golpistas depois do golpe.E décadas de idêntico engajamento pré-64. 

Ou terá sido coincidência que, em 24 de agosto de 1954, consternado com a notícia do suicídio de Vargas, o povo carioca perseguiu e escorraçou porta-vozes da oposição virulenta ao Presidente; cercou e depredou a sede da rádio Globo, que saiu do ar?

O mesmo cerco que levaria Vargas ao suicídio, asfixiou Jango, dez anos depois.

Foi da mídia (a Globo na comissão de frente), a iniciativa de convocar o medo, a desconfiança, o linchamento das reputações que levariam uma parte da classe média a apoiar o movimento golpista. 

Mente a nota ‘arrependida’, ao afirmar, citando Roberto Marinho, em 1984: “os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.

Quem inoculou o terror anticomunista na população, de forma incessante e sem pejo?

Quem gerou o pânico e, a contrapelo dos fatos, martelou a tecla de um governo isolado e manipulado ‘pelo ouro de Moscou’?

O acervo do Ibope, catalogado pelo Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, reúne pesquisas de opinião pública feitas às vésperas do golpe. 

Os dados ali preservados foram cuidadosamente ocultados pela mídia no calor dos acontecimentos e por décadas posteriores.

Agora conhecidos, ganham outro significado quando emoldurados pela atuação do aparato midiático ontem – mas hoje também.

Enquetes levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia já era tangida ao matadouro pelos que bradavam a sua defesa em manchetes e editoriais, mostram que:

a) 69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como ótimo (15%), bom (30%) e regular (24%). Apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco dos jornais.

b) 49,8% cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição, em 1965 (seu mandato expirava em janeiro de 1966); 41,8% rejeitavam essa opção.

c) 59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de março. 

Em um comício que reuniu então 150 mil pessoas na Central do Brasil (o país tinha 72 milhões de habitantes), Jango assinou decretos que expropriavam as terras às margens das rodovias para fins de reforma agrária; e nacionalizou refinarias de petróleo.

As pesquisas sigilosas do Ibope formam apenas o desnudamento estatístico de um jornalismo que ocultou – e oculta – elementos da equação política quando se trata de sabotar as aspirações progressistas da sociedade; convocou e convoca, exortou e exorta, manipulou e manipula, incentivou e incentiva o complô, a manobra, a desqualificação, ao cassação e, no limite, o golpe.

Em defesa dos mesmos interesses que fizeram 64. 

O editorial ‘O Renascimeto da Democracia’, de que se arrepende a empresa ora guarnecida com resíduo fecal, não foi um ponto fora da curva. Mas o curso natural de um engajamento histórico.

Não se deduza disso que a democracia brasileira vivia em 1964 mergulhada na paz de um lago suíço. 

Num certo sentido, vivia-se, como agora, o esgotamento de um ciclo e o difícil parto do novo. 

Uma parte da sociedade – majoritária, vê-se agora pelos dados escondidos no acervo do Ibope – considerava no mínimo pertinente o roteiro de soluções proposto pelas forças progressistas aglutinadas em torno do governo Jango.

As reformas de base – a agrária, a urbana, a fiscal, a educacional — visavam destravar potencialidades e recursos de um sistema econômico exaurido.

Jango pretendia associar a isso um salto de cidadania e justiça social.

O que importa reter aqui, como traço de atualidade inescapável, é o comportamento extremado do aparato midiático diante desse projeto.

Convocada a democracia e a sociedade a discutir o passo seguinte da história brasileira, os campeões da legalidade de ontem e de hoje optaram pelo golpe.

Deram ao escrutínio popular um atestado de incompetência política para formar os grandes consensos indispensáveis à emergência de um novo ciclo de desenvolvimento com maior justiça social. 

Não há revanchismo nesse retrospecto. 

Pauta-o a necessidade imperativa de dotar a democracia brasileira das salvaguardas de pluralidade midiática e participação social que a preservem da intolerância conservadora.

Aquela que em 54 matou Getúlio.

Em 1964, negou à sociedade a competência para decidir o seu destino.

Em 2002 fez terrorismo contra Lula.

Em 2005 tentou derrubá-lo e impedir a sua reeleição em 2006. 

E assim se sucede desde 2010, contra Dilma.

A exemplo do que se assiste agora contra o PT e suas lideranças, ao mesmo tempo em que se exacerba a gravidade dos desafios econômicos na manipulação das expectativas dos mercados.

Veiculado pela família Marinho dois dias depois do golpe, o editorial do Globo, não foi um ponto fora da curva.

Ele consagra um método. 

Que a experiência recente não pode dizer que caiu em desuso.

Mas que vive um ponto de saturação.

Ilustra-o a necessidade de mostrar arrependimento. 

Bem como o sugestivo odor exalado das paredes da sede da Globo em São Paulo.
O arrependimento simulado serve também como admissão de culpa.

De quem moveu a alavanca da derrubada de um governo democrático.

Mais que isso: legitimou, ocultou e se esponjou nas vantagens obtidas junto a um regime que recorreu à tortura e ao assassinato contra opositores.

Cabe à Comissão da Verdade fazer desse 'arrependimento' um verdadeiro ato de justiça.

E convocar a Globo a depor perante a Nação.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1309

Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/09/globo-admite-erro-em-64-haja-medo.html

domingo, 28 de outubro de 2012

Os "escrachos" do Levante Popular da Juventude

22/10/2012 - O Levante Popular da Juventude quer renovar práticas da esquerda
- Marco Aurélio Weissheimer para o Portal Carta Maior

Os "escrachos" realizados contra agentes da ditadura deram visibilidade nacional ao Levante Popular da Juventude, um movimento que nasceu em 2005, no Rio Grande do Sul, e que hoje está organizado em dezessete estados do país.


Reunindo estudantes, jovens da periferia e do campo, o Levante se propõe a renovar as práticas de militância da esquerda em defesa da construção de um projeto popular para o Brasil, em uma perspectiva socialista.




Porto Alegre - O ano de 2012 viu nascer uma novidade no cenário político brasileiro. Um grupo de jovens, organizado em torno do Levante Popular da Juventude, realizou uma série de atos denominados “escrachos” em frente às residências ou locais de trabalho de acusados de praticar crimes durante a ditadura.

Em várias cidades do país, centenas de jovens saíram às ruas para denunciar esses crimes e defender a instalação da Comissão Nacional da Verdade para restaurar a memória, a verdade e a justiça desse período. Os atos contra os agentes da ditadura deram visibilidade nacional a esse movimento cujas origens remontam a 2005, no Rio Grande do Sul, a partir de militantes ligados à Via Campesina e à Consulta Popular.

Em entrevista à Carta Maior, concedida na sede da organização em Porto Alegre, Lucio Centeno, Janaita Hartmann e Lauro Almeida Duvoisin falam sobre esse novo movimento social que tem como objetivo estratégico maior a construção de um projeto popular para o Brasil numa perspectiva socialista.


O marco da nacionalização do movimento ocorreu em fevereiro de 2012, durante um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul (RS) que reuniu em torno de mil jovens de dezessete estados. Reunindo estudantes universitários e secundaristas, jovens das periferias das cidades e também do campo, o Levante se propõe a resgatar práticas relegadas a um segundo plano pela esquerda partidária, como o trabalho de base organizado a partir de células de militância, e defende a unidade dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda em torno de alguns objetivos comuns: derrotar a direita e o projeto neoliberal no Brasil e conquistar uma ampla maioria na sociedade para um processo de transformação social, política e econômica no país.

- O que é o Levante Popular da Juventude? Quando nasceu?
Lucio Centeno: Nenhum de nós aqui iniciou essa construção do Levante. Ela foi fruto de um trabalho de mobilização e da iniciativa que alguns companheiros tiveram no final de 2005, quando movimentos ligados à Via Campesina, incentivados pela Consulta Popular, identificaram que era necessário naquele momento fortalecer o processo de organização da juventude, em especial da juventude urbana. No campo já havia um processo relativo de organização com os movimentos da Via, mas muito pouco no meio urbano.

A partir dessa leitura, alguns companheiros assumiram a tarefa de construir o que viria a ser o Levante Popular da Juventude. E o Levante nasce com a característica de ser uma ferramenta da juventude e não apenas de um segmento desse setor. Desde o início, se tinha a leitura da necessidade de se organizar não apenas os jovens estudantes universitários, mas também os jovens das periferias urbanas e, principalmente, articular essa juventude que não tinha um referencial de organização como tinha a juventude camponesa, organizada em torno da Via. O Levante nasce, então, com essa característica de aglutinar diferentes segmentos da juventude a partir de diferentes meios de inserção.

- Neste sentido, é um movimento original. Normalmente o que há são movimentos de juventude ligados a partidos e a alguns segmentos específicos, como é o caso do movimento estudantil...


Lucio Centeno: Sim, o Levante nasce com esse referencial da esquerda social, do campo dos movimentos sociais. Ele se propõe a ser um movimento social e não uma juventude partidária, com esse recorte de querer articular jovens estudantes universitários, secundaristas e jovens da periferia urbana.

Lauro Duvoisin: Essa iniciativa surgiu também com base numa leitura que identifica, nos anos 2000, uma mudança nos setores mais dinâmicos da luta social. Embora exista ainda uma dinâmica das grande lutas do MST, por exemplo, que foi uma referência nos anos 90, já ficava claro neste período que, sozinho, o MST não conseguiria seguir adiante. Neste período havia também uma crítica muito grande ao trabalho urbano sindical mais clássico da esquerda. Então, o Levante surge nesse contexto com o objetivo de renovar as práticas da esquerda e de resgatar uma prática que foi sendo negligenciada, que é o trabalho de base, aquilo que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) faziam nos anos 70 e 80 e que sustentou boa parte do acúmulo que a esquerda teve neste período. 

A ideia é que a juventude pode ser o setor dinâmico para voltar a impulsionar a luta. Daí a decisão de não segmentar a juventude como uma categoria no sentido econômico-corporativo, e fazer com que ela irradie sua força e sua prática para outros setores da sociedade, seja da classe trabalhadora urbana, do meio camponês ou do meio popular urbano. O objetivo é que ela forme novas referências e novos militantes para que o movimento cresça em todas essas frentes.

- Qual é o horizonte estratégico do trabalho do Levante que transita em um espaço comum ao dos partidos de esquerda e ao dos movimentos sociais? Qual é o objetivo das lutas e das mobilizações?

Lucio Centeno: Esse é outro aspecto diferencial do Levante na medida em que ele não tem uma bandeira econômica setorial definida. O MST, por exemplo, tem claramente um horizonte que é a construção de uma reforma agrária popular. Já o Levante, por aglutinar diferentes setores da juventude e, principalmente, por ter uma perspectiva de luta política por um projeto de sociedade, e não só por demandas específicas, desenvolve um conjunto de lutas a partir daquilo que entendemos como um projeto popular para o Brasil.

Então, embora não tenhamos uma bandeira claramente definida, pretendemos fortalecer e contribuir para a construção de um conjunto de bandeiras que apontam para esse projeto popular para o Brasil, para o fortalecimento de um projeto democrático e popular, que passa pela reforma agrária, pela descentralização dos meios de comunicação, pela garantia dos direitos básicos de educação, saúde, moradia, transporte.

- Dentro desse guarda-chuva maior do projeto popular, os militantes do Levante, conforme sua inserção em um meio específico, trabalham contradições que envolvem esses jovens, relacionando esses problemas com a construção de um projeto maior para o país.
Lauro Duvoisin: A gente fala muitas vezes que o Levante não nasceu para dar conta de uma demanda específica, mas para buscar qual é a pauta capaz de levantar a juventude. E como o Lúcio afirmou, o Levante também se insere em uma estratégia que é maior do que ele, que é a construção, pelo campo da esquerda popular, de um projeto para o Brasil. Temos clareza que esse projeto não será construído só pela juventude. O Levante é uma parte de todo esse movimento. Sua tarefa é organizar a juventude por demandas específicas e por um projeto político maior, procurando também formar militantes para todas as outras frentes que compõem essa estratégia.

- Nos últimos meses, o Levante ganhou maior visibilidade nacional com os "escrachos" contra agentes da ditadura realizados em várias cidades do país. Como surgiu essa ideia e qual o lugar desse tema na agenda da organização, no momento em que a Comissão da Verdade investiga crimes praticados por agentes do Estado naquele período?
Lucio Centeno: O Levante nasceu no Rio Grande do Sul em 2006, como um movimento estadual. Em outros estados, já havia mobilizações com a juventude que eram chamadas de juventude do campo com a cidade, mas ainda não havia uma proposta organizativa. Aqui no Rio Grande do Sul conseguimos transformar essa mobilização em um movimento social autônomo da juventude.

Passaram-se cerca de cinco anos até que, em 2011, iniciou um processo de nacionalização do Levante, juntando experiências parecidas do mesmo campo político. Assim, o Levante se constituiu em dezessete estados. O marco de lançamento dessa nacionalização ocorreu gora em fevereiro de 2012, quando realizamos um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul que reuniu em torno de mil jovens desses dezessete estados.

A partir dessa nacionalização, se constituiu uma organicidade nacional, com uma coordenação representativa desses estados e desses movimentos. Essa coordenação nacional começou a elaborar a estratégia da organização e, naquele momento, se identificou na conjuntura que essa bandeira da memória, verdade e justiça não estava sendo efetivamente empunhada com a devida importância por praticamente nenhum setor, para fazer um contraponto a movimentação que os militares vinham fazendo para tentar desconstituir a Comissão Nacional da Verdade.

Então, naquele momento tínhamos os militares atuando nos bastidores, o governo acuado e a imprensa de alguma forma sendo conivente com esse processo de ocultação dos crimes da ditadura. Concluímos então que seria necessário uma mobilização da sociedade para que a Comissão da Verdade fosse efetivada.

Vimos, a partir da experiência de organizações parceiras da América Latina, a metodologia dos "escrachos" como a melhor forma de fazer ecoar essa bandeira. Mapeamos então quais Estados poderiam fazer essa ação e trabalhamos de forma coordenada nacionalmente para que tivéssemos um dia de ação nacional denunciando os torturadores e a impunidade dos crimes da ditadura. A partir disso, conseguimos uma grande adesão de vários setores da sociedade que impulsionaram o governo para garantir a instalação da Comissão da Verdade.

Lauro Duvoisin: Foi a junção de um momento, de uma oportunidade, com a condição que tínhamos alcançado. Se não tivéssemos uma organização de âmbito nacional naquele momento, talvez não conseguíssemos fazer uma intervenção daquela dimensão. A oportunidade estava ali.





Conseguimos fazer uma leitura que se demonstrou correta no sentido de que aquela pauta (Comissão da Verdade) atingia o centro da conjuntura nacional.

Pela primeira vez, o Levante conseguiu influenciar a conjuntura nacional efetivamente, embora já estivéssemos envolvidos em outras lutas locais.

Outra coisa importante nessas ações tem a ver com a questão do método que empregamos, que diz um pouco do que o Levante quer fazer, que é renovar os métodos de luta. Acreditamos que a luta que precisamos fazer é uma luta de massas. No entanto, no atual período, uma forma de luta como os "escrachos" se mostrou de grande valia para criar um impacto público sobre o tema da ditadura. É isso que queremos fazer, renovar os métodos de luta. A gente carece disso na esquerda.

- Uma coisa que chamou muita atenção com os "escrachos" foi a grande participação da juventude nesses atos, algo que até bem pouco tempo não acontecia. Até então, o tema da ditadura não mobilizava a juventude. O que mudou?
Janaita Hartmann: Acho que isso tem muito a ver com a recuperação que o Levante faz da tradição de agitação e propaganda da esquerda. Desde 2008, a gente faz intervenções para lembrar os mortos do massacre de Eldorado de Carajás, com um teatro em lugar público. Então já temos uma história de ações desse tipo. Nós acertamos ao juntar esse trabalho de agitação que a gente já vinha fazendo com um tema da conjuntura que há muito tempo não era resgatado dessa forma, e por uma geração que não passou pela ditadura.


Lauro Duvoisin: Parece que houve uma quebra de continuidade geracional no Brasil. Na Argentina, desde muito tempo há a luta das Madres que se tornou um símbolo continental. No Brasil, embora exista a luta dos familiares, essa luta teve muito menos projeção social do que no caso da Argentina ou do próprio Chile. Então, parece que houve um atraso um pouco maior no Brasil. Mas essa pauta está viva na sociedade e não se esconde a história dessa forma. Isso mostra também que a questão da anistia, tal como foi conduzida pelos militares no final da ditadura, não está resolvida no Brasil.

Lucio Centeno: As intervenções do Levante conseguiram gerar adesões em diferentes setores da sociedade, que até então não estavam se posicionando muito sobre esse tema. A partir dos nossos atos, todo um campo se configurou em defesa dessa bandeira e isolou quem defendia a ocultação da verdade e a manutenção da impunidade. Essa é uma questão muito importante para nós: desenvolver lutas que dê sustentação para um projeto popular para o país.

- Esse projeto popular a que vocês se referem é um projeto de poder? Se é, em algum momento, o Levante terá que se colocar a questão do partido.Vocês fazem esse debate, tem a pretensão de, em algum momento, se constituir como partido?
Lauro Duvoisin: A gente acredita que o projeto popular passa, sim, por um projeto de poder. Mas o grande desafio no momento é conseguir retomar as grandes lutas de massa no Brasil para que esse projeto se torne uma necessidade da sociedade. Um projeto de poder não é um projeto de um pequeno grupo ou de uma vanguarda isolada. Ele tem que se precedido de um processo que questione a organização social e a estrutura econômica da sociedade.


É com esse espírito que o Levante entra na história. É evidente que os partidos e outras organizações têm uma grande contribuição a dar nesse processo. Mas sem a retomada das mobilizações de massa nenhuma organização conseguirá levar adiante esse projeto. Considerando a grande participação nos "escrachos" promovidos pelo Levante e outras mobilizações de juventude, como essa que ocorreu em Porto Alegre recentemente contra a privatização de espaços públicos, parece haver uma ebulição de demandas na juventude que não está encontrando expressão nos partidos de esquerda...

Lucio Centeno: Quando começamos a fazer os "escrachos" fomos questionados sobre as mobilizações espontâneas da juventude na Europa e nos Estados Unidos. É evidente que são protestos importantes e que expressam uma inconformidade com o sistema, mas, enquanto movimento social, acreditamos que esses processos de mobilização requerem organização.

Existe um certo fetiche em torno dessa ideia da capacidade das redes sociais e de novas ferramentas tecnológicas serem grandes atores mobilizadores no próximo período. Consideramos esses atores importantes, mas é imprescindível o processo organizativo na sociedade, que as pessoas tenham uma referência de organização, que não fiquem refém de vontades individuais ou de ativistas que atuam pontualmente.

Lauro Duvoisin: É por isso também que a gente preza a unidade tanto dos movimentos sociais como dos partidos de esquerda. Acreditamos que todas as organizações que tenham referência num projeto de democratização, de ampliação dos direitos, de resgate da liberdade na sociedade e na perspectiva do socialismo, devem fazer um esforço de unidade que hoje, muitas vezes, parece ser um esforço de fragmentação, seja no campo eleitoral, seja em torno de disputas menores e elementos táticos secundários que não são estratégicos. Para isso, é preciso também dar exemplos de unidade. O Levante procura dar esse exemplo.

- Como é que o Levante se posiciona frente a períodos eleitorais. Qual foi a posição nestas eleições municipais?
Lauro Duvoisin: A nossa linha é de combate à direita, não só nas eleições, mas em todos os espaços da sociedade.

- O que é a direita hoje no Brasil?
Lauro Duvoisin: Existe mais ou menos um consenso sobre o que é a direita no Brasil. Há um bloco político-partidário formado por PSDB, DEM e alguns partidos menores, que aglutina as forças defensoras do projeto neoliberal. Para nós, quem se opõem ao neoliberalismo não é direita. Mas o Levante é um movimento social autônomo que não tem vinculação partidária.

Janaita Hartmann: O Levante nasce da Via Campesina e da Consulta Popular, como uma organização autônoma de jovens. Essas organizações ajudaram a criar o Levante, mas ele é autônomo e passou a ter vida própria, tem uma organicidade própria. Ele permite a presença de militantes que tenham vinculação partidária desde que se respeite a autonomia do movimento.

Quais são os planos do Levante para os próximos meses. O tema da ditadura e da Comissão da Verdade seguirá ocupando um lugar central na agenda do movimento?
Lucio Centeno: O Levante se engaja num conjunto bastante diverso de lutas. Nós nos organizamos a partir de células, grupos de jovens militantes que estão inseridos em algum território, seja uma universidade, um assentamento, um bairro ou uma comunidade. Essa célula tem a tarefa de fazer trabalho de base e estimular as lutas nestes locais procurando mobilizar os jovens destes espaços. Temos uma célula, por exemplo, na região da Cruzeiro, aqui em Porto Alegre, que está sendo atingida pela duplicação da avenida Tronco, que é uma das chamadas obras da Copa.


Nesta região, temos uma atuação prioritariamente voltada para organizar os jovens e suas famílias e pressionar a prefeitura para que garanta o direito à moradia dessas pessoas. É uma luta local, específica, mas que está associada a um projeto mais amplo. Assim, cada célula está envolvida em alguma luta específica. Mas entendemos que há a necessidade de convergência dessas lutas específicas para lutas mais gerais, como essa em defesa da memória, da verdade e da justiça, que terá continuidade, agora juntamente com os comitês populares que se multiplicaram em vários Estados. O Levante não vai atuar isolado neste processo.

Uma segunda pauta que estamos começando a desenvolver é a defesa da construção de um projeto popular de educação. O Brasil sofreu durante muitos anos a implementação de uma educação neoliberal. A partir das gestões do PT tivemos um relativo avanço nesta área, com a criação de novas universidades e escolas técnicas. Em comparação ao paradigma neoliberal foi um avanço, mas em comparação com as demandas históricas da juventude em termos de acesso à educação, ainda há muito que avançar.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21117

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Nesta última sexta-feira, 23 de outubro de 2012, o Levante Popular da Juventude fez um ato contra TV Bahia e ACM Neto, quando os jovens denunciaram a ligação da família Magalhães, proprietária da Rede Bahia, à ditadura civil-militar. Além disso, o Levante acusa o grupo de manipular as pesquisas de opinião do 2º turno das eleições municipais de Salvador.

Ouça aqui o relato da RádioAgência NP:

"O movimento Levante Popular da Juventude realizou na manhã da última terça-feira (23) um protesto em frente à Rede Bahia de Televisão, afiliada da Rede Globo em Salvador (BA). Cerca de 200 jovens participaram do ato, que iniciou como uma marcha pelas ruas da cidade. Eles denunciam a ligação da família Magalhães, proprietária deste grupo de mídia baiano, à ditadura civil-militar, como conta o integrante do Levante, Hugo dos Santos."



“Nós fomos à sede mostrar e denunciar o quanto a família Magalhães está associada à ditadura militar. E o quanto o seu herdeiro ACM Neto também tem ligação direta, pois ele participa da Rede Bahia com mais de R$ 10 milhões, que é declarado no Tribunal Regional Eleitoral.”



"Os jovens apontam que o falecido Antônio Carlos Magalhães (ACM) foi um dos articuladores do golpe militar de 1964 e, três anos depois, se tornou prefeito de Salvador pelo partido ARENA, que era base de apoio da ditadura. A história da TV Bahia foi construída a partir das ligações políticas dos Magalhães."




"Além disso, os jovens do Levante acusaram a TV Bahia de manipular as pesquisas de opinião sobre o segundo turno das eleições municipais de 
Salvador, em que Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) enfrenta Nelson Pelegrino (PT), como conta Hugo." 


“Então, a gente foi denunciar também essa manipulação da TV Bahia com o Ibope para beneficiar ACM Neto. Mas, nós fomos lá também para dizer que em nenhum momento ele pode se beneficiar por ter uma televisão aqui em Salvador e sete no estado todo.”


"A Rede Bahia detém 114 emissoras de rádio e sete de televisão aberta, e é considerada um dos maiores conglomerados de mídia do nordeste do Brasil. De São Paulo, da Radioagência NP, Vivian Fernandes"


Fonte:
http://radioagencianp.com.br/11175-levante-popular-da-juventude-faz-ato-contra-tv-bahia-e-acm-neto

domingo, 3 de junho de 2012

Adital entrevista o Levante

31/05/2012 - Postado por Levante
blog do Movimento Levante Popular da Juventude

Levante Popular da Juventude: protagonismo juvenil contra a injustiça e pela transformação da sociedade


Como movimento de contracultura em prol da igualdade social e para mostrar que os jovens não estão alheios às questões essenciais do Brasil, o Levante Popular da Juventude (LPJ)- uma articulação de jovens militantes voltada para as lutas populares em busca da transformação da sociedade – tem chamado a atenção por sua irreverência em protestos e mobilização social e, especialmente, pelo engajamento incisivo da juventude brasileira na área política.

No momento em que o país discutia e apoiava a Comissão da Verdade e Justiça, o Levante mostrou a que veio com a ação ‘Levante Contra a Tortura’, em que pedia que os responsáveis por crimes de tortura fossem punidos e esclarecessem os delitos praticados durante a Ditadura Militar.

Os/as jovens militantes do Levante foram às ruas de várias capitais brasileiras realizar uma série de escrachos/esculachos contra torturadores, em frente às suas residências e/ou endereços profissionais, para exigir justiça.

Paulo Henrique Lima, militante do LPJ em Fortaleza, Ceará, em entrevista à ADITAL, conta sobre a origem do Levante Popular da Juventude e sua importância para a mudança do quadro sociopolítico brasileiro e o fortalecimento da organização coletiva por parte dos diversos setores da sociedade. “O grande desafio que dá origem ao Levante é que a juventude se torne protagonista de um projeto de transformação estrutural da sociedade brasileira, que contemple tanto as demandas específicas da juventude, mas também as demandas de todo o povo brasileiro”, afirmou.


ADITAL – Como surgiu o movimento Levante Popular da Juventude? Como escolhem os temas em que vão militar? Quantos/as jovens hoje estão unidos à causa e qual o perfil deles/as?

Paulo Henrique Lima - O Levante surge em 2006 no Rio Grande do Sul, por influência dos movimentos que compõem a Via Campesina (MST, MAB, MPA, CPT, PJR), diante da necessidade de organizar a juventude brasileira, em especial a dos grandes centros urbanos, em torno de um projeto popular para o Brasil. Ou seja, o grande desafio que dá origem ao Levante é que a juventude se torne protagonista de um projeto de transformação estrutural da sociedade brasileira, que contemple tanto as demandas específicas da juventude, mas também as demandas de todo o povo brasileiro. Em 2010 iniciamos o processo de nacionalização do Levante, diversos estados começam a construir células, que é nossa organização de base, nas periferias, nas escolas, nas universidades e no campo.

Todo esse processo culminou no nosso I Acampamento Nacional do Levante em janeiro desse ano em Santa Cruz do Sul (RS), que contou com a participação de aproximadamente 1.200 jovens de 17 estados do Brasil. O acampamento foi um momento muito importante para nós do Levante, contando com a participação de jovens de diferentes origens sociais: universitários, estudantes secundaristas, jovens da periferia e camponeses. No acampamento ainda elencamos uma série de pautas e reivindicações da juventude brasileira e construímos nosso calendário de luta.

ADITAL – Houve um forte engajamento dos/as jovens em várias cidades brasileiras em favor da Comissão da Verdade, recentemente empossada pela presidenta Dilma Rousseff. Como o Levante avalia essa adesão da juventude neste tema e os resultados das ações?

Paulo Henrique Lima - Acreditamos que os escrachos/esculachos realizados pelo Levante a nível nacional foi um novo marco na luta da juventude brasileira. Contrariando todos os teóricos do marasmo e do imobilismo, nossa ação evidenciou uma das maiores contradições da sociedade brasileira nos últimos 30 anos, a impunidade de agentes de estado comprometidos com a Ditadura Militar e o assassinato, desaparecimento e a tortura de vários militantes sociais. Os escrachos/esculachos tiveram o papel de defender a Comissão da Verdade dos ataques dos militares da reserva e ampliar o tema para toda a sociedade. A avaliação que fazemos é bastante positiva, mas é preciso que toda a sociedade, em especial a juventude, continue engajada nessa pauta, dando suporte para os trabalhos da comissão da verdade e pressionando para que os torturadores sejam punidos.

ADITAL – De onde veio essa sede de justiça por um fato tão distante dessa geração?

Paulo Henrique Lima - Acreditamos que a impunidade dos torturadores é que legitima o extermínio, por parte da polícia, da juventude negra e pobre nas periferias do Brasil. É a situação de impunidade por parte daqueles que deveriam servir e defender o povo brasileiro, mas que acabam servindo aos interesses das elites/classes dominantes que gera essa contradição de vivermos numa sociedade dita democrática, mas marcada por traços absolutamente autoritários, é dessa impunidade que decorre a criminalização dos movimentos sociais.

Além disso, temos clara a importância de lutarmos em defesa da memória daqueles, em sua maioria jovens, que lutaram pela transformação do país, que buscaram, assim como nós, construir um Brasil justo e realmente democrático.

ADITAL – O fato mostra que a juventude brasileira não está apática e alheia às questões primordiais no país. Nesse contexto o que o Levante tem a dizer sobre a possibilidade do veto da presidenta Dilma ao Código Florestal? Qual seu posicionamento?

Paulo Henrique Lima - Nos somamos aos diversos movimentos sociais que defenderam a importância de a presidenta Dilma vetar as mudanças propostas pelo Congresso Nacional ao Código Florestal por saber que elas representam um retrocesso não só da questão ambiental, mas do ponto de vista da questão fundiária, principalmente na região Amazônica. As mudanças propostas pelos deputados vêm atender ao interesse da bancada ruralista. A Dilma vetou 12 artigos e alterou outros tantos, isso só foi possível devido a mobilização da população brasileira que encampou a campanha do “Veta, Dilma”. Apesar de não ter sido veto total, devido ao caráter de composição de classes do governo e da atual correlação de forças na sociedade, diante do retrocesso que representava as mudanças no Código, a atitude da presidenta Dilma foi um ato importante.

ADITAL – Como se deu a mobilização e a disseminação das ideias do Levante para a juventude em todo o Brasil? O que os/as jovens interessados/as podem fazer para participar do Levante?

Paulo Henrique Lima - O Levante Popular da Juventude é um movimento que busca toda as formas de comunicação com a juventude. Desde recuperar a agitação e propaganda (agitprop) que a esquerda brasileira relegou a um papel secundário diante do marketing eleitoral, buscando resgatar elementos das experiências do Centro Popular de Cultura (CPC) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), como o teatro, o audiovisual, a poesia. Até elementos mais recentes como a batucada, o break, o funk, para nós todas essas técnicas e linguagens são formas de dialogarmos com a juventude brasileira. A internet e as redes sociais entram no sentido de potencializar e difundir nossa mensagem de forma mais ampla e rápida possível.