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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

“Mensalão”: por que reabrir o caso

18/09/2013 - Antonio Martins (*)
– blog Quem Tem Medo da Democracia (QTMD)

Celso-de-Mello: o decano do STF calou muita gente.

Obs: O artigo a seguir foi escrito um dia antes do voto proferido nesta quarta-feira, 18/09/2013, em que Celso de Mello aceitou os embargos infringentes, reabrindo o caso do chamado “mensalão.

"Um erro primário do STF virá à tona.
E surgirá oportunidade de debater o financiamento empresarial dos partidos, principal mecanismo de corrupção política no Brasil" (Antonio Martins) 

Se o voto do ministro Celso de Mello encerrar, nesta quarta-feira (18/9), o julgamento do chamado “Mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 
milhões de brasileiros irão sentir-se aliviados e engrandecidos.

Tendo acompanhado o episódio, durante oito anos, por meio dos jornais e da TV, eles acreditarão que surgiu, enfim, um caso em que o desvio de verbas públicas não ficará impune. Certas circunstâncias ampliarão seu júbilo. 

Entre os condenados, haverá “peixes graúdos”. Não será poupado o PT, partido no governo há dez anos. E, glória máxima, parte dos réus irá para a 
cadeia – o símbolo maior e mais humilhante dos sistemas punitivos modernos.

Ficará aberto caminho, pensarão estes milhões, para moralizar a vida política e resgatar a República.

Será um engano trágico, por dois motivos.

Do ponto de vista factual, surgiram, nos últimos meses, sinais concretos de que o chamado “Mensalão” não envolveu desvio de recursos públicos.

O ministro Joaquim Barbosa (foto), relator do processo e hoje presidente do STF, ignorou estes sinais; teme que este erro primário torne-se claro; é, também por isso, um opositor ferrenho da reabertura do caso.

Mas o engano principal seria político. O encerramento do processo, no pé em que está, evitará que a sociedade debata a corrupção da vida política por meio do dinheiro oferecido pelas empresas aos partidos e a suas campanhas eleitorais.

Este é, de longe, o principal mecanismo para submeter as decisões políticas ao poder econômico, e para promover o enriquecimento ilícito de ocupantes de cargos públicos. Está exposto, em detalhes, no episódio do “Mensalão”.

Encarcerar José Dirceu e seus colegas, e não examiná-lo, satisfará o ímpeto punitivo com que alguns julgam possível enfrentar a corrupção. Mas varrerá para debaixo do tapete o motor que a impulsiona.


 * * *

A derrubada do mito segundo o qual o “Mensalão” envolveu apropriação e desvio de recursos públicos é obra de um mestre: o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, que dirigiu, nos anos 1970 e 80 algumas das principais publicações da imprensa de resistência à ditadura (1).

Hoje, toca a revista Retrato do Brasil.

Lá, ele e a repórter Lia Imanishi, escrevem, desde fevereiro de 2012, uma série de reportagens investigativas sobre o julgamento, pelo STF, da Ação Penal 470 (AP-470) – a que examina o “Mensalão”.

Seu trabalho estende-se por ao menos nove edições regulares da revista [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, um número especial e um livro.]

Os textos expõe em detalhes como dois Procuradores-Gerais da República e diversos ministros do Supremo, a começar por Joaquim Barbosa, passaram por cima dos fatos e construíram, para o episódio, a versão que mais interessava à mídia, à opinião pública conservadora e… ao próprio sistema político.

Denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em junho de 2005, o “Mensalão” chegou à Procuradoria-Geral (PGR) e ao STF um mês depois.


Alguns fatos muito graves eram conhecidos, mostram as reportagens. No início do governo Lula, a direção nacional do PT repassou, por orientação de seu tesoureiro, Delúbio Soares, e com apoio do publicitário Marcos Valério (foto), cerca de R$ 55,3 milhões a políticos de cinco partidos: o próprio PT, PL, PP, PMDB e PTB.

Os pagamentos foram feitos por meio do chamado “valerioduto” – um esquema que incluía os bancos Rural e BMG, mais a agência de publicidade de Valério e empresas de seus sócios.

Além disso, desde agosto daquele ano Delúbio admitiu que cometera crimes eleitorais: arrecadação de fundos junto a empresas sem contabilização (“Caixa 2”); distribuição de somas a correligionários e aliados, também “por fora”.


No entanto, mostra o Retrato do Brasil, os procuradores-gerais Antonio Fernando de Souza (E) (que atuou no caso até o final de seu mandato, em junho de 2009) e seu sucessor, Roberto Gurgel (D), omitiram-se da investigação deste delito.

Estavam empenhados em argumentar que a admissão do “Caixa 2” era mera estratégia para ocultar outro crime.

Os dirigentes PT, no governo federal, teriam abastecido o partido e as agremiações aliadas com recursos desviados do Estado.

Formular hipóteses é parte das atribuições do procurador-geral, responsável por comandar inquéritos. Mas nem Antonio Fernando de Souza, nem Roberto Gurgel preocuparam-se com os passos posteriores indispensáveis: investigar; demonstrar a suposição; reunir provas.

Ao denunciar ao STF, em abril de 2006, quarenta pessoas envolvidas no episódio, o primeiro assegurou que houvera desvio de recursos públicos. À falta de provas, serviu-se de um atalho.

Henrique Pizzolato (foto), diretor de marketing do Banco do Brasil (BB) à época dos fatos, figurava ao mesmo tempo em duas pontas do inquérito.

Ele havia recebido, por meio do valerioduto, R$ 326 mil. E, na condição de dirigente do BB, autorizara o pagamento de R$ 72,8 milhões à DNA, agência de publicidade de Marcos Valério.

Isso bastou para que o procurador juntasse as pontas. A origem primeira do dinheiro repassado ao PT e aliados seria o Banco do Brasil.

Pizzolato desviara os R$ 72,8 milhões da instituição que ajudava a dirigir; como recompensa, recebera suborno de R$ 326 mil.

A “demonstração” foi aceita e repetida acriticamente (e à exaustão), nos últimos sete anos – a começar pelo sucessor de Souza e pela maioria dos 
ministros do STF.

Num de seus textos, Raimundo Pereira descreve, com humor, o discurso empolado que o ministro Gilmar Mendes proferiu na sessão do tribunal, transmitida ao vivo pela TV, em 29/8/12.

Está no YouTube. Voz empostada, gestos teatrais, Mendes indigna-se: “O que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?

E prossegue: “Em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum. […] Eu fico a imaginar […] como nós descemos na escala das de-gra-da-ções”.

Três semanas antes, ao apresentar sua acusação, no plenário do Supremo, o procurar-geral Roberto Gurgel, assegurara: “Foi sem dúvida o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro publico realizado no Brasil”.

Em nenhum momento, Pizzolato admitiu as acusações que lhe foram feitas. Os R$ 326 mil recebidos via valerioduto, sustentou, foram para o PT. 

Todos os pagamentos do BB à DNA correspondiam a serviços efetivamente prestados pela agência. Conforme reza um princípio elementar do Direito, 
cabia aos que o acusavam provar sua culpa.

Poucos sabem, mas o princípio básico da presunção de inocência não foi respeitado, no julgamento da AP-470.

O STF considerou que, sendo os réus pessoas “muito poderosas”, e tendo eles supostamente formado uma quadrilha para apagar as marcas de seus crimes, era possível condená-los com base em indícios consistentes.


Pizzolato, por exemplo, foi condenado por unanimidade, em três das acusações que enfrentou e, por 11 votos contra um, numa quarta.

Devido à ampla diferença de votos, não poderá beneficiar-se do direito a apresentar “embargos infringentes”, mesmo que o ministro Celso de Mello considere-os legítimos. Sua pena está fixada em 12 anos e 7 meses de prisão mais multa em torno de R$ 1,3 milhão.

A partir de outubro, no entanto, restou-lhe um alento moral. As reportagens de Retrato do Brasil (ao lado) refizeram a trilha de seus argumentos e comprovaram sua veracidade.

O STF não permite a Pizzolato reivindicar sua presunção de inocência, mas Raimundo Pereira e Lia Imanishi estão conseguindo comprovar que ele não é culpado do que lhe atribui o Supremo.

A partir dos próprios autos do processo, flagrantemente ignorados por dois procuradores-gerais e diversos ministros do Supremo, levantaram 99 notas fiscais que comprovam: os R$ 72,8 milhões pagos à DNA referem-se a promoções e eventos reais, que ocorreram às vistas de milhares ou milhões de brasileiros e têm documentação fiscal regular.

Se estivessem interessados em cumprir sua função constitucional, e não em condenar de antemão, os procuradores e ministros poderiam ter chegado às mesmas conclusões dos repórteres.

Verificariam que os recursos pagos pelo BB à DNA não “tiraram da instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum”. Custearam eventos patrocinados pelo cartão de crédito do banco (bandeira Visa), ou promoções para divulgá-lo.

Entre elas, o Réveillon do Rio de Janeiro; o Círio de Nazaré, em Belém; o Festival de Inverno de Campos do Jordão; a exposição de cultura africana Projeto África, no Centro Cultural do banco no Rio de Janeiro; a publicidade do BB nos biquínis, sutiãs e bandanas das campeãs mundiais de vôlei de praia, Shelda e Adriana (foto); dezenas de peças publicitárias veiculadas pela Rede Globo…

As descobertas de Raimundo e Lia, que desmentem os vereditos do STF, foram feitas em outubro do ano passado e têm sido apresentadas, desde então, com profundidade e detalhes cada vez maiores, nas sucessivas edições do Retrato do Brasil.

Foram tema central de debates e atos de protesto contra a forma como se deu o julgamento do “Mensalão”.

Até agora, não foram contestadas por nenhum ministro do Supremo, nenhum dos procuradores-gerais da República envolvidos no caso, nenhum dos jornais ou jornalistas que defendem a tese do “desvio de dinheiro público”. Todos usam, como defesa, o silêncio e a inércia.


* * *

 Ao desprezarem a investigação de crime eleitoral e optarem pela tentativa de caracterizar desvio de dinheiro público, ministros e procuradores fizeram uma opção política e de, digamos, marketing pessoal.

Desvio atrai manchetes e holofotes, além de evocar cadeia.

Afirmar que a AP-470 tratou do “mais atrevido caso de corrupção da História” reforça a tese, sempre repetida pelos jornais e TVs, de que o Brasil seria melhor se jamais tivesse sido governado pela esquerda.

Em contraste, caixa dois de campanha parece coisa banal e corriqueira, algo que todos os partidos praticam, assunto desimportante. Será?

O economista Ladislau Dowbor (foto), professor da PUC-SP e consultor de diversas agências da ONU, tem se empenhado em demonstrar o contrário.

Numa série de artigos e entrevistas publicados nos últimos meses (inclusive em Outras Palavras), ele sustenta que o modelo empresarial de financiamento dos partidos e dos políticos, no Brasil, é a principal causa do esvaziamento da democracia, do sequestro da política pelo poder econômico e do enriquecimento ilícito dos governantes.

Sem desmontar este modelo, diz Ladislau, combater a corrupção será sempre uma caça catártica – porém vã – a bodes expiatórios.

Nas “sociedades de espetáculo”, altamente midiatizadas, explica o professor, eleger um político tornou-se extremamente caro; e possuir recursos para bancar muitos mandatos assegura enorme poder político.

Em 1997, o Congresso Nacional modificou a legislação eleitoral e autorizou as empresas a investir em partidos e políticos.

Desde então, os gastos globais dos candidatos nas eleições dispararam. Segundo o TSE, saltaram de R$ 827 milhões, em 2002, para R$ 4,09 bilhões, em 2012 – um aumento de 591%, em apenas uma década – isso, sem contar o caixa dois. “Eleger um simples deputado, em qualquer Estado do país, não 
custa menos de R$ 2,5 milhões”, diz Ladislau.

Quem é capaz de mobilizar estes recursos?

Uma pesquisa dos professores Wagner Praion Mancuso (USP) e Bruno Speck (Unicamp) revela que “os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras.

Em 2010, corresponderam a 74,4% de todo dinheiro aplicado nas eleições”. Mais uma vez, sem contar os recursos transferidos “por fora”. Quais os efeitos deste vínculo entre poder econômico e mandatos?

Ladislau retorna: “Os interesses manifestam-se do lado das políticas que serão aprovadas – por exemplo, contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem."

"Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição.

"Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele […] sabe quem manda, está preso numa sinuca”.

As consequências deste controle são claras. Ladislau fornece um exemplo, entre inúmeros.

“Existe uma bancada Friboi no Congresso, com 41 deputados federais e sete senadores."

"Dos 41 deputados financiados pela empresa, só um, o gaúcho Vieira da Cunha, votou contra as mudanças no Código Florestal. O próprio relator do Código, Paulo Piau, recebeu R$ 1,25 milhão de agropecuárias (…)"

"Com o financiamento corporativo, temos bancadas ruralista, da grande mídia, das montadoras, dos grandes bancos, das empreiteiras, e temos de ficar à procura de uma bancada do cidadão”

De que forma este fenômento se desdobra também em lesão direta aos cofres públicos?

Uma dimensão importante deste círculo vicioso”, arremata Ladislau, “é o sobrefaturamento."

"Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas."

"Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, que reduz as concorrências públicas a simulacros e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar as campanhas da eleição seguinte…"
* * *

Nas eleições de 2012, o PT foi, segundo o TSE, o partido que mais recebeu financiamento privado para suas campanhas: R$ 255 milhões. As grandes 
empresas são pragmáticas: investem em quem é mais capaz de reunir votos, eleger-se e defender seus interesses: importa-lhes pouco a cor partidária.

A entrada dos petistas no circuito das campanhas sustentadas por empresas é, porém, uma das explicações centrais para o retrocesso político do partido – reconhecido por algumas de suas lideranças, como o governador gaúcho Tarso Genro.

Nas eleições para o Executivo, os choques são mais crus. Mas na atuação parlamentar, por exemplo, estão se dissolvendo as diferenças – antes nítidas – entre as bancadas petistas e as dos partidos conservadores.

Também por isso, a conduta dos procuradores-gerais e da maioria dos ministros do STF, no julgamento da AP-470, foi grotesco.

Tendo em mãos um caso que poderia revelar alguns dos mecanismos centrais de corrupção da política – desde que investigado a fundo –, eles optaram pela busca fácil e preguiçosa de “culpados” individuais, por “jogar para a plateia”, por buscar sem descanso os holofotes.

Ao fazê-lo, cometeram, como se viu, injustiças e erros primários.

Se o ministro Celso de Mello optar, nesta quarta-feira, por reconhecer o direito dos réus aos embargos infringentes, haverá alguma esperança de reparar o estrago.

Tecnicamente, o espaço para corrigir as sentenças é exíguo.

No plano do debate político, serão outros quinhentos.

Reaberto o caso, é provável que as revelações factuais recentes feitas pelo trabalho jornalístico de Raimundo Pereira e Lia Imanishi ganhem novo destaque.

– muito mais importante – talvez surja uma brecha para argumentar que o resgate da democracia começa com uma vastíssima reforma política, não com um espetáculo ritual de encarceramento.

(1) Raimundo Pereira (foto) criou e editou Opinião (1971-1977) e Movimento (1975-1980), sobre o qual há um livro, disponível na Internet. Antes disso, dirigiu, entre outros trabalhos, a edição especial da revista Realidade sobre a Amazônia, considerada por alguns como “a maior de todas as reportagens da imprensa brasileira”.

(*) Antonio Martins é jornalista. Tem no “Quem tem medo da democracia?” a coluna “Outras Palavras”.

Nota: Este texto inaugura uma parceria entre os sites “Outras Palavras” e “Carta Capital”.

Fonte:
http://quemtemmedodademocracia.com/2013/09/18/antonio-martins-mensalao-por-que-reabrir-o-caso/

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A verdade o absolverá

Dezembro de 2012  - Capa: "A Prova do Erro do STF"
- Por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira
- da revista Retrato do Brasil, edição 65 - dez/2012


Henrique Pizzolato foi condenado no STF por um crime – ter desviado 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil. Mas o desvio não existe.

Veja a prova disso nos textos que publicamos hoje e nestes últimos dias.

Henrique Pizzolato — na foto, na sacada de seu apartamento em Copacabana — está há sete anos mergulhado na documentação que recolheu para sua defesa. Ela é profunda e coerente.
Poderá levar à revisão de sua sentença? 

O apartamento em Copacabana onde mora Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), tem uma sacada da qual, em dias sem nuvens, se pode ver o Corcovado e o Cristo Redentor. Mas Pizzolato não curte muito a paisagem. De modo geral, é introspectivo, olha como se fosse para dentro de si ou para o passado. E a história do imóvel é parte de sua tragédia.

Pizzolato comprou o apartamento no começo de 2004, cerca de um mês depois de ter, segundo conta, repassado, a pedido do publicitário mineiro Marcos Valério, um pacote para o diretório estadual do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Valério disse que o pacote conteria exatos 326.660,67 reais.

Os jornais da época entrevistaram a vendedora do apartamento e descobriram que Pizzolato o comprou por 400 mil reais. E sugeriram então que o imóvel teria sido pago basicamente com o dinheiro enviado por Valério.

Em setembro deste ano, por unanimidade, os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal condenaram Pizzolato sob o argumento, entre outros, de que o dinheiro que Valério alegou estar contido no pacote seria a propina que ele recebeu por ter desviado 73,8 milhões de reais do BB para o esquema corrupto do mensalão. A conclusão seria óbvia: com a propina, Pizzolato comprou o apartamento.


No julgamento, no entanto, nenhum dos juízes mencionou a história da compra do apartamento.
Por que não?

Retrato do Brasil [RB] já sabe, como demonstrou no artigo anterior desta edição [Um Assassinato sem um Morto], que o suposto desvio de 73,8 milhões de reais do BB para o esquema do mensalão não existiu.

A propina, então, também não existiu? – RB pergunta.

É segunda-feira, 5 de novembro.
Pizzolato é um homem metódico, organizado. Em dois minutos vai ao seu escritório e volta para a sala com uma pasta na qual está a conclusão de
uma devassa feita pela Receita Federal em suas contas logo após o estouro do escândalo do mensalão, abrangendo todos os seus rendimentos, aplicações e bens obtidos nos 20 anos até aquela data, em meados de 2005.

Foram encontrados, segundo a Receita, três erros em suas declarações dessas duas décadas: uma no aluguel de um imóvel, outra no valor de uma contribuição de melhoria” relativa a um terreno também de sua propriedade e a terceira quanto ao fato de ele ter contabilizado como sua dependente a madrasta que o criou desde os seus nove anos.



Em resumo, em números redondos: total da dívida com o IR pelos erros encontrados, 5 mil reais; multa, mais 3 mil reais; juros sobre a soma das duas parcelas anteriores ao longo do período transcorrido entre a data do pagamento e as infrações, 7 mil reais; total, pago por Pizzolato à Receita no dia 29 de dezembro do ano passado, 15 mil reais.

Pizzolato e sua mulher, Andrea – ele, catarinense; ela, gaúcha – são gente simples, não têm carro, tiveram oito imóveis, venderam a metade deles, os de menor valor, para pagar um primeiro advogado. E o bem maior que têm hoje é o apartamento de Copacabana, de cerca de 150 metros quadrados. Os dois são arquitetos. Compraram o apartamento e o reformaram completamente, organizando-o em torno de uma sala ampla e agradável, com saída para uma sacada, na qual Andrea, fumante há anos, faz suas incursões periódicas. Não têm filhos. No apartamento, moram também dois amigos, um casal com uma bebê, o que anima o ambiente e ajuda reduzir as despesas per capita.

Pizzolato e Andrea se conheceram em São Leopoldo (RS), onde cursaram arquitetura. Na época, ficaram famosos graças a um trabalho de faculdade. O professor pediu que projetassem um condomínio de classe média num terreno vazio da cidade. Eles sugeriram, como alternativa, uma “comuna”, para migrantes que tinham se apossado de um terreno, inundado durante parte do ano. O projeto era vanguardista: previa o aproveitamento de água das chuvas, o uso de energia solar, tetos com plantas, cozinhas comunitárias, ausência de muros internos. Deram palestras sobre o assunto em outras universidades e se tornaram relativamente conhecidos.

Depois da faculdade, foram para Toledo, interior do Paraná, cidade cuja economia gira em torno da Sadia, a grande produtora de carnes e derivados, levados pelas propostas da Pastoral Operária. Foram da turma que criou sindicatos e o Partido dos Trabalhadores na região, junto com pessoas como os atuais ministros do governo Dilma, Paulo Bernardo e Gilberto Carvalho.

[Legenda: Pizzolato foi basicamente um sindicalista pela CUT, em Toledo, em Curitiba; em Brasília, como representante dos funcionários do BB. Mas teve também um início de carreira na política. Foi candidato a vereador, a prefeito, a governador. Para marcar posição, tornar o PT conhecido, buscar os primeiros votos. Na foto, com Lula, em 1990, quando foi candidato a governador do Paraná]

Pizzolato foi presidente do sindicato dos bancários de Toledo e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná. Pizzolato se aposentou quando se demitiu da diretoria do BB e da Previ, logo após o escândalo do mensalão, com 31 anos de banco. Era, talvez, o bancário mais conhecido no País.

Na primeira eleição direta entre os funcionários do BB para eleger um representante no conselho de administração do banco, em 1993, teve 53 mil
votos, mais que a soma de votos de todos os outros dez candidatos, escolhidos em prévias nas várias regiões do País. No cargo até 1996, tinha um
gabinete na sede do banco em Brasília. Mas não parava por lá.

Viajou pelo Brasil inteiro.
Estima ter passado por agências do banco em cerca de 3 mil municípios, em apoio à campanha contra a fome impulsionada pelo famoso Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, e sua Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida, apoiada no governo, pelo BB e pela criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar.

Depois, foi eleito diretor da Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB. Nessa condição foi nomeado para o Conselho de Administração da Brasil Telecom, na qual a Previ tinha parte do negócio. Lá conheceu Cássio Casseb, que era, também, conselheiro da empresa – indicado pela Telecom Italia Movel (TIM).

Por sugestão do então ministro Antônio Palocci, para quem os mercados não gostariam da nomeação de um petista para a presidência do banco, como contou a RB um alto dirigente do PT, Casseb, um nome do mercado, ex-diretor do Citibank, foi nomeado presidente do BB. Foi ele quem convidou Pizzolato para assumir a Diretoria de Marketing e Comunicação (Dimac).

Pizzolato assumiu em 17 de fevereiro de 2003.
Dias antes, o conselho diretor do BB tinha aprovado a renovação do contrato do banco com a DNA, a empresa de Marcos Valério, para prestar serviços de publicidade e promoção na área de varejo. Duas outras agências trabalhavam para o BB na época, a Lowe e a D+, também especializadas, para as outras duas áreas de negócios do banco: a das contas de governos e a das de empresas.

Durante o julgamento, o ministro-relator Barbosa insistiu que Pizzolato era o principal e único responsável pelo desvio, para um esquema de corrupção petista, de recursos do fundo de incentivos Visanet para a promoção da venda de cartões de bandeira Visa pelo BB, que é a tese central do mensalão. E detalhou esta acusação em vários aspectos. Um deles: Pizzolato não havia respeitado as competências definidas pelo banco para ordenar os serviços da DNA na promoção dos cartões.

Barbosa, a rigor, escolheu Pizzolato como bode expiatório de um problema que de fato existia.
Mas não fora criado por Pizzolato.

E, além do mais, o próprio Pizzolato estava tentando ajudar a resolver esse problema desde que assumiu a diretoria do banco e, já em maio, uma auditoria identificou a necessidade de se aumentar o controle sobre o uso dos recursos da Visanet.

Levei quase um ano trabalhando nisso lá dentro, junto com a diretoria de Organização, Controle e Estratégia, que apontou o que poderíamos melhorar. Em julho de 2004, já conseguimos mudanças. A partir dali, a DNA passou a ter que mandar relatórios mensais. Todo o trabalho foi para dar maior eficiência ao gerenciamento dos recursos. Em novembro de 2003, o Conselho Diretor do banco aprovou alguns aperfeiçoamentos na Dimac. Implantados esses novos procedimentos, começamos a trabalhar em várias áreas, e a dos recursos da Visanet foi uma”, diz Pizzolato.

A maior das três auditorias internas do BB sobre o uso dos recursos desse fundo, feita por 20 auditores em quatro meses no segundo semestre de 2005, aborda o problema das competências da gestão de recursos do fundo de incentivos Visanet. Mas o faz de modo mais amplo que o usado por Barbosa ao tentar incriminar Pizzolato. Diz que, desde o início do funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), nome oficial do fundo de onde vinham os recursos para a promoção da venda e uso dos cartões, havia um problema com a questão das competências.

No item 6.4.10 do relatório da auditoria está escrito: “As normas internas sobre competências e alçadas, no período de 2001 a meados de 2004, não
continham referência específica quanto às instâncias decisórias para aprovação, no âmbito do Banco, da utilização dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet.

A seguir, no item 6.4.10.1, o relatório da auditoria diz: “As primeiras referências formais relacionadas ao assunto ‘competências e alçadas’ localizadas constam no anexo nº 3 à Nota Dimac 2004-2708, de 19.07.2004, que trata do ‘Fluxo de registro dos processos e utilização do Fundo’, aprovada pelo Comitê de Administração da Dimac em 21.07.2004.

Como se vê pela sua data e origem, essa nota foi elaborada pela Dimac, na gestão de Pizzolato, para aumentar o controle do uso dos recursos do fundo Visanet, como ele explicou a RB. Ela impunha, quando do uso de recursos de terceiros – no caso, os recursos do FIV obtidos da CBMPVisanet –, as mesmas competências e alçadas praticadas pelo banco no caso de recursos próprios, de seu orçamento.

A auditoria também mostra que vinha havendo uma pequena melhoria na observância dessas normas já no governo anterior, de Fernando Henrique 
Cardoso, e que após a intervenção de Pizzolato, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma grande melhoria.

Vejamos: em 2001, 54,76% das ações de incentivo ao uso do cartão Visa foram feitas com inobservância de alçada; em 2002, 20,53%; em 2003, 21,59%; mas em 2004, apenas 7,20%. A auditoria citada ainda conclui: “Os eventos realizados em 2005 têm seus processos melhor instruídos, refletindo o resultado dos aprimoramentos que vêm sendo implementados a partir de meados do segundo semestre de 2004, existindo, porém, oportunidade de melhorias para aprimorar procedimentos.” 

Durante o julgamento, Barbosa disse, também, que os gerentes-executivos da diretoria de marketing eram subordinados a Pizzolato. A acusação tem o objetivo de afirmar que Pizzolato era muito poderoso e que, embora esses gerentes assinassem as notas de serviço para uso do FIV, era ele quem mandava. Pizzolato não tinha competência para demitir um gerente-executivo.

De fato, eles só podiam ser substituídos por ordem do presidente do BB. “A Dimac não é uma diretoria de negócios, mas uma diretoria de apoio. O diretor não pode contratar, demitir funcionários, nem autorizar gastos”, explica Pizzolato.

O ministro Barbosa encaminhou à Visanet pedido de esclarecimento sobre quem ocupava os cargos que comandavam o uso de recursos do FIV. Os documentos obtidos na CBMP depois de uma busca e apreensão na sede da companhia foram analisados pelo Instituto Nacional de Criminalística
resultaram no laudo 2828.

Neste laudo está claro quem era o responsável e quem nomeava o gestor dos recursos do BB no FIV. Não era Pizzolato e nem era ele quem nomeava esse funcionário. Até o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, (foto) aderiu à tese de Barbosa de que  Pizzolato desviou recursos públicos.

Disse Lewandowski, no voto que condenou Pizzolato: “Convém assentar que os recursos direcionados ao Fundo Visanet, além de serem vinculados aos interesses do Banco do Brasil, saíram diretamente dos cofres deste, segundo demonstrado no item 7.1.2 do relatório de auditoria interna do Banco do Brasil, às folhas 5.236, volume 25, parte 1”.

Andrea, que está há sete anos estudando a defesa do marido, abre o volume 25, parte 1, da AP 470, nas folhas mencionadas por Lewandowski. A repórter lê. De fato, dali não se depreende, de forma alguma, que os recursos saíram dos cofres do BB. Pelo contrário, o item 7 explica que “o Fundo de Incentivo Visanet foi criado em 2001 com recursos disponibilizados pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP) para promover, no Brasil, a marca Visa, o uso dos cartões com a bandeira Visa e maior faturamento da Visanet”. Ou seja, mesmo o capital social inicial do fundo foi da CBMP-Visanet, e não do BB.

O item diz, ainda, que esse fundo “é administrado por um comitê gestor – composto pelo Diretor Presidente, Diretor Financeiro e Diretor de Marketing da Visanet”. E que constam, dentre os procedimentos previstos no regulamento do fundo, que: “a) o incentivador (banco) deve apresentar ao comitê gestor, para análise e aprovação, proposta descrevendo a ação de incentivo, seus propósitos, os resultados e os custos; b) após as aprovações técnica e financeira, as despesas com a ação serão pagas diretamente pela Visanet às empresas executoras do Projeto.

A conclusão é óbvia: se as despesas são “pagas diretamente pela Visanet”, “após as aprovações técnicas e financeiras” do “comitê gestor da Visanet”, que os recursos não saíram “diretamente dos cofres do BB”. E que para retirá-los da conta da CBMP-Visanet era preciso que as ações fossem aprovadas técnica e financeiramente por ela.


[Legenda: Barbosa foi o juiz que autorizou a apreensão dos documentos da CBMP-Visanet e também quem pediu os esclarecimentos para saber qual o autor das ordens para que a empresa depositasse os recursos do Fundo de Incentivo nas contas da DNA. Sabia também que os recursos não passavam pelo orçamento do BB. Dispensou tudo isso. Para “pegar Pizzolato”?]

Barbosa serviu-se de quatro das chamadas “notas técnicas” do BB para uso dos recursos do fundo, cuja soma totaliza os 73,8 milhões de reais que

teriam sido desviados, para incriminar Pizzolato. Três delas – uma é de período em que Pizzolato estava em férias – foram assinadas por ele, de fato.


Mas também, e Barbosa não disse, foram assinadas pelo chefe da Direv, o diretor de varejo do BB e pelos gerentes-executivos das duas diretorias.


Barbosa disse, absurdamente, que somente Pizzolato era o responsável.

Para justificar a concentração da culpa em Pizzolato, Barbosa usou o depoimento de uma senhora, Danevita Magalhães, que se tornou símbolo das vítimas do mensalão para a revista Veja. O depoimento está nos autos, mas foi dado sem a presença do advogado de Pizzolato.

Nele, Danevita diz que teria sido demitida do BB por ter se recusado a assinar uma autorização para falsos serviços de promoção e publicidade no valor de 60 milhões de reais.

Ocorre que Danevita nunca foi funcionária do marketing do BB. Ela era funcionária das agências de publicidade no chamado núcleo de mídia do BB – isto está claro em seus próprios depoimentos na AP 470 –, fato que Barbosa, é claro, não considerou.



Danevita foi funcionária, em Brasília, de diversas agências de publicidade que prestaram serviços ao BB, a última delas sendo a DNA. Este depoimento apareceu em 2009. Qualquer pessoa de boa-fé que examine a acusação de Danevita sabe que é completamente absurda a afirmação de que ela teria poder para autorizar alguma despesa do BB, ainda mais no valor de 60 milhões de reais, equivalente ao das maiores campanhas de publicidade já feitas no País.

Pizzolato explica que as notas técnicas eram notas internas da diretoria de varejo informando à de marketing que havia aporte de recursos do Fundo Visanet e que estes seriam usados em campanha publicitária.

O marketing fazia o trabalho braçal. Quem fazia o briefing, que dava as características da promoção a ser feita, era o varejo. Era ele que dizia ‘quero pôr tanto numa campanha do Dia dos Pais, tanto para patrocinar vôlei’. A utilização dos recursos da Visanet era feita de acordo com a demanda da diretoria de varejo. Minha estrutura, no marketing, era, originalmente, direcionada para fazer o trabalho de promoção e propaganda do banco. Ao vir um trabalho extra – a promoção dos cartões Visa –, essa mesma estrutura era utilizada”, diz.

Ele compara o seu trabalho no marketing ao de um comandante da cozinha que manda no ambiente da cozinha, mas não controla o almoxarifado nem a tesouraria, que paga as contas. “Imagine que você esteja fazendo um jantar para 20 pessoas. Aí chega alguém e diz: ‘Vêm aí mais cinco pessoas para jantar.’ Você concorda. E pergunta: ‘Essas cinco pessoas vão pagar quanto?’ Eu tinha um orçamento para fazer um jantar para 20. Aí chegava a diretoria de varejo e dizia que tinha mais dinheiro, que viriam mais cinco pessoas. A nota técnica era eu dizendo: ‘Estou de acordo, vou usar meus cozinheiros e minhas panelas, e como vocês arrumaram mais dinheiro, posso servir mais pessoas.’”

Quando eu descobri que era assim que funcionava”, continua Pizzolato, “eu falei com o dono da casa, para saber se eu poderia receber esses cinco extras.

Fui procurar o Casseb, presidente do banco. Ele me disse que os recursos não eram do orçamento do banco, eram privados. E me mandou falar com o Edson Monteiro, vice-presidente de varejo e distribuição e que era, também, do conselho de administração da Visanet. Monteiro me disse que, sim, era assim que funcionava.

E me mostrou um parecer do departamento jurídico do banco dizendo que os recursos eram privados e que era conveniente para o banco que a Visanet pagasse diretamente a agência de publicidade, para não haver trânsito dos recursos pelo conglomerado, por questões fiscais.” 

Pizzolato completa sua história: “Mas eu disse: ‘Eu já aprovei o plano anual de comunicação do banco, que vai para a Secom [Secretaria de Comunicação do Governo], e esse dinheiro extra não estava incluído nisso’. Monteiro me disse que, como os recursos não eram públicos, seu uso não precisava ser submetido à Secom. Por isso, depois, aproveitei uma reunião para comentar isso com os assessores na Secom e, depois ainda, com o ministro Gushiken. E ele me disse que era isso mesmo, isso era uma boa notícia, porque o banco teria mais dinheiro para propaganda. E concordou que esse dinheiro não se submetia à Secom.”

Pizzolato explica o procedimento para liberar recursos do Fundo Visanet: todo início de ano, a Visanet encaminhava uma carta ao BB informando o montante de recursos que haviam sido disponibilizados pelo conselho de administração da Visanet para a promoção dos cartões Visa. A diretoria de varejo recebia esta carta e podia gastar o dinheiro sozinha ou com outras diretorias.

Se precisasse da diretoria de marketing, o gerente-executivo da Direv fazia uma nota técnica conjunta com a Dimac, que selava o acordo de trabalho entre as duas diretorias. As notas informavam que havia o valor disponibilizado pelo fundo que não impactava o orçamento do BB.

De qualquer forma, era a Direv que emitia as notas essenciais para o relacionamento com a Visanet, os chamados JOBs (de job, em inglês, trabalho), encaminhados à CBMP e que propunham o gasto de valores determinados para fazer a campanha apresentada. “Esses jobs não passavam pela diretoria de marketing. Antes de estourar esse escândalo, eu nem sabia da existência deles”, diz Pizzolato.

Os jobs não apresentavam a campanha detalhada como nas notas que circulavam dentro do banco. O regulamento da Visanet também não exigia esse detalhamento.

Pizzolato diz que era assim porque mais de 20 bancos eram acionistas da Visanet, e nenhum queria entregar a campanha que faria para o concorrente.


Os repórteres de RB ficaram dez dias ouvindo Pizzolato, lendo documentos e acompanhando Andrea, que nos mostrou sua luta de sete anos mergulhado nos autos do processo para entender o que se passou.

Nossa opinião é a de que Henrique Pizzolato diz a verdade. Pizzolato é cristão.

Parodiando a Bíblia, pode-se dizer que a verdade o libertará?

Fonte:
http://www.oretratodobrasil.com.br/revista/RB_65/pdf/RB65_parcial.pdf

Não deixe de ler:
- A encenação do mensalão e um assassinato sem o morto - Lia Imanishi e Raimundo Pereira
- O mensalão, as elites e o povo - Luiz Carlos Bresser-Pereira

- STF: mais um erro ou uma história exemplar - Lia Imanishi e Raimundo Pereira

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

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04/01/2013 - Mensagem final do blog
Por certo foi ela, a AP 470, a Ação Penal do chamado "mensalão petista", a arma mais poderosa e sedutora que a grande mídia empresarial, liderada pela poderosa Família GAFE da Imprensa (Globo/Abril/Folha/Estadão), conseguiu empunhar em 2012. Seu alvo preferencial é o projeto de nação que há 10 anos o Partido dos Trabalhadores concebeu e se dispôs a construir, mas que, em muitos aspectos contraria os interesses dos chamados homens de negócios, capitalistas e investidores assentados no topo da pirâmide sócio-econômica e ocupadas por corporações e megacorporações nacionais e, principalmente, internacionais, todas, invariavelmente, ligadas:

1 - ao agronegócio:
Como vivem quase que exclusivamente da exportação de seus grãos e da carne de seus animais abatidos (para alguns países do Oriente Médio, por questões religiosas, nem isso, o bicho vai em pé mesmo), as chamadas "commodities", querem por que querem expandir a fronteira agropecuária. Nada de ter que respeitar muito o meio ambiente e seu Código Florestal (daí a grande dificuldade de aprová-lo no Congresso), as populações originárias de cada região, a cultura, as tradições associadas a posse da terra, etc., isso tudo é muito bom, desde que não atrapalhe os negócios, caso contrário terá que ser removido para que a ambição por mais e mais terras e recursos hídricos seja satisfeita, sob a terna alegação, de que são eles que produzem os alimentos que o país consome e que portanto o povo brasileiro lhes é, de certa forma, até devedor. Como o país precisa das divisas (dólares e euros) oriundas dessas exportações se torna prisioneiro de muitas das exigências desse poderoso setor. E junto com eles entram os interesses particulares dos fornecedores de sementes transgênicas como os da transnacional Monsanto, expressão máxima dessa atividade, de agrotóxicos, herbicidas, pesticidas, medicamentos, sêmens, rações, implementos e acessórios agrícolas, dos operadores dos portos graneleiros como os da multinacional Cargill, entre outros e da leva, cada vez mais crescente, de estrangeiros que compram terras por aqui;

2 - à atividade mineradora:
Em tudo semelhante ao do agronegócio. Enriquecem com a exportação bruta. Como aqueles, pouco agregam de valor, como deveriam, a essa riqueza do nosso sub-solo, como faz, por exemplo a Petrobrás. A partir da extração do petróleo ela o beneficia aqui mesmo, e produz gasolina, óleos combustíveis e lubrificantes, querosene, etc. desenvolvendo tecnologia nacional, criando novos empregos, assegurando ao Brasil soberania sobre itens vitais da nossa economia. Não é o caso da Vale, da Anglo-American, da Alcoa, da AngloGold Ashanti e de outras dezenas de empresas, nacionais e internacionais, cujos interesses se resumem ao quadrinômio: extrair, transportar para o porto, exportar e lucrar, lucrar muito, principalmente com as vendas à China, a grande compradora dessa nossa riqueza. O objeto de seus desejos atuais são às terras indígenas e quilombolas, em tudo semelhantes aos do agronegócio: querem avançar sobre elas, em especial aquelas que abrigam riquezas minerais estratégicas como o nióbio, o nilhito, o tálio, o urânio, o cromo, além dos tradicionais, ouro, ferro, manganês, estanho, bauxita, potássio, etc. Um capítulo especial dessa ambição deve ser dedicado ao acesso às fontes de água doce existentes no subsolo, os aquíferos como o Guarani no sul e onde Alter-do-Chão, na Amazônia, é hoje sua expressão mais considerável, menina dos olhos dos desejos das francesas Vivendi e Suez. Aqui, neste blog, já publicamos inúmeras matérias sobre esse tema.

3 - ao mercado financeiro:
Aqui os chamados "rentistas" - porque vivem exclusivamente de renda - e, ao contrário dos dois acima, não produzem absolutamente nada. Suas imensas fontes de ganhos provem dos negócios bancários e suas intermináveis operações, inclusive aquelas ligadas ao câmbio, ou seja, a compra/venda de moedas, dos inumeráveis Fundos de Renda Fixa, das financeiras e seguradoras, todas elas atreladas a todo tipo de negócio produtivo, como os dos dois acima, ou não, atividades de lazer inclusive. É o universo mais rentável da atividade econômica, no Brasil e no mundo e é exatamente por isso que em muitos casos, se tornou, sofisticado, obscuro e até incompreensível para o cidadão médio. Seus líderes são os que mais ganham com as altas taxas de juros (a da nossa Selic, por exemplo) praticadas pelos governos, com o financiamento de operações que vão do plantio da soja à exportação de suco de uva, das especulações na Bolsa de Valores (compra/venda de ações das empresas e outras operações), das atividades de seguro e resseguro associadas a qualquer coisa que se possa imaginar, desde a aposta de que daquele poço vai jorrar petróleo até o transporte de minérios para o Japão ou ao bum-bum da última "miss" para que ele permaneça firme e forte nas próximas temporadas.

Daí porque, quando o governo Dilma decidiu reduzir a taxa de juros, as contas de luz e manteve estável o preço da gasolina o Finantial Times, lá de Londres e "especialista" em Economia, pediu a cabeça do nosso ministro Mantega, da Fazenda. Aqui, as agências do poderoso HSBC - após distribuir uma parte dos ganhos da Renda Fixa com os rentistas nacionais, cerca de 80 mil famílias que vivem disso - não disporão, terminado 2012, de tanto dinheiro assim, como nos anos anteriores, para remeter para Londres, a fim de que sua Matriz britânica possa compartilhar entre seus acionistas, diretores, gerentes e clientes rentistas europeus, fartos dividendos que, em última instância custaram o suor e carências do brasileiro médio.

Os especuladores da Bolsa, com ações das empresas de energia elétrica, do Banco do Brasil e da Petrobrás, vão lucrar menos. Daí porque o senador Aécio Neves que defende os rentistas dessas empresas como se estivesse defendendo-as, não consegue esconder que, na verdade, seu discurso é exclusivamente destinado aos que especulam na Bolsa de Valores com as ações delas e não o povo brasileiro, e aí taxou de inadequada essa política. De fato, não o é para a minoria de rentistas, mas certamente o é para a maioria do povo brasileiro.

Pois bem, nesse conflito de interesses onde entra a Família GAFE da Imprensa?
Por que uma Miriam Leitão, da Globo News, apenas para citar um exemplo, entre os inúmeros "especialistas em economia" abrigados nas TVs e editorias de todos os jornalões e revistas semanais, tanto combatem essas iniciativas do governo? Simples, ela, a Imprensa GAFE, não apenas porque seus proprietários - as famílias Marinho, Civita, Frias e Mesquita, respectivamente -, se identificam ideologicamente com o capitalismo neocolonialista e neoliberal, mas, principalmente porque seus veículos só sobrevivem se contemplados com seus anúncios de propaganda, tornou-se a porta-voz maior dos interesses daqueles 3 grandes e poderosos setores econômicos. Pode-se até dizer, com variações aqui e acolá, que os demais setores econômicos, tais como a indústria (de transformação, inclusive, como as siderúrgicas, por exemplo), o comércio e os provedores de serviço de um modo geral, como as empresas de telefonia, de construção, de energia e de transporte entre outros, embora também recorram a esses veículos, podem ser considerados, "aliados" pontuais do governo.

São favoráveis ao Bolsa-Família (que permite o aumento o consumo por parte das famílias), ao Luz Para Todos que estimula a aquisição de eletro-domésticos e eletrônicos, ao Minha Casa Minha Vida, promotor da construção civil, etc. programas esses que contemplam preferencialmente as carências dos mais pobres, faz surgir uma nova classe-média que, por sua vez, força uma nova ordenação social - um incômodo para as elites - mas que ajudam a girar a roda da economia, a redução da taxa Selic e dos juros e taxas bancárias de um modo geral, a não valorização excessiva do real perante o dólar permitindo a esses setores ganhos de mercados no exterior, a redução dos custos de produção (energia, combustíveis, etc), virtudes e políticas que apenas parcialmente dizem respeito aos interesses dos 3 setores acima, ao contrário, não raro, como vimos, os contraria terrivelmente.

Mas é exatamente por conta dessa política governamental que há 10 anos preside o Brasil que Lula e Dilma se tornaram imbatíveis no momento das eleições. Como o governo norte-americano não se dispõe mais apoiar golpes militares para derrubar governos que tem apoio popular, como em 1964, no Brasil, e, como de resto, em toda a América Latina, naquela década, estão em testes outras formas mais sutis de afastar esses governos. Quais seriam? Dar aos golpes uma roupagem de legalidade. Para isso, concebeu-se algo mais sofisticado, embora se possa dizer que, em termos políticos, são experiências ainda em "testes de laboratório". Como já vimos em postagens anteriores, o conhecido Instituto Millenium, com sede no Rio de Janeiro, funciona como o "cérebro", uma espécie de caixa de ressonância, onde em seus seminários, eventos culturais e empresariais reverberam-se os anseios daqueles 3 setores.

São os mais altos diretores e executivos desses segmentos os que lá, direta ou indiretamente, acionam a mídia - lembrando que toda a Família GAFE da Imprensa mantém representantes associados nesse Instituto - e articulam-se para que ela, o Congresso, a classe média (a alta principalmente), as Cortes judiciais desenvolvam uma campanha de deturpação de fatos, de difamação contra as lideranças governamentais populares, com fortes apelos a aspectos religiosos, que envolvam aborto, casamento gay, preconceitos raciais (aqui entram os negros urbanos, índios e quilombolas) e sociais e, principalmente qualquer questão que diga respeito à corrupção e malfeitos em geral de integrantes ou de personagens próximas desses governantes. Foi o que vimos isso acontecer em todo o decorrer do primeiro ano do governo Dilma e, decisivamente, em Honduras, em 2009 e agora em 2012, no Paraguai, nestes casos com a deposição pura e simples de seus governantes - Manuel Zelaya e Fernando Hugo -, ambos legalmente empenhados em fazer avançar reformas sociais relacionadas com a posse da terra em seus países.

Para essas missões, pouco importa se um diretor da revista Veja em Brasília mantém estreitas e mais do que suspeitas ligações com um bicheiro do porte de um Carlinhos Cachoeira que por sua vez é íntimo de um então oposicionista senador da república como Demóstenes Torres e assim, em conjunto, congregam-se para promover "reportagens de denúncias" muito bem direcionadas, seletivamente contra governos petistas, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. A tática é acusar mesmo sem provas (não temos no Brasil, como em países mais civilizados, uma lei específica que proteja o cidadão desses crimes quando cometidos pela imprensa), difamar, desmoralizar ou até mesmo ridicularizar qualquer projeto oriundo desses governos.

Daí porque, todo o processo do chamado "mensalão petista", a AP 470, se insere nessa estratégia. Que fique claro. Não se está dizendo aqui que a corrupção não deva ser combatida e condenada sem tréguas, como o contrabando, o tráfico de drogas, os abortos clandestinos, etc., ela o foi, como em nenhum outro governo nos últimos anos, estão aí os números e os gráficos da Polícia Federal e do Ministério Público, mas o que queremos é que o leitor observe que esse "combate" tem endereço certo, não exatamente a pura e simples extirpação do mal ou, ao menos sua redução, mas apenas desconstruir a imagem de bom governante que o povão acalenta, governantes esses, cujas políticas tanto incomodaram e seguem tirando o sono daqueles 3 grandes setores econômicos, mas que, por se identificarem com as maiores necessidades do brasileiro médio, tem garantido ao Partido dos Trabalhadores sua permanência à frente do governo.

Daí a razão dessa AP 470 ter sido forjada e ter assumido ares políticos como o próprio O Globo, o mais ilustre integrante daquela Família GAFE, não sabemos se por descuido, já começou a reconhecer. Em matéria do dia 28/12/12 - Página 6 - 1o. caderno - OPINIÃO ele afirma que "o julgamento foi político e de cartas marcadas, pois, se o resultado não fosse a condenação dos réus, isso significaria o descrédito público do Poder Judiciário", como se isso justificasse tamanha violência contra algumas pessoas inocentes - Henrique Pizzolato é apenas um exemplo - e possa ser útil como pretexto para fazer da nossa mais alta corte de justiça não mais do que um joguete a serviço dos interesses dessa imprensa e de seus patrões poderosos, de um conjunto de homens e mulheres que julgam "com a faca no pescoço", como afirmou o ministro Lewandowski, de um instrumento a mais de poder para ser posto à disposição daqueles 3 setores, cujos líderes tanto almejam desconstruir e remover os governos petistas (Ver aqui

Daí porque reiteramos o que já escrevemos: nossa luta contra essa poderosa Família GAFE da Imprensa e seus tentáculos, como o PIG, por exemplo adquiriu um emblema especial neste 2012 e deve ser objeto de batalhas mil em 2013: neutralizar ou destruir, ainda que parcialmente, essa AP 470, é um baita desafio, mas vital neste momento. No plano tático, a mais significativa entre todas as batalhas que devemos travar. Dela só deve restar aquilo que comprovadamente se configurar como um delito, sujeito, portanto, às penas da lei, tal e qual rezam nossa Constituição, o Código Penal, ritos e jurisprudência. Queremos reduzi-la ao que ela realmente merece, pelo bem da democracia, contra a tentativa disfarçada de golpear o governo Dilma e a imagem do ex-presidente Lula e, principalmente, a favor das políticas que o Partido dos Trabalhadores vêm implementando no país, em quase todos os aspectos, favoráveis à população. (Equipe Educom)