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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fritz Utzeri, um jornalismo de qualidade que desmontava versões oficiais

Utzeri (1944-2013) foi o primeiro a denunciar a morte de Rubens Paiva e a desmentir o IPM do Riocentro


Fritz entre Sérgio Fleury e Heraldo Dias, na redação do JB

Marcelo Auler, no JB On Line
O alemão de berço e brasileiro por opção Fritz Utzeri, que o jornalismo perdeu na segunda-feira, 4, foi daqueles profissionais que os próprios colegas se orgulhavam de com ele trabalhar. Forjado na reportagem numa época em que não existia meios digitais — a comunicação à distância era feita por telex e linhas telefônicas que nem sempre funcionavam — e quando a Ditadura impedia, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos e o instituto da reeleição para os cargos executivos,  Fritz acabou dando aulas de apuração de reportagens, que hoje seriam chamada de jornalismo investigativo. Mais do que isso, ajudou a escrever parte da história contemporânea do país ao desmontar versões falaciosas.

Fritz faleceu vítima de um câncer linfático com o qual lutava há três anos. Seu corpo está sendo velado na capela 6 do Memorial do Carmo, no Caju — Zona Portuária do Rio —,  de onde sairá na terça-feira, ao meio-dia, para o Crematório.

Jornalismo brasileiro de luto
Em 1978 o país ainda estava debaixo da ditadura militar. Muito embora o presidente Geisel promovesse uma abertura "lenta, gradual e segura" através da qual, aos poucos, a censura à imprensa foi sendo suspensa, ainda se vivia o bipartidarismo da Arena e do MDB, as greves estavam apenas recomeçando através de Luiz Inácio da Silva, o Lula — então um novato líder sindical — o debate sobre a Anistia política só existia entre grupos de esquerda, e assim como a discussão em torno dos desparecidos/assassinados nos porões dos quartéis e órgãos de repressão ocorria à boca pequena.

Foi neste cenário político ainda cinzento que, no domingo 22 de outubro de 1978, uma reportagem assinada por Fritz Utzeri e Heraldo Dias (também já falecido) contestava pela primeira vez de forma clara com minúcias de detalhes a versão oficial dos militares sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva.

Não foi apenas uma reportagem de jornalismo investigativo, mas um verdadeiro desmonte da versão oficial sobre o “desaparecimento” do ex-deputado Paiva. Até então, a única versão: Fritz e Heraldo se superaram nas três páginas em que o Caderno Especial do Jornal do Brasil daquele final de semana questionava: “Quem matou Rubens Paiva?”

Anos mais tarde, em 1981, quando do episódio da bomba destinada a estourar no Riocentro, a dupla de repórteres e amigos voltou a dar um show de apuração jornalística, que resultou em uma série de matérias que também mostraram ser insustentável a versão oficial, que tentava esconder um atentado que os militares da linha dura tentaram perpretar.

Revelando um tabu
Na reportagem sobre a morte do deputado Rubens Paiva — até hoje dado como “desaparecido” pelos militares — o trabalho dos dois jornalistas teve como primeiro mérito trazer à tona um assunto que muitos conheciam mas que a imprensa não divulgava, até por causa da censura que existiu nos anos de chumbo para alguns jornais.

Mas o trabalho não apenas revelou um dos casos sobre o qual não se falava, como desceu às minúcias para provar que era impossível o tão falado “sequestro” de Paiva, versão oficial do seu desaparecimento. Por ela, o ex-deputado que fora preso pela Aeronáutica e depois levado ao Quartel da PE na Rua Barão de Mesquita, teria sido resgatado, na madrugada do dia 22 de janeiro de 1971, por oito “subversivos” ao ser conduzido em um Volkswagen pela Avenida Edson Passos por três militares. O relato dava conta de uma troca de tiros, durante a qual o capitão e dois sargentos se refugiaram atrás de um muro. Teria ocorrido saraivada de tiros. Clique na imagem para ler obituário completo e a reportagem de 1978 sobre Rubens Paiva.

  

domingo, 23 de dezembro de 2012

Carta Aberta a um Delegado de Polícia

16/12/2012 - RedeDemocratica
- Respondendo à Intimação por parte do clube militar
- Escrito por  Silvio Tendler

Delegado,

Dois policiais vieram ontem [14/12] à minha residência entregar intimação para prestar declarações a fim de apurar atos de "Constrangimento ilegal qualificado – Tentativa – Autor", informa o ofício recebido.

Meu advogado apurou tratar-se de denúncia ou queixa ou sei lá o quê, por parte do "presidente do clube militar" (em letra minúscula mesmo, de propósito).


 Informo que na data da manifestação, 29 de março de 2012, estava recém-operado, infelizmente impedido de participar de ato público contra uma reunião de sediciosos, os quais, contrariando à determinação da Exma. Sra. Presidenta da República, comemoravam o aniversário da tenebrosa ditadura, que torturou, matou, roubou e desapareceu com opositores do regime.

Entre os presentes estava o matador do Grande Herói da Pátria, Capitão Carlos Lamarca, e seu companheiro Zequinha – doentes, esquálidos, sem força, encostados numa árvore.



Zequinha e Lamarca foram fuzilados sem dó, nem piedade, quando a lei e a honra determinam colocá-los numa maca e levá-los para um hospital para prestar os primeiros socorros. Essa gente estava lá, não eu. Eles é que devem ser investigados. Eu farei um filme enaltecendo o Capitão Lamarca e seu bravo companheiro Zequinha.

Tenha certeza, Delegado, de que, enquanto eu tiver forças, me manifestarei contra o arbítrio e a violência das ditaduras e, já que o Sr. está conduzindo o inquérito, procure apurar se o canalha que prendeu, torturou e humilhou minha mãe nas dependências do Doi-Codi participou do "festim diabólico". Isso sim é Constrangimento Ilegal.

E já que se trata de assunto de polícia, aproveite para pedir ao "constrangedor ilegal" que ficou com o relógio da minha mãe – ela entrou com o relógio no Doi-Codi e saiu sem ele – que o devolva. Processe-o por "apropriação indébita, seguida de roubo qualificado (foi à mão bem armada)”.

É fácil encontrar o meliante.
Comece pelo Comandante do quartel da Barão de Mesquita em janeiro de 1971. Já que eles reabriram o assunto, o senhor pode desenterrar o processo.


É, Delegado, o que eles fizeram durante a ditadura é mais assunto de polícia do que de política!

Pergunte ao queixoso presidente do clube militar se ele tem alguma pista do paradeiro do Deputado Rubens Paiva (foto). Terá sido crime cometido por algum participante da festa macabra, onde, comenta-se, havia vampiros fantasiados de pijama?

Tudo o que fiz foi um chamamento pelo you tube convidando as pessoas a se manifestarem contra as comemorações do golpe de 64. Se este general entendesse ou respeitasse a lei, não teria promovido a festa e, tendo algo contra mim, deveria tentar me enquadrar por "delito de opiniãomas aí, na fotografia, ele ficaria mais feio do que é, não é mesmo?

Por fim, quero manifestar minha solidariedade aos que protestaram contra o "festim diabólico" e foram tratados de forma truculenta, à base de gás de efeito moral, spray de pimenta e choque elétrico – como nos velhos tempos. Bastaria umas poucas grades para separar os manifestantes do povo, que estavam na rua, aos sediciosos que ingressavam no clube. Há muitos poderia causar a impressão de estar visitando um zoológico e assistindo a um desfile de símios.

Não perca tempo comigo e com a ranhetice de um bando de aposentados cri-cri, aporrinhando a paciência de quem tem mais o que fazer.


Pura nostalgia da ditadura, eles se portam como se ainda estivessem em posição de mando.

Atenciosamente,

Silvio Tendler


[17/12/2012 - por Laerte Braga, via email

O cineasta Sílvio Tendler é uma dessas pessoas que transcendem o espectro corriqueiro do dia a dia em qualquer universo e se transforma num facho de luz a deitar história para não percamos o mínimo elo que nos sobra ou que buscamos, para nos mantermos seres humanos livres e agarrados com fé e determinação àquela que "não é carroça abandonada à beira da estrada".


A intimação policial a Tendler é um ato de violência contra todos os brasileiros. E particularmente contra os que foram vítimas da barbárie que foi a ditadura militar.

Que nos processem a todos, pois somos todos vítimas e aos indignados como Tendler, mas que transforma a indignação em mostras magníficas e fundamentais no resgate da História.

Costumo dizer que muitas vezes se compara Tendler a Michael Moore afirmando que o brasileiro é o "nosso" Moore. É o contrário. Moore é o Tendler deles.

Não importam divergências, importa a coragem e o destemor de um diretor de cinema que cresce e abraça o País inteiro com sua coragem, com sua determinação, com sua história e com sua luta. Um exemplo para todos nós.

Daqui a cem anos todos saberemos quem é Tendler (o é e não o foi, cem anos, é pelo caráter eterno e indispensável de seu trabalho) e ninguém saberá quem preside o Clube Militar.

A História é implacável com os medíocres, mas não com os lúcidos, os inteligentes, os corajosos, os que lutam.

Laerte Braga]


Fonte:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=3440%3Acarta-aberta-a-um-delegado-de-pol%C3%ADcia-ou-respondendo-%C3%A0-intimida%C3%A7%C3%A3o-por-parte-do-clube-militar

Vídeo URL: http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=1_Io8tz9WLM

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.