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sábado, 2 de março de 2013

Na surdina, Congresso pode dar um golpe nos trabalhadores

21/02/2013 - Leonardo Sakamoto em seu blog

Para atender à determinação do Supremo Tribunal Federal, de que o veto de Dilma Rousseff à alteração das regras de distribuição de royalties do petróleo só possa ser analisado após a análise de outros 3 mil vetos, o Congresso está desenterrando alguns esqueletos. Alguns com cara bem feia.

Há parlamentares que, na surdina, estão se articulando para que um dos vetos presidenciais, em especial, seja derrubado: o que trata da chamada Emenda 3.

A emenda, que integrou o projeto que criou a Super Receita, propõe que auditores fiscais federais não possam apontar vínculos empregatícios entre empregados e patrões, mesmo quando forem encontradas irregularidades.

Apenas a Justiça do Trabalho, de acordo com o texto, é que estaria autorizada a resolver esses casos.

Na prática, a nova legislação tiraria o poder da fiscalização do governo, o que dificultaria o combate ao tráfico de pessoas, ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e a terceirizações ilegais que burlam direitos do trabalhador.

Originalmente, a emenda foi proposta atendendo à solicitação de empresas de comunicação e de entretenimento que contratam funcionários por meio de pessoas jurídicas, conhecidas como “empresas de uma pessoa só”.

O problema é o efeito colateral que isso pode criar para o restante da sociedade.

O Congresso Nacional aprovou a emenda, mas o então presidente Lula a vetou em março de 2007.

Na época, trabalhadores foram às ruas para apoiar o veto – milhares de metalúrgicos fizeram passeatas na região do ABC, metroviários cruzaram os braços e bancários protestaram na capital paulista.

Com as manifestações, a medida foi posta em compasso de espera, uma vez que assustaram deputados e senadores favoráveis à medida.

Agora, como parte da discussão sobre o pacote de vetos, reapareceram articulações, contando com a breve memória do brasileiro e com a dificuldade de analisar atentamente uma única matéria quando são milhares os vetos discutidos ao mesmo tempo.

Em um país onde milhões de pessoas são tratadas como ferramentas descartáveis, a fiscalização do trabalho desempenha um papel fundamental.

Ela não é perfeita, mas sem esse aparato de vigilância, as relações de trabalho seriam bem piores do que realmente são.

A desregulamentação não levaria necessariamente à auto-regulação pela sociedade, como profetizam alguns economistas, mas sim ao caos.

Se, com regras minimamente vigiadas, você – trabalhador – já é maltratado, imagine sem.

De acordo com procuradores e juízes do Trabalho ouvidos por este blog, no campo, por exemplo, a aprovação dessa proposta ajuda muito fazendeiro picareta que monta uma empresa de fachada para o seu contratador de mão-de-obra empregar safristas.

Dessa forma, ele se livra dos direitos trabalhistas, que também nunca serão pagos pelo “gato”, o contratador – boa parte das vezes tão pobre quanto os peões. E consegue concorrer aqui dentro e lá fora sem reduzir sua margem de lucro. Que em nosso país é mais sagrado que todos os santos e orixás.

Nas cidades, isso facilitaria e muito a manutenção de oficinas de costura que contratam trabalhadores de forma precária ou os submetem a condições análogas às de escravo, muitos dos quais imigrantes latino-americanos pobres que vêm produzir para os cidadãos brasileiros.

Oficinas que, não raro, surgem apenas para que a responsabilidade dos custos trabalhistas saiam das costas de oficinas maiores e de grandes magazines.

Você não vê o escravo em sua roupa, mas ele está lá.

Além de beneficiar os empregadores que querem terceirizar seus empregados (ou legalizar os já terceirizados), a Emenda 3 pode funcionar como ponta-de-lança para outras mudanças.

Abre a porteira para regularizar de vez a situação das pessoas que ganham pouco, batam cartão e respondam a um chefe, mas que são obrigados a criar uma empresa para ganhar o salário e ficar sem os direitos trabalhistas.

Se o bolo de dinheiro fosse distribuído de forma justa entre patrões, chefes e empregados em uma empresa, a defesa do veto da Emenda 3 não seria tão necessária. Mas não é o que acontece.

Colocar a Emenda 3 em vigor também pode aumentar ainda mais o rombo da previdência, pois ela tende a levar a uma diminuição no carregamento do INSS. Idem para o FGTS, cujo caixa financia a casa própria e banca o Programa de Aceleração do Crescimento.

Isso abre a porteira a outros projetos draconianos destinados a resolver os problemas que seriam causados pela Emenda 3, como reduzir os reajustes das aposentadorias a fim de economizar.

Projetos como a Emenda 3 fazem parte de uma mesma política para diminuir o poder que o Estado tem de garantir que o empresariado tenha um patamar mínimo de bom senso.

Com o aumento da competição, cresce também a precarização do trabalho e com ela o discurso da necessidade de desregulamentação, ou seja: pá de cal nos direitos adquiridos e vamos embora que o mundo é uma selva.

Durante as manifestações de apoio ao veto à Emenda 3 em 2007, uma retórica se tornou constante em círculos empresariais e entre alguns colegas da área de economia: de que era um absurdo trabalhadores fazerem greve que não fosse por emprego e salário, mas por política trabalhista.

Em outras palavras, protestar por água e pasto, é horrível, mas vá lá. Já a luta para que o aumento da capacidade de competitividade das empresas não seja feito engolindo os trabalhadores é uma atitude deplorável. “Esse país não quer crescer”, diziam eles.

Nesse ritmo, não me espantaria – num futuro não muito distante – ver anúncios estampados em página dupla nas revistas semanais de circulação nacional dizendo: “O Banco X pensa em seus empregados. Ele paga 13º salário. Isso sim é responsabilidade social”.

E nossos filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: “pai, mãe, o que é emprego?

Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/02/21/na-surdina-congresso-pode-dar-um-golpe-nos-trabalhadores/


Não deixe de ler:
- Jean Salem, uma filosofia para transformar o mundo - Milton Pinheiro
- O mito do capitalismo “natural” - Rafale Azzi
- Europeus reagem ao neoliberalismo que empobrece o povo - Mario Augusto Jakobskind
- Agenda que falta ao movimento sindical - Marcos Verlaine

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O mito do capitalismo “natural”

19/02/2013 - por Rafael Azzi - extraído do blog Outras Palavras

O banqueiro e sua esposa, de Marinus van Reymerswaele
Há séculos, a ideia de que o ser humano é “em essência” egoísta-competitivo justifica relações capitalistas. Descobertas recentes estão derrubando tal crença.

O modelo capitalista de sociedade premia e estimula o comportamento individualista, utilitário e egoísta.

Diversos pensadores, como o economista Alan Greespan, acreditam que tal comportamento apenas reflete a verdadeira essência da natureza humana e, portanto, não há muito a fazer a respeito.

Entretanto, essa visão do ser humano foi moldada ao longo da história e, na verdade, os estudos de hoje discordam da noção de que somos  essencialmente individualistas e agressivos.

Alguns filósofos, como Thomas Hobbes, John Locke e Adam Smith, contribuíram para a consolidação da ideia de que o ser humano é, por natureza, racional, autônomo, utilitário e voltado principalmente para a satisfação egoísta de seus próprios interesses.

As principais instituições políticas e econômicas que hoje moldam a sociedade foram fundadas a partir desses preceitos sobre a natureza humana.

O modelo social adotado pelos princípios capitalistas põe em cena uma perspectiva de Estado-Nação que tem como objetivo estimular as forças do livre mercado e proteger a propriedade privada.

O homem é então considerado um indivíduo autônomo e racional que, ao optar por viver em sociedade, acredita que esta é a melhor forma de proteger seus próprios interesses, evitando assim um estado de selvageria natural representado pela expressão hobbesiana “guerra de todos contra todos”.

Da mesma forma que os indivíduos proclamam sua autossuficiência, os Estados são vistos na política internacional como autônomos na busca do próprio interesse.

Sob tal perspectiva, as nações encontram-se em eterna batalha em busca de poder e de bens materiais.

A narrativa histórica é construída a partir de uma constante dicotomia estabelecida entre Estados e indivíduos isolados, público e privado, termos ocasionalmente unidos apenas por razões de utilidade ou de lucro.

O mito do homem que sobrevive como indivíduo é difundido na literatura universal em heróis como Robinson Crusoé: o homem que consegue, sozinho, através do uso da razão, utilizar a natureza a seu favor e sobrevive sem o auxílio de outras pessoas.

Porém, o que não está dito é que Crusoé é um homem adulto, que cresceu em uma sociedade complexa, na qual dependia diretamente de outras pessoas.

Além disso, ele apenas aprendeu os conhecimentos necessários para a sua sobrevivência na ilha deserta através do contato com experiências de outras pessoas e outras gerações.

Essa visão filosófica, que se transformou em política, foi naturalizada por um conjunto de teorias científicas.

O darwinismo social é uma interpretação estreita da teoria de Darwin aplicada à sociedade humana. Tal teoria enfatiza a ideia de que a evolução se relaciona à competição e à sobrevivência do mais forte, pondo-a em prática na sociedade humana.

Dessa forma, características como individualismo, agressividade e competição seriam os agentes naturais da evolução. Argumenta-se que a competição pela sobrevivência fundamenta a evolução humana, a fim de justificar a sociedade capitalista como o modelo natural a ser adotado.

Atualmente, tal noção é considerada bastante reducionista.

Já se observou, por exemplo, que não apenas a competição mas também a cooperação entre os indivíduos são fatores de extrema importância na sobrevivência de espécies sociais.

Recentes estudos de sociobiologia vêm comprovando a hipótese de que o ser humano é, na verdade, um dos animais mais sociais que existe.

Não é difícil comprovar esse fato: vivemos em grupos cada vez maiores, em sociedades cada vez mais complexas com indivíduos interdependentes. Temos a necessidade constante de nos sentir conectados a outras pessoas e de pertencer a um grupo, em um sentimento que remonta às ideias ancestrais de coletividade e de comunidade.

Uma descoberta biológica recente vem corroborar essa ideia.

Os neurônios-espelhos fazem parte de um importante sistema cerebral que atua diretamente em nossa conexão com outros indivíduos. Esse conjunto de neurônios é mobilizado quando vemos outra pessoa fazendo algo.

Pesquisadores constataram que, quando uma pessoa observa outra realizando uma ação, no cérebro do observador são estimuladas as mesmas áreas que normalmente regem a ação observada. Portanto, ao que tudo indica, nossa percepção visual inicia uma espécie de simulação ou duplicação interna dos atos de outros.

Os neurônios-espelhos são a base do aprendizado e da aquisição da linguagem humana. Mais do que isso, eles tornam fluida a fronteira entre nós e os outros; são a origem da empatia, que é a capacidade de nos colocar no lugar de outra pessoa.

Pode-se dizer que, ao observar alguém sorrindo, imediatamente nos sentimos impelidos a sorrir também. Quando percebemos alguém que está em uma situação que causa dor, a reação natural é partilhar o sentimento de dor alheia.

A capacidade empática e a necessidade de fazer parte de um grupo formam as bases, por assim dizer, das religiões organizadas e do sentimento de nacionalismo.

O problema é que, ao mesmo tempo em que fomentam a empatia coletiva, estas instituições limitam o sentimento empático pelos indivíduos que não fazem parte do mesmo grupo.

Assim, o indivíduo que faz parte de outra ordem — seja ela uma nação, uma religião, uma etnia ou uma classe social — é considerado diferente, distante e, eventualmente, intolerável.

Tais rótulos limitam a capacidade empática e impedem de ver o outro como um semelhante na partilha de sentimentos, desejos e angústias intrínsecos à natureza humana.

Um exemplo de que a empatia é natural ao ser humano é a forma como ela ocorre de maneira livre e instintiva nas crianças. Quando uma criança observa outra pessoa em situação desfavorável, como a mendicância e a falta de moradia, a primeira reação é o questionamento.

Invariavelmente, as respostas que fazem uso de rótulos auxiliam a explicar a situação: “é apenas um mendigo” ou “é só um menino de rua”.

Com frases assim, está-se afirmando que o outro não é alguém como nós; trata-se apenas de alguém diferente, em uma realidade distante da nossa.

Portanto, ao estimular constantemente o egoísmo e o interesse individualista, a sociedade baseada no modelo atual desestimula a capacidade empática existente em cada um.

Dessa forma, pode-se afirmar que o desafio do nosso tempo é desnaturalizar o egoísmo social que foi imposto e recuperar nossa empatia natural, não apenas em relação aos grupos de pertencimento, mas sobretudo ampliada em relação a toda nossa espécie.

Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/02/19/o-mito-do-capitalismo-natural/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Mali: rejeitemos esse desafio à civilização


Bandeira francesa junto a soldados do Exército do Mali. Foto: AFP

Por Antonio Negri*

A intervenção francesa no Mali reflete uma crise política que tende a generalizar-se na África saariana e subsaariana depois da “Primavera Árabe” do Magreb. “Manifesta-se o lado perigoso da Primavera Árabe”, escreve em manchete o New York Times, e acrescenta: “tinha razão o coronel Kadafi, quando previa que, se ele caísse, o pessoal de Bin Laden chegaria por terra e mar para ocupar as margens do Mediterrâneo”.

Mas, é isso que, realmente, impulsiona à rebelião os novos guerrilheiros nos desertos do Norte da África, ou são impulsionados por miséria cada vez mais feroz e pela lógica sempre destrutiva dos governos da ex-Françáfrica? As zonas rurais dos países do Sahel permaneceram, apesar delas mesmas, nos últimos anos, em situação de miséria profunda, que alimenta o êxodo da população e a desestabilização das grandes cidades. Frente a isso, as estatísticas macroeconômicas mostram a existência de um “falso” desenvolvimento vinculado à atual corrida pela extração de minérios em direção àqueles territórios ricos desses recursos: o Mali, por exemplo, é o terceiro produtor mundial de ouro, rico em urânio, e prevê-se que seja também muito rico em hidrocarbonetos.

O jihadismo entra nesses territórios não pelo fanatismo de alguns e não os submete a partir da ‘barbárie terrorista’ (como dizem à opinião pública ocidental), mas, sim, porque nesses países as instituições continuam a dissolver-se, dada a fragilidade econômica e civil. Por isso, o êxito dos “invasores” que não são invasores está praticamente garantido.

O Mali é só mais um país do Sahel – os demais também estão em situação crítica semelhante. A dúvida sobre o aprofundamento da crise em cada um deles depende só de alguns fatores casuais que ainda contêm o desabamento recém iniciado do “dominó”. No Mali, que em certo momento foi “vitrine da democracia”, o governo estava em crise há bastante tempo, asfixiado pela corrupção, por repetidos golpes de Estado e pela rebelião popular dos tuaregues no norte. Os tuaregues querem a independência do Azawad (vasta região desértica do norte do Mali). Essa revolta encontrou ocasião de triunfar porque, com a queda do governo do coronel Kadafi, muitos tuaregues voltaram ao seu país natal com armas (em grande e sofisticada quantidade) e equipamentos (logísticas regionais e alianças com parte do exército maliense). Deve-se ter em mente que a intervenção francesa (e da OTAN) na Líbia produziu naquele país a implosão de mil facções locais, ideológicas, étnicas, as quais, depois de Kadafi, ficaram sem qualquer autoridade capaz de ostentar força legítima.

A rebelião tuaregue armada encontrou, além disso, apoio forte e provavelmente decisivo em grupos salafistas e jihadistas que já em 2002, ao terminar a guerra civil argelina, haviam instalado os fundamentos da al-Qaeda no Magreb. Há cerca de dez anos, esses grupos vinham construindo (aproveitando a “indústria dos sequestros” e o apoio aos “traficantes’ ilegais que operam nesse amplo território) bases e redes de apoio à guerrilha. O perigo era evidente. Há três, quatro anos, está em andamento uma cooperação bilateral França-EUA para combater o que alguns chamam de “eixo Kandahar-Dakar”. Recentemente, o New York Times revelou que o Departamento de Estado investira cerca de 500 milhões de dólares nessa região, nessa estratégia de antiterrorismo. Já no início de 2012, o comando norte-americano na África, AFRICOM, deu-se conta de que boa parte das tropas malienses adestradas pelos norte-americanos haviam-se unido à revolução no norte do país.

Agora, vimos a intervenção francesa, em resposta a pedido urgente do governo de Bamako (ou do que resta dele) formalmente apoiado por extensa coalizão de países africanos e governos europeus. Mas a guerra francesa já parece estender-se como mancha de azeite para grande número de países vizinhos. O que se viu acontecer na Argélia na última semana, quando a gentil intervenção daquele governo e de seu exército já produziu centenas de assassinatos, é só o começo desse amargo desenvolvimento.

Por enquanto, consolam-se a imprensa e a opinião pública francesa com a crença de que não se trataria de guerra de usura (como a guerra no Iraque ou no Afeganistão) cujos protagonistas movem-se “entre as populações”; tratar-se-ia de guerra clássica no puro deserto, guerra de posições e de movimentos. As coisas não demorarão a mudar muito. Talvez os franceses, com as tropas de outros países africanos (que permanecerão sob comando dos franceses, enquanto os EUA continuarem reticentes e resistirem a envolver-se na mudança) consigam a vitória em campo. Mas em seguida... como governar no deserto, em situação de paz que não é paz, numa “guerra nômade” que começa, em quadro de histeria frente a eventuais ataques terroristas na França continental e, sobretudo, em face da memória da vergonha colonial e do despotismo pós-colonial mantido pela potência francesa? Mas, sobretudo, como considerar, na situação atual e em situação de pós-guerra – aspectos que nos permitimos chamar “aspectos bons” da Primavera Árabe, ou, melhor dizendo, daquela “Primavera Africana” que parecia estar começando a apontar também no Sahel?

É inútil – e vale a pena repetir – culpar o extremismo de um islamismo salafista radical, quando se está sufocando a única alternativa verdadeira que realmente teria chances de concretizar-se: o amadurecimento – já iniciado nesses territórios – de elites jovens, democráticas, anticapitalistas. É necessário atacar as causas socioeconômicas dessa crise.

Se se ouvem os especialistas, dizem que, para desenvolver um programa de reconstrução e de desenvolvimento, seria necessário intervir nesses territórios nos setores agrícolas, de reflorestamento, de criação de animais, na melhoria de estradas e do transporte, no acesso à água, na promoção da energia solar e eólica, etc. E logo reiniciar os programas de produção de algodão e de cereais nessas regiões... Em resumo: tudo. Por fim e especialmente, “as populações devem beneficiar-se da renda da mineração; do ouro, para começar, primeiro produto de exportação”.

Não é solução, de fato, cômica? E na risada não aparece, evidente, o cinismo, no mínimo hipócrita, que há em tanto insistir na mesma execrável sede de dinheiro que arrasta esses governos liberais a combater terroristas pelas impiedosas terras desérticas do Sahara e do Sahel como se fossem trunfos a distribuir entre os inimigos (porque é muito difícil identificar quem é terrorista e quem é camponês pobre ou proletário metropolitano agora sublevados). Ainda mais: não lhes parecem lágrimas de crocodilo – e na Itália todos as confundem – as lágrimas que nossos democratas tanto choram?

Pesado fardo de nossa civilização, que nos obriga a intervir! Sagrada obrigação da soberania, dessa vez exercida em nome da Europa! Atenção! Até os EUA já pararam de repetir essas estupidezes, depois das terríveis derrotas no Oriente Médio! Reconheçamos, isso sim, que só modificando radicalmente nossa consciência política, só rompendo radicalmente com formas de governos harmônicas e funcionais em relação ao capital, poderemos voltar a nos orientar corretamente.

No marco da globalização, não se pode raciocinar como raciocinam os Parlamentos nos países da Europa e o Parlamento Europeu, com homens e “mídia ou imprensa-empresa” votando a favor da intervenção francesa (e foi particularmente odiosa, em Estrasburgo, a atitude belicosa dos Verdes europeus).

Gilles Kepel – talvez o maior especialista em temas árabes conhecido no Ocidente – destaca que “o que está em jogo no Mali é um desafio à civilização na época da globalização. O Sahel é, ao mesmo tempo, vítima por excelência e lugar da incandescência”.

Acrescentamos: a resistência e a guerrilha anti-imperialista naquele desesperado local despossuído e devastado são luta anticapitalista. Não gostaremos de ter de reconhecer que os islâmicos têm razão.

*sociólogo e ativista político italiano, é autor, com Michael Hardt, de Império (Record, 2001). Tradução: Vila Vudu.

Leia ainda:
- Não à intervenção colonial no Mali
- Journal du Mali: O Mali, a França e os extremistas

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Brasil perdeu o charme, diz o rentismo

10/12/2012 - Saul Leblon - Carta Maior

Razões intrínsecas ao modo de produção singularizam a economia em nosso tempo com uma concentração da riqueza financeira proporcional ao agigantamento global da reprodução capitalista.

Não existe, não existirá outro equivalente econômico que rivalize com o poder de comando criado em torno dessa engrenagem. Sua negação terá que ser construída na esfera da democracia e do Estado.

É a essência da crise atual.

O crédito se notabiliza como a viga estrutural da escala assumida pelo hegemonia financeira. Mas é só um pedaço do poder de comando sistêmico exercido pela finança que a distingue como o setor mais poderoso e organizado da economia.

Por "poder de comando sistêmico" entenda-se a hegemonia de um aparato que inclui a gestão da riqueza entrelaçada à propriedade dos meios de produção, mas que vai além revestindo essa posse de salvaguardas institucionais, bem como do poder de sujeição, capacidade de influência e iniciativa que, somadas, firmam um sinônimo daquilo que se entende por dominação social.

Gestores, analistas, mídia, acadêmicos, institutos de pesquisa, think tanks, bancadas parlamentares, a robusta categoria dos consultores (e sua inesgotável bateria de 'estudos' a colonizar redações obsequiosamente receptivas), ademais das articulações internacionais e do controle de amplos segmentos do Estado servem à engrenagem que impulsiona e sustenta o poder do capital a juro entrelaçado às corporações produtivas.

Não são as necessidades do desenvolvimento ou as da sociedade que comandam esse processo. É o inverso.

E esse inverso está sendo afrontando no Brasil na sua autonomeada prerrogativa de ditar a remuneração do capital a juros e os rumos da economia.

Contrariar essa lógica não é algo que se faça a frio: não se trata de questão técnica.

Ela confronta uma escolha de sociedade e um escrutínio sobre quem deve assumir o comando do seu desenvolvimento e do seu destino.

Desde 2008, com a mudança nas relações de forças decorrente da crise global, o Brasil tem aproveitado a margem de manobra para mitigar esse domínio. Inicialmente, com a determinação de criar a menor área de atrito possível.

O governo Dilma foi além das negociações protocolares.

Este ano as taxas brasileiras foram colocadas nos níveis mais baixos da história. Com o nada desprezível poder de indução dos bancos públicos, tenta-se agora dobrar a banca privada no braço de ferro do corte nos spreads e no custo das tarifas - ambos persistem obscenos.

No 3º trimestre os bancos brasileiros tiveram uma queda de lucros de 31% em relação a igual período de 2011.

Nada que ameace a gordura acumulada nas muitas vezes em que o ventre protuberante dos banqueiros locais depositou suas credenciais na liderança mundial da lucratividade financeira.

Mas o fato é que uma queda de 31% nos lucros é suficientemente dura para gerar animosidade na turma dos acionistas e da aristocracia engravatada.

Gestores de carteiras que desfrutam de suculentos bônus anuais, uma bolada extra que pode representar o equivalente a 50 salários em troca de metas e saldos, terão que reduzir as expectativas a partir de agora.

Segundo o jornal Valor desta 2ª feira [10/12]:
"Executivos do setor financeiro devem ter uma redução entre 10% e 30% nos bônus que serão pagos em 2013, relativos a resultados de 2012".

Motivos:
"A pressão por spreads menores nos bancos, a dificuldade que as 
instituições estão enfrentando para gerar rentabilidade em um cenário de juros mais baixos e o impacto da crise financeira lá fora são fatores que devem segurar os bônus dos executivos de finanças este ano", explica ao Valor, Bernardo Cavour, diretor da Flow para o segmento de bancos e private equity"

Há uma outra forma de ver a coisa. Ela evidencia o embate silencioso entre os sócios do rentismo e o esforço de construção de uma política ativa de desenvolvimento para o país no pós-neoliberalismo.

Ou, como preferiu dizer de forma mais técnica a Presidenta Dilma, em seu discurso no Encontro Nacional da Indústria (05-12-2012):

"Vivemos um período de transição, um período no qual os investimentos do setor real da economia tenderão de ser mais atrativos que as demais oportunidades de investimento (financeiro); o Banco Central conseguiu realizar um movimento cauteloso na direção (dessa) mudança macroeconômica ( ...) que é estratégica".

Em resumo, o ajuste global ganhou aqui um impulso ordenado pela determinação política de reduzir a lucratividade desfrutada durante anos pelo capital financeiro. E induzir os investidores a migrarem para os segmentos e projetos da esfera produtiva. Uma travessia de certa forma inspirada naquilo que Keynes prescrevia como 'provocar a eutanásia do rentista' - a sua transmutação em capital produtivo.

Se não o fizer o Brasil naufragará junto com as economias mundiais conflagradas pela desordem neoliberal e soterradas no ajuste que recorre ao mesmo veneno.

A aristocracia das gravatas & cifrões rastreia o ambiente e se remexe inquieta.

O noticiário econômico é farto em motivações para inquietar traseiros longamente modelados em assentos de couro.

O Citigroup vai demitir 11 mil funcionários no mundo (4% da folha); 14 agências vão cerrar as portas no Brasil; o Santander pode demitir 5 mil funcionários no país, etc.

Seria importante se algum curso de jornalismo se dispusesse a centimetrar quanto do noticiário econômico e das colunas ditas especializadas, tem sido ocupado por críticas, 'estudos', projeções e 'advertências' (ameaças?) originárias do aparato ideológico construído em torno da endogamia entre juros siderais e bônus milionários.

Serviçais do teclado e dos microfones farejam o filão e babam ao vivo, ao mesmo tempo em que respingam sofreguidão nos textos.

O episódio da The Economist - que pediu a demissão do ministro Mantega - é só a cereja desse bolo ainda em fermentação.

Uma coisa é certa, a gigantesca massa de forças reunida em torno desses interesses mais que nunca está à campo, pautando e martelando a mídia amiga.

E não é para elogiar o Brasil, que perdeu o charme, dizem as análises isentas. Menos ainda para tornar mais leve a segunda metade do mandato da Presidenta Dilma, a partir de 2013. A ver.

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1153

Imagens: Google Images

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Reaglutinar forças e novos rumos para o mundo




[Não vemos como, menosprezar este assunto, pois ele ora nos assombra, estamos quase sós e a mídia mercantil vem demonstrando sua pujança fazendo a cabeça de parcelas consideráveis da população. Não apenas do mauricinho rentista da bolsa de Valores, mas também do vigilante noturno que no seu radinho ligado na CBN ouve os comentários de um tal Merval Pereira que exercita com perícia as artes de um hábil enganador de ouvintes e leitores.

É chegada a hora, diz essa mídia, de expurgarmos de vez essa chaga chamada PT que tomou conta do poder e que, desgraçadamente, lançou o país nesse mar de lama chamado corrupção. A verdade, aquilo que de sórdido se encontra por trás dos arautos da CBN, não vem à tona. Não temos, como nos países do chamado Primeiro Mundo, uma regulação da mídia que nos permita, ao menos, contestar as mentiras que ela divulga, as quais, a bem da verdade, não passam de esforços pra retirar do povo o que ele conseguiu de melhorias de vida nos anos de governo Lula.

Tudo porque, a Comunicação nestas terras é via de mão única, exclusiva de apenas quatro famílias, a chamada Família GAFE da Imprensa (Globo/Abril/Folha/Estadão), composta respectivamente, pelos clãs Marinho, Civita, Frias e Mesquita, um no Rio e três em São Paulo, que dominam, controlando com folga, praticamente todos os meios de comunicação do Brasil, das revistas semanais aos jornalões diários, passando pela TV a cabo e pelas bandas largas dos TeleCines, dos joguinhos da internet dos nossos filhos ao futebol profissional voltado pros marmanjos.

Os recados que aí estão têm sua razão de ser, em todos os aspectos oportunos, pois é evidente, como escreveu Mino Carta, "que o golpismo da mídia da casa-grande seja irreversível e é do conhecimento até do mundo mineral", mas é inaceitável e "causa espécie, o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País em lugar daqueles da minoria", como os que Merval Pereira representa, se somarem a uma aparente omissão, tanto das lideranças do PT quanto da cúpula do governo Dilma.

Ou será que blogueiros e internautas militantes, estamos sós? Ou será nossa união quem dará o tom das verdades que queremos que prevaleçam nesse momento de pré-golpe, urdido em silêncio pelas elites reacionárias acantonadas num tal Instituto Millenium, no Rio de Janeiro, e tendo como porta-voz essa mídia empresarial e seus, assim chamados, analistas, articulistas e especialistas a soldo dela, aliás, bem remunerados.

Do que Saul Leblon escreveu anteontem na Carta Maior pinçamos: "Até que ponto o monopólio midiático é responsável pelo 'consenso' que jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 1929? A pergunta não é retórica, tampouco a resposta é desprovida de consequências políticas práticas. Imediatas, urgentes, imperativas. Trata-se, por exemplo, de saber em que medida a formação do discernimento social, condicionado por esférica máquina de difusão de certos interesses, dificulta a própria busca de soluções para a crise. Mais que isso. Se esse poder blindado que se avoca imune à regulação - como se constata em tintas fortes hoje na Argentina, mas não só - tornou-se um dos constrangimentos paralisantes dessa busca, um difusor de impasses e confrontos, como democratizá-lo?"

Se Oscar Niemeyer não está mais conosco para ser aclamado como presidente de honra desse movimento que tem como integrantes de sua comissão organizadora, Luiz Pinguelli Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro Stédile, Samuel Pinheiro Guimarães, Pedro Celestino, Roberto Amaral e Ubirajara Brito, propomos que seus ideais permaneçam vivos, pelo menos enquanto ecoar entre nós sua fala romântica que por todos seus 105 anos alimentou a certeza de que um futuro melhor para o ser humano é possível.

Assim, não vemos motivo algum que justifique ficarmos alheios, de braços cruzados diante dessa armação que pretende sem qualquer desfaçatez, reeditar, agora com uma roupagem civil e uma legalidade "made in Paraguai", o traiçoeiro golpe civil-militar de abril de 64.


Fez bem a FALE-Rio quando na última sexta-feira, 7/12, foi pra rua apoiar o governo argentino (manifestações semelhantes ocorreram também em outras capitais) em sua luta para fazer da Comunicação em seu país um marco da conquista de um direito humano fundamental para o seu povo.

A divulgação desse manifesto e a conclamação do professor J. Carlos se inserem nesse esforço, de denúncia dessa mídia que nos impõe uma cultura de silêncio e dominação. (Equipe Educom)]


14/11/2012 - Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial
- Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

Porto Alegre - Um grupo de forças populares, progressistas e de esquerda está articulando um manifesto de reflexão sobre a crise econômica e política mundial e de reaglutinação de forças no Brasil.


A reunião de lançamento desse manifesto deverá ocorrer hoje, 10/12, no Palácio da Cultura, no Rio de Janeiro.

A pauta principal dessa primeira reunião será definir formas e meios de ação a partir de um programa de 11 pontos adotado no texto.

Para tanto, será debatida a criação de um movimento em defesa da democracia, do Brasil e da paz. A ideia é que Oscar Niemeyer seja aclamado como presidente de honra desse movimento que tem como integrantes de sua comissão organizadora, Luiz Pinguelli Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro Stédile, Samuel Pinheiro Guimarães, Pedro Celestino, Roberto Amaral e Ubirajara Brito.

O manifesto já reúne mais de 150 signatários. Além dos nomes citados acima há outras personalidades de renome nacional como Carlos Lessa, Ennio Candotti, Geraldo Sarno, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Luiz Carlos Bresser Pereira, Manuel Domingos Neto, Mauro Santayana e Pedro Casaldáliga.

O documento parte do diagnóstico de que, em 2012, “o mundo entrou em momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de grande escala”. “O agravamento da crise do capitalismo em escala mundial”, prossegue, “coincide, não por acaso, com iniciativas aventureiras de expansão imperialista no Oriente Médio, mas com alastramento possível a outros continentes”.

As deflagrações decorrentes deste cenário, diz ainda o texto, podem resultar em danos terríveis, inclusive para o Brasil, ressaltando que, aqui, entretanto, se abrem ao mesmo tempo oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico e institucional, que reclamam a mobilização na defesa da democracia, dos interesses nacionais e da paz. E conclui: “É urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mas forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade”.

A seguir a íntegra do manifesto:

A CRISE MUNDIAL, A DEFESA DO BRASIL E DA PAZ

EM 2012, O mundo entrou em momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de grande escala. O agravamento da crise do capitalismo em escala mundial coincide, não por acaso, com iniciativas aventureiras de expansão imperialista no Oriente Médio, mas com alastramento possível a outros continentes.

Das conflagrações daí decorrentes podem resultar danos terríveis inclusive para o nosso país. Aqui, entretanto, se abrem ao mesmo tempo oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico e institucional. Estas reclamam, para se realizar, a mobilização popular na defesa da democracia, dos interesses nacionais e da paz.

I – NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, especialmente após a extinção da União Soviética, uma potente ofensiva de direita abriu caminho para uma aparente vitória definitiva do sistema capitalista liderado pelo imperialismo estadunidense, que se pretendeu globalizado. Essa ofensiva afetou profundamente intelectuais e ativistas dos antigos movimentos e partidos de esquerda. Em grande medida, eles foram absorvidos por duas vertentes que, por caminhos diversos, incorporavam as ideias de vitória capitalista. Não poucos aderiram diretamente à ideologia neoliberal, que atribui ao mercado o 
poder exclusivo de decidir sobre questões econômicas, sociais e políticas.

Outros, também numerosos, inclinaram-se à ideia de vitória do capital, mas o fizeram em diversas construções ideológicas com retórica de esquerda, que aceitam e difundem ideias básicas do neoliberalismo, tais como as do império global, da prevalência inevitável do mercado, da falência do conceito de Estado e, por consequência, do conceito de soberania nacional, do fim da luta política organizada das massas de trabalhadores, da transformação destas em “multidão”, etc.

Essa ofensiva intensificou-se após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O governo deste país enveredou por uma política de ruptura declarada e prepotente com o regime de respeito à soberania dos Estados e passou a encabeçar um processo de volta às trevas nas relações entre povos e países.

Comandado pelo complexo industrial militar, depois de por seu próprio povo sob tutela a ponto de privá-lo de direitos civis básicos – entre os quais o direito ao habeas corpus –, adotou uma diretriz de projetar sua soberania sobre o mundo inteiro e intervir em qualquer país onde, a seu critério, seus interesses o reclamem.

Proclamou para si o direito de ignorar fronteiras nacionais e instituições internacionais a fim de empreender em qualquer rincão do planeta ações militares de todo tipo, em grande escala, com invasões e bombardeios, ou em pequena escala, com operações abertas ou encobertas de assassinato em série de civis que os desagradem, ou de sequestrá-los e submetê-los a trato de presas de guerra, sem quaisquer direitos legais.

A ofensiva expansionista dos Estados Unidos e seus aliados, principalmente ex-potências colonialistas da Europa, disfarçada sob bandeiras humanitárias, despertou natural indignação e resistência no mundo e, em primeiro lugar, nos povos agredidos.

A progressiva inserção da China no papel de potência mundial, o ressurgimento da Rússia nessa categoria, a afirmação da Alemanha como principal liderança europeia e a emergência de novos atores, como Índia e Brasil, todos buscando o estabelecimento de uma ordem mundial multipolar, também se contrapõem à expressão da estratégia de poder sem limites dos Estados Unidos.

Sem perder a arrogância, dispondo ainda de grandes reservas de expressão de poder e com um aumento de agressividade similar ao que ocorre com predadores acuados, o governo de Washington vem gradativamente decaindo para uma situação de dificuldade econômica, política e militar, ao mesmo tempo em que cresce a consciência mundial sobre o caráter de rapina do imperialismo estadunidense e sobre a necessidade de resistir a ele.

II – O REPÚDIO à prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os Estados nacionais, ao invés de desaparecerem, regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início apontam para objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a avançar para conquistas democráticas de maior alcance social.

Esse ressurgimento do fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo. É entretanto na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais saliente e que mais de perto interessa aos brasileiros. 

III – A CONDIÇÃO ISOLADA e pouco relevante da América do Sul no quadro dos grandes conflitos em que se envolveram os Estados Unidos, afinal, deixou este país, que se empenhava em vultosas ações em outros continentes, tolhido para intervir nessa região que ele tradicionalmente considerou seu “quintal”.

Num eco à assertiva clássica de que a revolução escolhe o elo mais fraco da corrente para eclodir, isto parece ter contribuído para que os povos sul-americanos percebessem a oportunidade de responder às humilhações e infortúnios que durante mais de um século lhe impusera a política imperialista de Washington. 

Em 1998, elege-se na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma anti-imperialista e com a intenção de cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou gradativamente a política econômica neoliberal dos governos anteriores para beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno; adotou também uma política externa de autonomia em relação aos Estados Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA, livrar o Brasil da subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação com a América do Sul, com fortalecimento do Mercosul e da Unasul, assim como permitiu expandir as relações do Brasil com países e povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia. 

Em 2003, elege-se na Argentina o presidente Néstor Kirchner, que enfrentou a banca internacional a fim de livrar seu país de uma dívida externa abusiva e impagável, conseguindo com isso condições para colocar a nação vizinha numa trilha de desenvolvimento sustentado, que hoje prossegue sob a presidência de Cristina Fernandes de Kirchner. As eleições de Evo Morales na Bolívia, Rafael Cor-reia no Equador, Fernando Lugo no Paraguai, José Mujica, no Uruguai, e Ollanta Humala no Peru, deram maior firmeza à tendência de expansão na América do Sul de governos empenhados em alcançar expressão soberana e desenvolvimento pleno, econômico, cultural e social de suas nações. 

Essa tendência não é retilínea, nem imbatível. Em cada país, a ela se opõem fortes correntes internas de direita alinhadas com os Estados Unidos, que atuam orquestradas em escala internacional e dominam a mídia, os bancos, setores importantes do empresariado local e agrupamentos militares.

Com apoio financeiro, político e militar dos Estados Unidos e de outros países imperialistas menores, assim como de seus órgãos de espionagem e operações encobertas, de ONGs financiadas por empresas e governos imperialistas, de sociedades secretas tipo Opus Dei etc., tais setores de direita empreendem em seus países e na região uma campanha sem trégua através da maioria dos órgãos da grande mídia mercantil.

Esta assume caráter de partido político reacionário, cuja finalidade é impedir que se elejam governantes comprometidos com os interesses nacionais e, quando não consegue isto, tentar acuar e tornar refém o governante eleito para, se julgar possível e oportuno, derrubá-lo. É o que se vê na Venezuela, na Bolívia, no Brasil, na Argentina, no Equador, em toda parte. Os golpes de Estado em Honduras e, mais recente, no Paraguai, são inequívocos sinais de alarme nesse sentido.

IV – HÁ NESSE PROCESSO de ascensão nacional e democrática na América do Sul uma singularidade que lhe dá força de sustentação: ele se desenvolve com a rigorosa observância pelos governos das normas do regime de democracia modelo estadunidense, que pressupõe a mídia submetida aos bancos e outros grandes patrocinadores privados e as eleições, sujeitas a campanhas publicitárias de alto custo, subvencionadas por doações de empresas milionárias.

A vitória e a permanência de governantes que desagradam à direita, em condições tão adversas, tornou-se possível graças a uma elevação da consciência política das massas populares. Estas aprenderam a descolar-se do discurso das grandes redes midiáticas na hora de escolher candidato e ajuizar governo. Com isso, definhou o poder de empossar e derrubar governos que a mídia dos grandes negócios exibia em décadas passadas. 

Criam-se portanto condições novas que favorecem e exigem a recuperação das correntes progressistas e sua intervenção na cena política. No plano internacional, a luta contra a política de guerras sem fim do imperialismo estadunidense e seus associados, que hoje preparam uma agressão de grande escala e consequências imprevisíveis à Síria e ao Irã, é meta que a todos deve unir.

Na América do Sul, e no Brasil em particular, impõe-se a luta em defesa dos interesses nacionais, em especial na resistência às tentativas de projeção dos interesses imperialistas de Washington em relação ao petróleo do pré-sal e das Malvinas. Essa projeção já tomou forma concreta com o estabelecimento de novas bases militares estadunidenses na região e com o deslocamento para o Atlântico sul da IV Frota da Marinha dos Estados Unidos.

A luta pela preservação e o aprofundamento do regime democrático, da soberania e da coesão dos Estados da região é diretriz que favorecerá a mobilização de forças capaz de vencer as fortes coalizões de direita e assegurar o avanço econômico, político e social de nossos povos e nações.

V – NÃO HÁ RECEITAS PRONTAS nem caminhos traçados para essa luta. As experiências vividas por outros povos, no passado ou no presente, servem de lição e inspiração, mas não servem de modelo. A originalidade e a variedade das soluções que a vida vai gerando nos países sul-americanos são muito fecundas.

Em comum, existe entre elas a circunstância de que são encabeçadas por líderes não egressos das classes dominantes, que souberam perceber e potencializar o desejo de mudança das massas populares e o descrédito entre elas daqueles partidos e instituições que conduziam antes a vida política. Essa origem em lideranças pessoais fortes é ao mesmo tempo positiva, porque facilita a participação das grandes massas no processo político, e negativa, porque põe esse processo na dependência das escolhas e limitações pessoais do líder.

Mas a necessidade de recorrer à mobilização popular – uma vez que as forças poderosas que o hostilizam ao mesmo tempo manipulam as grandes empresas de comunicação, as instituições políticas formais e facções militares – induz o líder a estimular a gestação de novas formas de organização de massas do povo trabalhador para o combate político e até para a resistência organizada. Chama a atenção, nesse sentido, especialmente na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a ascensão em bairros proletários de associações de moradores que se articulam em torno de conselhos comunitários e, ao mesmo tempo, defendem os interesses imediatos da população local, têm presença ativa na resistência ao golpismo e pressionam em favor do aprofundamento da democracia.

VI – NO BRASIL, os movimentos sociais organizados são ainda débeis. O governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Manteve uma política econômica em que ainda havia espaço para o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa de autonomia em relação ao imperialismo estadunidense e defesa da paz. A presidente Dilma mantém nas linhas gerais essa diretriz.

Por sua política de favorecimento aos pobres e à soberania dos povos sul-americanos, o presidente Lula foi alvo de uma incansável campanha hostil da mídia. Para defender-se, ele se apoiou porém, quase exclusivamente, em sua popularidade pessoal. Isso o deixou vulnerável a pressões e prejudicou suas possibilidades de avanço.

A presidente Dilma, diante do agravamento da crise financeira internacional, avança na política econômica, enfrentando a questão do freio dos altíssimos juros à expansão da economia nacional, corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real e mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano externo, embora com mudança de ênfase, persiste de modo geral a afirmação de política não alinhada aos Estados Unidos. A mídia dos grandes negócios busca abrir um cisma entre Dilma e Lula, para que se fragilize o campo popular.

É portanto urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade.

Um elenco de propostas nesse sentido deve incluir:

1) a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país; 

2) a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento; 

3) a posse dos recursos naturais do país e a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos dilapidados; 

4) a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o latifúndio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de pequeno e médio porte; 

5) a destinação de maiores verbas às políticas públicas de educação, o fortalecimento do ensino público e a melhor adequação dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e cultural do país; 

6) o reforço aos orçamentos de entidades de saúde pública, a obrigação dos serviços privados de seguridade de ressarcirem gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos procedimentos de saúde sanitária básica, preventiva e de tecnologia atual; 

7) a mudança da política de repressão policial dirigida contra a população mais pobre, principalmente não branca, por uma política democrática de segurança pública, o fortalecimento da política de não discriminação de gênero; 

8) o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados com vistas ao aprofundamento do regime democrático; 

9) o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do território nacional, assim como a adequação do conteúdo da formação nas escolas militares à defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país; 

10) a ampliação e a consolidação da política de unidade com a América do Sul – essencial para a preservação dos governos progressistas na região; e

11) a defesa de uma política externa de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da paz. 


Muitas são as metas a nos desafiarem, cujo alcance requer todo o engenho e toda a força que sejam capazes de unir e mobilizar, com sentido estratégico e espírito transformador, as correntes progressistas em nosso país, sem distinção dos partidos e associações a que estejam filiadas.


Povo e governo precisam mobilizar suas reservas de sentimento cívico e patriótico, para que o Brasil possa aproveitar a grande oportunidade que tem hoje de consolidar-se como nação soberana, projetada no cenário mundial e consolidada em seu papel de lastro do processo democrático de reconstrução nacional, pacífico e progressista, que se desenvolve na América do Sul.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21253


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09/12/2012 - Os rumos do mundo nas mãos da direita falida e da esquerda perplexa
- J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior


A crise financeira nos países economicamente mais avançados deu visibilidade a um tremendo descompasso entre o violento processo de inovações tecnológicas - o que Marx reconheceria como novas relações de produção -, e a ideologia que lhe corresponde.


Sem a crise, a direita continuaria navegando em mar calmo, a despeito de rupturas no sistema produtivo, confiante em que a ideologia da sociedade é a ideologia da classe dominante. A esquerda, por sua vez, ou as esquerdas, continuariam apegadas a chavões do marxismo vulgar descolado de uma proposta contemporânea para o futuro da humanidade.

A crise fez com que tudo mudasse. A direita está tão perdida quanto as esquerdas. O melhor que oferece é uma volta ao status quo ante do 
neoliberalismo, sintetizada na doutrina do estado mínimo e da autorregulação dos mercados. Contudo a sociedade, ou quem na sociedade pensa e fala por ela, não acredita mais nisso. Simplesmente, não seria viável. A liberação do mercado financeiro está entre as principais causas consensualmente identificadas da geração da crise. O Estado, por conta da crise, tornou-se máximo pelo menos no espaço que lhe foi imposto de salvador do sistema financeiro falido.

Mas a esquerda não está melhor. Boa parte dela ainda rumina o estrago ideológico representado pela queda do muro de Berlim, a implosão da União 
Soviética e a capitalização da China. Entre esses dois esteios ideológicos em colapso, um refletindo os interesses reais da classe dominante, outro representando a utopia da igualdade, a sociedade navega em pleno mar de perplexidade.

Claro, há proposições políticas de parte a parte. Contudo, são manifestações tópicas, sem o sentido de uma estratégia. Vivemos simplesmente uma situação caótica, no caos típico das grandes mudanças histórias de paradigmas.

Para que me compreendam, evitando ambiguidades, entendo por esquerdas aqueles que lutam por justiça social e igualdade de oportunidades. Há os que ainda propõem para isso uma via revolucionária que leve à expropriação dos expropriadores. Trata-se da segunda derivada de uma utopia, cuja primeira derivada colapsou em 91. Destes pode-se dizer que têm proposta, embora não uma estratégia. Como minha preocupação é a definição de uma estratégia que sinalize o futuro, vou me referir sobretudo às esquerdas que têm o objetivo de lutar pela justiça social pela via pacífica, ou seja, pela via da democracia política.

Essas esquerdas estão singularmente perdidas. Elas partem de uma crise avassaladora e justificada do capitalismo liberal mas não conseguem apontar uma alternativa unitária. Dois minutos de conversa consistente bastam para se concluir que, nessa altura da civilização, não dá para jogar o capitalismo inteiro pela janela. A sociedade mundial, não a classe dominante apenas, é capitalista. Liquidar o capitalismo equivale a operar um câncer em plena metástase. Mata o doente.

A organização social contemporânea está ancorada na propriedade privada (inclusive dos meios de produção), na liberdade de investir (base da geração de empregos), no prêmio material à inovação. Não dá para acabar com isso de um golpe. Portanto, teoricamente, a questão é regular firmemente o capitalismo, como na China, só que, do lado de cá, através do Estado democrático.

Do meu ponto de vista, o futuro está assinalado desde que parte da Europa construiu, no capitalismo, uma sociedade de bem estar social com alto grau de igualdade de oportunidades. Isso não foi reconhecido por grande parte das esquerdas na época, sobretudo comunistas e socialistas revolucionários, porque, em plena Guerra Fria, o que se propunha era a destruição, não a domesticação do capitalismo.

Hoje, sociais democratas, socialistas, trabalhistas e comunistas europeus estão encurralados pela direita, que se aproveita da crise para forçar o recuo do estado de bem estar social. Paradoxalmente, as esquerdas não conseguiram formular sequer um plano defensivo daquilo que seus antepassados construíram. Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e mesmo a Itália já entregaram os pontos.

Anos atrás, quando começou a crescer na Europa esse movimento direitista, escrevi que o paradoxo da política contemporânea era que a direita se 
tornou reformista (pelo cancelamento de direitos sociais em nome da produtividade e da competitividade) e a esquerda estava sendo forçada a ser
conservadora (dos direitos sociais conquistados). Hoje, nem isso ela é. E não estou falando abstratamente: o que Hollande, um socialista no poder na França, historicamente o país que era o farol da liberdade e da igualdade no mundo, está propondo para a superação da crise nacional e mundial? 

Nada. Está simplesmente alinhado com a política estúpida de contração fiscal comandada pela Alemanha.

E quanto a nós, no Brasil? Como intelectual de esquerda, definida da forma acima, quero fazer um apelo dramático aos dirigentes dos partidos progressistas, aos intelectuais, aos militantes das bases partidárias, para iniciarmos urgentemente uma discussão coletiva a respeito dos rumos do país e do mundo.


Precisamos de um diagnóstico, de uma definição clara de objetivos e de uma estratégia. Sobretudo de estratégia.

A propósito, se formos tão incompetentes para essa formulação no mundo civil, peçamos uma pequena ajuda intelectual à Escola Superior de Guerra: os militares estão acostumados com isso e, como são jovens, nenhum deles sujou a mão com a tortura na ditadura. 

(*) Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, onde algumas das questões abordadas neste artigo são discutidas.

Fonte:
http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21384