por Rodrigo Brandão, Equipe do Blog EDUCOM
Começou neste domingo, 10 de janeiro, a 27ª Copa Africana de Nações, reunindo as 16 melhores seleções de futebol do continente negro. Infelizmente, uma tragédia já marcou para sempre esta CAN. Na sexta, 8, um ônibus que transportava a delegação de Togo, do Congo – onde os togoleses se prepararam – a Angola, país-sede da competição foi metralhado por guerrilheiros da Frente de Libertação do Estado da Cabinda (FLEC), que há quase 35 anos luta pela independência do enclave angolano, situado entre o Congo e a República Democrática do Congo.
Três homens não sobreviveram aos disparos – o motorista congolês, além de um dos auxiliares técnicos e do assessor de imprensa da seleção de Togo – e o goleiro Kodjovi Obialé está internado em estado grave, correndo risco de sequelas motoras. Nossos sentimentos às famílias das vítimas e nossos melhores pensamentos com a delegação de Togo, que desistiu de jogar a CAN a pedido de seu governo. Chocante que os nomes das vítimas fatais não apareçam nos jornais e sites.
O que não se pode aceitar é que alguns se aproveitem do trágico atentado para atacar a imagem da África e do futebol daquele sofrido continente, como se um incidente como esse não pudesse ocorrer em qualquer parte do mundo, afetando um evento esportivo de tal magnitude. Por acaso na Grã-Bretanha e na Espanha também não há violentas lutas separatistas? Então como as Copas do Mundo de 1966 e 1982 puderam ser realizadas – em épocas nas quais as guerrilhas do IRA e do ETA eram mais atuantes, sendo ainda coadjuvadas por outros grupos igualmente violentos – e, tem mais, com vários jogos, no caso da Espanha, em cidades então turbulentas, como Bilbao e Barcelona? Como as Olimpíadas de 1972, em Munique, continuaram mesmo após a morte de dezenas de atletas israelenses feitos reféns por ativistas palestinos?
Clubes da Inglaterra, ao que parece, dão de ombros para esse chamado à coerência. Chelsea F.C e Portsmouth, que somados cederam sete jogadores a diferentes seleções classificadas para a CAN Angola-2010, pasmem, exigiram a devolução de “seus” atletas, os mesmos que, em sua maioria, foram comprados como mercadoria na feira ainda na pré-adolescência – quando algumas centenas de dólares são suficientes para seduzir famílias famintas – por essas megamultinacionais da bola. Vale lembrar que mais de 90% dos jogadores inscritos na Copa Africana de Nações são contratados de clubes europeus. E o que dizer da imprensa européia, se apressando em questionar até mesmo a realização da Copa do Mundo na África do Sul? Acaso a Europa esqueceu-se da enorme (enorme? Infinita!) parcela de responsabilidade na tragédia de violência, miséria e fome em que se transformou o continente onde praticamente nasceu a humanidade?
E, lamentável, setores da imprensa brasileira – até mesmo aquele canal de esportes que se orgulha de ser independente, politicamente correto e crítico, a ESPN Brasil – parecem ter comprado a tese de que africano não tem que se meter a organizar evento internacional! Ou no mínimo reproduzem as críticas fáceis, esquecendo de fazer o devido resgate histórico e as obrigatórias contextualizações.
Vamos contar uma historinha para, quem sabe, refrescar a memória dessa gente, talvez acometida da mesma doença que vitimou o jornalista Boris Casoy. Até o século 19, os atuais Congo, República Democrática do Congo (que um dia já foi Zaire) e o enclave angolano da Cabinda eram todos parte do histórico Reino do Congo, já então invadido e espoliado por franceses, belgas e portugueses. Num belo dia de 1885, quando as pressões da industrializada Grã-Bretanha já haviam obrigado à abolição do tráfico negreiro África-Américas, as potências colonizadoras européias resolveram se reunir em Berlim e formalizar uma “partilha” do continente africano, para iniciarem uma nova etapa de exploração, talvez mais sofisticada. Nos salões perfumados da capital alemã, o antigo Congo foi dividido em Congos Francês, Belga e Português. O Congo Português é a Cabinda. Poucos anos depois da partilha, os belgas exigiram um litoral para seu Congo “Kinshasa” – assim os portugueses cederam parte de seu litoral (a franja sul do território) e isolaram para sempre a atual Cabinda de Angola (veja mapa). Em 1975, com a vitória das forças libertadoras da África Portuguesa sobre as tropas de Lisboa na Guerra do Ultramar, o MPLA, movimento libertador de Angola, conseguiu reunir a Cabinda ao território da nova República de Angola. Desde então, os cabindenses lutam por sua independência contra o exército angolano, motivo pelo qual, provavelmente, aconteceu o terrível atentado do dia 8.
Jornalistas brasileiros, acordem! Essa crise tem as impressões digitais do colonialismo e do imperialismo europeus, mas há quem insista em negar. Mesmo quando se sabe que a Europa, através de seu futebol explorador do trabalho infantil, associado a patrocinadores como Adidas e Nike, que fabricam material esportivo através de mão-de-obra barata ou precária (adivinhem onde?), quando não com trabalho escravo mesmo, continua a reproduzir na África a lógica espoliadora de todas as etapas do imperialismo: a primeira etapa colonialista (marcada pelo Pacto Colonial e pela escravidão dos negros), o pós-Conferência de Berlim (com o acúmulo de capital das metrópoles via empobrecimento das colônias) e a conjuntura atual, de submissão dos interesses locais às transnacionais sediadas nas antigas metrópoles. Pobre Mãe África...
Repare no mapa. A Cabinda não faz fronteira com Angola, o que motiva a luta pela soberania da região. O Zaire é a atual República Democrática do Congo