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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Honra Reconquistada de Muammar al-Gaddafi


Mário Maestri*

         Muammar Abu Minyar al-Gaddafi caiu combatendo na defesa da independência nacional de sua nação.  Resistiu, cidade por cidade, quarteirão por quarteirão, casa por casa, até ficar encurralado com seus derradeiros companheiros e companheiras, feras indomáveis, nos poucos metros de terra líbia livre. Como dissera, enfrentou, até a morte, irredutível, a coligação das mais poderosas nações imperialistas ocidentais.
         Ferido, foi preso, achincalhado, arrastado, torturado e, já moribundo, assassinado. Em torno dele desencadernava a canalha armada e excitada que se banqueteava, havia semanas, rapinando, executando, violando a população da cidade heróica de Sirte, arrasada por sua resistência à recolonização do país. Sirte, no litoral mediterrânico, com mais de 130 mil habitantes, foi sede de universidade pública, destruída, e do terminal do impressionante rio artificial que retirava as águas fósseis do deserto do Saara para aplacar a das populações e agricultura líbia.
         Nas últimas cidades rebeldes, encanzinados franco-atiradores, homens e mulheres, jovens e adultos, foram calados com o arrasamento pela artilharia pesada dos prédios em que se encontravam. Estradas, portos, centrais elétricas e telefônicas, quartéis, escolas, creches, hospitais, aeroportos, estações televisivas e radiofônicas, a infraestrutura do país construída nas últimas quatro décadas, foi arrasa por seis meses de ataques aéreos, navais e missilísticos - mais de cinqüenta mil bombas! -, responsáveis por enorme parte dos talvez cinqüenta mil mortos, em população de pouco mais de seis milhões de habitantes.
         A lúgubre paz dos cemitérios reina finalmente sobre a Líbia submetida.
         Quarenta e dois anos após a conquista de sua independência nacional, a Líbia retorna ao controle neocolonial do imperialismo inglês e francês, que se dividiram a hegemonia sobre o país após a 2ª Guerra, que pôs fim à dura dominação colonial da Itália fascista. Tudo é claro sob a vigilância impassível da hiena estadunidense.
         Em 1969, o então jovem coronel Muammar, com 27 anos, chegava do deserto para comandar o golpe de jovens militares pela independência e unidade da Líbia, animado pelas esperançosas idéias do pan-arabismo de corte nacionalista e socialista. Do movimento surgiu um Estado laico, progressista e anti-imperialista, que nacionalizou os bancos, as grandes empresas e os recursos petrolíferos do país.
         Quarenta e três anos mais tarde, Gaddafi  cai simbolizando os mesmos ideais. Com sua morte, expia dramática e tardiamente sua irresponsável tentativa de acomodação às forças do imperialismo, empreendida após a vitória mundial da contra-revolução liberal.
         Quem abraça o demônio, jamais dirige a dança! Foi o movimento de privatizações, de "austeridade", de abertura ao capital mundial, de apoio às políticas imperialistas na África, etc., sob os golpes da crise mundial, o grande responsável pela perda de consenso social de ordem que, no contexto de suas enormes contradições, realizara a mais ampla e democrática distribuição popular da renda petroleira das nações arábico-orientais.
         Por décadas, ao contrário do que ocorria com tunisianos, argelinos, egípcios, etc.  não se viu na Europa um líbio à procura de um trabalho que encontrava em seu país. Ao contrário, o país terminou como destino de forte imigração de trabalhadores da África negra subsaariana, atualmente maltratados, torturados, executados por membros das "tropas revolucionárias" arregimentadas pelo imperialismo, sob a desculpa de ser os "mercenários" de Ghadafi.
         A intervenção na Líbia não procurou apenas recuperar o controle direto das importantes reservas petrolíferas pelo imperialismo inglês, francês e estadunidense. Objetivou também assentar golpe mortal na revolução democrática e popular do norte da África, mostrando a capacidade de arrasar implacavelmente qualquer movimento de autonomia real. Com uma Líbia recolonizada, espera-se construir plataforma de intervenção regional, que substitua o hoje convulsionado Egito.
         A operação líbia significou também conquistas marginais, além do controle do petróleo, da disposição de sufocação da revolução democrático-popular árabe, da construção de plataforma imperialista na região. Enormes segmentos da esquerda mundial, sem exceção de grupos auto-proclamados radicais, embarcaram-se no apoio de fato à intervenção imperialista, defendendo graus diversos da sui-generis proposta de estar com o "movimento revolucionário" líbio e contra o imperialismo que o criara e sustentara. Aplaudiam as bombas que choviam sobre o país, propondo que não sustentavam a intervenção da OTAN!
         Para não se distanciarem da opinião pública sobre o governo líbio e os sucessos atuais, construída pela tradicional subordinação e hipocrisia da grande mídia mundial, seguiram na saudação das forças "revolucionárias líbias", como se não fossem meras criaturas da intervenção imperialista, como demonstraram - e seguirão demonstrando - inapelavelmente os fatos! Os revolucionários líbios não avançaram um metro nos combates, sem o aterrador apoio aéreo e a seguir terrestre da OTAN. Em não poucos casos, também como fizera Gaddafi nos últimos tempos, procuram consciente ou inconscientemente acomodar-se à besta imperialista.

        * Mário Maestri, 63, sul-rio-grandense, é professor do curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UFF. maestri@via-rs.net
         Pravda Ru

domingo, 23 de outubro de 2011

CHEGA DE SANGUE

 

por Mauro Santayana

Diante da imagem de Kadafi trucidado, e dos aplausos de Mrs. Clinton e de dirigentes franceses, ao ver o homem seminu e ensangüentado, recorro a um testemunho indireto de Henri Beyle - o grande Stendhal, autor de Le Rouge e le Noir - de um episódio de seu tempo. Beyle foi oficial de cavalaria e secretariou Napoleão por algum tempo. Em 1816, em Milão, Beyle ficou conhecendo dois viajantes ingleses, o poeta Lord Byron e o jovem deputado whig John Hobhouse. Coube a Hobhouse relatar o encontro, no qual Beyle impressionou a todos os circunstantes, narrando fatos da vida de Napoleão. São vários, mas o que nos interessa ocorreu logo depois da volta do general a Paris, em seguida à derrota em Moscou. Durante uma reunião do Conselho de Estado, da qual Beyle foi o relator, descobriu-se que Talleyrand havia escrito três cartas a Luís de Bourbon, que restauraria, dois anos mais tarde, o trono. As cartas, que se iniciavam com o reconhecimento de vassalagem, no uso do pronome “Sire”, revelavam que o bispo já conspirava contra o Imperador. Os membros do Conselho decidiram que Talleyrand devia ser castigado com rigor – ou seja, condenado à morte. Só um homem, e com a autoridade de “arquichanceler” do Império, Cambacérès, se opôs, com voz firme: Comment? toujours de sang? Napoleão, que estava deprimido com as cenas de seus soldados mortos no campo de batalha, ficou em silêncio.
O sangue que se verteu no século passado devia ter bastado, mas não bastou. Iniciamos este novo milênio com muito sangue e a promessa de novas carnificinas. O cinismo dos que exultam agora com a morte de Kadafi, ao que tudo indica linchado pelos seus inimigos, após a captura, dá engulhos aos homens justos. Os que levaram a ONU a aprovar os bombardeios brutais da OTAN contra a população líbia haviam sido, até pouco tempo antes, parceiros do coronel na exploração de seu petróleo, indiferentes a que houvesse ou não liberdade naquele país. Mas Kadafi não era apenas o ditador megalômano, que vivia no luxo de seus palácios e que promovia festas suntuosas para o jet-set internacional. Ele fizera radical redistribuição de renda em seu país, mediante uma política social exemplar, com a criação de universidades gratuitas, a construção de hospitais modernos e com a assistência à saúde universal e gratuita. Quanto à repressão, ele não foi muito diferente da Arábia Saudita e de outros governos da região, e foi muito menos obscurantista para com as mulheres do que os sauditas.
Apesar das cenas horripilantes de Sirte, que fazem lembrar as de Saddam Hussein aprisionado e, mais tarde, enforcado, além das usuais que chegam da África, há sinais de que os homens começam a sentir nojo de tanto sangue. É alentador, apesar de tudo, que o governo de Israel tenha aceitado acordo com os palestinos, para a troca de prisioneiros. É também alentador que os bascos hajam renunciado à luta armada e preferido o combate político em busca de sua independência. E é bom ver as multidões reunidas, em paz, em todos os paises do mundo, contra os ladrões do sistema financeiro internacional – não obstante a violência, de iniciativa de agentes provocadores, como ocorreu em Roma,e a costumeira brutalidade policial, na Grécia, na Grã Bretanha e nos Estados Unidos.
Há, sem dúvida, os que sentem a volúpia do cheiro de sangue, associado à voracidade do saqueio. A reação atual dos povos provavelmente interrompa essa ânsia predadora dessas elites européias e norte-americanas – exasperadas pela maior crise econômica dos últimos oitenta anos e ávidas de garantir-se o suprimento de energia de que necessitam e a preços aviltados.
É preciso estancar a sangueira. O fato de que sempre tenha havido guerras não significa que devemos aceitá-las entre as nações e entre facções políticas internas. Como mostra a História, o recurso às armas tem sido iniciativa dos mais fortes, e diante dele só cabe a resistência, com todos os sacrifícios.
No fundo das disputas há sempre os grandes interesses econômicos, que se nutrem do trabalho semi-escravo dos povos periféricos, como se nutriram grandes firmas alemãs, ao usar judeus, eslavos e comunistas, como escravos, em aliança com Hitler.
A frase é um lugar comum, mas só o óbvio é portador da razão: os que trabalham e sofrem só querem a paz, para que usufruam da vida com seus amigos, seus vizinhos, suas famílias.
O odor do sangue é semelhante ao odor do dinheiro, e excita os assassinos para que trucidem e se rejubilem com a morte – como se rejubilaram ontem, diante do corpo humilhado de Kadafi, a Secretária de Estado dos Estados Unidos e os arrogantes franceses. Há três dias, em Trípoli, a senhora Clinton disse a estudantes líbios, que esperava que Kadafi fosse logo capturado ou morto. Nem Condoleeza Rice, nem Madeleine Albright seriam capazes de tamanho desprezo pelos direitos de qualquer homem a um julgamento justo. Esse direito lhe foi negado pelas hordas excitadas por Washington e Paris, com a cumplicidade das Nações Unidas - e garantidas pelas armas da OTAN.
Não que Kadafi tenha sido santo: era um homem insano, e tão insano que acreditou, realmente, que os americanos, italianos e franceses, quando o lisonjeavam, estavam sendo sinceros.

Fonte: Blog Mauro Santayana