06/04/2013 - Laura Olivieri [1] - no site Museu do Horto
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No Horto, as famílias de moradores são posseiras históricas, visto que residem há décadas e, em alguns casos, há séculos na região.
Igualmente posseiro histórico dessas terras é o Jardim Botânico, apesar do equívoco reafirmado constantemente pelo discurso hegemônico de atribuir a propriedade das terras do Estado a essa instituição.
O Horto Florestal do Rio de Janeiro existe oficialmente no mapa da cidade desde 1875.
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Já no século XVIII o Horto sediava uma fazenda de café cuja casa-grande era pioneira no Brasil em seu estilo arquitetônico: o Solar da Imperatriz.
O Parque Jardim Botânico foi fundado por D. João VI em 1811 e trouxe a terceira onda populacional da região, composta por trabalhadores escravos daquela grande obra, a terceira oficialmente fundada no local pela Coroa.
O Horto sempre foi palco da história oficial de nossa cidade.
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Os moradores guardam essa memória e são resilientes em sua resistência histórica.
No dia quatro de abril houve cinco horas de negociações pacíficas, embora as forças federais e militares estivesses presentes nas trincheiras do conflito.
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Graças à adesão dos intermediários e à atuação da presidente da AMAHOR [Associação dos Moradores e Amigos do Horto] e do advogado que apoia esta associação de moradores foi possível a construção de um acordo em que os moradores se mudaram temporariamente para dois imóveis da União enquanto aguardam a autorização para retornarem ao Horto, seu lugar de origem e de identidade, quando da implementação da Regularização Fundiária proposta pela SPU, a legítima gestora das terras em conflito.
A SPU contratou uma pesquisa de mapeamento e diagnóstico da UFRJ que, em dezembro de 2010 concluiu sua análise e a encaminhou para avaliação das partes envolvidas na querela.
O IPJBRJ a recusou alegando que precisava de espaço para expandir o seu arboreto, patrimônio público natural, e para o avanço das pesquisas botânicas.
Causas nobres de fato, mas não mais importantes do que a vida humana e o direito humano fundamental à moradia de famílias tradicionalmente enraizadas no território.
A proposta de Regularização Fundiária apresentada pela SPU foi conduzida com ética administrativa, competência acadêmica e conhecimento técnico suficientemente notórios e com a legitimidade política da instituição gestora das terras da União e responsabilidade social.
O estudo ainda levou em consideração um levantamento realizado pelo ITERJ, em 2005 e se baseou nos critérios do direito à moradia e das obrigações sociais do Estado e suas propriedades, ambos referenciais importantes da constituição brasileira de 1988 e marcos teóricos do processo de democratização das instituições nacionais.
Voltando à primeira desconstrução a que nos propusemos, é importante que se rememorem dados.
Nessa época, após o temporal, o Jardim Botânico permitiu que os trabalhadores do parque e moradores do Horto construíssem casas mais perto do trabalho e muitos residentes da região do entorno do Solar da Imperatriz e do chamado Hortão se mudaram para a localidade adjacente, batizada de Caxinguelê.
Para atender esses moradores do Horto, foi erguida a Escola Municipal Julia Kubitschek, fundada pelo presidente Juscelino Kubitschek e que era um dos marcos da fronteira.
Mas foi somente nos anos 1990 que o Jardim Botânico se tornou Instituto de pesquisa e começou a expandir o seu arboreto, justamente em direção à comunidade.
Se hoje algumas casas do Caxinguelê estão “dentro do parque” como se afirma no discurso hegemônico, elas assim estão porque foi o IPJBRJ que avançou e as incorporou dentro dos novos limites de seus portões.
Nessa mesma década, o IPJBRJ obteve a posse do Solar da Imperatriz para nele fundar a Escola Nacional de Botânica.
Dali em diante foi fácil argumentar que a região situada entre o monumento e o arboreto era toda território do Instituto.
Mas não é assim porque nessa linha reta que o IPJBRJ quer traçar (e vem traçando com abertura de estradas no Horto, à beira do rio) há centenas de casas, famílias e memórias que não podem ser suprimidas pela necessidade da pesquisa botânica e da expansão do que quer que seja.
Não sem antes se considerar as vidas e os direitos humanos instalados ali, historicamente.
Por conhecer essa história a fundo, é meu dever, como historiadora, repassá-la adiante.
A missão de transmiti-la é do Museu do Horto, projeto social de memória que eu construí com os moradores do Horto para reafirmar a sua identidade histórica no lugar desse conflito.
A razão de interpretar é do leitor e a capacidade de aceitar ou não as verdades e as injustiças é da consciência de cada cidadão.
Vale a pena assistir o vídeo em que Emília Maria de Souza, liderança comunitária do Horto, [Verdade sobre remoções no Horto-RJ] fala as verdades à imprensa no dia da reintegração de posse sobre os acontecimentos da manhã do dia 4 de abril.
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A seguir há uma galeria de fotos tiradas por Pedro Marins Maciel e Ana Paula Amorim [parte delas postadas neste artigo].
Muitas das informações aqui apresentadas foram coletadas com o trabalho de memória oral.
Trechos de depoimentos dos moradores foram selecionados e apresentados no documentário Horto: lugar de memórias (Museu do Horto, 2010).
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[1] Historiadora, doutora em Serviço Social, coordenadora técnica do Museu do Horto (www.museudohorto.org.br) e coordenadora de projeto do Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net).
[2] Quilombolas eram escravos que resistiam ao sistema colonial escravista que se refugiavam normalmente nas matas e buscavam ressignificar costumes e crenças africanos.
[3] SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura . São Paulo: Cia das Letras, 2003.
[4] A Lagoa chamava-se nessa época de Lagoa de Sacopenapã, nome indígena.
Fonte:
http://www.museudohorto.org.br/5471?acervoId=0
Nota:
Imagens extraídas do site Museu do Horto e do JB online