Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/8/2013
A análise da mídia requer atenção a detalhes da narrativa, como as escolhas de ícones e a sua distribuição no tempo e no espaço de cada mensagem, de acordo com o meio em que se aplica. Na rotina, as intenções que se escondem sob a falsa objetividade do texto jornalístico podem ser identificadas nos módulos de informação que são destacados nas manchetes e no alto da páginas de jornais, nas capas de revistas e nas “chamadas” reiteradas dos telejornais.
Em todos os casos, os temas sobre os quais a imprensa quer chamar mais atenção ganham mais centímetros por coluna na mídia impressa e mais segundos preciosos na televisão, comumente acrescentando-se personagens e comentários de especialistas, cuja credibilidade é bancada pelo próprio veículo.
Eventualmente, as coisas da vida, como uma doença ou a falta de preparo intelectual ou psicológico, reduzem o valor de um ou outro desses analistas, como no caso de uma protagonista onipresente no rádio e na TV, que costumava ser convocada para falar de tudo, e acabou se atrapalhando num dia em que, tendo ingerido uma quantidade maior de bebida alcoólica, colocou no ar a voz pastosa dos embriagados.
Esse modelo de jornalismo está em recesso, por algumas razões que exigem um pouco mais de esforço do observador. Quase todas essas razões têm relação direta com o conjunto de elementos presentes nas manifestações que paralisaram muitas das grandes cidades brasileiras no mês de junho.
O fato de milhares de cidadãos, na maioria jovens, haver denunciado a falta de representatividade do sistema partidário e a falta de credibilidade das instituições republicanas, de alguma forma levou a imprensa a se distanciar um pouco do objeto central de suas pautas – a política partidária – e abrir o olhar para outros aspectos da vida social. Assim é que proliferam reportagens sobre transporte público, assunto que ganhou centralidade após os protestos liderados pelo Movimento Passe Livre.
Por outro lado, a questão das multiparcialidades, colocada em debate com a grande evidência dada ao coletivo Mídia Ninja a partir dos mesmos eventos que tomaram as ruas, induz os jornalistas a reflexões sobre a bipolaridade que marca o debate político nos últimos anos.
Não por acaso, esse é um dos temas anunciados na primeira página do Estado de S.Paulo na edição de segunda-feira (12/8), sobre um artigo que analisa resultados de pesquisa eleitoral que mostra a recuperação da popularidade da presidente da República.
Detalhes da narrativa
A diluição da bipolaridade entre PT e PSDB, que transformou todos os debates em briga de torcidas, tem uma relação direta com a explicitação de uma complexidade na qual os analistas se veem obrigados e constatar, por exemplo, os limites da mídia tradicional na cobertura de eventos de massa.
De outra parte, torna-se obrigatório compreender como funcionam os coletivos de mídia, que por sua vez nascem dos coletivos de produção cultural, que por seu lado são resultado de políticas públicas que contornaram o campo dominado pela indústria hegemônica de entretenimento e informação.
Entre os detalhes dessa mudança, registre-se a inclusão da expressão “coletivo” na narrativa jornalística tradicional. Por exemplo, em reportagem publicada domingo (11/8) pelo Estado, sobre projeto da prefeitura paulistana de regularizar a situação de imóveis ocupados por movimentos de sem-teto no centro de São Paulo, há espaço para o registro de uma experiência social de convivência num prédio de treze andares tomado por 170 famílias desde outubro de 2012.
No texto do jornal, há referências à gestão coletiva do imóvel, que reúne famílias sem casa, prostitutas, imigrantes do Haiti, estudantes de arquitetura, intelectuais e ativistas de movimentos sociais (ver aqui). O prédio tem internet coletiva, creche, cozinha comunitária, hortas nas sacadas, biblioteca, sala de cinema, e um conjunto de regras que prioriza o bem-estar coletivo.
Ler no vetusto diário paulista um texto que se refere a “coletivos culturais”, “produtores independentes” e “moradia popular” sem o velho ranço reacionário que caracteriza tradicionalmente a imprensa, é um desses detalhes a ser registrado.
Nos debates que se prolongam nas redes sociais sobre problemas na ação do coletivo Fora do Eixo, que deu origem ao grupo denominado Mídia Ninja,o foco das análises críticas de alguns intelectuais são os desvios. No entanto, até a mídia tradicional começa a ver as possibilidades de uma nova forma de vida comunitária e produção de cultura que não precisa de referências bibliográficas para acontecer.
Fonte: Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_linguagem_que_veio_das_ruas