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sábado, 11 de agosto de 2012

Indígenas ocupam sede da AGU em Brasília pela revogação da Portaria 303



Jornal Brasil de Fato 10/08/2012
Renato Santana
de Brasília

   
   Lideranças ocupam a sede da AGU - Foto: Ruy Sposati
Mais de 50 lideranças indígenas de todo país ocuparam na manhã desta sexta-feira, 10, a sede da Advocacia Geral da União (AGU) em Brasília. “Exigimos a revogação imediata da Portaria 303”, gritaram os indígenas durante ação pacífica e de protesto.  
Mobilizados pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), organizações regionais como Coiab (da Amazônia brasileira), Arpin-Sul (estados ao Sul do país), Apoinme (Minas Gerais, Rio de Janeiro e estados do Nordeste), Aty Guasu e Arpipan (povos indígenas do Pantanal).
Entre as lideranças, estão Raoni Metuktire Kayapó, Megaron Txucarramãe, cacique Babau Tupinambá, Kleber Apurinã, Lindomar Terena, além de representantes de povos de todas as regiões do país. Os indígenas exigiam uma audiência com o advogado-geral da União, Luís Inácio Almeida Adams, porém não foram recebidos. As lideranças seguiram, então, para o Supremo Tribunal Federal (STF), em busca de reuniões com os ministros.
A ação realizada pelos indígenas na sede da AGU está articulada com diversas outras que foram estouradas desde ontem. Todas pedem a revogação imediata da Portaria 303. Em Tocantins, cerca de 150 indígenas ocuparam também na manhã desta sexta-feira, a sede da AGU de Palmas. O movimento reivindica a revogação imediata da Portaria 303, publicada no último dia 16 de julho.
A mobilização começou com o trancamento da Avenida Teotônio Figurado, uma das principais artérias da capital tocantinense. Seis povos se articulam na ação: Apinajé, Xerente, Krahô, Javaé, Karajá de Xambioá e Krahô-Kanela.  
“Queremos que a Portaria 303 seja rasgada. É mais violação dos nossos direitos. Queremos nossas terras demarcadas para vivermos nela”, afirma Wagner Krahô-Kanela. Ele explica que cada vez mais querem “detonar” os povos indígenas.
Um dos pontos da portaria é a revisão de demarcações de terras indígenas. Para os indígenas, a demarcação precisa ser feita de acordo com as leis, não como os políticos e seus aliados do agronegócio querem.
Os indígenas exigem a presença do coordenador da AGU de Palmas para que ele ouça os povos e “veja a indignação, porque parece que o governo federal não quer nos ouvir. Não é só aqui, mas em todo país”, diz o indígena.  
Para Wagner e as demais lideranças que estão à frente da ocupação, a Portaria 303 interessa aos grandes latifundiários, aos grandes empreendimentos, caso das hidrelétricas e suas barragens, estradas e exploração de recursos minerais.
“Querem fazer as obras falando em economia e desenvolvimento, mas só vemos destruição, mortes e retiradas de direitos”, ataca Wagner.

Protestos em Cuiabá
Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, os povos indígenas também se mobilizaram em protesto pela revogação da Portaria 303. Mais de 150 índios e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) organizaram um ato público em frente ao órgão indigenista estatal.
Entre os povos presentes estavam os Paresi, Chiquitano, Nambikuara e Enauwenê-nawê. “Esse protesto é em repúdio e para pedir a revogação. Num prazo de sete dias, caso não haja uma resposta (positiva), vamos tomar medidas mais radicais, inclusive, fechamento de rodovias”, afirmou Ronaldo Zokezomaiake ao Diário de Cuiabá. Aliderança é Paresi da aldeia Rio Papagaio, em Sapezal.
Dois documentos foram protocolados na Funai, Ministério Público Federal (MPF) e Advocacia Geral da União (AGU) de Cuiabá.
No primeiro, intitulado: Povos indígenas do estado do Mato Grosso: manifesto público, as comunidades externam indignação e repudiam a Portaria 303 da AGU.
“A história da humanidade, que deveria ter como essência e princípio o respeito à pessoa humana, ou seja, cada povo respeitando a cultura, o espaço e a diversidade de cada povo. Mas infelizmente os tempos e as gerações não testemunham esta convivência", diz trecho do manifesto.
Em outro documento elaborado pelos indígenas, a Portaria 303 é tratada como Porcaria 303. "(...) é praticamente um ato inédito na política indigenista do Brasil recente, que explicitamente e publicamente o Governo Federal age de má fé”, escrevem os indígenas num dos trechos do texto.
Direcionado também ao Supremo Tribunal Federal (STF), o documento foi encaminhado à imprensa regional, nacional e internacional, bem como aos diversos setores da sociedade brasileira, comunidade internacional e às Nações Unidas (ONU).

Retomada no Mato Grosso do Sul
Além de protestos e ocupações, os povos protestam também contra a Portaria 303 fazendo retomadas. Cerca de 400 indígenas Guarani Kaiowá retomaram na madrugada desta sexta-feira parte de área de ocupação tradicional do tekoha Arroio Koral, município de Paranhos, Mato Grosso do Sul.
O território é motivo de conflitos fundiários e judiciais: além das violências cometidas contra os Guarani Kaiowá, a homologação recente da terra indígena foi suspensa pelo STF. O processo, no entanto, ainda não foi votado por todos os ministros e a comunidade exige celeridade na decisão.
De acordo com as lideranças do movimento de retomada, a morosidade na demarcação, homologação e extrusão dos invasores não-índios dos territórios promove a violência contra os Guarani Kaiowá. Por essa razão, decidiram fazer a retomada: com a Portaria 303, avaliam que tal quadro de não cumprimento dos direitos constitucionais deve se agravar.
“Os fazendeiros da faixa de fronteira Brasil/Paraguai, juntos com seus pistoleiros, certamente vão reagir de modo violento contra essas lideranças em manifestação”, declarou nesta manhã Tonico benites Guarani Kaiowá, que pede a presença imediata das autoridades na região e a revogação da Portaria 303 da AGU.

Efeitos da Portaria 303

  
   
Indígenas não foram recebidos pelo advogado-geral da União,
Luís Inácio Almeida Adams - Foto: Ruy Sposati
A portaria pretende estender condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol para as demais terras indígenas. Porém, a decisão dos ministros ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou serem anuladas.
Justificando “flagrante inconstitucionalidade”, juristas, como Dalmo Dallari, e setores do próprio governo federal se levantaram contra a portaria. Durante o contexto de publicação da medida, a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marta Azevedo, revelou estar sendo pressionada. Para o movimento indígena e indigenista, justamente pelos interesses e interessados que articularam a iniciativa da AGU.
Isso porque a Portaria 303 determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos. Por um mero instrumento, a AGU desconstrói o direito constitucional indígena de usufruto exclusivo da terra de ocupação tradicional.  
Desconsidera, assim, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. Para os indígenas, o governo federal é cínico ao não revogar a portaria, publicada no momento em que os povos indígenas são chamados para “dialogar” sobre a promoção e a proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e para regulamentar a Convenção 169.
Por fim, a Portaria 303 determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – ou melhor, ainda não decidiu.

Nota da editora do Blog: Há relatos estarrecedores de violência praticada pelos fazendeiros de Mato Grosso do Sul, principalmente da região de Dourados, contra os índios Guarani Kaiowá. No início deste ano, estive na região, mas não pude ir até às aldeias documentar, porque estava gripada.

terça-feira, 22 de março de 2011

União freia compra de terra por estrangeiro





O governo está determinado a conter e reverter o avanço de investidores estrangeiros em terras brasileiras. A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ontem um ofício ao Ministério da Fazenda orientando a instituição a criar regras, por meio de instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para impedir a aquisição de ações de companhias brasileiras detentoras de terras, e listadas na Bolsa de Valores, por empresas de capital estrangeiro.

O documento foi enviado, de forma reservada, ao ministro Guido Mantega em caráter de urgência. Por recomendação da AGU, a medida deve abranger todas as companhias de capital aberto detentoras de terras do país, segundo apurou o Valor.

Hoje, a empresa mais cobiçada nesses negócios é a SLC Agrícola, cujos ativos contêm uma ampla extensão de terras em vários Estados. Ela é um exemplo da situação que o governo procura evitar.

Mesmo sem ter capital aberto, a Radar, criada pelo grupo Cosan para administrar terras, também seria atingida pela medida do governo. A AGU enviou um ofício ao Ministério do Desenvolvimento recomendando o bloqueio de aquisições e fusões a partir da informação das Juntas Comerciais.

As compras de terras por estrangeiro vinham sendo fechadas com base em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que dispensou autorização para a aquisição de imóveis rurais no país. Até 1995, o Artigo nº 171 da Constituição, depois revogado, permitia a distinção entre dois conceitos: empresa nacional de capital estrangeiro e companhia controlada por acionistas não residentes no país ou com sede no exterior. Nos debates internos, a AGU avalia ser uma questão de soberania garantir as terras exclusivamente para brasileiros. Os especialistas argumentam que a terra "é o que o país tem de melhor" e que não pode "sair vendendo" a qualquer preço.

De 2002 a 2008 houve uma avalanche de investimentos estrangeiros em terras no país. Dados do Banco Central apontam para aporte de US$ 2,43 bilhões no período. Se consideradas todas as atividades do agronegócio, como agroindústrias e serviços, a conta chega a US$ 46,91 bilhões em sete anos.

A decisão da AGU também abre a possibilidade de questionamentos jurídicos nos casos de aquisições e fusões anteriores à sua interpretação da Lei nº 5.709, de 1971. O texto limitava as compras a um quarto da área de cada município e previa que cidadãos de mesma nacionalidade não podiam ser donos de mais de 40% desse limite.

O governo avalia que precisa "fechar a porta" para novos avanços de estrangeiros, sobretudo chineses e árabes, que buscam no Brasil uma forma de garantir abastecimento alimentar. A AGU entende que a terra tem papel estratégico, além das questões comerciais.

Dados inéditos do cadastro rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostra que, até 2008, haviam 4,04 milhões de hectares registrados por estrangeiros. São 34.218 imóveis concentrados em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia e Minas Gerais.

A AGU entende que o país tem muita terra, muita produção, mas precisa ter planejamento e instrumentos para garantir comida a mais de 200 milhões de habitantes no futuro. O governo avalia que a interpretação da lei é "viva" e pode mudar a cada período de tempo. O que antes demorava 30 anos para "caducar", hoje leva cinco anos.

O panorama produtivo mudou desde 1998, quando a própria AGU deu um parecer equiparando empresas de capital estrangeiro a companhias brasileiras. A exigência por zoneamentos econômicos-ecológicos (ZEE) poderia ficar manietada em caso de propriedade estrangeira da terra. Se o governo precisar induzir a produção de determinado produto em uma região específica, como ficaria a situação? Essa questão também ajudou a nortear a decisão da AGU.

fonte: Valor online
Leia também: A disputa pela terra em Copenhague