18/11/2013 - Ricardo Melo (*) - Folha de São Paulo
O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva.
A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada.
O recurso é também o abrigo dos covardes.
No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?
A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados?
Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.
Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo.
Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu.
Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências.
Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.
A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu.
Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos.
Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.
Os debates? Quantos momentos edificantes.
Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório.
Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto.
Belo exemplo.
O que virá pela frente é uma incógnita.
Para o PT, ficam algumas lições.
Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas como foi obra do PT, cadeia neles.
É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada - mesmo que a tenha devolvido.
Agora, se a amiga da mesma madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.
Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais.
Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas.
(*) Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de "Opinião", editor da "Primeira Página", editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do "Diário de S. Paulo", do "Jornal da Band" e do "Jornal da Globo". Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil "Liberdade e Luta" ("Libelu"), de orientação trotskista.
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardomelo/2013/11/1372759-supremo-tapetao-federal.shtml
Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.