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segunda-feira, 3 de março de 2014

A luta é com palavras..., como sempre foi

21/02/2014 - Ucrânia e Venezuela: lutar com palavras
- por Rodrigo Vianna - Escrevinhador

Lutar com palavras é a luta mais vã. No entanto lutamos, mal rompe a manhã.” (Drummond)

Não se trata de poesia. Mas de política.

A edição da “Folha” desta sexta-feira [21 fev] é mais uma demonstração de que a batalha nas ruas de Kiev ou Caracas não é feita só de coquetéis molotov, bombas e fuzis.

A batalha se dá na mídia, na TV, na internet, nas páginas envelhecidas dos jornais. São Paulo, Caracas, Kiev, Moscou e Washington. A batalha é uma só.

Reparemos bem.

Ao lado, temos a primeira página do jornal conservador paulistano – o mesmo que apoiou o golpe de 64 e emprestou seus carros para transporte de presos durante a ditadura militar.

Na capa da “Folha”, ucranianos escalam uma montanha de entulho no centro de Kiev, e a legenda avisa:

Manifestantes antigoverno usam pneus e entulho para montar barricadas…”

Logo abaixo, uma chamada sobre reintegração de posse em São Paulo:

Em SP, invasores destroem imóveis do Minha Casa”. Numa página interna, o jornal informa que esse “invasores resistiram e, até a noite, praticavam atos de vandalismo”. (página C-1)

Ucranianos não praticam “vandalismo”. São tratados de forma heroica.

Ainda que se saiba que parte dos manifestantes em Kiev tem um discurso racista, próximo do nazismo [foto].

Brasileiros são “vândalos”. Ucranianos são “manifestantes”.

Mas sigamos adiante.

Nas páginas internas, a “Folha” traz vários textos do enviado especial a Kiev. 

Num deles, o repórter mostra uma pequena fábrica para produção de coquetéis Molotov, dentro do Metrô de Kiev.

O cidadão que produz as bombas é descrito assim: 

Sem afiliação a partidos ou uma proposta ideológica clara, o cidadão diz ter sido atraído pela praça e pelas manifestações a partir da ideia de que é necessário mudar o sistema político na Ucrânia.” 

Mudar o sistema político. Hum. Não fica claro se o cidadão quer uma ditadura.

A Ucrânia não é uma democracia? O governo não foi eleito pela maioria? 

Hum… “Sem afiliação a partidos” – essa parece ser a chave para legitimar tudo nos dias que correm. A CIA, os EUA, a CNN, a Folha não tem filiação a partidos. Não. Nem o nobre manifestante de Kiev.

Ao lado da reportagem sobre os molotov, um texto opinativo assinado por Igor Gielow (sobrenome “eslavo”, muito bom! Isso dá credibilidade ao comentário). [foto]

Basicamente, Gielow diz que a crise na Ucrânia é “reflexo da estratégia de Putin para a região”.

Ele não está errado. Pena que esqueça de contar uma parte da história.

O importante não é o que eu publico, mas o que deixo de publicar”, dizia Roberto Marinho.

Gielow e a “Folha” ensinam: Putin [foto abaixo] é um líder malvado, que pretende manter na Ucrânia “a esfera de poder dos tempos imperiais e soviéticos”.

Aprendam: só a Rússia tem interesses imperiais na Ucrânia.

Do outro lado, há cidadãos sem afiliação partidária, lutando contra um insano governo pró-Moscou.

Os EUA e a Europa não têm interesses na Ucrânia. Só Putin. A culpa é dos russos.

Na “Folha” luta-se com as palavras muito antes da manhã começar. Luta-se com as palavras em Kiev, em São Paulo, Moscou. Washington fica invisível. E toda a estratégia passa por aí.

O poder imperial só existe por parte da Rússia. Washington não tem qualquer projeto imperial: nem na Ucrânia, nem na Síria, nem tampouco na América Latina…

Falando nisso, a cobertura sobre a Venezuela é também grandiosa no diário da família Frias.

Declarações de Maduro aparecem entre aspas. Velho truque jornalistico para desqualificar, colocar no gueto da suspeição, qualquer fala dos chavistas.

Segundo a Folha, o governo de Maduro afirma que o movimento (golpista? Isso a Folha não diz) é uma armação de “forças de ultradireita da Venezuela e de Miami”.

No texto original a expressão está assim, entre aspas. Por que? Para dar a impressão de que Maduro é um lunático, e que não há forças de ultradireita lutando nas ruas. Não. Há só “estudantes” e “manifestantes” (e agora sou eu que coloco entre aspas).

A legenda da foto ao lado (também publicada pelo jornal conservador paulistano) diz:

Estudantes queimam lixo em atos contra Nicolás Maduro”. 

Primeiro, como se sabe que o sujeito é um “estudante”

Depois, reparem que queimar lixo na Venezuela é “ato contra Maduro“. 

Queimar prédios em desapropriação, em São Paulo, vira “vandalismo”.

Em Caracas não há “vândalos”.

Ao lado da foto, um texto assinado por repórter (que está em São Paulo!!!) narra roubo de equipamento da CNN em Caracas: “o ataque à CNN se assemelha a inúmeros relatos de motociclistas intimidando manifestantes, com tolerância e até respaldo das forças de segurança do governo”.

O roubo ocorreu em manifestação da oposição. Mas o roubo certamente é coisa dos chavistas. Claro.

Nem é preciso ir até Caracas pra saber (registro a bem da verdade factual que o repórter - a quem conheço, ótima pessoa – foi correspondente em Caracas).

No mesmo texto (assinado, de São Paulo) os grupos que defendem o governo são chamados de “milícias”. Ok.

Já estive em Caracas cinco ou seis vezes. E há grupos chavistas que se assemelham mesmo a milícias. Mas do lado da oposição há o que? Não há milícias? A turma de Leopoldo, que deu golpe em 2002, é formada por cidadãos inocentes. E só.

Quem lê a “Folha” aprende que, em Caracas, há de um lado “milícias chavistas”. De outro, só “estudantes” e “manifestantes”. 

 Não há neutralidade no uso das palavras. Nunca houve. Nunca haverá.

E quanto mais agudas as crises, mais isso fica claro. Há escolhas. A “Folha” faz as suas. A CNN, a Telesur, a VTV – ou esse blogueiro. A diferença é que uns assumem que têm lado. Outros fingem que estão “a serviço do Brasil”.  

Lutemos, com as palavras. Não há saída. O outro lado luta todos os dias, todas horas.

“Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate” (Drummond)

Fonte:
http://www.rodrigovianna.com.br/vasto-mundo/ucrania-e-venezuela-lutar-com-palavras.html

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Por que, só agora?

25/11/2013 - Por que a Folha só ouviu o ‘guru do STF’ agora?
- Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

José Joaquim Gomes Canotilho, ele teve que vir ao Brasil para ser ouvido

Outro dia perguntei se os brasileiros iam esperar que Genoíno [foto abaixo com a filha] morresse para se mexer.

Foi a mesma sensação que tive agora, e não só agora, para dizer a verdade, ao ver a entrevista que a Folha deu com o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho.

O jornal o declara “guru” dos juízes do Supremo, tantas vezes Canotilho foi citado, em julgamentos diversos, por eles.

Canotilho criticou basicamente todo o processo do Mensalão: a ausência de um segundo fórum de julgamento, a onipresença de Joaquim Barbosa em todas as etapas do caso e os poderes extraordinários do Supremo, não encontrados, segundo ele, em nenhuma corte europeia.

A reação imediata banal que vem é: que processo cheio de falhas, deus do céu.

Mas a pergunta mais útil é: por que aquele tipo de colocação – que joga luz nas sombras, uma das atividades mais nobres do jornalismo – não veio na hora certa, em meio ao julgamento?

Injustiças poderiam ser evitadas. Absurdos poderiam ser corrigidos.

No caso da Folha, especificamente: por que ela não ouviu Canotilho antes?

E aí chegamos ao lastimável papel da mídia brasileira no julgamento.

A Folha não ouviu no momento devido o “guru” dos ministros por duas razões.

Primeiro, porque ele não estava no Brasil, e a mídia brasileira sofre de um provincianismo pavoroso.

Canotilho teve que vir ao Brasil – está lançando um livro – para que a Folha o ouvisse sobre um tema de extraordinária importância.

Segundo, porque não convinha colocar no debate uma voz dissonante – nem à Folha e muito menos às coirmãs Veja e Globo.

Tente, agora que Canotilho virou notícia no Brasil, encontrar alguma coisa dele na Veja, por exemplo.

O mesmo sentimento de atraso já me assaltara quando vi o jurista Ives Gandra Martins dizer que Dirceu estava sendo condenado sem provas.

Ora, por que ele não disse aquilo antes que a sentença fosse proferida?

Bandeira de Mello, outro jurista consagrado, também ganhou um destaque tardio quando sugeriu, dias atrás, que o PT processasse Joaquim Barbosa, a quem chamou de mau.

Depoimentos como o de Canotilho, Gandra e Bandeira de Mello teriam ajudado os brasileiros a entender melhor o julgamento do Mensalão e a evitar excessos que são a injustiça mascarada de justiça.

Por que só agora depoimentos tão relevantes vieram para o debate? Como réus que possam ter sido condenados iniquamente vão ser indenizados, caso – como suspeito – fiquem claro, com o correr dos dias, os erros do Supremo?

A posteridade há de colocar Joaquim Barbosa no devido lugar.

Aliás, espero que o julgamento de Barbosa perante os brasileiros não seja feito apenas pelos pósteros – mas pelo presente.

Mas o banco dos réus, nesse episódio, não será ocupado apenas por JB e quase todos os seus colegas de STF.

Também a mídia – notadamente a Veja e a Globo – estará sentada no mesmo banco.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-folha-so-ouviu-o-guru-do-stf-agora/

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Supremo Tapetão Federal

18/11/2013 -  Ricardo Melo (*) - Folha de São Paulo

Derrotada nas eleições, a classe dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos compêndios do "Direito" até encontrar casuísmos capazes de preencher as ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao tapetão.

O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva.

A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada.

O recurso é também o abrigo dos covardes.

No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?

A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados?

Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.

Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo.

Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu.

Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências.

Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.

A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu.

Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos.

Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.

Os debates? Quantos momentos edificantes.

Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório.

Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto.

Belo exemplo.

O que virá pela frente é uma incógnita.

Para o PT, ficam algumas lições.

Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro - o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo.

Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas como foi obra do PT, cadeia neles.

É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada - mesmo que a tenha devolvido.

Agora, se a amiga da mesma madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.

Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais.

Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas.

Mas num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.

(*) Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de "Opinião", editor da "Primeira Página", editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do "Diário de S. Paulo", do "Jornal da Band" e do "Jornal da Globo". Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil "Liberdade e Luta" ("Libelu"), de orientação trotskista.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardomelo/2013/11/1372759-supremo-tapetao-federal.shtml

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Marina na Rede do Itaú

25/10/2013 - A Rede da Marina, a Rede do Itaú, Marina na Rede do Itaú, e Marcelo Mirisola.
Ou 'Caiu na Rede é...trouxa'.
- Antonio Mello em seu blog do Mello

- Teria sido apenas uma incrível coincidência?
- Teria sido feito de caso pensado?

- Quem nasceu primeiro, o ovo (Rede) da Marina ou a galinha (Rede) do Itaú?


Logo após a ex-senadora Marina Silva tentar e não conseguir registrar seu Rede, no TSE, o banco Itaú, que tem uma das herdeiras da família Setúbal, Maria Alice Setúbal [foto], como uma das principais apoiadoras da Rede, o banco Itaú, eu dizia, resolveu que seu Redecard passaria a se chamar apenas Rede.

Num notável sincronismo, uma Rede balança a outra, tentando pegar os peixes-otários, os trouxas que somos nós - pelo jeito é o que pensam que somos.

Não vejo chiadeira contra essa tramoia canalha do partido sem registro com o banco sem vergonha, que quanto mais fatura e lucra, mais demite. Ou alguém aí leu alguma declaração de 
Marina sobre este excesso de Redes?

Para comentar essa miscelânea política, ou melhor, essa promiscuidade safada que nos tenta impingir gato (Rede de Marina) por lebre (Rede do Itaú), fui buscar trechos de um artigo do escritor Marcelo Mirisola, na época comentando outra miscelânea, esta cultural, envolvendo o mesmo banco e a mesma Maria Alice Setúbal: A nova senzala (transversalidades)

Fonte:
http://blogdomello.blogspot.co.at/2013/10/a-rede-da-marina-rede-do-itau-marina-na.html


31/03/2013 - A nova senzala (transversalidades)
- Por Marcelo Mirisola
- blog Congresso em foco

Não foi uma, nem duas, nem meia dúzia de vezes que tentei publicar um artigo na segunda página da Folha, na seção Tendências/ Debates. Jamais consegui.

Fiquei especialmente contrariado com duas recusas. O primeiro texto, “Boilesen ontem, hoje e sempre”, trata, como todo mundo está careca de saber, da Operação Oban [Operação Bandeirantes, evento da época da ditadura civil-militar].

No segundo texto, “Setubão no forévis”, discorro sobre a morte de Olávo Setúbal, que foi banqueiro desde sempre e prefeito biônico da cidade de São Paulo, indicado por Paulo Egydio Martins num dos períodos mais turbulentos da ditadura militar 
(1975-79).

Não me interessa, agora, divagar sobre esses textos. Vale que, no final das contas, os publiquei aqui no Congresso em Foco. Nenhuma vírgula foi censurada. Só tenho a agradecer a Sylvio Costa, editor deste site.

Pois bem, não é de hoje que me chama a atenção a presença constante de dona Maria Alice Setúbal na seção Tendências/ Debates”, o filé mignon da Folha de S. Paulo.

Dona Maria Alice [foto], como indica o nome, é herdeira de Olavo Setúbal, e provavelmente deve ser acionista do banco Itaú.

Nos créditos de seus artigos, consta que é doutora em Psicologia e presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária da Fundação Tide Setúbal. 

Seus artigos são redundantes. Ela gosta de usar a palavra “transversalidade”.

Não faz muito tempo que os Setúbal se uniram aos Moreira Salles, hoje, os negócios das duas famílias se ramificam em vários segmentos “comunitários” e “culturais”; Waltinho Salles é o mais notório sintoma, digo, o mais notório representante da aliança entre os Salles e os Setúbal.

Quem viu Diários de Motocicleta poderia jurar que o diretor é um revolucionário que, no lugar das armas, teria optado pelo lirismo para combater o monstro das injustiças e do capitalismo. 


Mas é sempre bom lembrar que tanto ele como dona Maria Alice são – antes de qualquer coisa – banqueiros.

O Instituto Moreira Salles é um exemplo impecável de cuidado com o patrimônio artístico brasileiro.

Só para se ter uma pequena ideia, o acervo do IMS reúne cerca de 550 mil fotografias, 100 mil músicas, uma biblioteca com 400 mil itens e uma pinacoteca com mais de 3 mil obras.

As partituras, os arranjos, os suores e piolhos, tudo de Pixinguinha [foto], inclusive a alma, está lá.

As obras de Millôr, Vinicius de Moraes, Décio de Almeida Prado, entre dezenas de músicos, artistas plásticos e escritores, constam do espólio Moreira Salles.

Aqui, eu me pergunto: esse tesouro foi comprado ou doado? Caso a primeira opção seja verdadeira, seria correto dizer que as almas desses artistas – embora estejam abertas a visitação – são de propriedade dos Moreira Salles? Tudo estaria perdido se não fosse a benevolência dos Salles? O que o Estado brasileiro tem a dizer a respeito? E das calcinhas do Wando, quem é que cuida?

O império cultural dos banqueiros abarca, além do IML, digo, IMS, a folha de pagamento das mais ilustres mentes do país (estes – ainda – não morreram), e contabiliza, além da revista de ensaios Serrote, a revista Piauí, cujo editor-chefe é Joaozinho Salles, irmão de Waltinho.

Às vezes, é curioso notar que a Piauí deixa escapar um certo ranço da praça Vilaboim, sobretudo na publicidade inteligente” que vende antes das sessões de cinema, cujas salas de exibição são deles mesmos.

Pois os irmãos Salles têm o domínio, digamos assim, de toda cadeia produtiva: desde os sets de filmagem até a pipoca antes, durante e depois dos Dogvilles aos quais somos
pleonasticamente (e sem vaselina) incluídos.

Existe – reparem – uma inércia materna (ou imanência…) que paira sobre os caixas eletrônicos e os cines-Itaú. A gente se ferra e acha que banco é cinema.

Do que eu falava? Ah, sim de dona Maria Alice. Já volto à dona Maria Alice, agora vou falar um pouco da revista Piauí.

Ah, como eu queria escrever na Piauí! Uma revista que disfarça a afetação como quem não quer exatamente disfarçar a afetação que, afinal de contas, é sinônimo de qualidade e marca registrada da Pça. Villaboim, sabem aquele ricaço que não usa meia?

A revista dos Moreira Salles, além de forçar uma casualidade, cultiva um humor elegante na medida exata de um aparente descompromisso com a grossura e vulgaridade das demais publicações do ramo.

Como se a Piauí, enfadada por natureza, proclamasse: “vejam só que lixo é a Bravo! … mais um produto da linha de montagem da Abril, os bregas publicam Capricho e Veja, nós não: somos iguais mas somos diferentes”.

Piauí faz o tipo cínico elegante, avant-garde goiabada cascão, PT do PSDB, mocassim sem meia.

Mas não se enganem! Os publishers são banqueiros e esse descompromisso serve apenas para distrair os órfãos de uma direita envergonhada que sofre porque a calle 23 em El Vedado não é uma travessa da Rua Maranhão (eu penso que isso é positivo, e já enviei dois textos pra lá que foram recusados… será que dona Maria Alice também é colaboradora da Piauí?);

E assim, resumidamente, numa barafunda de boas intenções e um inferno que está repleto de casualidades premeditadas, canelas nuas e um charme indisfarçável, guichês intransponíveis e juros estratosféricos, ficamos com a impressão de que a agiotagem é apenas um insignificante detalhe diante das inegáveis contribuições dos clãs Moreira Salles e Setúbal para a cultura brasileira.

Painel - Burle Marx - IML
Mas não é. Evidentemente não é. E eu digo isso porque sou correntista do banco Itaú, pago altos juros pra dona Maria Alice Setúbal e também sou leitor de suas intervenções na seção 
Tendências/ Debates da Folha de S. Paulo. Gostaria de acreditar que o jornal ainda não foi absorvido pelo acervo do Instituto Moreira Salles (IML).

Voltando à dona Maria Alice Setúbal.

O que madame teria de tão importante para acrescentar, tirante suas “transversalidades”, ao debate de ideias, ou, mais especificamente, por que as idéias dela são tão relevantes para desfilar na seção Tendências/ Debates da Folha?

Vou arriscar um diagnóstico.

Os textos de madame costumam ter a marca indelével que conduz do óbvio ao ululante, são como folders, propagandas de condomínio que indicam, ou melhor, cobram o caminho da felicidade, apesar de a felicidade, pobre e acuada felicidade, não ter sido consultada a respeito de tão nobre encaminhamento. 

Mas uma coisa dona Maria Alice sabe fazer, algo que circula em seu sangue de agiota, ela sabe cobrar.

No seu último artigo, “Novas formas de aprender e ensinar”, publicado no dia 27 de março, dona Maria Alice Setúbal aposta na “inteligência coletiva” que – segundo sua bola de cristal high-tech – está na iminência de ser consumada pela força da revolução tecnológica.

Madame não costuma deixar lacunas porque cumpre sua função, repito, que é levar o nada a lugar nenhum com a marca da excelência, como se o mundo fosse uma agência bancária cor-de-laranja protegido por portas giratórias e slogans de publicidade.

Não obstante, dessa vez, madame deu uma vacilada.

Dona Maria Alice Setúbal esquece que o lado de fora não tem ar condicionado. Revolucionária, decreta o fim do ensino linear. 

Para madame, o ensino da maioria das escolas – que ainda trabalham com aulas expositivas e livros didáticos – não faz mais sentido diante do conhecimento que é “transversal e produzido nas conexões entre várias informações”.

Bem, esses conhecimentos ou essas conexões, que eu saiba, só existem e funcionam em sua plenitude nos sistemas de cobrança do banco de madame e na bolsa de valores. No mínimo, dona Maria Alice Setúbal, que se imagina mensageira do futuro, é uma debochada.

Convenhamos que a “realidade transversal” que os nossos professores experimentam nas salas de aula têm outros nomes que nem o eufemismo mais engenhoso poderia disfarçar, tais como humilhação, porradaria, salário de merda.

Para coroar seu pensamento revolucionário, dona Maria Alice, sentencia: “Essa transversalidade se expressa nas demandas das empresas e nas expectativas dos jovens”.

Que jovens são esses? Aqueles que madame adestra em seus canis cor-de-laranja? Qual a expectativa deles? Telefonar pras nossas casas às sete horas da manhã para nos lembrar que somos devedores do Itaú? Ou a expectativa desses jovens é subir na vida, e virar gerente de banco?

Dona Maria Alice vai além e se entrega, ela acredita que a tecnologia vai produzir “pessoas que saibam resolver problemas, comunicar-se claramente, trabalhar em equipe e de forma colaborativa. Que usem as tecnologias com desenvoltura para selecionar, sistematizar e criticar informações. E que sejam inovadoras e criativas”.

Ora, madame quer empregados que não a incomodem, e encerra seu raciocínio ou exige, de forma impositiva e castradora: “E que sejam inovadoras e criativas”.

Não querendo fazer leitura subliminar, nem ser Lacaniano de buteco, mas esse “E que sejam inovadoras e criativas” é de amargar, hein, madame?

O artigo de dona Maria Alice é uma ordem de comando. A voz da dona, a mulher que visivelmente não pode ser contrariada. Difícil ler e não sentir-se um empregadinho dela.

Ao mesmo tempo em que ordena “inovação e criatividade”, elimina a possibilidade de reação: “para fazer da tecnologia uma aliada da educação, é preciso vencer o medo do novo e superar a cultura da queixa”.

Como se madame dissesse: “Publiquem meu artigo genial, obedeçam, e calem a boca. O futuro é meu, e se eu disser que é coletivo e cor-de-laranja, dá na mesma”.

O pior é que os filmes do Waltinho Salles são feitos no mesmo diapasão. A mesma lógica, a diferença é que ele ordena lirismo.

Eles são banqueiros! Em vez de desfilarem seus preconceitos e visões de mundo revolucionárias nas páginas dos jornais, na “pedagogia”, nos cinemas, no mundo do entretenimento e nas artes em geral, essa gente faria muito mais pela sociedade e pela cultura se extinguisse suas financeiras e baixasse os juros pros pobres coitados de seus correntistas.

Não desejo a fila da Taií pros meus coleguinhas escritores nem pros rappers que frequentam os saraus do Itaú cultural.

Até a alma do Leminski (“ocupação Leminski”) eles compraram.

Eu falava de madame (versão 2013) que diz que samba é coisa de gente elegante. Dessa vez a visita periódica que madame faz à sua cozinha, também conhecida como “Tendências/Debates”, 
ultrapassou o terror costumeiro, e, no lugar de marcar presença e autoridade, madame só fez azedar o cuscuz.

Ela devia ser mais discreta, como Olavão, [Olavo Setúbal, foto] o patriarca, o banqueiro. Não se deve confiar demais na vassalagem (leia-se correntistas e leitores).

No mesmo dia que madame publicou seu artigo, aconteceu uma coincidência reveladora, logo acima do texto de sinhá, no “Painel do leitor”, uma dona de casa, Mara Chagas, reclamava enfurecida da nova lei das empregadas domésticas, e fazia coro – às avessas, mas coro – à mme. Setúbal: 

As empregadas domésticas não trabalham aos sábados, não cumprem as oito horas diárias, o serviço tem que ser ensinado (não são mão de obra especializada), almoçam e lancham na casa dos patrões sem cobrança alguma e faltam sem avisar. Como ficará o empregador diante disso?

Eis a questão.

Pelo menos dona Mara Chagas, a leitora, foi honesta e direta, e não precisou de transversalidades” para exprimir suas ideias revolucionárias.

E o melhor: ela não vai concorrer ao Oscar, e jamais vai se manifestar no “Tendências/ Debates”. Nem ela, nem eu.

(*) Marcelo Mirisola é uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990. Formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra as panelinhas do mundo cultural. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Ed. 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

Fonte:
http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/a-nova-senzala-transversalidades/


Perguntinha do blog: Será que a recente proposta de "disruptura" da Marina [foto] foi inspirada nas "transversalidades" da sua, agora, amiga de infância Maria Alice?

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O que explica a sinceridade desconcertante da Folha?

Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
O jornalismo chapa branca, hoje, se pratica no interior das grandes empresas de jornalismo. Já escrevi sobre isso. Os jornalistas, lá, estão numa gaiola: só podem escrever o que os patrões querem que eles escrevam.

Isso quer dizer o seguinte: eles defendem os interesses particulares das empresas para as quais trabalham. Eles são, portanto, a voz do 1%.

Nunca foi tão claro isso. Compete aos jornalistas produzir, mecanicamente, textos, fotos, legendas, primeiras páginas e demais itens que compõem uma publicação.  Mas não pensar. Não ter ideias.

As ideias são exclusividade dos donos. Os jornalistas não podem pensar diferente deles. Ou melhor: podem. Mas não podem transformar isso em reportagens, artigos, entrevistas etc.

Não é um trabalho exatamente excitante. É mais parecido com propaganda do que com jornalismo propriamente: você vende ao seu público, como se fosse sabonete, os interesses de um pequeno grupo que fez o Brasil ser o que é, a terra da desigualdade.

Quanto isso pode durar?

É verdade que a internet abre aos jornalistas uma nova possibilidade – defender coisas que vão além dos interesses do 1%.

Mas para quem está engaiolado nas corporações o prolongamento de uma situação em que pensar é proibido pode tornar a situação mais e mais exasperante.

Entendo que isso possa explicar, ao menos em parte, o desabafo franco – e talvez suicida – da ombudsman da Folha, Suzana Singer.

Ao comentar a cobertura de uma pesquisa sobre a situação dos brasileiros, ela se referiu ao tradicional “catastrofismo” da Folha.

Os destaques dados pela Folha foram, todos eles, negativos. As más notícias estavam longe de representar o conjunto. Isso significou que foi oferecido ao leitor um quadro distorcido.

O desafio de um editor é ajudar o leitor a entender o mundo. Uma das armas, para isso, é buscar uma visão de floresta sobre as coisas, e não se limitar a uma árvore ou outra.

A Folha fez o oposto. Se conheço a vida numa redação, os editores da reportagem sobre a pesquisa acharam que, pinçando as estatísticas ruins, estavam agradando a seus patrões.

O acúmulo deste tipo de expediente pode ter esgotado a paciência da ombudsman. Catastrofismo é uma acusação séria. É desvio de caráter numa publicação. Não é um problema ocasional. É um drama no dia a dia do jornal e, sobretudo, dos seus leitores.

Outro episódio que tinha me chamado a atenção, na mesma linha, foi uma surpreendente crítica de Ricardo Noblat no site do Globo a Joaquim Barbosa. Sempre tão obediente à linha de pensamento dos Marinhos, ali Noblat foi para o lado oposto.

Cansaço? Exaustão? Frustração? Alguma preocupação com a posteridade? Problemas de consciência?

Situações extremas não podem perdurar por muito tempo. O jornalismo chapa branca que se faz hoje nas redações brasileiras – um ofício em que você faz pouco mais que beijar as mãos dos donos – é a negação do real jornalismo.

A beleza do jornalismo é dar voz a quem não tem. O jornalismo brasileiro dá voz a quem tem o monopólio da voz.

Uma hora a gaiola fica incômoda demais, por maiores que sejam os salários.

A seguir a coluna da ombudsman da Folha de S. Paulo publicada no domingo, 6/10.

Arauto das más notícias

Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012
A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram negativos.
O título na capa informava que "Analfabetismo e desigualdade ficam estagnados no país" (28/9). Em "Cotidiano", havia o aumento da diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode significar "o fim da década inclusiva".
Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na ferradura: "Renda média sobe, mas desigualdade para de cair" ("O Globo"), "Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem" ("Estado"), "Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a desigualdade ficou estagnada" (Jornal Nacional).
Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico "e não sabíamos". "É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano passado", escreveu Freire.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.
Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos outros jornais e da TV.
Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante, segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados. "Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é um deles", explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.
O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema amostral. "As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença entre os sexos", afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do Ibmec.
Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar roupa, presente em 55% das casas. "Para a vida das famílias mais pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as mulheres."
Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A extraordinária competência da Globo - Parte 1

02.05.2013 - A extraordinária competência da Globo
- Luis Nassif - Carta Capital

O que faz das Organizações Globo o maior grupo de mídia nacional?

Massa crítica acumulada durante décadas de pragmatismo, sem dúvida. Mas também uma visão estratégica imensamente superior à dos demais grupos de comunicação.

Quando homogeneíza-se o produto leva vantagem quem dispõe de maior poder de distribuição.

Nos anos 80, o grande salto da Folha de S. Paulo foi ter se tornado o contraponto à Globo.

A visão empresarial – jamais ideológica – de Otávio Frias percebeu o novo público que se formava, adepto das eleições diretas, adversário da burocracia, simpático aos novos costumes sociais, e apostou no novo.

Com essa estratégia, a Folha tirou uma geração de leitores do Estadão e se tornou o maior jornal brasileiro.

***

Hoje em dia, as comunicações globais estão submetidas ao mais violento processo de mudanças da história.

De um lado, enfrentam o avanço inexorável das grandes redes sociais – Facebook e Google – avançando sobre os classificados e a publicidade nacional. De outro, o aparecimento de novos produtos midiáticos online.

Havia duas estratégias de sobrevivência a serem seguidas pelos grupos midiáticos nacionais.

Uma delas, seria o da diferenciação em relação ao líder – a Globo. A segunda, seria a de seguir o líder.

Os três grupos nacionais – Folha, Estadão e Abril – optaram por seguir o líder.

Quando homogeneíza-se o produto leva vantagem quem dispõe de maior poder de distribuição. No caso, as Organizações Globo.

***

O pacto midiático teve como modelo Rupert Murdoch e sua Fox News.

Murdoch entendeu o avanço inexorável das redes sociais e resolveu levar a batalha para o campo político, ainda sob domínio dos grandes grupos de mídia.

Valeu-se, para tanto, de ferramentas tão antigas quanto o jornalismo: a exploração do medo supersticioso do “inimigo externo”, um enredo em que se cobre os adversários políticos com a mesma vestimenta que a dramaturgia utiliza para personagens ancestrais, como o vampiro, o lobisomem, as forças do mal.

O pacto matou a competição e, sem ela, nenhum veículo pode se aproveitar da enorme massa de leitores que se sentiram órfãos de mídia.

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Os grandes grupos aliados tinham dois adversários pela frente: as grandes redes sociais e as emissoras de televisão, em decadência, mas ainda assim abocanhando a maior parte do bolo publicitário.

Mas a frente escolheu como adversários ora dois velhinhos em final de vida (Fidel e Raul Castro), ora o presidente de uma nação irrelevante (Hugo Chávez, da Venezuela).

E, no campo da mídia, blogs independentes e mídia regional, com acesso a fatias ínfimas do bolo publicitário federal.

***

Um dia os livros de marketing irão narrar a jogada mais esperta de um meio de comunicação em muitas décadas, levando todos os concorrentes no bico.

As enormes pressões feitas sobre a Secretaria de Comunicação (Secom) da presidência da República, para que não ampliasse os canais de mídia, tiveram como resultado a estratificação de todo o mercado publicitário.

Mesmo com a queda de audiência das TVs e com o avanço exponencial do uso da Internet, as verbas mantiveram-se pesadamente concentradas no meio televisão, especialmente na TV Globo – que hoje em dia controla 60% das verbas publicitárias do país.

Agora, a realidade econômica se impõe.
Jornais e revistas pulam, então, para a piscina da Internet.

Mas ela está semi-vazia, porque, devido à sua própria pressão, a publicidade tradicional não rumou para a Internet – como em todas as demais economias desenvolvidas do planeta.

Em três ou quatro anos, a queda de audiência das emissoras de tevê irá se refletir nas verbas publicitárias. Mas os demais grupos midiáticos serão irrelevantes.

Continuarão guerreando contra os velhinhos de Cuba, enquanto a Globo já terá completado a transição.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/economia/a-extraordinaria-competencia-da-globo/?autor=589

Leia amanhã:
- A extraordinária competência da Globo - Parte 2 - A Internet e o fim do pensamento único - do mesmo Luis Nassif (uma espécie de continuação deste)

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.