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sábado, 4 de janeiro de 2014

O paradoxo do progresso

12/12/13 - João Carlos Caribé
- em seu blog Entropia

Desde que me entendo por gente vejo a tecnologia mudar o mundo à minha volta, os homens foram a lua, satélites e mais satélites, robôs nas fábricas, computadores, inteligência artificial, e muita ficção científica.

Desde então a sociedade assistiu seu espaço ser invadido pela tecnologia. Tudo em nome do progresso que não poderia parar.

Tivemos de assistir nossos postos de trabalho serem aniquilados, profissões dizimadas, e a tecnologia pouco a pouco ganhar o centro das atenções.

Sindicatos, associações e outros representantes de coletivos foram a luta, mas sem sucesso, afinal o progresso não pode parar.

O progresso é aliado do capital, o trabalho é despesa, o objetivo é o lucro.

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: a fita cassete vai acabar com a indústria fonográfica!

Pela ótica do capital esta tudo correto, quem lembra da reengenharia, um conceito até interessante, mas que fora usado como artifício para provocar a maior onda de demissões de todos os tempos.

O capitalismo sempre foi focado no lucro, tanto que mão de obra até hoje é entendida como insumo, assim como os materiais, um orçamento sempre foi composto de insumos e lucro.

Lucro este desejado, a palavra de ordem é competitividade, temos de ser competitivos, afinal o capitalismo é selvagem, e somente os mais competitivos sobrevivem.

Entenda que não é nada pessoal, dizia o patrão ao demitir funcionários de longa data, é a busca pela competitividade e sobrevivência da empresa que esta em jogo, empresas não podem ter coração…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O video cassete vai acabar com a indústria cinematográfica!

A Arte da Guerra do Pai rico, que virou a própria mesa antes do Safari de Estratégias do Príncipe, na busca de um monge que virou executivo.

Até hoje não sabemos quem roubou meu queijo, e nem quem foi o Fora de Série que chegou no Ponto da Virada em Caminhos e Escolhas na busca de um Freakonomics.

Mesmo que o Marketing seja Lateral ou vá além do Buzz, ou gerenciamos a experiência do consumidor ou tentamos entender a cabeça do Brasileiro.

O líder do Futuro faz uma Liderança Radical, diz que Sobreviver não é o bastante e não gosta de Sundae de Almôndegas.

Tanta coisa fora sistematizada para alavancar o progresso, para girar a roda da fortuna em prol da competitividade e do lucro.

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O CD vai acabar com o LP!

Meados dos anos noventa, o fim do mundo estava próximo, o bug do milênio que assombrava todo mundo, na verdade era apenas mais um mercado construído em cima de dúvidas e incertezas.

Estávamos sendo usados mais uma vez.

As profecias diziam: o fim do mundo esta próximo! A Internet chegou, uma nova parafernália eletrônica que chega para divertir os nerds e conectar os acadêmicos, um espaço de poucos.

A Internet chegou!

Como falavam em globalização!

O mundo como uma maravilhosa aldeia global, onde todos consumiriam alegremente, anunciavam o inevitável fim da cultura local, e enalteciam as maravilhas do mundo globalizado.

Na prática estavam alinhavando novos mercados, o progresso não pode parar!

Aquele tênis bacana é produzido no terceiro mundo por mão de obra escrava com uma marca registrada nos “Staites” que valia mais do que custava o sapato, que não valia nada.

Era o tal do insumo que ficou pequeno perto do lucro, a ciência do preço agora contava com um fator de subjetividade ainda não entendido, mas pouco importa, felizes consumidores pagavam lucros exorbitantes para ostentar seu mimo.

As corporações cresciam, cresciam como nunca…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Pirataria é crime!

B2B, B2C, G2B, G2C, A2Z; A2Z,G2B,B2C,G2C,B2B, e-learing, e-enterprise, e-commerce, e-gov, e-tudo, e-Siglas e letras 3 letras povoaram o vocabulário corporativo.

A Economia Digital ensinava a Vender seu Peixe na Internet e tudo Fazia Sentido.

Webonomics levou ao Net Gain, mas We the Media ainda não haviam estabelecido as Novas Regras da Comunidade.

O capitalismo virou bits, o free shop ficou à dois cliques de distância, que beleza!

Globalização!

O mundo agora ficou pequeno, e todo mundo achando tudo muito lindo, não percebiam a intenção latente, a nova ordem era transformar empresas em mega corporações, maiores e mais poderosas que as nações…

     Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Agora quem manda são as corporações, afinal oferecemos aquilo que o fizemos desejar.

Descobriram o usuário, a Internet ficou popular, ficou fácil para qualquer um produzir, criar e compartilhar, deixem eles brincar diziam as novas nações-corporações, afinal o Culto dos Amadores não pode nos ameaçar.

Mas as Novas Regras da Comunidade mostravam o Valor das Redes que através de seus Trust Agents corriam em busca de Socialnomics, mas na verdade estavam muito mais interessados no Group Genius.

Esta sociedade conectada, alinhadas por ideologias eram vistas como excelentes oportunidades de negócios, afinal nichos e mega nichos sempre seduziram qualquer corporação em busca de novos mercados.

Eles “brincavam”, faziam mashups, blogs, e se conectavam através de redes sociais.

Excelente dizia o establishment, nosso plano de dominação vai de vento em popa…

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O mundo de pontas esta se alinhando com o Manifesto Cluetrain.

Inteligência coletiva, cognição interativa, pensamento globalizado, juntos os usuários ficavam mais inteligentes, mais inteligentes que a soma das suas inteligências.

Inteligência coletiva, crowdsourcing, dinheiro P2P, mobilização coletiva e o povo foi para as ruas sem um líder específico, sem uma pauta específica, a indignação mostrou sua cara.

Era a crise da representatividade que estava em jogo, era o modelo atual do mundo que estava em jogo, como diz Rushkoff, eles querem trocar o sistema operacional do establishment e dar um reboot geral.

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: O povo unido jamais será vencido!

Precisamos parar este trem diz o establishment preocupado, vamos estudar esta tal de Internet que agora quer nos pegar, vamos mudar a regra do jogo, vamos controlar as informações, basta dizer que pobres velhinhos são roubados na Internet, ou falar de pedofilia, ou ainda de gente pelada na rede, o velho discurso da pirataria não colava mais, mas TPP vem ai para nos vingar.

Enquanto isto vamos dominar a infra-estrutura dizendo que Internet é telecomunicações, dizendo que Internet é um espaço de negócios e que deve seguir as regras do mercado, assim calamos nossos inimigos, e voltamos a lucrar como nunca.

     Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
          Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
               Diziam: Quem manda no seu país somos nós seus otários!!!

Fonte:
http://entropia.blog.br/2013/12/12/o-paradoxo-do-progresso/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sábado, 12 de outubro de 2013

Por um Brasil 2.0


Por Mauro Santayana*


No novo marco da internet brasileira e no quadro do enfrentamento da espionagem cibernética norte-americana e de outros países anglo-saxônicos, como se descobriu, agora, no caso do Canadá, é preciso tomar cuidado com o que se está falando, fazendo e propondo.

Se pretende ter papel ativo no estabelecimento de um marco internacional para a internet, o Brasil não pode - por açodamento ou desinformação - adotar ou apresentar propostas inócuas, como a de tornar obrigatória a hospedagem, por empresas internacionais, de dados de cidadãos brasileiros em servidores situados em território nacional.

Estejam onde estiverem, os servidores continuarão a ser operados pelas próprias empresas - a não ser que o governo passe a co-administrar o Google, o Facebook ou a Microsoft no Brasil, o que é tão improvável como ilegal. Se a empresa quiser (ou um diretor seu, ou um simples funcionário) bastará repassar os dados requeridos para governo norte-americano, após recolhê-los em seus servidores instalados em território brasileiro.

Depois, porque esteja dentro ou fora do Brasil, teoricamente qualquer servidor pode ser invadido. Prova disso é que até mesmo servidores do Pentágono e do governo dos EUA já foram “derrubados”, inclusive por hackers brasileiros, que atacaram servidores da NASA (por ter sido – pasmem! - confundida com a NSA) há alguns dias.

Além disso, surgem (e morrem), todos os dias, milhares de empresas na internet, entre elas redes sociais, que, de um jeito ou outro, terão acesso a informações de brasileiros, pessoais ou não, já a partir do cadastro. Como saber se elas têm ou não contato com o governo-norte-americano? Ou se não foram criadas pelas agências de segurança norte-americanas? Como monitorar seu surgimento, e obriga-las a transferir seus servidores para o Brasil?

Construir uma rede de internet, seja ela de âmbito doméstico, corporativo, nacional ou planetário, é, teoricamente, simples.

Com determinação e dinheiro, qualquer nação, ou uma aliança de países, como o BRICS – abordamos a hipótese de uma BRICSNET há alguns dias – pode comprar, ou desenvolver, se tiver tempo, os servidores, backbones, roteadores, cabos de fibra ótica, satélites, antenas, computadores, tablets, iphones, etc, necessários para isso.

Embora o controle físico de uma rede, ou de parte dela –  estamos encomendando satélites, instalando os cabos óticos da UNASUL e discutindo o projeto BRICS Cable – seja importante, ele de nada vai adiantar se não dispusermos de softwares, que sejam também relativamente seguros, para que essa rede, ou sub-rede,  venha a funcionar.

Esses softwares, “open source”, existem. Como possuem código aberto e são aperfeiçoados rotineiramente, de forma voluntária e colaborativa, por gente do mundo inteiro, é mais difícil dotá-los de “armadilhas” e “portas” clandestinas - como ocorre com softwares das grandes empresas de internet, -  para espionar os usuários.

O governo brasileiro já utiliza software livre em programas ligados ao estado. E também softwares desenvolvidos pelo próprio governo. Tem que passar a usá-los, exclusiva e obrigatoriamente, dotando-os de criptografia, nas comunicações oficiais, além de instalar sistemas que bloqueiem a utilização de e-mails, redes sociais e sites particulares a partir de computadores da administração pública.

Mas nada disso vai adiantar se esses softwares não puderem ser multiplicados, disseminados e utilizados, por meio de aplicativos, no dia a dia do cidadão comum, o que nos leva a um fator decisivo - o marketing - que não tem sido tratado, até agora, com a devida importância, nessa discussão.

Cidadãos de todo o mundo não tem seus dados devassados, apenas porque os EUA sejam manipuladores e “malvados”. Eles são espionados porque preferem continuar a sê-lo, a deixar de usar sites como o Google, o Youtube, o Skype,  o Instagram ou o Facebook.

Se essas empresas forem proibidas de atuar no Brasil, os cidadãos brasileiros continuariam a ter – voluntariamente - acesso a elas e aos seus serviços, bastando para isso conectar-se aos seus computadores, situados nos EUA ou em outros países. Isso, a não ser que cidadãos brasileiros fossem censurados e proibidos de fazê-lo, e mesmo assim – nessa hipótese absurda – eles poderiam burlar o governo através de proxys, VPNs, e muito mais.

Como já fizeram antes com o cinema e a televisão, quando se sentam para decidir que roteiro escrever e produzir, na internet - na hora de escolher que startup apoiar, que tipo de aplicação desenvolver, onde instalar um vírus ou um malware - os norte-americanos agem, também, como o personagem do conto de fadas do Flautista de Hamelin.

Desde a mais tenra idade, nossas crianças são fascinadas pelos seus jogos, se comunicam por meio de seus serviços de mensagem, interagem em suas redes sociais, conversam por meio de seus bate-papos e video-chats.

Se – sozinhos ou com o BRICS - não soubermos apostar na educação e inovação, no marketing e no entretenimento, para conquistar a atenção de nossos jovens, a sociedade brasileira continuará a ser espionada - mesmo que a presidente passe a usar o novo email dos Correios, ou um dia venha a deixar de  "tuitar".
                                                   
No novo marco da internet brasileira e no quadro do enfrentamento da espionagem cibernética norte-americana e de outros países anglo-saxônicos, como se descobriu, agora, no caso do Canadá, é preciso tomar cuidado com o que se está falando, fazendo e propondo.

Se pretende ter papel ativo no estabelecimento de um marco internacional para a internet, o Brasil não pode - por açodamento ou desinformação - adotar ou apresentar propostas inócuas, como a de tornar obrigatória a hospedagem, por empresas internacionais, de dados de cidadãos brasileiros em servidores situados em território nacional.

Estejam onde estiverem, os servidores continuarão a ser operados pelas próprias empresas - a não ser que o governo passe a co-administrar o Google, o Facebook ou a Microsoft no Brasil, o que é tão improvável como ilegal. Se a empresa quiser (ou um diretor seu, ou um simples funcionário) bastará repassar os dados requeridos para governo norte-americano, após recolhê-los em seus servidores instalados em território brasileiro.

Depois, porque esteja dentro ou fora do Brasil, teoricamente qualquer servidor pode ser invadido. Prova disso é que até mesmo servidores do Pentágono e do governo dos EUA já foram “derrubados”, inclusive por hackers brasileiros, que atacaram servidores da NASA (por ter sido – pasmem! - confundida com a NSA) há alguns dias.

Além disso, surgem (e morrem), todos os dias, milhares de empresas na internet, entre elas redes sociais, que, de um jeito ou outro, terão acesso a informações de brasileiros, pessoais ou não, já a partir do cadastro. Como saber se elas têm ou não contato com o governo-norte-americano? Ou se não foram criadas pelas agências de segurança norte-americanas? Como monitorar seu surgimento, e obriga-las a transferir seus servidores para o Brasil?

Construir uma rede de internet, seja ela de âmbito doméstico, corporativo, nacional ou planetário, é, teoricamente, simples.

Com determinação e dinheiro, qualquer nação, ou uma aliança de países, como o BRICS – abordamos a hipótese de uma BRICSNET há alguns dias – pode comprar, ou desenvolver, se tiver tempo, os servidores, backbones, roteadores, cabos de fibra ótica, satélites, antenas, computadores, tablets, iphones, etc, necessários para isso.

Embora o controle físico de uma rede, ou de parte dela –  estamos encomendando satélites, instalando os cabos óticos da UNASUL e discutindo o projeto BRICS Cable – seja importante, ele de nada vai adiantar se não dispusermos de softwares, que sejam também relativamente seguros, para que essa rede, ou sub-rede,  venha a funcionar.

Esses softwares, “open source”, existem. Como possuem código aberto e são aperfeiçoados rotineiramente, de forma voluntária e colaborativa, por gente do mundo inteiro, é mais difícil dotá-los de “armadilhas” e “portas” clandestinas - como ocorre com softwares das grandes empresas de internet, -  para espionar os usuários.

O governo brasileiro já utiliza software livre em programas ligados ao estado. E também softwares desenvolvidos pelo próprio governo. Tem que passar a usá-los, exclusiva e obrigatoriamente, dotando-os de criptografia, nas comunicações oficiais, além de instalar sistemas que bloqueiem a utilização de e-mails, redes sociais e sites particulares a partir de computadores da administração pública.

Mas nada disso vai adiantar se esses softwares não puderem ser multiplicados, disseminados e utilizados, por meio de aplicativos, no dia a dia do cidadão comum, o que nos leva a um fator decisivo - o marketing - que não tem sido tratado, até agora, com a devida importância, nessa discussão.

Cidadãos de todo o mundo não tem seus dados devassados, apenas porque os EUA sejam manipuladores e “malvados”. Eles são espionados porque preferem continuar a sê-lo, a deixar de usar sites como o Google, o Youtube, o Skype,  o Instagram ou o Facebook.

Se essas empresas forem proibidas de atuar no Brasil, os cidadãos brasileiros continuariam a ter – voluntariamente - acesso a elas e aos seus serviços, bastando para isso conectar-se aos seus computadores, situados nos EUA ou em outros países. Isso, a não ser que cidadãos brasileiros fossem censurados e proibidos de fazê-lo, e mesmo assim – nessa hipótese absurda – eles poderiam burlar o governo através de proxys, VPNs, e muito mais.

Como já fizeram antes com o cinema e a televisão, quando se sentam para decidir que roteiro escrever e produzir, na internet - na hora de escolher que startup apoiar, que tipo de aplicação desenvolver, onde instalar um vírus ou um malware - os norte-americanos agem, também, como o personagem do conto de fadas do Flautista de Hamelin.

Desde a mais tenra idade, nossas crianças são fascinadas pelos seus jogos, se comunicam por meio de seus serviços de mensagem, interagem em suas redes sociais, conversam por meio de seus bate-papos e video-chats.

Se – sozinhos ou com o BRICS - não soubermos apostar na educação e inovação, no marketing e no entretenimento, para conquistar a atenção de nossos jovens, a sociedade brasileira continuará a ser espionada - mesmo que a presidente passe a usar o novo email dos Correios, ou um dia venha a deixar de  "tuitar".
                                                      

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A BRICSNET - UMA REDE PARA OS BRICS

Por Mauro Santayana*

(JB)-Entre as diferentes hipóteses de resposta à espionagem da Presidente da República e de seus ministros e assessores, aventa-se a possibilidade – segundo afirmam os meios de comunicação, teria sido suspenso o envio da delegação precursora – do cancelamento da viagem de Dilma Roussef aos EUA, no mês que vem.

Pensando fria e estrategicamente, esta pode não ser a opção mais adequada para enfrentar o problema. Ao deixar de comparecer a uma visita de Estado, mesmo que em previsível gesto de protesto, o Brasil estaria abdicando de mostrar ao mundo que procura ter com os Estados Unidos uma relação à altura.

Estaríamos, guardadas as devidas proporções e circunstâncias, agindo como o governo golpista  de Federico Franco, que, ao tentar – de maneira inócua - reagir contra a suspensão do Paraguai do Mercosul por    quebra  de suas  salvaguardas democráticas, resolveu votar contra a vitoriosa eleição de representantes brasileiros na OMC e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Muito mais efetivo seria se, no âmbito dos  BRICS, Dilma obtivesse de nossos parceiros russos, chineses, indianos e sul-africanos, o compromisso de se trabalhar, coordenada e aceleradamente, no desenvolvimento de uma BRICSnet.

Uma rede de internet para o grupo, alternativa e paralela à que foi criada pelos Estados Unidos e que permanece sob estrito controle dos norte-americanos. Um sistema que contasse com avançados programas criptográficos que embaralhassem a informação entre origem e destino,  impedindo que ela fosse decifrada pelas agências de inteligência dos EUA.

Segundo o analista geopolítico Eric Drauster, entrevistado pela edição espanhola do Russia Today esta semana, o grande alvo da espionagem norte-americana – e isso está claro no caso brasileiro – são os BRICS, como a única aliança capaz de rivalizar com o bloco EUA-União Européia nos planos político, estratégico e econômico nos próximos anos, e essa mesma premissa vale para o campo das redes globais de comunicação instantânea.
 
A China possui, hoje, tecnologia de ponta na área de telecomunicações, a ponto da  Huawei ter sido impedida de trabalhar nos EUA, pelo Congresso dos Estados Unidos, sob a suspeita – olhem só quem está falando – de que seus equipamentos fossem usados para espionar os norte-americanos.
A Índia, com centenas de milhares de programadores formados, todos os anos, nas mais avançadas linguagens da engenharia da computação, dispõe de um verdadeiro exército para o desenvolvimento de softwares e chaves  criptográficas virtualmente imunes à bisbilhotice da CIA ou da NSA.

Juntos, Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul poderiam, se quisessem, em menos de um ano, espalhar uma rede de cabos submarinos da BRICSnet unindo seus respectivos continentes sem que esses equipamentos passassem, como acontece hoje, pelo território dos EUA.

Uma rede de satélites de comunicação da BRICSnet também poderia ser desenvolvida e lançada em curto espaço de tempo – quem sabe como o primeiro projeto a ser financiado pelo banco de infraestrutura dos BRICS - nos moldes de outros programas já existentes, como o CBERS, o Programa de Satélites China-Brasil de Recursos Terrestres.

Uma aliança na BRICSnet entre desenvolvedores indianos e a manufatura chinesa, com a colaboração de russos, brasileiros e sul-africanos, seria praticamente imbatível no desenvolvimento e venda, para os países emergentes – só o Grupo BRICS representa mais de 40% da população do mundo – de  novos serviços de email, redes sociais, navegadores, sistemas de exibição e distribuição de vídeos e música, sistemas operacionais para tablets e telefones inteligentes, tudo desenvolvido à margem das empresas ocidentais que hoje colaboram, prestimosamente, com os serviços de espionagem dos Estados Unidos.

A Presidente Dilma, poderia, sim, fazer sua visita de Estado aos Estados Unidos.  É importante que ela escute as explicações – se houver e forem dadas – do Presidente Barrack Obama, que pode ter lá seus problemas com a área de inteligência, como temos aqui, de vez em quando, com a nossa.
Mas é muito mais importante, ainda, que ela discurse no jardim da Casa Branca, dizendo na cara dos norte-americanos, e diretamente ao próprio Presidente Barrack Obama, que a nenhum país foi dado o direito de tutelar os outros em assuntos de segurança.

Que o Brasil, assim como outros grandes países, não delegou a ninguém a licença de defendê-lo no mundo.

Que somos uma nação soberana que não aceita ser monitorada, sob nenhum pretexto, por quem que seja.

E que a comunicação entre países e entre pessoas não pode – em defesa justamente da liberdade e da democracia – ficar, sob nenhuma hipótese, a cargo de um único estado, por mais que esse estado acredite em mandato divino ou destino manifesto.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Os Hitlernautas estão chegando



Por Mauro Santayana, em seu Blog


Para quem acha que Dani Shwery, Thismir Maia e Carla Dauden são o máximo que a direita “espontânea” conseguiu preparar para mobilizar seus simpatizantes - no contexto do quadro reivindicatório das manifestações de junho - podemos dizer que entre os servidores do Google e da Microsoft e os mouses dos internautas comuns há muito mais coisas que a nossa vã filosofia possa imaginar.

Uma delas, ficou comprovado, é a espionagem norte-americana na rede, denunciada pelo agora foragido Edward Snowden.

O súbito aparecimento do fenômeno dos hitlernautas é outra - e esse é um fato que merece ser analisado. O hitlernauta, não é, na verdade, uma nova espécie no ciberespaço brasileiro. Ele sempre existiu, embora não fosse conhecido por esse nome. A questão é que, antes, os hitlernautas só podiam ser encontrados no seu habitat natural, em reservas quase sempre protegidas, e normalmente produzidas e consultadas apenas por eles mesmos.

Encontravam-se, assim, ao abrigo do navegante comum, como nos sites neonazistas, integralistas, da extrema-direita católica, ou que correspondem, no Brasil, a “espelhos” de certas “organizações” fascistas internacionais.

Nesses espaços, eles ficaram, por anos, alimentando suas frustrações, preparando-se para sair à luz do dia tão logo houvesse uma ocasião mais segura para se apresentarem ao mundo. A oportunidade surgiu no âmbito das passeatas de junho. Afinal, nessas manifestações, cada um podia carregar a mensagem que desejasse - desde que não fosse símbolo de partidos políticos.

Os hitlernautas, além de aparentemente apartidários, são, principalmente, anti-partidários. Assim, resolveram engrossar, a seu modo, a procissão, mesmo sem conseguir indicar, com clareza, rumo ou andor que lhes valesse.

É fácil reconhecer o hitlernauta. Nas ruas, é o “careca”; o de cara coberta por um lenço; pela máscara de um movimento "anarquista"; o que leva coquetel molotov de casa; joga pedra na polícia; agride violentamente o militante do PSDB ou do PSTU que estiver carregando uma bandeira; quebra prédios públicos; arranca semáforos; saqueia lojas; põe fogo em carros da imprensa ou invade o Itamaraty.

Na internet, o hitlernauta é ainda mais fácil de ser identificado. É aquele sujeito que acredita (piamente?) que estamos vivendo a penúltima etapa da execução de um Golpe Comunista no Brasil. E que o Fórum de São Paulo é uma espécie de conclave secreto, destinado a dominar o mundo via implantação, no continente, de uma União das Repúblicas Socialistas da América do Sul.

O hitlernauta é o “anônimo” que nos comentários, na internet, tenta convencer os interlocutores, de que as urnas eletrônicas são manipuladas; de que não existe oposição no Brasil, porque o PSDB é uma linha auxiliar do PT na implantação do stalinismo por aqui; que FHC é fabianista, logo, uma espécie de socialista a serviço da entrega do Brasil aos vermelhos; que a ONU é parte de uma conspiração mundial, e o único jeito de consertar o país é acabar com o voto universal, fechar o Congresso, dissolver os partidos, prender, matar, arrebentar e torturar, por meio de um novo golpe militar.

No dia 10 de julho, os hitlernautas saíram às ruas, sozinhos, pela primeira vez. Segundo o portal Terra, fecharam a rua Pamplona, até a esquina com a Consolação, com a Marcha das Famílias contra o Comunismo, convocada nas últimas duas semanas pela internet.

O portal IG calculou, em cerca de 100 pessoas, o grupo que se reuniu no vão do MASP e marchou, com bandeiras, pedindo intervenção militar, até as imediações do Comando Militar do Sudeste.

No Rio, a convocação conseguiu juntar, frente à Candelária, trinta e poucos manifestantes, em cena em que se viam mais bandeiras e cartazes sobre as escadas do que pessoas para empunhá-los. Ao ver a foto da “manifestação”, muita gente os ridicularizou na internet.

Os primeiros desfiles das SA na República de Weimar também não reuniam mais que 30 pessoas, que carregavam as mesmas suásticas hoje tatuadas na pele dos skinheads presentes à Marcha das famílias contra o Comunismo, em São Paulo, no dia 10. As pessoas normais, ao vê-los desfilando nos parques, com os seus ridículos uniformes, acharam, na década de 30, que os nazistas eram um bando de palhaços. Eles eram palhaços, mas palhaços que provocaram a maior carnificina da História. Sob seus olhos frios, seus gritos carregados de ódio, milhões de inocentes foram torturados, levados às câmaras de gás, e incinerados, em Auschwitz, Maidanek, Birkenau, Dachau, Sachsenhausen – e em dezenas de outros campos de extermínio montados por ordem de Hitler.

Os hitlernautas não devem ser subestimados. É melhor que a sociedade os conheça. A apologia da quebra do estado de direito é crime e deve ser combatida com os rigores da lei. Cabe ao Ministério Público, com a ajuda da Polícia Federal, identificá-los e denunciá-los à Justiça, para que sejam julgados e punidos, em defesa da democracia

Fonte: http://www.maurosantayana.com/2013/07/os-hitlernautas-estao-chegando.html



sábado, 13 de julho de 2013

A América Latina na era das cyberguerras




A luta pela autodeterminação latino-americana é importante para muito mais gente do que os que vivem na América Latina, porque mostra ao resto do mundo o que pode ser feito


Por Julian Assange* em 12/07/2013 Brasil de Fato


O que começou como meio para preservar a liberdade individual pode agora ser usado por Estados menores, para frustrar as ambições dos maiores.

O cypherpunks originais eram, na maioria, californianos libertaristas. Eu vim de tradição diferente, onde todos nós buscávamos proteger a liberdade individual contra a tirania do Estado. Nossa arma secreta era a criptografia. Já se esqueceu o quanto isso foi subversivo. A criptografia, então, era propriedade exclusiva dos Estados, para uso em suas muitas guerras. Ao escrever nossos próprios programas e distribuí-los o mais amplamente possível, liberamos a criptografia, a democratizamos e a espalhamos pelas fronteiras da nova internet.

A reação contra, sob várias leis “de tráfico de armas”, falhou. A criptografia se difundiu nos browsers da rede e em outros programas que, hoje, as pessoas usam diariamente. Criptografia forte é ferramenta vital na luta contra a opressão pelo Estado. Essa é a mensagem do meu livro Cypherpunks. Mas o movimento para disponibilizar universalmente uma criptografia forte tem de trabalhar para obter mais do que isso. Nosso futuro não está apenas na liberdade para os indivíduos.

Nosso trabalho em WikiLeaks implica compreensão semelhante da dinâmica da ordem internacional e da lógica do império. Durante o período de formação de WikiLeaks, encontramos evidências de pequenos países abusados e dominados por países maiores, ou infiltrados por empresas de fora, forçados agir contra eles próprios. Vimos o desejo popular ao qual não se dava voz e expressão, eleições compradas e vendidas, e países ricos, como o Quênia, assaltados e leiloados por plutocratas em Londres e em New York.

A luta pela autodeterminação latino-americana é importante para muito mais gente do que os que vivem na América Latina, porque mostra ao resto do mundo o que pode ser feito. Mas a independência da América Latina ainda engatinha. Tentativas para subverter a democracia latino-americana ainda acontecem, inclusive recentemente, em Honduras, Haiti, Equador e Venezuela.

Por isso, a mensagem dos cypherpunks tem importância especial para os públicos latino-americanos. A vigilância em massa não é só problema para a governança e a democracia — é uma questão geopolítica. Se a população de um país inteiro é vigiada por país estrangeiro, há ameaça contra a soberania. Intervenção após intervenção nos assuntos da democracia na América Latina ensinaram-nos a ser realistas. Sabemos que os velhos poderes ainda explorarão, para benefício deles, qualquer possibilidade de retardar ou suprimir a eclosão da independência latino-americana.

Considere-se a simples geografia. Todos sabem que os recursos em petróleo regem a geopolítica global. O fluxo do petróleo determina quem é dominante, quem é invadido, quem é posto em ostracismo fora da comunidade global. O controle físico sobre um segmento de oleoduto define maior poder geopolítico. Governos que se ponham nessa posição podem obter concessões gigantescas. Num golpe, o Kremlin pode condenar a Europa Oriental e a Alemanha a um inverno sem calefação. E até a possibilidade de Teerã controlar um oleoduto para o leste, até Índia e China, é pretexto para a lógica belicosa de Washington.

Mas o novo grande jogo não é a guerra por oleodutos. É a guerra pelos dutos pelos quais viaja a informação: o controle sobre as vias de cabos de fibras óticas que se espalham pela terra e pelo fundo dos mares. O novo tesouro global é o controle do fluxo gigante de dados que conecta todos os continentes e civilizações, conectando as comunicações de bilhões de pessoas e empresas.

Não é segredo que, na Internet e no telefone, todas as rotas que entram e saem da América Latina passam pelos EUA. A infraestrutura da Internet dirige 99% do tráfego que entra e que sai da América do Sul por linhas de fibras óticas que atravessam fisicamente fronteiras dos EUA. O governo dos EUA não mostrou qualquer escrúpulo quanto a quebrar sua própria lei e plantar escutas clandestinas nessas linhas e espionar os seus próprios cidadãos. Todos os dias, centenas de milhões de mensagens de todo o continente latino-americano são devoradas por agências de espionagem dos EUA, e depositadas para sempre em armazéns do tamanho de pequenas cidades. Os fatos geográficos sobre a infraestrutura da internet, portanto, têm consequências sobre a independência e a soberania da América Latina.

O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com maquinário de criptografia. São caixas e programas que “desmontam” as mensagens na origem e as “remontam” no destino. Os governos compram essas máquinas e programas para proteger seus segredos — quase sempre o próprio povo paga (caro) —, porque temem, corretamente, que suas comunicações sejam interceptadas.

Mas as empresas que vendem esses equipamentos e programas caros mantêm laços estreitos com a comunidade de inteligência dos EUA. Seus presidentes e altos executivos são quase sempre matemáticos e engenheiros da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) capitalizando as invenções que eles mesmos criaram para o Estado de Vigilância. Não raras vezes, as máquinas que vendem são quebradas: quebradas propositalmente, por uma razão. Não importa quem as use ou como as usem — as agências dos EUA conseguem “remontar” os sinais e leem as mensagens.

Esse equipamento é vendido para a América Latina e outros países como útil para proteger os segredos do comprador, mas são, de fato, máquinas para roubar aqueles segredos.

Enquanto isso, os EUA aceleram a próxima grande corrida armamentista. A descoberta do vírus Stuxnet vírus — e depois dos vírus Duqu e Flame — marca o início de uma nova era de programas complexos usados como arma, que Estados poderosos fabricam para atacar estados mais fracos. A primeira ação agressiva contra o Irã visou a minar os esforços daquele país com vistas a defender sua soberania — ideia que é anátema para os interesses de EUA e de Israel na região.

Longe vai o tempo em que usar vírus de computador como arma de ataque era peripécia de romance de ficção científica. Agora, é realidade global, que se espalha graças ao comportamento leviano do governo de Barack Obama, em violação da lei internacional. Outros estados agora por-se-ão na mesma trilha, aumentando a própria capacidade de ataque.

Os EUA não são os únicos culpados. Em anos recentes, a infraestrutura de internet de países como Uganda tem recebido grandes investimentos chineses. Gordos empréstimos chegam, em troca de contratos africanos para que empresas chinesas construam a espinha dorsal da infraestrutura de internet ligando escolas, ministérios do governo e comunidades ao sistema global de fibra ótica.

A África vai-se conectando online, mas com máquinas vendidas por potência estrangeira aspirante ao status de superpotência. A internet africana será o meio pelo qual o continente continuará subjugado no século 21?

Essas são algumas das importantes vias pelas quais a mensagem dos cypherpunks vai além da luta pela liberdade individual. A criptografia pode proteger não só as liberdades civis e os direitos individuais, mas a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos que lutem por causa comum, e o projeto da emancipação global. Pode ser usada para enfrentar não só a tirania do estado contra o indivíduo, mas a tirania do império contra estados menores.

O grande trabalho dos cypherpunks ainda está por fazer. Junte-se a nós.


*Julian Assange é editor-chefe do Wikileaks. Foi agraciado com o Amnesty International New Media Award em 2009 e o Sydney Peace Foundation Gold Medal, o Walkley Award for Journalism e o Martha Prize em 2011. Texto publicado em Outras Palavras, e traduzido por Vila Vudu.

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13557


sábado, 18 de maio de 2013

Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Laurindo Lalo Leal Filho*

 
Artigo publicado originalmente na ‘Revista do Brasil’ – edição de maio de 2013

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca.

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade.

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais.

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães.

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia.

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público.

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter.

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Fonte: Carta  Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6095


Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html


terça-feira, 7 de maio de 2013

A extraordinária competência da Globo - Parte 2

03/05/2013 - A Internet e o fim do pensamento único
- Luis Nassif na Coluna Econômica do seu blog Online

A principal mudança trazida pela Internet no modo de produção jornalística é a interatividade – ou seja, a possibilidade do leitor-comentarista participar da construção do conhecimento.

Ontem [02/05/2013] escrevi um texto sobre a competência do Globo. No Blog, o leitor Jorge Vieira colocou comentário inteligente, completando o raciocínio.

Diz ele que faltou à Globo visão estratégica e de futuro para consolidar uma relação permanente com seu público.

São dois os pontos de crítica:
“Um monopólio de fato nessa área, perseguindo permanentemente o poder político, produz, no médio e no longo prazo, um gigante de pés de barro, cercado de ameaças por todos os lados”.

A segunda, decorrente da primeira, se prende ao fato de não diversificar os pontos de vista sobre os principais temas.

“De repente, por exemplo, ocorre um crime cometido por um menor de 18 anos que choca a todos e, aí, você vê por vários dias notícias veiculadas de crimes cometidos por menores de idade até a onda passar."

"Você percebe que vem uma ordem da direção: a hora é de demonizar os menores infratores”.

“A economia, como se sabe, é área da ação humana em que não se pode atingir todos os indicadores de desempenho positivos ao mesmo tempo."

"Há sempre a possibilidade de ocorrer o sacrifício de alguns para favorecer outros ou vice-versa."

"E neste jogo, eles estão sempre com a possibilidade de responsabilizar os governos pelo mau desempenho dos indicadores sacrificados”.

***

No fundo, a crítica central de Vieira é a contraposição entre a diversidade de opiniões, pela Internet, e a homogeneização da opinião pela Globo.

O que se passa por lá, no entanto, é problema comum aos grandes grupos de comunicação, quando se viram confrontados com a realidade da Internet.

***

As redes sociais, o acesso amplo e irrestrito a um mundo de opiniões diversificadas, está produzindo um novo cidadão-leitor, o cidadão conectado.

Ele não se conforma mais com o prato feito.

Tome-se a questão dos menores.
Pela Internet é possível colher opiniões contrárias à redução da maioridade penal e opiniões a favor;

- opiniões que acham que a imputação penal não refreará os ímpetos do jovem criminoso;

- e os que julgam que bastam leis severas para reduzir a criminalidade.

Independentemente do mérito de cada um, o leitor conectado terá à sua disposição condimentos dos mais variados para poder montar o SEU prato, a SUA opinião.

***

Ao mesmo tempo que estimula o gregarismo, a Internet abre espaço inédito para as manifestações individualizadas – de pessoas ou grupos restritos de opinião.

Nenhum partido político, nenhum veículo de mídia conseguirá administrar essa realidade com a visão antiga, de condutores de povos.

É uma nova realidade que exigirá, cada vez mais, o exercício permanente da negociação, dos pactos, da mediação.

Não comporta mais o poder absoluto, nem do Estado nem dos grandes grupos midiáticos, nem dos partidos políticos, nem das religiões.

Quem permanecer na velha moldura se arriscará a vestir um paletó de madeira menor do que o figurino.

Como conservar o poder, abrindo mão do direcionamento da informação?

Essa é a esfinge que devorará o grupo de comunicação que não conseguir decifrá-la.

Fonte:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-internet-e-o-fim-do-pensamento-unico

Não deixe de ler:
- A extraordinária competência da Globo - Parte 1 - Luis Nassif

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A extraordinária competência da Globo - Parte 1

02.05.2013 - A extraordinária competência da Globo
- Luis Nassif - Carta Capital

O que faz das Organizações Globo o maior grupo de mídia nacional?

Massa crítica acumulada durante décadas de pragmatismo, sem dúvida. Mas também uma visão estratégica imensamente superior à dos demais grupos de comunicação.

Quando homogeneíza-se o produto leva vantagem quem dispõe de maior poder de distribuição.

Nos anos 80, o grande salto da Folha de S. Paulo foi ter se tornado o contraponto à Globo.

A visão empresarial – jamais ideológica – de Otávio Frias percebeu o novo público que se formava, adepto das eleições diretas, adversário da burocracia, simpático aos novos costumes sociais, e apostou no novo.

Com essa estratégia, a Folha tirou uma geração de leitores do Estadão e se tornou o maior jornal brasileiro.

***

Hoje em dia, as comunicações globais estão submetidas ao mais violento processo de mudanças da história.

De um lado, enfrentam o avanço inexorável das grandes redes sociais – Facebook e Google – avançando sobre os classificados e a publicidade nacional. De outro, o aparecimento de novos produtos midiáticos online.

Havia duas estratégias de sobrevivência a serem seguidas pelos grupos midiáticos nacionais.

Uma delas, seria o da diferenciação em relação ao líder – a Globo. A segunda, seria a de seguir o líder.

Os três grupos nacionais – Folha, Estadão e Abril – optaram por seguir o líder.

Quando homogeneíza-se o produto leva vantagem quem dispõe de maior poder de distribuição. No caso, as Organizações Globo.

***

O pacto midiático teve como modelo Rupert Murdoch e sua Fox News.

Murdoch entendeu o avanço inexorável das redes sociais e resolveu levar a batalha para o campo político, ainda sob domínio dos grandes grupos de mídia.

Valeu-se, para tanto, de ferramentas tão antigas quanto o jornalismo: a exploração do medo supersticioso do “inimigo externo”, um enredo em que se cobre os adversários políticos com a mesma vestimenta que a dramaturgia utiliza para personagens ancestrais, como o vampiro, o lobisomem, as forças do mal.

O pacto matou a competição e, sem ela, nenhum veículo pode se aproveitar da enorme massa de leitores que se sentiram órfãos de mídia.

***

Os grandes grupos aliados tinham dois adversários pela frente: as grandes redes sociais e as emissoras de televisão, em decadência, mas ainda assim abocanhando a maior parte do bolo publicitário.

Mas a frente escolheu como adversários ora dois velhinhos em final de vida (Fidel e Raul Castro), ora o presidente de uma nação irrelevante (Hugo Chávez, da Venezuela).

E, no campo da mídia, blogs independentes e mídia regional, com acesso a fatias ínfimas do bolo publicitário federal.

***

Um dia os livros de marketing irão narrar a jogada mais esperta de um meio de comunicação em muitas décadas, levando todos os concorrentes no bico.

As enormes pressões feitas sobre a Secretaria de Comunicação (Secom) da presidência da República, para que não ampliasse os canais de mídia, tiveram como resultado a estratificação de todo o mercado publicitário.

Mesmo com a queda de audiência das TVs e com o avanço exponencial do uso da Internet, as verbas mantiveram-se pesadamente concentradas no meio televisão, especialmente na TV Globo – que hoje em dia controla 60% das verbas publicitárias do país.

Agora, a realidade econômica se impõe.
Jornais e revistas pulam, então, para a piscina da Internet.

Mas ela está semi-vazia, porque, devido à sua própria pressão, a publicidade tradicional não rumou para a Internet – como em todas as demais economias desenvolvidas do planeta.

Em três ou quatro anos, a queda de audiência das emissoras de tevê irá se refletir nas verbas publicitárias. Mas os demais grupos midiáticos serão irrelevantes.

Continuarão guerreando contra os velhinhos de Cuba, enquanto a Globo já terá completado a transição.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/economia/a-extraordinaria-competencia-da-globo/?autor=589

Leia amanhã:
- A extraordinária competência da Globo - Parte 2 - A Internet e o fim do pensamento único - do mesmo Luis Nassif (uma espécie de continuação deste)

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

No livro de Assange: liberdade e o futuro da internet

02/02/2013 - Especial: a apresentação do livro de Julian Assange
- Por Natalia Viana (*) no blog Outras Palavras

“Uma guerra furiosa pelo futuro da sociedade está em andamento. Para a maioria, essa guerra é invisível”, alerta Julian Assange, fundador do WikiLeaks, na apresentação do seu programa de entrevistas World Tomorrow, realizado em parceria com a rede de TV russa WT – e que serviu de base para este livro.

De um lado, uma rede de governos e corporações que espionam tudo o que fazemos. Do outro, os cypherpunks, ativistas e geeks virtuosos que desenvolvem códigos e influenciam políticas públicas.

Foi esse movimento que gerou o WikiLeaks”.

É com essa descrição em mente que o leitor deve percorrer cada página deste livro, que traz uma das mais instigantes conversas públicas entre importantes partícipes desta batalha: a batalha pela liberdade na rede.


Na obra, Assange, ao lado dos companheiros de armas – e eficientes desenvolvedores de códigos digitais – Jérémie Zimmermann, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn, disseca temas essenciais que estão definindo, hoje, os principais embates sobre como deve ser o futuro da internet.

Jacob Appelbaum
Andy Müller-Maguhn
A rede mundial de computadores apresenta, como muitas tecnologias, uma variedade de usos possíveis. É, como a energia elétrica, a semente de uma gama infinita de possibilidades, e semente poderosa: seu potencial ainda está sendo descoberto ao mesmo tempo que seu rumo vai sendo definido pelo caminhar tecnológico e pelo caminhar político.

Fica cada vez mais claro, assim, que a rede é espaço de disputa política. Um exemplo: em 2012, nos EUA, após diversos protestos, a opinião pública conseguiu forçar a suspensão de duas legislações que estavam sendo discutidas no Congresso norte- americano, a Sopa (Stop Online Piracy Act [Lei de Combate à Pirataria On-line]) e a Pipa (Protect IP Act [Lei de Prevenção a Ameaças On-line à Criatividade Econômica e ao Roubo de Propriedade Intelectual]).

Ambas previam a possibilidade de bloqueio de sites, inclusive estrangeiros, por infração de direitos autorais.

O leitor brasileiro conhece bem esse embate. Nos últimos anos, a discussão sobre a fronteira digital por aqui também tem se centrado na propriedade intelectual.

Durante os dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), o Ministério da Cultura tornou-se apoiador da cultura digital livre, baseada no compartilhamento do conhecimento e no incentivo ao uso de ferramentas como o software livre (ou não proprietário) e as licenças creative commons, que permitem a reutilização de qualquer produção, de acordo com os interesses do autor.

O debate ressurgiu com toda força quando, durante o governo posterior, de Dilma Rousseff, o Ministério tentou reverter essa política.





Em Cypherpunks – liberdade e o futuro da internet, Assange e seus coautores enfocam uma dimensão dessa batalha ainda pouco conhecida no Brasil – mas que se faz urgente. Trata-se do que o australiano chama de “militarização do ciberespaço”, a vigilância das comunicações em rede por serviços de segurança e inteligência de diversos países.

Ele detalha: Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido, a internet, que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço militarizado.

Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, com o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um soldado embaixo da cama”.

Ao longo deste livro, são muitos, e instigantes, os apontamentos como esse, feitos pelos quatro “geek-filósofos”, pensadores originais das estruturas culturais, econômicas e políticas do ciberespaço.


Antes de prosseguir, porém, devemos voltar à outra trincheira de Assange na rede digital, aquela que lhe trouxe reconhecimento no mundo todo: o WikiLeaks.

Como o próprio autor pontua, o WikiLeaks, organização que se dedica a publicar documentos secretos revelando a má conduta de governos, empresas e instituições, é fruto da cultura cypherpunk.

Seu modo revolucionário de fazer jornalismo é indissociável dos temas abordados neste livro e indissociável da filosofia do próprio Julian Assange.


Fundado em 2007, o WikiLeaks ficou famoso em 2010, quando publicou milhares de documentos secretos norte-americanos supostamente vazados pelo soldado Bradley Manning (foto), que servia no Iraque.

O primeiro vazamento, em abril, consistia em um único vídeo de dezessete minutos. Seu conteúdo era chocante: de dentro de um helicóptero Apache, soldados norte-americanos atacavam doze civis desarmados – entre eles, dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Antes da publicação, a agência tentara, sem sucesso, obter o vídeo mediante a Foia (Freedom of Information Act, a Lei norte-americana de acesso à informação).


Meses depois, em julho, o WikiLeaks publicou 75 mil diários militares sobre a guerra do Afeganistão, que comprovaram centenas de assassinatos indiscriminados de civis pelas forças dos EUA. Em outubro, a organização publicou 400 mil relatos secretos sobre a ocupação no Iraque, provando a constante tortura contra prisioneiros.

O maior vazamento, no entanto, viria no final de novembro. Uma verdadeira enxurrada. O projeto, chamado “Cablegate”, não era apenas o mais extenso material restrito a ser vazado na história do jornalismo.

Os 251.287 comunicados diplomáticos provenientes de 274 embaixadas dos EUA no mundo todo compunham o mais abrangente relato de como funcionam as relações internacionais – e também de como líderes de cada um desses países, além dos EUA, se comportam a portas fechadas.

A publicação, realizada em parceria com alguns dos principais veículos da imprensa global – e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel, teve um profundo impacto na opinião pública. Estava ali um relato inédito da nossa história recente, preciso, datado. E delicioso.

Através dele, aprenderíamos como se dão na prática as negociações políticas, em milhares de reuniões discretas, comentários maliciosos, negociações por trás das cortinas. Um comentarista chegou a afirmar que o material constitui um novo tipo de literatura.

As revelações desnudaram aspectos sinistros da política externa dos Estados Unidos, como os pedidos da Secretária de Estado Hillary Clinton (foto) a 33 embaixadas e consulados para que diplomatas espionassem representantes de diversos países na ONU, reunindo números de cartões de crédito, senhas, dados de DNA.

Outros documentos expunham mais claramente os crimes de guerra no Iraque – como um relatório que descrevia a execução sumária de dezessete civis, incluindo quatro mulheres e cinco crianças, e as tentativas de refrear processos criminais contra soldados norte-americanos.

Os relatos da embaixada norte-americana na Tunísia, que descreviam em detalhe a extrema corrupção do governo do ditador Ben Ali, foram um enorme incentivo para a revolta tunisiana que acabou por derrubá-lo em meados de janeiro de 2011 – e outros países seguiram o exemplo, no que ficou conhecido como a Primavera Árabe.

Foi assim que grande parte da imprensa mundial travou contato com a filosofia do WikiLeaks. Tratava-se da aplicação radical da máxima cypherpunkprivacidade para os fracos, transparência para os poderosos” e do princípio fundamental da filosofia hacker:

A informação quer ser livre.

Para isso, Assange uniu a expertise de desenvolvedor de códigos digitais aos fundamentos mais básicos do jornalismo, prática que tanto se diz em crise; em essência, trazer à tona histórias de interesse público.

Foi ele quem desenvolveu o código original, o primeiro “dropbox” do WikiLeaks, através do qual os documentos poderiam ser enviados à organização, valendo-se da mesma proficiência que já mostrara quando criou o sistema de criptografia "rubberhose", desenvolvido para que defensores de direitos humanos consigam manter em segredo parte dos dados criptografados mesmo se pressionados sob tortura por regimes autoritários.

No WikiLeaks, a ideia era manter um canal totalmente seguro para o envio de documentos, com uma criptografia poderosa, que fosse não apenas inviolável a ataques, mas que erradicasse qualquer informação sobre a sua origem.

A tecnologia, acreditava Assange, seria libertadora: permitiria que whistleblowers – fontes internas de organizações – denunciassem violações por parte de governos e empresas sem medo.


Nada mais de encontros em garagens subterrâneas, como fizera o famoso “Garganta Profunda”, codinome do informante dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, no escândalo Watergate, que levou à queda do presidente norte-americano Richard Nixon (foto) em 1974.

Agora, whistleblowers como ele, que sempre foram fontes essenciais do fazer jornalístico, teriam a possibilidade do completo anonimato. O próprio Julian Assange garante que desconhece a identidade daqueles que vazaram material ao WikiLeaks. Mais do que isso: qualquer pessoa poderia se tornar um whistleblower, ou informante, em potencial, vazando de maneira segura documentos do governo, organização ou empresa em que trabalha.

O desenho da web também permitia, pela primeira vez, a transferência e publicação de milhões de documentos, o que antes era impossível: há algumas décadas, para reunir a documentação do Cablegate seriam necessários centenas de caminhões carregados de papéis.


O WikiLeaks significava a libertação da verdade por meio da criptografia. Poderosa a princípio, essa ideia tem sido forçadamente neutralizada após o tratamento cruel destinado ao soldado Bradley Manning (foto), que permaneceu durante mais de 880 dias preso sem julgamento, boa parte desse tempo sob tratamento “cruel e desumano”, segundo o relator da ONU para tortura.

É importante lembrar que Bradley Manning não foi conectado ao vazamento por alguma quebra na segurança criptográfica do código do WikiLeaks, mas por supostamente ter confessado em um chat ser a fonte dos documentos.

Outras reações alvejam a organização, como o próprio Assange explica ao longo do livro. Basta dizer que, em julho de 2012, o porta-voz do Departamento de Justiça dos EUA Dean Boyd admitiu que a investigação sobre o WikiLeaks continuava ativa. Desde dezembro de 2010, uma semana depois da publicação do Cablegate,

Assange ficou em prisão domiciliar no Reino Unido – no momento de publicação deste livro, ele estava isolado havia mais de duzentos dias na embaixada equatoriana, onde recebera asilo diplomático.


Isso não refreou o trabalho do WikiLeaks, o que demonstra que a capacidade técnica da sua equipe se sobrepõe a esses achaques.

Nesse meio tempo, a organização publicou setecentos arquivos sobre prisioneiros de Guantánamo (foto), revelando inclusive detalhes dos interrogatórios; 2 milhões de emails do governo da Síria; centenas de propagandas de empresas de vigilância e espionagem digital; e centenas de documentos secretos do Departamento de Defesa dos EUA sobre suas políticas de detenção militar.

A batalha travada pelo WikiLeaks é tanto política quanto tecnológica.

Voltando ao aspecto jornalístico, a organização representa ainda um marco importante ao disponibilizar, por princípio, toda a base documental de suas publicações – vale lembrar que, além de divulgar documentos, o WikiLeaks produziu dezenas de matérias, vídeos e artigos de opinião. Por outro lado, no jornalismo tradicional são poucos os veículos que disponibilizam todo o material-base de suas reportagens para que seja escrutinado e reutilizado pelo público.

A tendência, é claro, já existia: na era da internet qualquer um pode ser produtor de notícia. Porém, o WikiLeaks avança mais um passo, trazendo essa lógica para o lugar do jornalismo em essência, ao valer-se dos segredos de Estado, documentos que comprovam violações de direitos humanos por empresas, o rastro documental dos crimes dos poderosos – que sempre foram a base para o jornalismo investigativo.

Permite, assim, que dezenas de veículos independentes, jornalistas, ativistas – e usuários – se apropriem dessa documentação e se tornem também provedores de jornalismo de qualidade.

Há aí uma noção hacker intrínseca na maneira de o WikiLeaks praticar jornalismo: se por um lado a organização se alia a veículos tradicionais de mídia – assim como a veículos não tradicionais – por outro ela incentiva a disseminação de conteúdos livres, fora dessa indústria.

E a indústria da notícia é hoje uma das principais trincheiras na disputa sobre
o vasto mundo da internet.

O Cablegate no Brasil

Muitos criticaram, na época do lançamento do Cablegate, a parceria estabelecida com grupos de mídia que concentram a produção e a disseminação da informação, agindo às vezes como barreira para “a informação que quer ser livre”.

Diziam que o WikiLeaks fortalecia a indústria tradicional da notícia. Sei disso porque fiz parte da equipe selecionada por Julian Assange para pensar uma estratégia de divulgação para os documentos, tendo coordenado a divulgação dos 3 mil documentos de embaixadas e consulados norte-americanos no Brasil.

Foram seis meses de trabalho, que renderam uma das experiências mais ricas e completas de disseminação dos relatos diplomáticos.

No percurso, aprendi que o modo de produção do WikiLeaks, em si, questiona e abala a indústria de notícias.

Não se trata de um conceito teórico apenas; na semente do WikiLeaks – que, como organização fundamentalmente da era digital, não “é”, não termina de “ser” jamais, passa por constantes transmutações – está o questionamento profundo do controle da informação noticiosa.

A ideia, desde o começo, era que as histórias se espalhassem o máximo possível, de modo a chegar aos cidadãos dos países aos quais se referiam. Do ponto de vista logístico, disseminar esses documentos de maneira profissional e orquestrada para tantos países parecia uma tarefa impossível.

Mas, graças à estratégia de Assange, em um ano eles haviam chegado a mais de setenta parceiros de todo o mundo – jornais, revistas, sites independentes, jornalistas freelancers, ONGs.

É um feito notável, e sem dúvida um marco na história do jornalismo.

A ideia de Assange sempre foi expandir a quantidade de veículos que recebe- riam o material – a contragosto dos parceiros iniciais e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel. E espalhar o material também para os países periféricos, longe dos centros de poder da Europa e dos EUA.

Acompanhei de perto esse embate colossal, que marcava já o início das rusgas da indústria de notícias com o WikiLeaks, porque Assange considerava o Brasil um país estratégico, que precisava ser contemplado logo na primeira leva.

Sob protestos dos jornais do hemisfério Norte, divisamos uma maneira de seguir em frente. Além de compartilhar documentos específicos com um grande veículo brasileiro, eu escreveria reportagens para o site do WikiLeaks, sob a licença creative commons, com disseminação livre, para o site da organização.


Uma dezena de jornalistas independentes de outros países, voluntários como eu, fizeram o mesmo, e o resultado foi uma profusão de matérias sobre documentos que não tinham recebido atenção daquele grupo de veículos da imprensa tradicional.

Um exemplo foi o documento que ficou conhecido como “A lista de compras do Império”, ignorado pelos grandes jornais. Ele dissecava os interesses estratégicos norte-americanos em todo o mundo – de gasodutos na Rússia até minério de ferro e nióbio no Brasil.


Nele, o Departamento de Estado de Hillary Clinton pedia que suas embaixadas pesquisassem a segurança dessas instalações em segredo: Não estamos pedindo que as embaixadas consultem os governos a respeito dessa solicitação”, dizia o documento.

O processo de publicação dos documentos da missão norte-americana no Brasil acabou sendo um dos mais criativos e extensos, e teve também uma boa dose de experimentação.

Começou com uma dura decisão, já que só existem três jornais de circulação nacional – Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo – todos eles parte de conglomerados com interesses que muitas vezes interferem na cobertura de temas nacionais.

Isso reflete a concentração histórica da mídia no Brasil, onde cinco empresas, pertencentes a seis famílias, controlam 70% de toda a mídia.

Existem, claro, excelentes repórteres que poderiam fazer um bom trabalho, mesmo que soubéssemos desde o começo que algumas histórias seriam parciais e outras jamais seriam publicadas.

Assim, decidi entrar em contato com a Folha de S.Paulo, por meio do jornalista Fernando Rodrigues, diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Na véspera do vazamento, escrevi a primeira história que seria publicada no site do WikiLeaks, e enviei-a ao jornal, junto com trechos dos documentos. Relatava que a polícia federal prendera suspeitos de terrorismo sob acusações de outros crimes para não atrair a atenção.

A história foi publicada pela Folha e depois reproduzida por toda a imprensa. O governo Lula negou a informação, e o assunto morreu por aí. Mas a publicação chamou a atenção de toda a mídia para as futuras revelações, de modo que todos pediam mais: jornais, rádio, TVs.


Decidimos, então, trabalhar também com O Globo, no Rio de Janeiro, para dinamizar a cobertura e garantir que um jornal serviria de contrapeso ao outro. A direção da Folha não ficou muito contente com isso, mas concordou. Assim começou uma colaboração inédita entre dois dos maiores jornais brasileiros e uma organização internacional sem fins lucrativos.

Todos os temas eram decididos conjuntamente, e a Folha, o Estado e o WikiLeaks publicavam simultaneamente reportagens sobre o mesmo lote de documentos. A parceria funcionou muito bem, e produziu uma centena de
boas reportagens.

Embora os dois jornais adotassem ângulos similares em algumas histórias, outras foram cobertas de maneira bem diferente. O Globo, por exemplo, criticou duramente um ex-embaixador norte-americano que afirmara que a presidenta Dilma Rousseff teria realizado um roubo armado durante a ditadura militar. A Folha foi mais leniente.

Ambos os jornais publicaram que os EUA estavam preocupados com a segurança em relação às Olimpíadas de 2016 no Brasil; eu escrevi um artigo para o site do WikiLeaks descrevendo que os EUA estavam fazendo lobby para prover treinamento e segurança, assim como aumentando sua presença no país.

Ter três veículos analisando ao mesmo tempo os mesmos documentos permitiu vislumbrar de maneira única como funciona o jornalismo – e como o mesmo material pode ser tratado de maneiras diferentes.

Um exemplo é o texto “Meu amigo Jobim”, publicado no site do WikiLeaks, onde descrevi, com base nos documentos, como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (foto) manteve diversas reuniões com o embaixador norte-americano em que compartilhava abertamente sua antipatia em relação ao “antiamericanismo” do Itamaraty, passando a ele informações sobre uma compra de caças, de interesse comercial dos EUA, e sobre parcerias militares com outros países no combate ao narcotráfico.

Os documentos revelavam como a administração George W. Bush usava a estratégia de manter contatos estreitos com Jobim para contrabalançar a postura independente do Brasil, chamando-o de “incomumente ativista” em defesa dos interesses norte-americanos.

A Folha de S.Paulo recebeu os mesmos documentos, mas enfatizou o fato de que o Itamaraty é visto pelos EUA como “inimigo”.


O artigo publicado no site do WikiLeaks foi reproduzido nas redes sociais e levou muitos websites de esquerda a chamar Jobim de traidor, gerando um escândalo político que o enfraqueceu no momento em que ele assumia seu segundo mandato à frente do Ministério da Defesa no governo de Dilma Rousseff.

Jobim saiu oito meses depois, e no seu lugar assumiu o ex-chanceler Celso Amorim (foto), tão criticado por ele por trás das portas da embaixada norte-americana em Brasília.

Em meados de janeiro de 2011, estava claro que os jornais não iriam exaurir todos os documentos, por causa de suas limitações de diários impressos e comerciais.

Ao mesmo tempo, eu havia começado um blog que tinha uma ótima interação com leitores interessados nas histórias ainda não contadas. Foi assim que concebemos uma segunda etapa da divulgação.

Dessa vez, seria o público, em vez dos editores, a decidir os temas de interesse. Através do blog, eu pedi aos leitores que sugerissem tópicos, e selecionei os duzentos mais pedidos.

Para publicar as histórias, criamos uma força-tarefa de blogueiros, para quem enviei os documentos antes da publicação no site.


Foi assim, apostando em uma parceria com veículos não tradicionais, que vieram à tona furos referentes às reuniões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador de São Paulo, José Serra com diplomatas norte-americanos, bem como as declarações do então subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin seria membro da Opus Dei.

Nenhum dos dois jornais, parceiros de primeira hora, haviam publicado essas informações.

As publicações dos blogueiros, porém, também arrefeceram após um tempo. Faltava-lhes estrutura, pessoal e expertise para um trabalho exaustivo como o de pesquisar centenas de documentos – trabalho natural de um tipo específico de jornalista, aquele que se dedica a reportagens investigativas.

Foi assim que, em meados de março, juntei-me a um grupo de mulheres jornalistas para fundar a Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil.

Inspirada em organizações similares de outros países, usamos como filosofia a disseminação livre de conteúdo, em creative commons, e a divulgação das bases de todas as nossas reportagens – todos os documentos.


A Pública realizou então a última fase de publicação dos documentos do Cablegate relativos ao Brasil.

Isso foi feito por crowdsourcing: uma redação temporária formada por quinze jornalistas se reuniu na sede da Agência Pública. Surpreendentemente, conseguimos publicar mais cinquenta matérias baseadas nos documentos diplomáticos.

Novas revelações incluíam reuniões entre diplomatas norte-americanos e representantes da imprensa e a transferência secreta para o Brasil de trinta agentes da DEA (Drug Enfrorcement Agency) norte-americana, que haviam sido expulsos da Bolívia em 2008, acusados de espionagem.

Essas histórias criaram mais um furor na mídia, que reproduziu o conteúdo em creative commons. E provaram que, na nova fronteira digital, é possível para um grupo de jornalistas independentes produzir e disseminar conteúdo de qualidade – e até prosseguir nas histórias ignoradas pela mídia tradicional.

É como uma caixa de Pandora: será impossível agora conter o fluxo de jornalismo independente inspirado pelo trabalho do WikiLeaks.

Passados dois anos dessa experiência, na conversa com seus colegas cypherpunks que você lerá a seguir, Julian Assange disseca as limitações com as quais teve contato na produção de jornalismo no Ocidente – que, segundo ele, vive um tipo de censura sofisticada:

Podemos pensar na censura como uma pirâmide. É só a ponta dela que aparece na areia, e isso é proposital.

A ponta pública – calúnias, assassinatos de jornalistas, câmeras sendo apreendidas pelos militares e assim por diante –, é uma censura publicamente declarada. Mas esse é o menor componente.

Abaixo da ponta, na camada seguinte, estão todas as pessoas que não querem estar na ponta, que se envolvem na autocensura para não acabar lá.

Na camada subsequente estão todas as formas de aliciamento econômico ou clientelista que são direcionadas às pessoas para que elas escrevam sobre isso ou aquilo.

A próxima camada é a da economia pura – sobre o que vale economicamente a pena escrever.

O conceito do WikiLeaks é um marco no jornalismo porque permite a subversão das camadas mais profundas dessa “censura”.

Não é à toa que, após a lua-de-­mel inicial do vazamento do Cablegate, grande parte do mainstream da imprensa tenha se tornado hostil à organização.

É apenas mais um front nas batalhas digitais de Assange.

(*) Natalia Viana é jornalista, codiretora da Agência Pública e autora e coautora de três livros: Plantados no chão: assassinatos políticos no Brasil hoje, Habeas corpus: que se apresente o corpo – a busca dos desaparecidos políticos no Brasil.

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Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/02/02/especial-a-apresentacao-do-livro-julian-assange/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.