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quinta-feira, 24 de março de 2011

O tsunami da fome nas aldeias do Mato Grosso do Sul*

"Os cerrados brasileiros poderão alimentar um terço da humanidade", dizia a tcheca naturalizada brasileira (1924-2000) Johanna Dobereiner, em 1975, quando foi indicada ao Nobel de Química por suas descobertas sobre fixação biológica de nitrogênio, fator que alavancaria a agricultura na região. Por ironia é nesse eldorado, na Região Centro-Oeste, que mais morrem crianças indígenas de fome, em virtude do agronegócio. (Zilda Ferreira)


Por Egon Heck**
O grito da fome como ondas gigantes vai se propagando pela região.

“Este ano a Funai ainda não entregou cesta básica. São quase três meses de fome e espera”. O clamor chega das diversas aldeias e acampamentos indígenas do Mato Grosso do Sul, e em especial dos Kaiowá Guarani, da região de Dourados. O grito da fome como ondas gigantes vai se propagando pela região. Em carta encaminhada ao Ministério Público de Dourados e Funai, o Conselho da Aty Guasu manifesta sua enorme preocupação e alerta: "Nosso povo está passando muita fome, não por culpa nossa, mas porque tiraram nossas terras, acabaram com nossa possibilidade de produzir nosso alimento, e agora estamos nos braços da fome e da dependência. E o  mais grave, como não recebemos ainda nenhuma cesta básica este ano, nossas crianças estão perdendo peso, correndo o risco de uma nova mortandade por desnutrição.” Concluem a carta dizendo: “Se não vier com urgência, nós do Conselho da Aty Guasu vamos fazer um documento e espalhar no mundo inteiro dizendo que querem que a gente morra de fome.”

Às centenas de telefonemas direcionados para a Funai, a resposta que as lideranças das aldeias e acampamentos indígenas recebem é sempre a mesma – os alimentos estão comprados, porém não tem transporte para trazê-los até aqui”. O que os indígenas não entendem é como tem centenas e centenas de caminhões carregados de soja passando por suas aldeias e não existe transporte para trazer os alimentos da cesta básica.

Assassinato do cacique Veron: o julgamento continua


Aos poucos os lideres religiosos – nhanderu, juntamente com outras lideranças de aldeias Kaiowá Guarani vão chegando à Terra Indígena Takuara. Para ali chegar tem que atravessar um imenso canavial, que simboliza a travessia de mais de quinhentos anos de opressão e extermínio. Mas eles chegam esperançosos e revoltados. Com fome e sede de justiça e de pão. Com a alma Guarani em busca de sua terra sem males.

Depois da celebração e alegria pela vinda de lideranças de várias aldeia para o grande encontro de socialização do julgamento em São Paulo, dias 21 a 25 de fevereiro, quando foi reconhecido a crueldade, tortura e a formação de quadrilha que praticou violência, ferimentos e morte do cacique Marcos Veron, foi o momento de fazer o “purahei” – ritual de homenagem e justiça, na sepultura do Cacique na aldeia de Takuara. Ao som dos mbarakás, das takuaras e os cânticos espirituais aos lideranças seguiram para o barracão construído para a realização da “Aty Guasu”,  pela justiça e memória dos que derramaram seu sangue na luta pela terra.

Na carta para as autoridades e amigos do mundo inteiro os participantes assim expressaram suas exigências.

Exigimos:
O julgamento imediato do mandante do crime, Jacinto Honório da Silva Filho e do principal responsável pelo assassinado, Nivaldo Alves de Oliveira, que se encontra foragido. São ao todo 24 réus a serem julgados pela violência e morte do cacique Marcos Veron.

Que a polícia federal agilize a conclusão dos inquéritos de lideranças Kaiowá Guarani assassinados na luta pela terra, para que os responsáveis sejam julgados e punidos o quanto antes.

Que sejam concluídos e publicados com urgência os relatórios de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani, que é indispensável para começar a reverter a situação de violência. Assim, as comunidades voltarão a viver em paz dentro de seus tekohá.

Continuaremos nos reunindo, fazendo as nossas rezas e discussões em nossas Jeroky Guasu e Aty Guasu. Esperamos continuar contando com a compreensão e apoio sempre maior de amigos e novos aliados no Brasil e no mundo.”  (Aldeia Takuara, 13 de março de 2011, Juti – MS.  – Carta dos nhanderu e lideranças Kaiowá Guarani)

Apesar de tudo a vida Guarani segue sua trajetória secular, de resistência e afirmação de sua cultura. Nos próximos dias acontecerá o segundo encontro dos Guarani da América do Sul, promovido pelos Ministérios da Cultura dos quatro países – Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. São esperados em torno de mil Guarani na aldeia Jaguaty, no departamento de Amambay, no Paraguai.
*publicado originalmente no Brasil de Fato
**coordenador do Cimi-MS.

Leia também: 
'O sonho de um mundo sem fome' [Z.F., JB, 1/10/1975; pág. 34]
A disputa pela terra em Copenhague

sábado, 12 de dezembro de 2009

Carta dos Guarani Kaiowá sobre a retomada de Kurussu Ambá


Republicamos a seguir carta enviada ao Centro de Mídia Indepente - CMI Brasil - pelos índios Guarani Kaiowá que fizeram a retomada de sua terra sagrada Kurussu Ambá, em Amambaí, Mato Grosso do Sul. Naquela região há número alarmante de suicídios, decorrentes do confinamento de índios em pequenas aldeias, normalmente expulsos de suas terras pelo agronegócio. Há mortes por desnutrição e alta incidencia de doenças como o alcoolismo.
"Os cerrados brasileiros poderão alimentar um terço da humanidade", dizia a tcheco-brasileira Johanna Dobereiner (1924-2000) em 1975, quando foi indicada para o prêmio Nobel de Química, por suas decobertas sobre a fixação biológica de nitrogênio, fator que alavancaria a agricultura na região. Com essa descoberta, o Brasil não precisaria mais importar fertilizantes nitrogenados, beneficiando a economia e a ecologia. Doce ilusão, apenas um sonho científico. Por ironia, é nesse eldorado, na Região Centro-Oeste, que mais morrem crianças índígenas de fome. (Zilda Ferreira, Equipe do Blog EDUCOM)


Nós, povo Guarani-Kaiowá, da comunidade Kurusú Ambá, município de Amambaí, Mato Grosso do Sul, Brasil, viemos por meio de este manifesto dizer à opinião publica nacional e internacional e aos meios de comunicação em geral quanto segue:

Que em 20 de janeiro de 2007 temos feito uma tentativa de retorno a nosso Tekoha Tradicional onde está localizado atualmente a Fazenda Madama, tendo como referencia a Constituição Federal, que garante os nossos direitos fundamentais no Artigo 231. Dias depois, numa violenta ação dos fazendeiros foi assassinada Xurite Lopes, rezadora e liderança histórica de nossa comunidade. Com ela mataram a memoria viva da terra indígena Kurusú Ambá. Nesse mesmo ano, 08 de julho de 2009, foi assassinado por pistoleiros a liderança Ortiz Lopes. E, ainda este ano, 30 de maio, foi assassinado também Osvaldo Lopes. Todos estes crimes ficaram na absoluta impunidade.

Desde 2007 três crianças morreram por problemas derivados de desnutrição crônica e falta de auxílio para as famílias em questões básicas de alimentação. Temos cinco membros de nosso grupo com feridas de bala registradas durante ataques de pistoleiros contra nossa comunidade. Fazendeiros e policiais, permanentemente, realizam armações contra membros de nossa comunidade para levar as pessoas na cadeia acusados de furtos, fraudes, e outras acusações, numa clara campanha de criminalização e judicialização de nossa luta pela terra.

Já faz quase 4 anos que estamos na beira da Rodovia MS 289 que liga Amambaí para Coronel Sapucaia, onde nossas famílias, nossas crianças, só estão bebendo água suja. Estamos sem condições de desenvolver nossa agricultura de subsistência; estamos sem atendimento na saúde, sem perspectiva de futuro para as famílias, e jogados em nossa sorte, violados em toda a nossa dignidade e levando uma suposta vida que é morte para nós. Nós somos merecedores também de respeito e consideração das autoridades nacionais e regionais.

GRITAMOS que uma questão de fundamental importância, que a nossa comunidade aguarda com paciência, faz muito tempo, é o início dos trabalhos na área reivindicada, pelo Grupo Técnico (GT) que foi indicado para realizar estudos de identificação de nosso tekoha tradicional. O atraso excessivo fere nossa paciência, acaba devagar com a nossa vida, nos expõe ao genocídio.

Desde 2007 temos encaminhando uma grande quantidade de documentos a órgãos públicos e organismos de direitos humanos do Brasil e do Mundo denunciando a situação de violência com o que empurramos a nossa existência e solicitando a urgente demarcação de nossas terras.

Em vários momentos temos alertado à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF), e políticos que dizem apoiar a nossa luta; que, por conta do atraso no início da demarcação de nosso território e pela violação permanente e sistemática de nossos direitos fundamentais íamos de novo chegar à extrema situação de retomar as nossas terras sagradas tradicionais (Tekohá Guasú) como única saída e resposta ao abandono que sofremos.

Tendo em conta tudo o que acima dizemos e por mandato do Aty Guasú realizado o dia 14 a 17 de outubro de 2009 na aldeia Yvy Katú, município de Japorâ, comunicamos que NESTE MOMENTO ESTAMOS DE RETOMADA EM NOSSO ANTIGO TEKOHA, COM 400 PESSOAS DISPOSTOS A MORRER SE FOR PRECISO PELA NOSSA TERRA SAGRADA.

Que perante qualquer ato de violência que fosse praticada contra o nosso povo responsabilizamos aos setores anti-indigenas que pregam a violência neste Estado e desrespeitam a Constituição Federal.

EXIGIMOS AO GOVERNO FEDERAL A URGENTE ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA PARA PERMANECERMOS EM NOSSAS TERRAS, POIS O QUE ESTAMOS FAZENDO E PARA AJUDAR A AGILIZAR O PROCESO DE DEMARCAÇÃO DE NOSSO ANTIGO TEKOHÁ E DAR VIDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE PARA NÓS ATÉ AGORA E LETRA MORTA.

Exigimos ao Governo Federal o cumprimento de sua obrigação constitucional perante a Lei maior do Brasil, demarcando o nosso território e o território de todos os Kaiowa-Guarani de Mato Grosso do Sul.

Solicitamos neste momento de grande importância para a nossa vida e a vida dos Kaiowa-Guarani, SOLIDARIEDADE de todas as organizações indígenas que existem no Brasil, e de organismos internacionais que sempre apoiaram a nossa luta e a luta dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul."

BASTA DE VIOLENCIA!!!

ESTA TERRA TEM DONO!!!

RETORNAMOS HOJE A NOSSA TERRA SAGRADA!!!

Comunidade Indígena Kurusú Ambá

Município de Amambaí/MS Brasil

25 de novembro de 2009

CAMPAÑA PUEBLO GUARANI, GRAN PUEBLO ÑEMBOGUATÁ TETÃ GUARANI, TETÃ TUICHÁVA CAMPANHA POVO GUARANI, GRANDE POVO PARAGUAY - BRASIL - BOLIVIA - ARGENTINA