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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida

Por Zilda Ferreira
A diferença básica entre agronegócio e ecomercado é que o primeiro já é letal, principalmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. O ecomercado ameaça a soberania do país e também será letal à natureza, no futuro. São dois temas complexos e de difícil comparação. Por isso merecem teses comparativas. Mas esse papel é para a academia. Aos jornalistas, cabe apenas denunciar e quando possível alertar. Em um blog como o nosso a limitação é ainda maior. 

Mas, nesta Semana do Meio Ambiente, a mercantilização da natureza tem nos deixado impotentes, além de preocupados. Por esse motivo decidimos contar alguns fatos que nos acenderam o sinal de alerta. O REDD - Redução de Emissões de Carbono por Desmatamento e Degradação, por exemplo, é praticamente desconhecido, não só pelo povo, como por profissionais liberais e políticos. A passividade diante da mercantilização dos nossos recursos naturais é perceptível até mesmo pelo olhar estrangeiro, de quem vem ao Brasil lucrar com este grande negócio.

Segundo funcionários de agências europeias com quem tenho conversado, os brasileiros desconhecem o significado, como atua e o que representa o REDD para o país. “Temos empresas européias com concessões florestais na Amazônia, em áreas maiores que a Suíça. Parece que não se incomodam com a perda dessas áreas”, ouvi recentemente de um deles (leia, abaixo, Amapá e Conservation International debatem economia verde e confira os links Quem ganha e quem perde com o REDD e Economia Verde e financeirização da Natureza).

Para facilitar a comparação entre agronegócio e ecomercado, no Brasil, vamos territorializar.  Nos cerrados brasileiros se concentra o agronegócio. E na Amazônia, o ecomercado. Isso não que dizer que estão limitados a essas regiões, é apenas para demonstrar se dá a maior ocorrência de cada um.

CERRADOS - a disputa pela terra tem como objetivo produzir commodities para exportação. Ali quem manda é o agronegócio. Os malefícios mais conhecidos são: uso indiscriminado de agrotóxicos, matança de índios, desertificação do solo, extinção de fitoterápicos específicos do bioma, erosão do solo, contaminação do lençol freático e de nascentes de rios importantes. Apesar dos cerrados serem considerados o celeiro do mundo, é nessa região onde morrem mais crianças indígenas de desnutrição (confira O Tsunami da fome nas aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul e A disputa pela terra em Copenhague).

AMAZÔNIA - o ecomercado foi colocado à sociedade brasileira como uma salvação às Mudanças Climáticas e foi abraçado ainda na gestão da ministra Marina Silva, que defende a economia verde. Esta tem como sustentáculo o mercado de carbono, o REDD. A financeirização da natureza é feita, atualmente, pela especulação através da Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio), conhecida como Bolsa Verde, implantada na Rio+20 pelo secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e ex-ministro Meio Ambiente Carlos Minc. No Brasil, o ativo ambiental mais cobiçado é a água, abundante na Amazônia (leia A Luta pelo direito à Água na Rio+20 e Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água).

‘Amazônia, pátria das Águas, cofre do Brasil’ (Thiago de Mello, poeta)
O vice-presidente da Coca-Cola, Jeff Seabright, enfatizou durante a Rio+20 que a água está no cerne do desenvolvimento sustentável e que é mais importante que petróleo, ao defender a economia verde. Uma completa radiografia – e também um alerta – sobre como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do  planeta pode ser visto no livro Ouro Azul, de Maude Barlow e Tony Clark. Como exemplo, podemos citar que os habitantes de Manaus pagam a água mais cara do país. Ali, o serviço foi privatizado e entregue a uma concessionária estrangeira subsidiária da francesa Suez. A capital amazonense fica em cima do aquífero Alter do Chão, o maior do mundo em volume de água. Os habitantes de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estão sobre o aquífero Guarani. Pagam ainda assim por um dos serviços de abastecimento de água mais caros do país.

Em Alter do Chão, distrito de Santarém, onde fica o Rio Tapajós, região dos grandes rios amazônicos, há uma ONG mantida pelo conglomerado financeiro britânico HSBC. O local foi escolhido para receber o príncipe Charles em suas visitas ao Brasil e fica no coração do aquífero Alter do Chão. Outro dado importante é a riqueza em fitoterápicos do cerradão, vegetação intermediária entre cerrados e mata amazônica. Nessa região há outra ONG, esta financiada pela Fundação Adenauer, por sua vez ligada à indústria farmacêutica (leia Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros).

Imagine a festa com as concessões florestais para REDD, em áreas maiores do que a Suíça. Vão poder se apropriar de água, biodiversidade e minérios. E com a mudança do Código Mineral, os ativos ambientais da Amazônia farão a reciclagem do capitalismo das nações hegemônicas. Por sua vez, os povos amazônicos vão continuar pobres com vida curta, mas como vagalumes, iluminando as matas para os estrangeiros.

Em Santarém, no Pará, ouvi de um engenheiro florestal que o maior problema ambiental da Amazônia Legal, atualmente, não é o desmatamento e sim a mineração (leia Um povo cercado por um anel de ferro). E que as concessões aos estrangeiros de grandes áreas para manejo florestal e REDD podem comprometer a soberania do país, além de intensificar a extração de minérios estratégicos desconhecidos pela maioria dos brasileiros.

O REDD está recebendo todo o apoio do Congresso Nacional e alguns representantes do agronegócio já viraram ambientalistas desde criancinhas. A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas promoveu um seminário no mês passado sobre o marco legal desta prática no Brasil, que ganhou uma nova denominação: é o REDD+. O REDD+ é uma estratégia em discussão na Convenção Quadro de Mudanças Climáticas e seu objetivo é oferecer incentivos para países em desenvolvimento reduzirem emissões de gases que provocam efeito estufa, para investirem em desenvolvimento sustentável e práticas de baixo carbono no uso da terra.

Ficou esclarecido, durante o seminário, que o financiamento virá de países desenvolvidos, conforme as regras que regem a Convenção do Clima. Apurei, novamente a partir do ouvi de representantes de agências europeias, que só a Alemanha deve investir um bilhão de euros no Fundo Amazônico. Isso prova que o REDD é mesmo um grande negócio. Será que agora vão entender por que Blairo Maggi ficou com a presidência da Comissão de Meio Ambiente do Senado e por que Marina Silva disse na Universidade Católica de Pernambuco que discriminá-lo por ser empresário era preconceito? 

Para entender como o Ecomercado é danoso e como ele ameaça a soberania do país e o futuro de novas gerações, basta viajar um pouco por esse país. Por mais que temamos o agronegócio, este ao menos é conhecido e criticado na academia. Como é um trator de destruição do meio ambiente, os movimentos sociais também o conhecem. Além disso, dificilmente avançará na Amazônia, porque as terras são impróprias para agricultura e a carne produzida nessa região não é boa. Ao contrário, o ecomercado não é conhecido, é extremamente sofisticado e é cobiçadíssimo pelo sistema financeiro, nacional e internacional, principalmente pelos banqueiros da União Europeía e do Reino Unido. A banca internacional ambiciona transformar seus recursos virtuais em ativos ambientais, dando concretude ao seu “direito” sobre as riquezas do Brasil. A força do ecomercado está no marketing e no baixo risco financeiro que oferece.
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Amapá e Conservation International debatem economia verde*

O governador Camilo Capiberibe está nos EUA onde mantém encontros com entidades governamentais e entidades ambientais. A viagem tem o objetivo de mostrar o que o Amapá está fazendo para fomentar a economia verde e a regulamentação das concessões florestais. 

Na sede da Conservation International (CI), Camilo falou sobre as experiências e desafios que o Governo do Amapá enfrenta para implementar uma economia sustentável, que gera riqueza agregando valor aos produtos da floresta e dos rios, criando empregos e renda nas áreas rurais e nas cidades. O governo está investindo R$ 50 milhões, nos quatro anos de mandato, em projetos para apoiar a produção de açaí, castanha-do-brasil, cipó-titica, pesca e agricultura familiar.

O Estado é o mais preservado do país, com 97% da sua cobertura florestal intacta, e com 72% do território em áreas protegidas. "Queremos algo em contrapartida para isso. Já que nós preservamos, queremos políticas, investimentos e tecnologias que nos permitam desenvolver a cadeia produtiva da floresta, agregando valor, gerando emprego, garantindo o desenvolvimento e a preservação da Amazônia", disse o governador.

Russell Mittermeier, presidente da CI, afirmou que "o elemento central de desenvolvimento sustentável é o capital natural, que o Amapá tem abundante. O Estado não tem só as florestas mais conservadas do país, mas também a maior quantidade de água per capita do mundo", ilustrou.

O diretor e chefe-executivo da CI, Peter Seligmann alertou para a necessidade de criar uma engenharia financeira capaz de valorizar e compensar a conservação desse capital natural para o bem do planeta. "Toda a equipe da Conservação Internacional está alinhada com o Amapá para ajudar no que for necessário. É o nosso compromisso de trabalhar juntos numa perspectiva de longo prazo, pois, apesar de todos os desafios, o exemplo do Amapá é um exemplo para o mundo seguir".

Como estradas, hidroelétricas e portos são importantes para o desenvolvimento do Amapá, mas trazem pressões sobre as florestas e outro recurso natural existe a preocupação em procurar apoio para preparar o Estado a enfrentar esses obstáculos, investindo em projetos que garantam uma vida digna para os produtores da floresta, que são provedores dos serviços ambientais, mantendo a floresta em pé.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O tsunami da fome nas aldeias do Mato Grosso do Sul*

"Os cerrados brasileiros poderão alimentar um terço da humanidade", dizia a tcheca naturalizada brasileira (1924-2000) Johanna Dobereiner, em 1975, quando foi indicada ao Nobel de Química por suas descobertas sobre fixação biológica de nitrogênio, fator que alavancaria a agricultura na região. Por ironia é nesse eldorado, na Região Centro-Oeste, que mais morrem crianças indígenas de fome, em virtude do agronegócio. (Zilda Ferreira)


Por Egon Heck**
O grito da fome como ondas gigantes vai se propagando pela região.

“Este ano a Funai ainda não entregou cesta básica. São quase três meses de fome e espera”. O clamor chega das diversas aldeias e acampamentos indígenas do Mato Grosso do Sul, e em especial dos Kaiowá Guarani, da região de Dourados. O grito da fome como ondas gigantes vai se propagando pela região. Em carta encaminhada ao Ministério Público de Dourados e Funai, o Conselho da Aty Guasu manifesta sua enorme preocupação e alerta: "Nosso povo está passando muita fome, não por culpa nossa, mas porque tiraram nossas terras, acabaram com nossa possibilidade de produzir nosso alimento, e agora estamos nos braços da fome e da dependência. E o  mais grave, como não recebemos ainda nenhuma cesta básica este ano, nossas crianças estão perdendo peso, correndo o risco de uma nova mortandade por desnutrição.” Concluem a carta dizendo: “Se não vier com urgência, nós do Conselho da Aty Guasu vamos fazer um documento e espalhar no mundo inteiro dizendo que querem que a gente morra de fome.”

Às centenas de telefonemas direcionados para a Funai, a resposta que as lideranças das aldeias e acampamentos indígenas recebem é sempre a mesma – os alimentos estão comprados, porém não tem transporte para trazê-los até aqui”. O que os indígenas não entendem é como tem centenas e centenas de caminhões carregados de soja passando por suas aldeias e não existe transporte para trazer os alimentos da cesta básica.

Assassinato do cacique Veron: o julgamento continua


Aos poucos os lideres religiosos – nhanderu, juntamente com outras lideranças de aldeias Kaiowá Guarani vão chegando à Terra Indígena Takuara. Para ali chegar tem que atravessar um imenso canavial, que simboliza a travessia de mais de quinhentos anos de opressão e extermínio. Mas eles chegam esperançosos e revoltados. Com fome e sede de justiça e de pão. Com a alma Guarani em busca de sua terra sem males.

Depois da celebração e alegria pela vinda de lideranças de várias aldeia para o grande encontro de socialização do julgamento em São Paulo, dias 21 a 25 de fevereiro, quando foi reconhecido a crueldade, tortura e a formação de quadrilha que praticou violência, ferimentos e morte do cacique Marcos Veron, foi o momento de fazer o “purahei” – ritual de homenagem e justiça, na sepultura do Cacique na aldeia de Takuara. Ao som dos mbarakás, das takuaras e os cânticos espirituais aos lideranças seguiram para o barracão construído para a realização da “Aty Guasu”,  pela justiça e memória dos que derramaram seu sangue na luta pela terra.

Na carta para as autoridades e amigos do mundo inteiro os participantes assim expressaram suas exigências.

Exigimos:
O julgamento imediato do mandante do crime, Jacinto Honório da Silva Filho e do principal responsável pelo assassinado, Nivaldo Alves de Oliveira, que se encontra foragido. São ao todo 24 réus a serem julgados pela violência e morte do cacique Marcos Veron.

Que a polícia federal agilize a conclusão dos inquéritos de lideranças Kaiowá Guarani assassinados na luta pela terra, para que os responsáveis sejam julgados e punidos o quanto antes.

Que sejam concluídos e publicados com urgência os relatórios de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani, que é indispensável para começar a reverter a situação de violência. Assim, as comunidades voltarão a viver em paz dentro de seus tekohá.

Continuaremos nos reunindo, fazendo as nossas rezas e discussões em nossas Jeroky Guasu e Aty Guasu. Esperamos continuar contando com a compreensão e apoio sempre maior de amigos e novos aliados no Brasil e no mundo.”  (Aldeia Takuara, 13 de março de 2011, Juti – MS.  – Carta dos nhanderu e lideranças Kaiowá Guarani)

Apesar de tudo a vida Guarani segue sua trajetória secular, de resistência e afirmação de sua cultura. Nos próximos dias acontecerá o segundo encontro dos Guarani da América do Sul, promovido pelos Ministérios da Cultura dos quatro países – Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. São esperados em torno de mil Guarani na aldeia Jaguaty, no departamento de Amambay, no Paraguai.
*publicado originalmente no Brasil de Fato
**coordenador do Cimi-MS.

Leia também: 
'O sonho de um mundo sem fome' [Z.F., JB, 1/10/1975; pág. 34]
A disputa pela terra em Copenhague