Por Zilda Ferreira
A diferença básica entre agronegócio e ecomercado é que o
primeiro já é letal, principalmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. O ecomercado
ameaça a soberania do país e também será letal à natureza, no futuro. São dois
temas complexos e de difícil comparação. Por isso merecem teses comparativas.
Mas esse papel é para a academia. Aos jornalistas, cabe apenas denunciar e
quando possível alertar. Em um blog como o nosso a limitação é ainda maior.
Mas, nesta Semana do Meio Ambiente, a mercantilização da
natureza tem nos deixado impotentes, além de preocupados. Por esse motivo
decidimos contar alguns fatos que nos acenderam o sinal de alerta. O REDD -
Redução de Emissões de Carbono por Desmatamento e Degradação, por exemplo, é
praticamente desconhecido, não só pelo povo, como por profissionais liberais e
políticos. A passividade diante da mercantilização dos nossos recursos naturais
é perceptível até mesmo pelo olhar estrangeiro, de quem vem ao Brasil lucrar
com este grande negócio.
Segundo funcionários de agências europeias com quem tenho
conversado, os brasileiros desconhecem o significado, como atua e o que
representa o REDD para o país. “Temos empresas européias com concessões
florestais na Amazônia, em áreas maiores que a Suíça. Parece que não se
incomodam com a perda dessas áreas”, ouvi recentemente de um deles (leia,
abaixo, Amapá e Conservation International debatem economia verde e confira
os links Quem ganha e quem perde com o REDD e Economia Verde e financeirização da Natureza).
Para facilitar a comparação entre agronegócio e ecomercado,
no Brasil, vamos territorializar. Nos
cerrados brasileiros se concentra o agronegócio. E na Amazônia, o ecomercado. Isso
não que dizer que estão limitados a essas regiões, é apenas para demonstrar se
dá a maior ocorrência de cada um.
CERRADOS - a disputa pela terra tem como objetivo produzir
commodities para exportação. Ali quem manda é o agronegócio. Os malefícios mais
conhecidos são: uso indiscriminado de agrotóxicos, matança de índios,
desertificação do solo, extinção de fitoterápicos específicos do bioma, erosão
do solo, contaminação do lençol freático e de nascentes de rios importantes. Apesar
dos cerrados serem considerados o celeiro do mundo, é nessa região onde morrem
mais crianças indígenas de desnutrição (confira O Tsunami da fome nas aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul e A disputa pela terra em Copenhague).
AMAZÔNIA - o ecomercado foi colocado à sociedade brasileira
como uma salvação às Mudanças Climáticas e foi abraçado ainda na gestão da ministra
Marina Silva, que defende a economia verde. Esta tem como sustentáculo o
mercado de carbono, o REDD. A financeirização da natureza é feita, atualmente,
pela especulação através da Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio),
conhecida como Bolsa Verde, implantada na Rio+20 pelo secretário de Meio
Ambiente do Rio de Janeiro e ex-ministro Meio Ambiente Carlos Minc. No Brasil, o
ativo ambiental mais cobiçado é a água, abundante na Amazônia (leia A Luta pelo direito à Água na Rio+20 e Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água).
‘Amazônia, pátria das
Águas, cofre do Brasil’ (Thiago de Mello, poeta)
O vice-presidente da Coca-Cola, Jeff Seabright, enfatizou
durante a Rio+20 que a água está no cerne do desenvolvimento sustentável e que
é mais importante que petróleo, ao defender a economia verde. Uma completa
radiografia – e também um alerta – sobre como as grandes corporações estão se
apoderando da água doce do planeta pode
ser visto no livro Ouro Azul, de Maude Barlow e Tony Clark. Como exemplo,
podemos citar que os habitantes de Manaus pagam a água mais cara do país. Ali, o
serviço foi privatizado e entregue a uma concessionária estrangeira subsidiária
da francesa Suez. A capital amazonense fica em cima do aquífero Alter do Chão,
o maior do mundo em volume de água. Os habitantes de Campo Grande, Mato Grosso
do Sul, estão sobre o aquífero Guarani. Pagam ainda assim por um dos serviços
de abastecimento de água mais caros do país.
Em Alter do Chão, distrito de Santarém, onde fica o Rio
Tapajós, região dos grandes rios amazônicos, há uma ONG mantida pelo conglomerado
financeiro britânico HSBC. O local foi escolhido para receber o príncipe
Charles em suas visitas ao Brasil e fica no coração do aquífero Alter do Chão. Outro
dado importante é a riqueza em fitoterápicos do cerradão, vegetação
intermediária entre cerrados e mata amazônica. Nessa região há outra ONG, esta
financiada pela Fundação Adenauer, por sua vez ligada à indústria farmacêutica
(leia Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros).
Imagine a festa com as concessões florestais para REDD, em
áreas maiores do que a Suíça. Vão poder se apropriar de água, biodiversidade e
minérios. E com a mudança do Código Mineral, os ativos ambientais da Amazônia
farão a reciclagem do capitalismo das nações hegemônicas. Por sua vez, os povos
amazônicos vão continuar pobres com vida curta, mas como vagalumes, iluminando
as matas para os estrangeiros.
Em Santarém, no Pará, ouvi de um engenheiro florestal que o
maior problema ambiental da Amazônia Legal, atualmente, não é o desmatamento e
sim a mineração (leia Um povo cercado por um anel de ferro). E que as
concessões aos estrangeiros de grandes áreas para manejo florestal e REDD podem
comprometer a soberania do país, além de intensificar a extração de minérios
estratégicos desconhecidos pela maioria dos brasileiros.
O REDD está recebendo todo o apoio do Congresso Nacional e
alguns representantes do agronegócio já viraram ambientalistas desde
criancinhas. A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas
promoveu um seminário no mês passado sobre o marco legal desta prática no
Brasil, que ganhou uma nova denominação: é o REDD+. O REDD+ é uma estratégia em
discussão na Convenção Quadro de Mudanças Climáticas e seu objetivo é oferecer
incentivos para países em desenvolvimento reduzirem emissões de gases que
provocam efeito estufa, para investirem em desenvolvimento sustentável e
práticas de baixo carbono no uso da terra.
Ficou esclarecido, durante o seminário, que o financiamento
virá de países desenvolvidos, conforme as regras que regem a Convenção do
Clima. Apurei, novamente a partir do ouvi de representantes de agências
europeias, que só a Alemanha deve investir um bilhão de euros no Fundo
Amazônico. Isso prova que o REDD é mesmo um grande negócio. Será que agora vão
entender por que Blairo Maggi ficou com a presidência da Comissão de Meio
Ambiente do Senado e por que Marina Silva disse na Universidade Católica de
Pernambuco que discriminá-lo por ser empresário era preconceito?
Para entender como o Ecomercado é danoso e como ele ameaça a
soberania do país e o futuro de novas gerações, basta viajar um pouco por esse
país. Por mais que temamos o agronegócio, este ao menos é conhecido e criticado
na academia. Como é um trator de destruição do meio ambiente, os movimentos
sociais também o conhecem. Além disso, dificilmente avançará na Amazônia,
porque as terras são impróprias para agricultura e a carne produzida nessa
região não é boa. Ao contrário, o ecomercado não é conhecido, é extremamente
sofisticado e é cobiçadíssimo pelo sistema financeiro, nacional e
internacional, principalmente pelos banqueiros da União Europeía e do Reino
Unido. A banca internacional ambiciona transformar seus recursos virtuais em
ativos ambientais, dando concretude ao seu “direito” sobre as riquezas do
Brasil. A força do ecomercado está no marketing e no baixo risco financeiro que
oferece.
________________________________________________________________
Amapá e Conservation International debatem economia verde*
O governador Camilo Capiberibe está nos EUA onde mantém encontros com entidades governamentais e entidades ambientais. A viagem tem o objetivo de mostrar o que o Amapá está fazendo para fomentar a economia verde e a regulamentação das concessões florestais.
Na sede da Conservation International (CI), Camilo falou sobre as experiências e desafios que o Governo do Amapá enfrenta para implementar uma economia sustentável, que gera riqueza agregando valor aos produtos da floresta e dos rios, criando empregos e renda nas áreas rurais e nas cidades. O governo está investindo R$ 50 milhões, nos quatro anos de mandato, em projetos para apoiar a produção de açaí, castanha-do-brasil, cipó-titica, pesca e agricultura familiar.
O Estado é o mais preservado do país, com 97% da sua cobertura florestal intacta, e com 72% do território em áreas protegidas. "Queremos algo em contrapartida para isso. Já que nós preservamos, queremos políticas, investimentos e tecnologias que nos permitam desenvolver a cadeia produtiva da floresta, agregando valor, gerando emprego, garantindo o desenvolvimento e a preservação da Amazônia", disse o governador.
Russell Mittermeier, presidente da CI, afirmou que "o elemento central de desenvolvimento sustentável é o capital natural, que o Amapá tem abundante. O Estado não tem só as florestas mais conservadas do país, mas também a maior quantidade de água per capita do mundo", ilustrou.
O diretor e chefe-executivo da CI, Peter Seligmann alertou para a necessidade de criar uma engenharia financeira capaz de valorizar e compensar a conservação desse capital natural para o bem do planeta. "Toda a equipe da Conservação Internacional está alinhada com o Amapá para ajudar no que for necessário. É o nosso compromisso de trabalhar juntos numa perspectiva de longo prazo, pois, apesar de todos os desafios, o exemplo do Amapá é um exemplo para o mundo seguir".
Como estradas, hidroelétricas e portos são importantes para o desenvolvimento do Amapá, mas trazem pressões sobre as florestas e outro recurso natural existe a preocupação em procurar apoio para preparar o Estado a enfrentar esses obstáculos, investindo em projetos que garantam uma vida digna para os produtores da floresta, que são provedores dos serviços ambientais, mantendo a floresta em pé.
*press-release da Agência Amapá de Notícias divulgado em maio
Leia ainda:
A disputa pela terra em Copenhague
As Guerras da Água - de um livro de Elsa Bruzzone
Brasil: o país mais rico em água do planeta
O negócio europeu das emissões perversas (I) - Daan Bawens
O negócio europeu das emissões perversas (II) - Daan Bawens
Leia ainda:
A disputa pela terra em Copenhague
As Guerras da Água - de um livro de Elsa Bruzzone
Brasil: o país mais rico em água do planeta
O negócio europeu das emissões perversas (I) - Daan Bawens
O negócio europeu das emissões perversas (II) - Daan Bawens