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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Vende-se a natureza

27.04.12 - escrito por Frei Betto
extraído do site Envolverde


Às vésperas da Rio+20 é imprescindível denunciar a nova ofensiva do capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza.


Já existe o mercado de carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997).

Ele determina que países desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito estufa em 5,2%.

Reduzir o volume de veneno vomitado por aqueles países na atmosfera implica subtrair lucros. Assim, inventou-se o crédito de carbono.

Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. O país rico ou suas empresas, ao ultrapassar o limite de poluição permitida, compra o crédito do país pobre ou de suas empresas que ainda não atingiram seus respectivos limites de emissão de CO2 e, assim, fica autorizado a emitir gases de efeito estufa. O valor dessa permissão deve ser inferior à multa que o país rico pagaria, caso ultrapassasse seu limite de emissão de CO2. 
Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por economia verde.

A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços.

Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar, não apenas pela administração da "manufatura” do produto (como pagamos pela água que sai da torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber o pagamento - o dono da floresta ou do ecossistema.

A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo, relata:

"Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”

O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é quantificada em unidades comercializáveis.



Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do hemisfério Norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.

Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). "Está na hora de reconhecer que a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100% da humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas multinacionais.


Garret Hardin
Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo "A tragédia dos comuns” para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuitoda natureza, como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à verdade).
A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la administrável por quem possui competência – as grandes corporações empresariais. Eis a tese da economia verde.

Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de ‘commodities’. Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que significa uma desapropriação mercantil de nosso território.


(*) Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros. É também assessor de movimentos sociais.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Especialistas da Coppe fazem balanço da COP-17 e propõem atividades para a Rio+20


O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC) realizou uma reunião, no dia 19 de dezembro, para avaliação dos resultados e desdobramentos da 17ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP-17), realizada entre os dias 28 de novembro e 11 de dezembro, em Durban, na África do Sul. Na reunião, também foram apresentadas iniciativas de algumas entidades e instituições para a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), que será realizada em junho de 2012.

Promovida por meio de uma parceria entre a Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), o Grupo de Trabalho Mudança Climática, Pobreza e Desigualdades e o COEP, a reunião foi iniciada pelo presidente do COEP, André Spitz, no Auditório do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG/Coppe), localizado no Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"O que saiu de Durban foi insuficiente”. Esse é o ponto de vista do diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), Luiz Pinguelli Rosa, numa avaliação sobre a prorrogação do Protocolo de Kyoto. “Canadá, Japão e Rússia saíram, o que não dá para festejar. Mas foi bom, foi um passo adiante, ainda que esvaziado”, relembra.
Pinguelli destacou a criação de um grupo que até 2015 vai elaborar uma proposta de acordo global para depois de 2020. “É menos do que nada, mas é pouco, pois não há diretrizes claras”, pontua, lembrando que, mais uma vez, uma conferência climática terminou com resoluções aquém das desejadas. “Mas política é assim mesmo e o mundo vive um momento difícil”, afirma, em referência à atual crise econômica global.

Mirando o futuro, entidades e instituições ligadas ao FBMC apresentaram sugestões de atividades que pretendem realizar na Rio+20, como a discussão dos impactos do desenvolvimento sustentável e das mudanças climáticas no mercado de trabalho, workshop proposto pelo movimento sindical. Já o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (criado nos mesmos moldes que o Intergovernmental Panel on Climate Change, o IPCC) pretende divulgar o primeiro relatório de avaliação nacional do órgão.

No entanto, em termos gerais e independentemente das propostas apresentadas na reunião, Luiz Pinguelli afirmou temer que a Rio+20 “fique esvaziada por falta de ênfase”. “Não estou feliz com a agenda que está encaminhada para a Rio+20. Talvez fosse o caso, sem eliminar pontos, de focar na questão da pobreza e na mudança climática”, opina Pinguelli em relação aos 25 temas levantados pela sociedade brasileira para a discussão durante a Rio+20, que incluem assuntos de cultura, educação, agropecuária e empoderamento da mulher.

Diversos participantes destacaram que as discussões sobre mudanças climáticas devem estar associadas a questões como a pobreza, desigualdade e economia verde. À luz disso, foram apresentados também os resultados da pesquisa ‘Mudanças Climáticas, Desigualdades Sociais e Populações Vulneráveis no Brasil: Construindo Capacidades’, desenvolvida pelo Grupo de Trabalho (GT) de Mudança Climática, Pobreza e Desigualdades, coordenado pelo COEP. O trabalho estudou o impacto das mudanças climáticas junto às comunidades pobres – consideradas as mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global.

Quando falamos de vulnerabilidade, as mudanças climáticas são mais um ponto agravante. Precisamos ficar atentos a esse tema porque isso só vai piorar a situação dessas pessoas”, explica Gleyse Peiter, coordenadora do GT.

Durante a reunião, foram lançados dois livros relacionados a subgrupos dessa pesquisa, editados com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): ‘Mudanças Climáticas, Vulnerabilidades e Adaptação’, de Renato Maluf e Teresa da Silva Rosa, e ‘Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdade’, de Anna Peliano.

O primeiro livro traz os resultados do subprojeto ‘Populações Vulneráveis’, coordenado pelos professores Renato Maluf, do Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (Ceresan), e Teresa Rosa, do Centro Universitário Vila Velha. O trabalho teve como foco os impactos regionais e as vulnerabilidades de populações de baixa renda em três biomas (Amazônia, Caatinga e Cerrado) e duas regiões metropolitanas (ambas em área de Mata Atlântica), que enfrentaram episódios relevantes de eventos climáticos, constituindo cinco estudos de caso.

O outro livro, ‘Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdade’, reúne os resultados do subprojeto ‘Empresas’, coordenado pela socióloga Anna Peliano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que investigou se as empresas têm contemplado em seus investimentos sociais o impacto das mudanças climáticas sobre as populações vulneráveis.

Os dois livros integram a Coleção Cidadania em Rede e estão disponíveis em formato eletrônico no site do COEP
 
(www.coepbrasil.org.br/portal/publico/apresentarCadernos.aspx).
 
 
Fonte: http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C20111219105912114&TIPO_ID=1

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O negócio europeu das emissões perversas (II)



por Daan Bawens*, da IPS
1165 300x228 O negócio europeu das emissões perversas (II)Bruxelas, Bélgica, 13/6/2011 – Semanas antes da cúpula climática do ano passado, em Cancún, no México, a comissária europeia de Ação pelo Clima, Connie Hedegaard, propôs a proibição, a partir de 1º de janeiro de 2013, de todos os créditos de hidrofluorocarbonos (HFC) no Sistema Europeu de Comércio de Emissões Contaminantes. A base da proposta é que na época terá expirado a segunda fase desse Sistema, após o qual poderão ser aplicadas novas normas. Grupos de pressão da indústria e organizações empresariais resistiram à proibição.
O não governamental Observatório Corporativo Europeu, com sede em Bruxelas, fez uso das Regulações de Liberdade de Expressão e Informação para obter documentos e reconstruir a história completa. O BusinessEurope é o grupo de pressão mais influente em Bruxelas, e representa 40 federações de industriais e empregadores de 34 países europeus. Em outubro de 2010, seu diretor-geral, Philippe de Buck, enviou uma carta a Hedegaard e ao comissário de Indústria e Empreendimento, Antonio Tajani, na qual manifestava sua oposição a limitar o uso de créditos derivados do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
O MDL, previsto no Protocolo de Kyoto, permite às empresas de nações industrializadas “compensarem” seu excesso de emissões de gases-estufa comprando Certificados de Redução de Emissões (CRE) em países em desenvolvimento. O processo é controlado pelo Conselho Executivo do MDL, que funciona na órbita da Organização das Nações Unidas (ONU).
O BusinessEurope também fez uso de um novo empregado que acabava de encerrar três anos de trabalho na Comissão Europeia de Indústria e Empreendimento. Em um email enviado aos seus ex-colegas dessa Comissão, este funcionário se refere a um recente encontro de despedida com seus companheiros e expressa seu desejo de continuarem a trabalhar juntos com ele em sua nova função de lobby. Em um arquivo anexo à mensagem, envia o documento da BusinessEurope que se opõe à proibição.
O gigante italiano da energia Enel figura como investidor em sete dos 19 projetos de HFC que receberam CRE. Um terço da empresa é propriedade do governo italiano. Em novembro de 2010, o diretor de Relações Institucionais Europeias da Enel, Roberto Zangrandi, enviou uma carta a vários membros do Parlamento Europeu dizendo que “é crucial a confiança no sistema e nos procedimentos da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática e do MDL, a fim de garantir a integridade e a credibilidade deste mecanismo”.
Contudo, apenas duas semanas antes, Zangrandi enviara outra carta a Antonio Preto, membro do gabinete de Tajani, convidando-o para uma conversação amistosa sobre um problema sério: Zangrandi explica ali que, se for proibido o comércio de créditos de HFC em 1º de janeiro de 2013, sua empresa perderá, “pelo menos, 20 milhões de créditos com um valor significativo”.
Em entrevista publicada em novembro no site PointCarbon.com, que se dedica aos mercados de carbono, Simone Ruiz, diretora de Políticas Europeias na Associação Internacional de Comércio de Emissões, disse que a Direção-Geral de Empresa e Indústria tentaria adiar essa data. Segundo o PointCarbon.com, adiá-la por apenas quatro semanas significaria o ingresso de 30 milhões a 100 milhões extras de créditos de HFC no mercado europeu. Deste modo, as empresas poderiam fazer pleno uso dos créditos nos quais tivessem investido.
Para Eva Filzmoser, diretora de programa do não governamental CDM Watch, os lobistas se comportaram de maneira pouco ética. “O correto é insistir em uma investigação detalhada, esperar as conclusões e tomar uma decisão”, afirmou à IPS. “Muitos investidores decidiram pôr dinheiro nestes projetos só depois que a Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia) abriu a porta para possíveis restrições em 2008. Foi um risco calculado, e a maioria dos investidores já havia recebido créditos em abundância. Além disso, alguns investidores nos disseram informalmente que sabiam que fábricas indianas e chinesas estavam aumentando a produção de HFC para impulsionar os créditos”, acrescentou.
Em junho de 2010, a CDM Watch, com sede em Bonn, e a Agência de Investigação Ambiental (EIA), com escritórios em Washington e Londres, descobriram que os governos e as corporações europeias haviam feito um flagrante mau uso do MDL. De todos os CRE, 59% se originaram nos mesmos 19 projetos, embora houvesse 2.800 projetos registrados no MDL. Todas estas 19 iniciativas produziam HCFC-22, um gás refrigerante proibido nos Estados Unidos e na Europa no contexto do Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio. Nos países em desenvolvimento, este gás deve ser eliminado até 2030.
Entretanto, a indústria acabou conseguindo o que pedia quando, em 21 de janeiro deste ano, a Comissão Europeia divulgou sua proposta final: a data para entrada em vigor da proibição foi adiada de 1º de janeiro para 30 de abril de 2013. Segundo estimativas, isto fará com que 53 milhões de CRE extras ingressem no mercado europeu, permitindo que as empresas lancem na atmosfera um volume desse gás equivalente ao que é emitido pela Bélgica por ano. Envolverde/IPS
* Esta é a segunda e última reportagem sobre a forma como corporações e governos europeus se beneficiam economicamente de um vazio legal do Protocolo de Kyoto.
(IPS)
Nota: veja a  primeira reportagem da série, que republicamos no dia 10 de junho de 2011.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O negócio europeu das emissões perversas ( I )



por Daan Bawens, da IPS
1147 O negócio europeu das emissões perversas (I)Bruxelas, Bélgica, 10/6/2011 – Corporações e governos europeus aproveitam, há anos, um vazio legal do Protocolo de Kyoto sobre mudança climática para obter ganhos exorbitantes. Várias fontes indicam que esse lucrativo esquema causou mais contaminação do que nunca antes. O Protocolo de Kyoto (assinado em 1997 e em vigor desde 2005) permite às empresas europeias “compensarem” seu excesso de emissões de gás-estufa comprando redução de emissões em países pobres.
Esta disposição é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os requisitos para incluir nele projetos no exterior e a emissão de créditos de carbono – que neste caso se chamam certificados de redução de emissões (CRE) – são controlados pelo Conselho Executivo do MDL, que funciona na órbita da Organização das Nações Unidas (ONU).
Cada CRE equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que não foi lançada na atmosfera. E é entregue ao responsável pelo projeto, após certificar que a redução realmente ocorreu. Estes CRE podem gerar instrumentos comercializáveis, sujeitos às leis da oferta e da demanda.
Em junho de 2010, duas organizações não governamentais ambientalistas – CDM Watch, com sede em Bonn, e a Agência de Pesquisa Ambiental (EIA), com escritórios em Washington e Londres – descobriram que governos e corporações europeias estavam fazendo um flagrante mau uso do MDL.
De todos os CRE, 59% se originaram nos mesmos 19 projetos, embora no MDL estejam registrados 2.800 projetos. Os 19 projetos produziam HCFC-22, um gás refrigerante proibido nos Estados Unidos e na Europa no contexto do Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio. Nos países em desenvolvimento, este gás deverá estar eliminado até 2030.
HCFC é a sigla para os hidroclorofluorocarbonos, e também é um “supergás de efeito estufa”, 1.810 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. Além disso, o HFC-23, subproduto da manufatura do HCFC-22, é 11.700 vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono.
Quando os produtores do gás refrigerante decidem queimar esse subproduto HFC-23 em lugar de liberá-lo na atmosfera, estão aptos a receberem numerosos créditos concedidos sob o MDL. A queima de uma tonelada de HFC-23 permite adquirir 11.700 créditos de emissão para a unidade que queima o gás. Este negócio se mostrou muito lucrativo. A queima do equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono custa apenas US$ 0,25, enquanto os créditos podem ser vendidos no mercado europeu por não menos de US$ 19,00.
Estes projetos logo atraíram bancos investidores, que quiseram participar dos lucros: JP Morgan Chase, Citigroup, Goldman Sachs, Rabobank e Fortis. Junto a estes bancos, os governos italiano, holandês e britânico aparecem várias vezes nas listas de investidores. Grandes empresas de energia, entre elas E.ON e RWE (Alemanha), Nuon (Holanda), Enel (Itália) e Electrabel (Bélgica) também aparecem como participantes nestes projetos.
Os antecedentes recopilados pela CDM Watch e pela EIA indicam que os ganhos derivados desta compensação de gases acabaram estimulando a produção do nocivo HCFC-22. Segundo a EIA, o preço de uma tonelada desse gás oscila entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, enquanto a mesma tonelada vale entre US$ 5 mil e US$ 5,8 mil em CRE quando se vende no mercado europeu. Em economia isto se chama “incentivo perverso”, e ocorre quando um incentivo apresenta um resultado não procurado e indesejável que vai contra o que propõe a política em questão.
No total, empresas e governos europeus financiaram estes projetos por pelo menos US$ 1,5 bilhão, enquanto o verdadeiro custo para reduzir este gás é de US$ 150 milhões. “Este dinheiro foi investido em falsas reduções de emissões”, afirmou Eva Filzmoser, diretora de programa na CDM Watch. “Segundo o MDL, os créditos obtidos representam reduções nas emissões. Mas, em lugar disso, houve mais gases-estufa enquanto as empresas ocidentais seguiam contaminando como antes. O dano ambiental é imenso”, disse à IPS.
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), entre 2004 e 2009, indicam que a produção de HCFC-22 passou de 15 milhões para 28 milhões de toneladas. Depois das queixas da CDM Watch e da EIA, a ONU iniciou sua própria investigação, enquanto tentava frear a emissão de novos CRE. Esta pesquisa, que terminou em 16 de novembro de 2010, foi catalogada como “confidencial” pela ONU devido à “informação comercialmente delicada” que contém.
Entretanto, a IPS teve acesso a esse documento, que indica que algumas das unidades de produção investigadas estavam “maximizando os créditos em lugar de atender a demanda do produto”. Ainda assim, o informe propõe que são apenas “sinais” de incentivos perversos e que a evidência não é “concludente”. No dia 26 de novembro, o Conselho Executivo do MDL decidiu emitir mais 20 milhões de créditos para 12 projetos de HFC (hidrofluorocarbonos).
Jos Delbeke é o titular da Direção Geral de Ação pelo Clima na Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia), que foi criada no ano passado. Segundo ele, o órgão tinha conhecimento do problema antes que as organizações não governamentais iniciassem sua campanha. “Na ONU, nos queixávamos desse problema há vários anos. Não deveria se obter CRE com gases que estão proibidos na Europa”, afirmou Delbeke à IPS.
O principal problema, disse, não é o dano ambiental. “Estão sendo gerados ganhos a partir da usura, e isso é repugnante”, afirmou Delbeke. “Assim não podemos conseguir que nossa política climática funcione. Temos de perguntar se não poderíamos ter feito muito mais com a quantidade de dinheiro que se gastou”, acrescentou.
Quando ficou evidente que a ONU não tomaria medidas, a Direção Geral de Ação pelo Clima decidiu propor uma proibição dos créditos por produção de HFC. A comissária europeia de Ação pelo Clima, Connie Hedegaard, propôs 1º de janeiro de 2013 como data para a entrada em vigor dessa proibição. Mas a história não termina aí. IPS/Envolverde
* Esta é a primeira de duas reportagens sobre como corporações e governos europeus se beneficiam economicamente de um vazio legal no Protocolo de Kyoto.
(IPS)

Essa  reportagem é muito importante para entender os malefícios dos Créditos de Carbono ao Meio Ambiente e os benefícios ao capitalismo, principalmente europeu, além de afetar  a soberania dos países pobres. Em 2007, recebemos a primeira denúncia. No final de 2009, inauguramos este Blog, denunciando jogo perigoso dos Créditos de Carbono.(Zilda Ferreira).