" O negócio Europeu das emissões perversas ", publicado em junho deste ano, que repostamos hoje, como box, para que o leitor entenda os malefícios dos créditos de carbono. Alem disso, a ideia das duas matérias juntas é mostrar o jogo, agora, na COP 17, para salvar a economia européia, ameaçando a vida nos países do Sul. Leia também "A disputa pela terra em Copenhague".(COP 15, em 2009).(Zilda Ferreira)
Desculpe, qual o preço do CO2?
por Kristin Palitza, da IPS
Durban, África do Sul, 8/12/2011 – Fixar um preço para as emissões de dióxido de carbono (CO²) em todo o mundo é a chave para abastecer o Fundo Verde para o Clima (FVC), que financiará projetos de adaptação ao aquecimento global nos países do Sul. Esta é a conclusão a que chegou o primeiro-ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, que preside o grupo assessor de alto nível da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre financiamento contra a mudança climática. “Se der para criar um amplo e mais completo financiamento do carbono, será possível atrair mais fundos privados”, explicou.
Fala-se de “financiamento do carbono” quando se estabelece um preço para as emissões de CO² ou outros gases-estufa, causadores do aquecimento global. Segundo Stoltenberg, fixar um valor para o dióxido de carbono traria três benefícios fundamentais: estimular a indústria a reduzir as liberações de gases contaminantes, contribuir para o desenvolvimento de tecnologias limpas para reduzir emissões, e gerar renda, que poderia ser usada com fins governamentais e também em ações climáticas.
Vários países já demonstraram que os sistemas de comércio de carbono ou os impostos sobre as emissões podem ajudar a reduzir a contaminação, já que promovem o crescimento econômico, disse Stoltenberg. “A União Europeia conta com um completo sistema de comércio de carbono e um regime de emissões. A Austrália acaba de criar um imposto sobre carbono. A China está fixando preços para o carbono e a África do Sul também quer desenvolver um imposto. O bom de fixar preços é que se obtém menos contaminação e mais financiamento”, acrescentou o primeiro-ministro.
Nos dez dias da 17ª Conferência das Partes (COP 17) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que terminará amanhã, nesta cidade, o tema da obtenção de recursos para o FVC foi protagonista. A crise global e as medidas nacionais de austeridade reduziram a disposição dos países ricos em se comprometerem a encher os cofres do Fundo com dinheiro público.
“A crise financeira e a da dívida, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, se agravaram. Portanto, devemos procurar tanto financiamento público como privado”, destacou Stoltenberg, que, como copresidente do grupo assessor, apresentou à ONU uma análise propondo medidas para gerar financiamento de longo prazo. “Nossa primeira conclusão é que constituem um desafio, mas é viável mobilizar US$ 100 bilhões ao ano”, afirmou.
O primeiro-ministro se referia a um acordo obtido na COP 16, realizada na cidade mexicana de Cancún no ano passado, segundo o qual o financiamento por via rápida de US$ 10 bilhões anuais entre 2010 e 2013 deveria ser aumentado para US$ 100 bilhões ao ano até 2020. “Não tem nenhum sentido ter um Fundo se não houver dinheiro para ele”, ressaltou.
Por sua vez, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, concordou que as metas de financiamento de curto e longo prazos só podem ser alcançadas com uma combinação de recursos públicos e privados. Isto não significa que os governos perderão controle político sobre os mecanismos de financiamento do FVC, algo com que os países se mostraram preocupados.
“Há uma variedade de possíveis opções de financiamento, como os impostos sobre o carbono, o transporte, etc. Dependerá de cada país decidir quais regulamentações quer implantar em nível nacional”, disse Ban. Entretanto, não ignorou os governos do Norte. “Os países industrializados devem mostrar liderança injetando capital suficiente de imediato”, afirmou. “É verdade que os governos lutam com crises, mas a mudança climática não é uma opção, é um imperativo. Precisa de um compromisso político inequívoco e transparente”, ressaltou Ban.
Não haverá avanço na luta contra a mudança climática sem mais financiamento, disse, por sua vez, o primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi. “Precisamos criar uma estrutura de preços que atraia o setor privado para investir no financiamento do clima. Fixar preços para o carbono enviará um sinal ao setor privado, indicando que a tecnologia verde é rentável. A tecnologia do futuro é verde. Há uma corrida, e quem chegar tarde ficará defasado”, afirmou.
Entretanto, especialistas em economia duvidam que os países industrializados tenham um verdadeiro interesse em fornecer fundos para a adaptação no Sul. “Não precisamos de mais estudos, precisamos de vontade política”, afirmou o economista Nicholas Stern, conselheiro do governo da Grã-Bretanha.
Quanto mais rápido os políticos agirem, mais barato lhes custará, disse, por sua vez, o presidente do México, Felipe Calderón, pressionando para que o FVC comece a funcionar antes que acabe a reunião em Durban. “Uma economia baixa em carbono não sai barato. Custará centenas de milhões de dólares ao ano, dependendo da rapidez com que agirmos. Quanto mais rápido, menos custará”, ressaltou.
Caio Koch-Weder, vice-presidente do Deutsche Bank, um dos maiores grupos bancários do mundo, expressou sua preocupação sobre o lento progresso para a criação do FVC. A indústria está disposta a investir em uma economia verde, assegurou. “Nos deem um preço para o carbono, nos deem uma política confiável e o setor privado fará a maior parte do trabalho. Já estamos vendo uma grande vibração por parte da comunidade empresarial em interação com os governos. Naturalmente, ainda não em escala e velocidade que precisamos”, acrescentou.
Koch-Weser também disse que a atual crise econômica mundial apresenta uma oportunidade para que governos e negócios se transformem e encontrem novos motores de crescimento. Para poder arrecadar US$ 100 bilhões ao ano até 2020, para financiar a adaptação à mudança climática, “necessitamos de novas associações público-privadas que forneçam contextos transparentes, seguros e de longa duração”, ressaltou. Envolverde/IPS
O negócio europeu das emissões perversas (I)
por Daan Bawens, da IPS
Bruxelas, Bélgica, 10/6/2011 – Corporações e governos europeus aproveitam, há anos, um vazio legal do Protocolo de Kyoto sobre mudança climática para obter ganhos exorbitantes. Várias fontes indicam que esse lucrativo esquema causou mais contaminação do que nunca antes. O Protocolo de Kyoto (assinado em 1997 e em vigor desde 2005) permite às empresas europeias “compensarem” seu excesso de emissões de gás-estufa comprando redução de emissões em países pobres.
Esta disposição é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os requisitos para incluir nele projetos no exterior e a emissão de créditos de carbono – que neste caso se chamam certificados de redução de emissões (CRE) – são controlados pelo Conselho Executivo do MDL, que funciona na órbita da Organização das Nações Unidas (ONU).
Cada CRE equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que não foi lançada na atmosfera. E é entregue ao responsável pelo projeto, após certificar que a redução realmente ocorreu. Estes CRE podem gerar instrumentos comercializáveis, sujeitos às leis da oferta e da demanda.
Em junho de 2010, duas organizações não governamentais ambientalistas – CDM Watch, com sede em Bonn, e a Agência de Pesquisa Ambiental (EIA), com escritórios em Washington e Londres – descobriram que governos e corporações europeias estavam fazendo um flagrante mau uso do MDL.
De todos os CRE, 59% se originaram nos mesmos 19 projetos, embora no MDL estejam registrados 2.800 projetos. Os 19 projetos produziam HCFC-22, um gás refrigerante proibido nos Estados Unidos e na Europa no contexto do Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio. Nos países em desenvolvimento, este gás deverá estar eliminado até 2030.
HCFC é a sigla para os hidroclorofluorocarbonos, e também é um “supergás de efeito estufa”, 1.810 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. Além disso, o HFC-23, subproduto da manufatura do HCFC-22, é 11.700 vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono.
Quando os produtores do gás refrigerante decidem queimar esse subproduto HFC-23 em lugar de liberá-lo na atmosfera, estão aptos a receberem numerosos créditos concedidos sob o MDL. A queima de uma tonelada de HFC-23 permite adquirir 11.700 créditos de emissão para a unidade que queima o gás. Este negócio se mostrou muito lucrativo. A queima do equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono custa apenas US$ 0,25, enquanto os créditos podem ser vendidos no mercado europeu por não menos de US$ 19,00.
Estes projetos logo atraíram bancos investidores, que quiseram participar dos lucros: JP Morgan Chase, Citigroup, Goldman Sachs, Rabobank e Fortis. Junto a estes bancos, os governos italiano, holandês e britânico aparecem várias vezes nas listas de investidores. Grandes empresas de energia, entre elas E.ON e RWE (Alemanha), Nuon (Holanda), Enel (Itália) e Electrabel (Bélgica) também aparecem como participantes nestes projetos.
Os antecedentes recopilados pela CDM Watch e pela EIA indicam que os ganhos derivados desta compensação de gases acabaram estimulando a produção do nocivo HCFC-22. Segundo a EIA, o preço de uma tonelada desse gás oscila entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, enquanto a mesma tonelada vale entre US$ 5 mil e US$ 5,8 mil em CRE quando se vende no mercado europeu. Em economia isto se chama “incentivo perverso”, e ocorre quando um incentivo apresenta um resultado não procurado e indesejável que vai contra o que propõe a política em questão.
No total, empresas e governos europeus financiaram estes projetos por pelo menos US$ 1,5 bilhão, enquanto o verdadeiro custo para reduzir este gás é de US$ 150 milhões. “Este dinheiro foi investido em falsas reduções de emissões”, afirmou Eva Filzmoser, diretora de programa na CDM Watch. “Segundo o MDL, os créditos obtidos representam reduções nas emissões. Mas, em lugar disso, houve mais gases-estufa enquanto as empresas ocidentais seguiam contaminando como antes. O dano ambiental é imenso”, disse à IPS.
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), entre 2004 e 2009, indicam que a produção de HCFC-22 passou de 15 milhões para 28 milhões de toneladas. Depois das queixas da CDM Watch e da EIA, a ONU iniciou sua própria investigação, enquanto tentava frear a emissão de novos CRE. Esta pesquisa, que terminou em 16 de novembro de 2010, foi catalogada como “confidencial” pela ONU devido à “informação comercialmente delicada” que contém.
Entretanto, a IPS teve acesso a esse documento, que indica que algumas das unidades de produção investigadas estavam “maximizando os créditos em lugar de atender a demanda do produto”. Ainda assim, o informe propõe que são apenas “sinais” de incentivos perversos e que a evidência não é “concludente”. No dia 26 de novembro, o Conselho Executivo do MDL decidiu emitir mais 20 milhões de créditos para 12 projetos de HFC (hidrofluorocarbonos).
Jos Delbeke é o titular da Direção Geral de Ação pelo Clima na Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia), que foi criada no ano passado. Segundo ele, o órgão tinha conhecimento do problema antes que as organizações não governamentais iniciassem sua campanha. “Na ONU, nos queixávamos desse problema há vários anos. Não deveria se obter CRE com gases que estão proibidos na Europa”, afirmou Delbeke à IPS.
O principal problema, disse, não é o dano ambiental. “Estão sendo gerados ganhos a partir da usura, e isso é repugnante”, afirmou Delbeke. “Assim não podemos conseguir que nossa política climática funcione. Temos de perguntar se não poderíamos ter feito muito mais com a quantidade de dinheiro que se gastou”, acrescentou.
Quando ficou evidente que a ONU não tomaria medidas, a Direção Geral de Ação pelo Clima decidiu propor uma proibição dos créditos por produção de HFC. A comissária europeia de Ação pelo Clima, Connie Hedegaard, propôs 1º de janeiro de 2013 como data para a entrada em vigor dessa proibição. Mas a história não termina aí. IPS/Envolverde
* Esta é a primeira de duas reportagens sobre como corporações e governos europeus se beneficiam economicamente de um vazio legal no Protocolo de Kyoto.
(IPS)
Essa reportagem é muito importante para entender os malefícios dos Créditos de Carbono ao Meio Ambiente e os benefícios ao capitalismo, principalmente europeu, além de afetar a soberania dos países pobres. Em 2007, recebemos a primeira denúncia. No final de 2009, inauguramos este Blog, denunciando jogo perigoso dos Créditos de Carbono., com o artigo "A terra está doente". (Zilda Ferreira).
Fonte: Site do Envolverde.