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quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Código da Economia Florestal Descentralizada


Marcos Sorrentino*

Ainda perplexo diante dos argumentos superficiais e possivelmente levianos, apresentados por  deputados que defendem mudanças no Código Florestal Brasileiro, propondo eliminar ou alterar radicalmente diversos dos  artigos “conservacionistas”, em nome do aumento da renda do agricultor brasileiro, sugiro a leitura e repercussão dos textos e estudos daqueles que têm dedicado suas vidas à melhoria das condições existenciais de todo o povo brasileiro.
Refiro-me aos textos e estudos produzidos por Aziz Nacib Ab’Saber, Paulo Affonso Leme Machado, Paulo Kageyama, Antonio Donato Nobre, dentre outros, sistematizados em publicações de sociedades científicas ou divulgados pelos meios eletrônicos de comunicação, tendo em vista a pouca divulgação dada na grande imprensa aos argumentos contrários às alterações no Código Florestal. Estão disponíveis nos seguintes endereços: www.sosflorestas. com.br;    http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/codigo_florestal_e_a_ciencia.pdf;  http://www.oca.esalq.usp.br/wiki/doku.php?id=home
O foco do presente artigo será o de contribuir para a compreensão sobre a interdependência entre conservação da natureza e melhoria da qualidade de vida dos humanos, perspectiva presente no Código Florestal gestado e aprovado no início dos anos 60, não por ambientalistas, mas por desenvolvimentistas inteligentes, que sabiam da importância de uma economia florestal descentralizada, produzindo benefícios a curto, médio e longo prazo.
Economia florestal descentralizada é a principal virtude do Código atual e não pode ser sacrificada em nome de interesses menores, gananciosos e mesquinhos, de quem compreende que a propriedade privada é um direito que não se submete ao bem comum, não os obrigando a conservá-la para os seus descendentes, para as gerações futuras e para os demais seres vivos e sistemas naturais.
Melhorar a renda do agricultor brasileiro tem sido o argumento central daqueles que querem alterar a lei que instituiu o Código Florestal. Suas propostas ignoram a importância da cobertura vegetal nativa para a saúde econômica de cada propriedade rural, produzindo benefícios econômicos diretos, por meio dos bens que dela podem ser extraídos e cultivados nas reservas legais, e bens indiretos, nas áreas de preservação permanentes e também nas reservas legais obrigatórias, como a manutenção da biodiversidade que garante a diminuição da incidência de pragas e a conservação dos solos e das águas.
A reposição florestal obrigatória, prevista no Código, prevê a reposição de cada árvore utilizada como fonte de energia. Isto significa que o legislador já previa a necessidade de se repor as árvores consumidas, num raio economicamente viável, em relação à fonte de consumo, para não ser necessário buscá-las em locais cada vez mais distantes.
Imagine uma pizzaria ou uma padaria, na sua cidade, que tenha forno a lenha. Se não houver uma legislação que obrigue o seu dono a destinar ao agricultor uma pequena parte do que recebe de cada um de nós, para o plantio de árvores, provavelmente as árvores disponíveis para o corte se tornarão cada vez mais raras e distantes e, portanto, a lenha produzida a partir delas, se tornará mais cara e nós pagaremos mais pela pizza e pelo pãozinho.
Uma propriedade rural diversificada, que não seja completamente destinada à produção de um único bem, é a maior garantia de sobrevivência do próprio agricultor, que não fica refém da cultura única, que pode não ter preços vantajosos em determinados períodos ou que pode ser acometida por alguma dificuldade climática ou biológica. É a maior garantia de que teremos árvores disponíveis para o pão nosso de cada dia. É também a maior garantia para o agricultor que depende da árvore para a lenha do seu fogão, para os mourões das cercas, para as pequenas construções rurais, para o cabo da enxada, ou mesmo para comercializar o carvão e a lenha daquela pizza que comeremos no final de semana. Garantia para o agricultor que depende dos frutos das árvores e das plantas medicinais ou mesmo para o empreendedor que busca compostos e princípios ativos para remédios, cosméticos e diversos produtos da biotecnologia comprometida com a segurança e os benefícios compartilhados e não com a transgenia monopolizadora.
Uma economia florestal descentralizada, construída a partir das reservas legais (RL) e das áreas de preservação permanente (APP), gera benefícios para a conservação da biodiversidade, mantendo os fluxos de animais dos mais diversos tipos, a exemplo das abelhas, aves e minhocas, tão essenciais para a agricultura. Essas áreas de APP e RL, formam um mosaico interligado de proteção, que podem ser nomeados como corredores de biodiversidade, por onde transitam também as sementes e o pólen das plantas, propiciando os fluxos de material genético, essenciais para o não enfraquecimento das plantas, não deixando-as vulneráveis ao ataque de espécies oportunistas como insetos, fungos e outros, para cujo combate, aí sim, serão necessárias altas quantidades de agrotóxicos.
Simultaneamente aos benefícios diretos da biodiversidade, deve-se mencionar a proteção dos solos e das águas como duas qualidades essenciais das APPs e RLs garantidas pelo Código Florestal atual, ameaçadas pelo projeto de lei relatado pelo deputado Aldo Rebelo. Se tal proteção é facilmente percebida como essencial para a saúde da agricultura e do mundo rural, muitas vezes não é percebida em sua essencialidade para o mundo urbano.
Os escorregamentos de morros, provocando as tragédias que temos presenciado a cada estação das chuvas e os transbordamentos dos corpos d água dos mais diversos tipos, inundando ruas, residências e empresas e causando enormes prejuízos no dia-a-dia das cidades, são conseqüências diretas do irresponsável desmatamento de topos e encostas de morro e da área ciliar - a vegetação às margens de cada rio, córrego, ribeirão, sanca, igarapé, dentre outras denominações dadas em todo país, para as águas doces superficiais, essenciais para a manutenção da vida na Terra.
A seqüência “desmatamento/erosão/assoreamento/enchentes” é por todos apreendida desde os bancos escolares, no entanto insiste-se em mostrar para os estudantes que somos uma sociedade que não faz o que ensina. Matamos a galinha dos ovos de ouro, cada vez que um córrego é assoreado, poluído ou canalizado. Numa espécie de cegueira coletiva, fechamos os olhos e os ouvidos para essas informações.
Promover a compreensão sobre a importância da cobertura vegetal é criar condições para o mecanismo de pagamento por serviços ambientais ser aceito pelos contribuintes de todo o Planeta, possibilitando àqueles que queiram mitigar os impactos do aquecimento global e das mudanças socioambientais, alternativas de plantio de árvores e de conservação das já existentes. E essa também pode se constituir em mais uma alternativa de valorização da cobertura vegetal nativa de cada propriedade.
A interligação entre todos os sistemas de sustentação da vida na Terra nunca foi tão estudada e conhecida. Hoje, mais do que nunca, sabe-se da importância das árvores para a manutenção de dois importantes e tão pouco conhecidos mares de água doce: os aqüíferos subterrâneos e as correntes aéreas de água.
As folhas das árvores evaporam gotículas de água e elementos químicos minúsculos, os aerossóis, que possibilitam a formação de verdadeiros rios aéreos e das chuvas em diversas partes do planeta. Estudos sobre isto mostram que a floresta amazônica, por exemplo, evapora a mesma quantidade de água que o rio Amazonas lança no mar, todos os dias. E são essas águas as principais responsáveis por boa parte das chuvas que irrigam o continente sul americano.
Da mesma forma, são elas, as plantas, que permitem que as águas que penetram no solo, sejam filtradas e liberadas em fluxos contínuos e regulares, abastecendo nossos rios superficiais e subterrâneos, essenciais para o abastecimento humano e para a manutenção de todas as formas de vida.
Enfim, ao invés de ficarmos cobiçando as APPs e RLs onde está a maior garantia para a sobrevivência da humanidade, vamos dialogar sobre as políticas agrícolas e agrárias, que permitam melhor utilizarem-se os 200 milhões de hectares destinados a pecuária, com simples aperfeiçoamentos tecnológicos, que podem liberar metade dessas áreas para outras modalidades de cultivo agrícola, preferencialmente para assentamentos de reforma agrária que garantam alimentos e bens nas mesas e no cotidiano de todos os brasileiros, contribuindo para diminuir a pressão das massas humanas que migram para os grandes centros urbanos em busca de trabalho e acesso aos equipamentos sociais.
Necessita-se também de um efetivo plano de safra, com mecanismos de financiamento e comercialização. De políticas sociais para o campo e acima de tudo de uma política de extensão rural e conservacionista que não seja apenas a da  aplicação das punições previstas na lei.
Não devemos seguir o caminho temerário de buscar-se a resolução de um problema, criando outros e não focando nas verdadeiras causas que têm dificultado a plena realização do espírito da Lei que instituiu o Código Florestal – o de árvores, florestas e outras formas de vegetação que tornem as paisagens urbanas e rurais um verdadeiro jardim produtivo,  sob os cuidados de jardineiros capazes de se encantar com a biodiversidade e produzir riquezas para toda a humanidade.



Marcos Sorrentino
Professor de Educação e Política Ambiental
Departamento de Ciências Florestais/ESALQ/USP
16/05/2011

sábado, 10 de outubro de 2009

Carta aos educadores ambientais do Brasil e dos países de línguas hispânica e portuguesa

O documento que publicamos a seguir foi construído a partir da IV Conferência Internacional de Educação Ambiental, realizada na Índia em 2007, 30 anos após a primeira Conferência, em Tbilisi, Geórgia. A Carta aos educadores ambientais do Brasil e do mundo luso-hispânico foi produzida por, entre outros membros da delegação brasileira, Marcos Sorrentino, então diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Raquel Trajber, coordenadora geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação


Aos educadores e educadoras ambientais do Brasil e dos países de

línguas hispânica e portuguesa,

Poucos de nós conseguiram acompanhar a IV Conferência Mundial de
Educação Ambiental para um Futuro Sustentável, Tbilisi+30, no contexto
da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, que se
realizou em Ahmedabad, Índia, nos dias 26 a 28/11.

As causas podem ser atribuídas à fraca divulgação do evento e à falta
de apoio das agências internacionais para lá estarem representantes
destes países, tendo em vista o custo do deslocamento, ou devido ao
motivo de todo evento ter o inglês como única língua oficial, ou pelo
fato de na América Latina existir um forte movimento de resistência à
substituição do nome Educação Ambiental (EA) por Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (EDS).

A delegação de três representantes do governo brasileiro que lá
esteve, envia-lhes a seguir um pequeno relato sobre o ali vivenciado,
com alguns documentos e referências para a nossa análise reflexão,
debates e mobilização.

Mobilização que nos anima há mais de três décadas, enfatizada pelas
mudanças socioambientais globais relacionadas ao Aquecimento do
Planeta: fazer uma educação ambiental que contribua para a melhoria da
qualidade de vida de todos e para a recuperação e conservação do meio
ambiente em toda a sua beleza e diversidade.

Mobilização para que a perspectiva de EA que vem sendo construída na
resistência e na luta por liberdades democráticas e pelos direitos
humanos fundamentais (e na compreensão de que não haverá sobrevivência
possível para a nossa espécie e para todas as demais, se não
estivermos profundamente comprometidos com a melhoria da qualidade de
vida de cada humano que habita ou habitará este planeta, num
exercício constante de solidariedade sincrônica e diacrônica que vai
do mais próximo ao mais distante no espaço e no tempo), não seja
excluída dos acordos que vão se estabelecendo entre países de língua
inglesa e do seu campo de influência e países da Ásia e da Europa que
aderiram mais rapidamente ao conceito de Educação para o
Desenvolvimento Sustentável.

Mobilização para explicitarmos que a EA e todos os seus aprendizados,
também quer contribuir para a construção de uma EDS que seja também um
compromisso com a construção de Sociedades Sustentáveis.

Mobilização para que a urgência do momento não seja pretexto para uma
EA/EDS Pragmática que esquece princípios, valores, história e
objetivos e os substitui por metas aparentemente operacionais e
eficientes, mas que podem não ser eficazes e duradouras, contribuindo
para a caminhada na direção de sociedades humanas sustentáveis.

Por fim, mobilização que promova o diálogo includente na diversidade
para que as mudanças sejam sócio-culturais, econômicas, políticas,
éticas e ambientais na direção de possibilitar a todos e a cada um a
enunciação de seus sonhos e utopias e a negociação dos mesmos nos
espaços políticos que os alimentam e por eles são alimentados. Não
queremos mais, do mesmo modo de produção e consumo. Não queremos
modificar para permanecer no mesmo lugar (de desigualdades
fundamentadas em heranças, preconceitos, exploração, degradação humana
e ambiental).

A oportunidade que esta crise coloca é a de enfrentarmos
transformando todas as mazelas e iniqüidades produzidas pelo atual
modelo de desenvolvimento e de vida. Ou fazemos isto, temos disposição
para fazer isto ou não conseguiremos o compromisso, responsabilidade e
engajamento de todos com os cuidados que o planeta exige.
Portanto, vamos convidar as agências das Nações Unidas em nossos
países e região, para debaterem conosco todas as nossas expectativas
em relação a Década.

Já que não pudemos fazer o balanço dos 30 anos de Tbilisi, em cada
país, região e comunidade lingüística. Já que o próprio evento de
Ahmedabad não dedicou tempo a isto, propomos que alguns eventos nos
próximos anos, façam esta avaliação e que possamos, no balanço de meio
termo da Década, em 2009, em Bonn ( segundo anunciaram na IV
Conferência), ter um panorama do estado da arte no planeta e apontar
alternativas para a Educação Ambiental seguir avante sua vocação de
evocar as nossas melhores esperanças e ações por um mundo melhor.

Sugerimos os eventos abaixo, como referência para esses debates:

  • Foro de Ministros da AL e Caribe (janeiro/2008 debatendo o PLACEA);
  • Foro Global de Ministros de Meio Ambiente (fevereiro de 2008, Mônaco);
  • VI Fórum Brasileiro de EA (Rio de Janeiro, 2008);
  • III Conferência Nacional de Meio Ambiente, adultos e infanto-juvenil (2008/Brasil);
  • Jornada de Avaliação do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (fevereiro de 2009/Brasil);
  • Avaliação de Metade da Década (Bonn/2009);
  • II Conferência de EA dos Países de Língua Portuguesa e da Galícia (Cabo Verde/2009) debatendo o Programa CPLP de Educação Ambiental;
  • VI Congresso Ibero Americano de Educação Ambiental (2008 ou 2009/Argentina);
  • Conferência Internacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente (2010/Brasil);
  • Rio mais 20 (2012)

Nelas precisamos debater a democratização da Gestão Ambiental no
Planeta e em cada região/país, criando condições de informação, tomada
de decisão e educação para que todas possam participar e se
comprometer com suas decisões.

Vamos imprimir, disponibilizar eletronicamente e debater os vários
documentos de subsídios para o aprimoramento das políticas públicas de
Educação Ambiental.

Vamos criar e/ou aprimorar as Sistemas Nacionais de Educação
Ambiental e suas leis, programas, planos e estratégias Nacionais de
Educação Ambiental, bem como regionais e locais, estabelecendo pactos
de realização entre os seus distintos atores.

Vamos dar continuidade às estratégias inclusivas pautadas pela
perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada,
articulada e com a totalidade dos humanos de cada base territorial de
nossos países.

No Brasil estamos diante do desafio de formarmos aproximadamente um
milhão de educadores ambientais populares e de engajarmos a totalidade
das escolas em processos de educação ambiental.

Um milhão de EAP que precisam de apoio continuado em seu próprio
processo de formação. Apoio descentralizado e incrementado por
aproximadamente 300 Coletivos Educadores comprometidos com a formação,
cada um de 200 educadores ambientais. Estes 60 mil educadores
ambientais se responsabilizam pela formação de círculos (ou
comunidades) de aprendizagem participativa sobre Meio Ambiente e
Qualidade de Vida, envolvendo, entorno de 20 pessoas, cada um.

As 170 mil escolas de ensino fundamental e médio, bem como as IES são
convidadas, pelo processo das Conferências Nacionais Infanto-Juvenil
pelo Meio Ambiente e por meio de outras atividades, a participarem
para iniciarem e/ou fortalecerem as Comissões de Meio Ambiente e
Qualidade de Vida (Com-Vidas) em cada Escola, realizando agendas XXI e
ações diversas de EA.

Certamente os estados e municípios, as ONGs, associações de cidadania
e movimento sociais, os sindicatos de trabalhadores e as instituições
empresariais, desenvolvem inúmeros e bons projetos de EA. Todos
precisam ser valorizados e apoiados para termos condições de fazer
frente aos desafios que batem as nossas portas. Para isto precisamos
das articulações locais, com as Comissões Organizadoras das Agenda
XXI, com os Municípios Educadores Sustentáveis , com as CIEAs e os
Programas Estaduais, regionais e setoriais de EA, com os Coletivos
Educadores e as Convidas, com as Redes de EA, para todos cooperarem na
elaboração de projetos políticos e pedagógicos que potencializem as
suas capacidades.

Ahmedabad torna mais claro do que nunca que precisamos promover uma
EA enraizada, capilarizada, comprometida e com o compromisso de todos
e de cada uma das pessoas e ao mesmo tempo articulada regionalmente e
com todos os países do Planeta.