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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O cerco ao WikiLeaks

Antonio Luiz M. C. Costa, editor de internacional de CartaCapital. Do website
Entre as muitas ironias que produziu, uma das mais saborosas do caso WikiLeaks é ter dado oportunidade ao jornal russo “Pravda” de zombar do sistema legal e da censura nos EUA.

Depois de comentar mensagens do WikiLeaks que mostram o governo Obama pressionando Alemanha e Espanha para encobrir torturas praticadas pela CIA no governo anterior, o colunista e editor legal David Hoffman tripudia: “agora, dado que o fundador do WikiLeaks Julian Assange enfrenta acusações criminais na Suécia, fica também evidente que os EUA têm o governo sueco e a Interpol no bolso. Claro que não sei se Assange cometeu o crime do qual é acusado. Sei é que para o ‘sistema’ legal dos EUA a verdade é irrelevante. No minuto em que Assange revelou a extensão dos crimes dos EUA e seu encobrimento para o mundo, tornou-se um homem marcado”. Aproveita também para apontar a hipocrisia de conservadores e seus porta-vozes na imprensa, que querem as penas mais rigorosas possíveis para o WikiLeaks mas não tiveram dúvidas em expor a agente dos EUA Valerie Plame quando o governo Bush júnior quis punir seu marido, o ex-embaixador Joseph Wilson, por denunciar provas forjadas para justificar a invasão do Iraque.

A coluna tem data de 3 de dezembro. O cerco começara com a ordem de captura internacional do governo sueco que colocou o australiano Assange na lista de “alerta vermelho”, os mais procurados da Interpol, a serem monitorados a cada passo. Com um pretexto inusitado para uma operação desse porte, se não surreal: o fundador do WikiLeaks teria continuado a fazer sexo com uma sueca depois da ruptura de seu preservativo e se recusado a usá-lo com outra. Não há sequer um indiciamento formal e as duas acusadoras, Sofía Wilén e Anna Ardin enviaram mensagens por SMS e Twitter alardeando seus encontros com Assange logo após o fato, falando deles em tom elogioso e festivo. A segunda é nascida em Cuba e escreveu artigos para uma publicação anticastrista, sugerindo que pode haver o dedo da CIA no caso.

Na véspera, a Amazon expulsara o site wikileaks.org de seus servidores. No mesmo dia 3, o próprio endereço foi deletado pelo provedor estadunidense everydns.com. Foi rapidamente transferido para um domínio registrado na Suíça, wikileaks.ch, mas com parte dos arquivos hospedados no provedor francês OVH que, ameaçado com “consequências” pelo ministro francês da Indústria Eric Besson, entrou na justiça com uma consulta sobre a legalidade da ação.

No dia 4, a Switch, provedor suíço do novo endereço, disse que não atenderia às pressões estadunidenses e francesas para deletá-lo, mas o sistema PayPal de pagamentos via internet, uma subsidiária do eBay, cancelou a transferência de doações ao WikiLeaks. No dia seguinte, a OVH saiu da rede e os arquivos passaram a ser hospedados pelo Partido Pirata Sueco e passou a sofrer ataques de hackers, mas centenas de “espelhos” do site se multiplicaram pelo mundo. O WikiLeaks também distribuiu a todos os interessados uma cópia encriptada do arquivo completo, cuja chave será distribuída caso algo aconteça com o site ou seu fundador.

Nos dias 6 e 7, as redes Mastercard e Visa também cancelaram as doações ao WikiLeaks – embora, como tenha notado o editor de tecnologia do Guardian, nenhuma delas tenha problemas com encaminhar doações ao Ku-Klux-Klan. Além disso, o banco suíço PostFinance encerrou a conta de Assange com o pretexto de que ele “mentiu” ao fornecer endereço no país – também ridículo, pois ele seguiu a praxe e deu o endereço de um advogado em Genebra. Com essas operações, o WikiLeaks perdeu cerca de 133 mil dólares. Ainda no dia 7, Assange apresentou-se à Scotland Yard e foi preso sem direito a fiança.

Toda essa farsa foi levada ao palco porque as atividades de Julian Assange e do WikiLeaks não são realmente ilegais. Várias decisões jurídicas dos EUA, notadamente a decisão de 1971 que deu ao New York Times o direito de publicar os “Papéis do Pentágono”, concordaram em que a liberdade de imprensa garantida pela Constituição se sobrepõe à reivindicação de segredo do Executivo. O funcionário que vazou os arquivos oficiais pode, em princípio, ser processado, não a organização que aceitou o material e a publicou.

O fato é que Julian Assange é hoje um preso político, detido sob o mesmo tipo de falso pretexto que é devidamente ridicularizado quando usado para se deter um dissidente russo, chinês ou iraniano. Fosse os segredos de algum desses países que tivesse revelado, o fundador do WikiLeaks seria candidato automático a um Nobel da Paz.

Ao serem os segredos dos EUA os que o australiano se dispõe a divulgar – e o que pode vir a ser ainda pior, de seus grandes bancos e empresas (a começar, provavelmente, pelo Bank of America), como anunciou em entrevista à Forbes –, políticos e jornalistas de Washington e de seus aliados do Ocidente passam a considerar justo e aceitável que seja perseguido e preso pela Interpol sob acusações que matariam de rir os responsáveis pelos Processos de Moscou da era stalinista.

O Ocidente tem dificuldade cada vez maior em conviver com os direitos e garantias em nome dos quais julga ter o dever de impor sua vontade ao resto do mundo. Sente cada vez mais a necessidade de leis de exceção e estados de exceção, que pouco a pouco viram regra. O mundo vai descobrindo que é ilusório confiar na Internet como garantia de liberdade de informação.

WikiLula: presidente brasileiro protesta contra prisão de Julian Assange
Redação CartaCapital

Durante evento em que foi apresentado um balanço de quatro anos do PAC, nesta quinta-feira 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou solidariedade ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. O presidente protestou contra o “cerceamento à liberdade de expressão na internet” e questionou a mídia brasileira por não defender Assange, recentemente preso por uma acusação de crimes sexuais na Suécia. O WikiLeaks divulgou milhares de documentos sigilosos sobre a guerra do Afeganistão e Iraque e, na última semana, começou a vazar uma série de telegramas secretos trocados pela diplomacia dos Estados Unidos.

Leia o trecho do discurso do presidente Lula:

"Pode colocar no Blog do Planalto o primeiro protesto, então, contra [o cerceamento à] a liberdade de expressão na internet, para a gente poder protestar, porque o rapaz (Julian Assange) estava apenas colocando aquilo que ele leu. E se ele leu porque alguém escreveu, o culpado não é quem divulgou, o culpado é quem escreveu. Portanto, em vez de culpar quem divulgou, culpe quem escreveu a bobagem, porque senão não teria o escândalo que tem. Então, Wikileaks, minha solidariedade pela divulgação das coisas e meu protesto contra [o cerceamento à] da liberdade de expressão." Mais

Wikileaks: O 1º preso político global da internet e a Intifada eletrônica

Geek - pessoa excêntrica ou performática obcecada com tecnologia, eletrônica, jogos eletrônicos ou de tabuleiro e outros; nerd pró-ativo (fontes: Dicionário "American Webster" e Wikipédia)

Idelber Avelar, de O Biscoito Fino e a Massa
Julian Assange é o primeiro geek caçado globalmente: pela superpotência militar, por seus estados satélite e pelas principais polícias do mundo. É um australiano cuja atividade na internet catupultou-o de volta à vida real com outra cidadania, a de uma espécie de palestino sem passaporte ou entrada em nenhum lugar. Ele não é o primeiro a ser caçado pelo poder por suas atividades na rede, mas é o primeiro a sofrê-lo de um jeito tentacular, planetário e inescapável. Enquanto que os blogueiros censurados do Irã seriam recebidos como heróis nos EUA para o inevitável espetáculo de propaganda, Assange teve todos os seus direitos mais elementares suspensos globalmente, de tal forma que tornou-se o sujeito mundialmente inospedável, o primeiro, salvo engano, a experimentar essa condição só por ter feito algo na internet. Acrescenta mais ironia, note-se, o fato de que ele fez o mais simples que se pode fazer na rede: publicar arquivos ".txt", palavras, puro texto, telegramas que ele não obteve, lembremos, de forma ilegal.

Assange é o criminoso sem crime. Ao longo dos dias que antecederam sua entrega à polícia britânica, os aparatos estatal-político-militar-jurídico dos EUA e estados satélite batiam cabeças, procurando algo de que Assange pudesse ser acusado. Se os telegramas foram vazados por outrem, se tudo o que faz o Wikileaks é publicar, se está garantido o sigilo da fonte e se os documentos são de evidente interesse público, a única punição passível, por traição, espionagem ou coisa mais leve que fosse, caberia exclusivamente a quem vazou. O Wikileaks só publica. Ele se apropria do que a digitalização torna possível, a reprodutibilidade infinita dos arquivos, e do que a internet torna possível, a circulação global da hospedagem dessas reproduções. Atuando de forma estritamente legal, ele testa o limite da liberdade de expressão da democracia moderna com a publicação de segredos desconfortáveis para o poder. Nesse teste, os EUA (Departamento de Estado, Justiça, Democratas, Republicanos, grande mídia, senso comum) deixaram claro: não se aplica a Primeira Emenda, liberdade de expressão ou coisa que o valha. Uniram-se todos, como em 2003 contra as “armas de destruição em massa” do Iraque. Foi cerco e caça geral a Assange, implacável.

Wikileaks é um relato de inédita hibridez, para o qual ainda não há gênero. Leva algo de todos: épica, ficção científica, policial, novela bizantina, tragédia, farsa e comédia, pelo menos. Quem vem acompanhando a história saberá da pitada de cada uma dessas formas literárias na sua composição. O que me chama a atenção no relato é que lhe falta a característica essencial de um desses gêneros: é um policial sem crime, uma ficção científica sem tecnologia futura, uma novela bizantina sem peregrinação, comédia sem final feliz, tragédia sem herói de estatura trágica, épica sem batalha, farsa sem a mínima graça. Kafka e Orwell, tão diferentes entre si, talvez sejam os dois melhores modelos literários para entender o Wikileaks.

Como em Kafka, o crime de Assange não é uma entidade com existência positiva, para a qual você possa apontar. Assange é um personagem que vem direto d'O Processo, romance no qual K. será sempre culpado por uma razão das mais simples: seu crime é não lembrar-se de qual foi seu crime. Essa é a fórmula genial que encontra Kafka para instalar a culpa de K. como inescapável: o processo se instala contra a memória.

O Advogado-Geral da União do governo Obama, que aceitou não levar à Justiça um núcleo que planejou ilegalmente bombardeios a populações de milhões, levou à morte centenas de milhares, torturou milhares, esse mesmo Advogado-Geral que topou esquecer-se desses singelos crimes e não processá-los, peregrinava pateticamente nos últimos dias em busca de uma lei, um farrapo de artigo em algum lugar que lhe permitisse processar Julian Assange. O melhor que conseguiram foi um apelo ao Ato de Espionagem de 1917, feito em época de guerra global declarada (coisa em que os EUA, evidentemente, não estão) e já detonado várias vezes - mais ilustremente no caso Watergate - pela Suprema Corte. Mais