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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

População: será que não cabe?



por Raquel Torres, da Fundação Oswaldo Cruz
754890 68831682rev 199x300 População: será que não cabe?Chegamos a 7 bilhões de habitantes no mundo e muitos têm dito que não há comida nem recursos para todos. Mas isso é mesmo verdade?
Todo mundo que costuma acompanhar os principais veículos de comunicação – e até quem só dá uma olhada neles de vez em quando – viu, no fim do ano passado, um volume grande de reportagens abordando o aumento da população mundial e as consequências disso. O motivo é termos atingido, em 2011, a marca de 7 bilhões de habitantes.
Essas mesmas reportagens também trouxeram, em sua maioria, a previsão de um futuro não muito feliz para a crescente população – a falta de recursos naturais, especialmente a água, e a insuficiente produção de alimentos fariam da Terra um ambiente inóspito nas próximas décadas, já que, segundo a ONU, passaremos de 9 bilhões em 2050, quando finalmente esse número se estabilizará. A conclusão é a de que o planeta não vai conseguir comportar tanta gente e, para evitar um colapso, em geral se propõe a combinação de duas ações: o controle de natalidade – especialmente em países subdesenvolvidos, em que a tendência ainda é a de crescimento populacional – e o emprego de mais tecnologias no campo para aumentar a produtividade.
Quanto produzimos e quem tem fome
A fome não é um problema do futuro. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) estima que, hoje, um bilhão de pessoas passem fome no mundo. Além disso, dois bilhões são mal nutridas, 200 milhões de crianças menores de cinco anos estão abaixo do peso e nove milhões de pessoas chegam a morrer de fome todos os anos.
Com base nesses dados, tem-se dito que um aumento da população mundial vai necessariamente ampliar esses números, caso não façamos alguma coisa para aumentar a produção de alimentos. Mas há um detalhe: apesar dos dados alarmantes em relação aos famintos, a FAO também afirma que na verdade hoje já se produz mais comida do que o necessário para alimentar a todos. Em 1950, havia 2,5 bilhões de pessoas no planeta, e cada uma dispunha de 2.450 calorias diárias, em média. Hoje, a FAO estima que haja 2.800 calorias por pessoa, por dia. A mesma organização indica que cada um precisa de 1.900 calorias diárias, o que significa que nossa produção atual conseguiria dar conta de mais de 10 bilhões de pessoas, caso o alimento fosse bem distribuído. Portanto, se seremos 9 bilhões a partir de 2050, não há muito motivo para temores, já que ainda estaremos dentro do limite – e isso sem aumentar a produção.
E a suficiência não é só em relação ao valor calórico: no artigo ‘Fome não se acaba com agricultura ‘forte’, o sociólogo Antonio Inácio Andrioli, da Universidade Federal da Fronteira Sul, diz que a produção atual seria suficiente para prover diariamente 2 kg de alimento por pessoa – seriam 1,1 quilo de cereais, 450 g de carne, leite e ovos e mais 450g de frutas e verduras. Além disso, segundo Julian Perez, da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, desde o início dos anos 1980 a população cresceu 36%, enquanto a produção de cereais cresceu 45%, a de frutas 120% e a de carnes subiu 91%. Como se vê, a falta de comida não é a causa da fome de um sétimo da população mundial, e ainda cai por terra a ideia de que é preciso fazer controle de natalidade para evitar o problema.
Especulação
De acordo com Julian, a maior dificuldade é o acesso da população, decorrente do alto preço da comida – segundo a FAO, nos últimos 11 anos, os preços de carnes, azeites e gordura, laticínios, cereais e açúcar aumentaram em média 250%. E, para ele, isso está diretamente relacionado à especulação financeira em torno dos alimentos, consequência do livre mercado no setor. “Cada vez menos o Estado tem um papel regulador na definição de preços e de políticas agrícolas. Com isso, o mercado toma conta dessa definição e, consequentemente, do acesso aos alimentos. Se é interessante para o mercado elevar os preços dos produtos agrícolas, isso acaba reduzindo a possibilidade de acesso da população a esses bens”, explica.
Segundo a socióloga Carolina Niemeyer, isso também está relacionado à produção de agrocombustíveis – combustíveis extraídos de produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar e óleo de palma -, que faz com que parte da comida produzida não tenha a finalidade da alimentação. Hoje, dos cereais produzidos, 46% são usados para alimentar pessoas, enquanto 35% vão para animais e 18% para a produção de combustíveis. “Além disso, o aumento da demanda por agrocombustíveis ajuda a elevar o preço dos alimentos”, diz a pesquisadora.
Quem passa fome está no campo
É no campo que se encontra uma grande contradição em relação ao problema da fome: dentre os malnutridos do mundo, 75% são camponeses – aqueles que produzem o alimento e que, teoricamente, deveriam ter fácil acesso a ele. Julian explica que isso se dá porque é priorizada a produção de poucas culturas em larga escala, num modelo que não se adapta à agricultura familiar. “A maior parte das linhas de crédito não funcionam para autoconsumo”, diz.
Carolina Niemeyer aponta que muitos dos pequenos agricultores hoje trabalham no modelo da ‘integração’, ou seja, se especializam na produção de determinado alimento para venderem para grandes empresas. “Eles entram nisso para terem um comprador certo para seus produtos, já que faltam no país e no mundo políticas de estímulo ao pequeno agricultor. Só que, com isso, acabam obrigados a se desfazerem de suas hortas e dos animais que criavam para seu próprio consumo”, explica.
Fim dos recursos
A relação de proporção entre a quantidade de recursos naturais disponíveis e o número de pessoas sobre o planeta não é nova: ela já foi pensada há mais de 200 anos pelo sacerdote inglês Thomas Malthus. Em tempos de revolução industrial e explosão demográfica, ele dizia que a população crescia muito mais que a produção de alimentos, e que o resultado disso seria a fome.
A questão não é apenas a quantidade de alimentos, mas também inclui a disponibilidade de recursos naturais necessários para produzi-los – a água é o principal deles. Segundo o geógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Walter Porto Gonçalves, a teoria malthusiana baseia-se na ideia de que um aumento da população gera consequentemente um aumento na pressão sobre os recursos naturais. E, de acordo com ele, é preciso reconhecer que esse raciocínio não é inteiramente errado. “Só que a verdade nele é apenas uma parte muito pequena da verdade total. Podemos dizer que, se uma pessoa exerce certa pressão sobre os recursos naturais existentes, então duas pessoas, vivendo sob as mesmas condições, vão exercer o dobro da pressão. O detalhe é que não vivemos sob as mesmas condições”, aponta.
Ele explica que, para ter uma dimensão mais exata do que acontece no planeta, é importante entender o conceito de ‘pegada ecológica’, que pode ser calculada para uma pessoa ou para grupos de um bairro, cidade ou país, por exemplo. A pegada corresponde ao território necessário para produzir a infraestrutura que aquela população utiliza e os alimentos e a madeira que consome, além de absorver o gás carbônico que produz. “Vemos assim que a pressão sobre os recursos naturais está diretamente ligada ao estilo de vida. Quando nasce um bebê em um país desenvolvido, sua pegada ecológica é muito maior do que em países menos desenvolvidos, como Índia e Etiópia. Analisando sob esse conceito, vemos, por exemplo, que um país como a Inglaterra precisa na verdade de ‘dez Inglaterras’ para se sustentar, e que um cidadão médio norteamericano ‘equivale’ a 144 cidadãos da Etiópia. E é muito fácil colocar a culpa dos problemas na Etiópia”, diz.
A água e o discurso da escassez
Quem nunca ouviu dizer que a água está acabando? Carlos Walter diz que, apesar de ser muito presente hoje, esse discurso praticamente não existia 20 anos atrás. “Se observarmos, por exemplo, o documento que resultou da Rio 92 [a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento], perceberemos que a água não era um tema pautado na época. O assunto quase não tinha destaque. Em outro relatório da época – o da Comissão Brundtland, da ONU, que fazia um balanço das condições do planeta nos anos 1980 -, o capítulo sobre a água simplesmente inexiste, e o tema aparece de maneira absolutamente irrelevante”, diz o professor. De acordo com ele, foi no meio dos anos 1990 que o Banco Mundial começou a pautar a água como um bem a ser privatizado.
E, segundo o professor, o discurso da escassez é uma condição para a ideia da privatização da água. “Quando se se fala de um bem que é abundante e está disponível para todos, é muito difícil torná-lo mercadoria. Mas quando esse bem se torna escasso, as pessoas têm que comprar. Do ponto de vista teórico, as ideias de escassez e privatização preparam uma à outra”.
No livro ‘A globalização da natureza e a natureza da globalização’, Carlos Walter diz que o setor privado tem expandido, desde os anos 1990, suas funções na ordenação dos recursos hídricos, e que houve um rápido aumento do grau de privatização dos sistemas de condução de água anteriormente administrados pelo Estado. Ele escreve que “várias empresas vêm processando governos sempre que esses, alegando o interesse público, ferem os interesses comerciais das grandes corporações”. De acordo com o autor, um exemplo aconteceu na Bolívia, quando a empresa estatunidense Bechtel, expulsa do país ano 2000 por prestar maus serviços, tentou processar o governo boliviano por isso.
No mesmo livro, Carlos Walter volta à questão do estilo de vida ao falar de consumo de água, e mostra que, embora a população mundial tenha crescido três vezes desde os anos 1950, a demanda por água cresceu seis vezes – o que mostra que a demanda não cresce na mesma medida que a população. “No Canadá, entre 1972 e 1991, enquanto a população cresceu 3%, o consumo de água cresceu 80%, segundo a ONU”, acrescenta o professor. De acordo com ele, o que é impossível não é manter a população crescendo, mas manter os mesmos hábitos e padrões de consumo. “Dados da ONU apontam que, hoje, consumimos anualmente 30% a mais do que a capacidade da biosfera de se reproduzir. Esta pressão está, de fato, tirando as possibilidades de vida das gerações futuras”.
Produção e recursos
O professor afirma que quem mais usa água no planeta é a agricultura, responsável por 70% do consumo – em segundo lugar está a indústria, com 20%. E, de acordo com ele, na agricultura a água ainda é muito mal utilizada e desperdiçada. “Muitos cultivos são feitos por irrigação e, embora isso aumente a área a ser cultivada, muita água se perde nesse processo. aluguns pesquisadores dizem que se perde de 50% a 60%. Além disso, bastante água é perdida por conta do uso de agrotóxicos, que contaminam rios”, enumera.
Assim, apesar do discurso corrente de que é preciso aumentar a produção – usando mais tecnologias como a de fertilizantes químicos e sementes transgênicas -, Julian afirma que, hoje, a preocupação não deve ser produzir mais, mas sim produzir de maneira a garantir que os recursos naturais continuem disponíveis. “Poucos levam em conta que o modelo que hoje é convencional – com agrotóxicos e sementes transgênicas – contamina o solo e a água, comprometendo o processo de produção no futuro. Hoje, por conta desse processo, temos áreas enormes salinizadas e desertificadas”, critica.


* Publicado originalmente no site Fundação Oswaldo Cruz.
Extraído do site Envolverde

sábado, 17 de dezembro de 2011

Corrida por biocombustíveis traz prejuízos sociais

por Jéssica Lipinski, do CarbonoBrasil


Estudo da Coalizão para a Terra indica que de todas as grandes aquisições de áreas ocorridas de 2000 a 2010, apenas 25% tiveram relação com a produção de alimentos, sendo a geração de biocombustíveis responsável por mais de 40%



O crescimento populacional, o aumento do poder de consumo mundial e o maior interesse de investidores em biocombustíveis têm elevado cada vez mais a disputa pela terra, sobretudo em países em desenvolvimento, trazendo muitas vezes malefícios à produção de alimentos.



Agora, um novo relatório mostra que a produção alimentícia não é a única prejudicada por essa corrida por propriedades, alertando que as populações rurais mais pobres podem ter seus direitos desrespeitados e seu meio de sobrevivência comprometido.



O Land Rights and the Rush for Land (Direitos de Terra e Disputa por Terra), desenvolvido pela Coalizão Internacional para o Acesso à Terra (ILC) e publicado nesta quarta-feira (14), é, até o momento, o documento mais abrangente sobre grandes aquisições de terra em países em desenvolvimento. A pesquisa reúne os resultados de 28 estudos de caso e análises regionais produzidos por 40 organizações



A pesquisa aponta que, entre 2000 e 2010 – período avaliado pelo trabalho – foram vendidos ou arrendados cerca de 200 milhões de hectares de terras – oito vezes o tamanho do Reino Unido –, dos quais aproximadamente 71 milhões foram catalogados pelo estudo.



O que surpreende é que destes 71 milhões, a maioria não foi destinada para a produção alimentícia. De acordo com a pesquisa, 25% foram dedicados a colheitas para a geração de comida, outros 27% para a mineração, o turismo, a indústria e a silvicultura, e 40% para a produção de biocombustíveis.



Dependendo da região, a diferença foi ainda maior: no continente africano, 66% dos acordos de terras estavam relacionados à produção de biocombustíveis, e apenas 15% à de alimentos. Já na América Latina, a produção alimentícia teve uma porcentagem maior dos acordos de terra: 27%, contra 23% da extração mineral, por exemplo.



E segundo a análise, embora grandes investimentos de terra tragam benefícios, eles também trazem prejuízos, sobretudo à população mais pobre. “Eles provavelmente causam mais problemas para os membros mais pobres da sociedade, que frequentemente perdem o acesso a terra e recursos que são essenciais para seu modo de vida.”



“Sob as atuais condições, acordos de terra em larga escala ameaçam os direitos e meios de vida de comunidades rurais pobres, e especialmente as mulheres”, alertou Ward Anseeuw, do Centro de Pesquisa Agrícola Francês para Desenvolvimento Internacional (CIRAD).



Isso porque muitas vezes os pobres não têm direitos legais sobre as terras que usam e os benefícios prometidos a eles, como empregos e melhores condições de vida, não se concretizam. Além disso, na corrida para atrair investimentos, alguns governos fazem acordos apressados em vez de buscar aqueles que trariam mais melhorias à população rural. Soma-se a isso o fato de que possíveis benefícios muitas vezes são desviados para as elites locais.



“Como os governos possuem a terra, é fácil para eles arrendar grandes áreas para investidores, mas os benefícios para as comunidades locais são frequentemente mínimos. Isso enfatiza a necessidade de as comunidades pobres terem direitos mais fortes sobre a terra na qual vivem há gerações”, observou Lorenzo Cotula, do Instituto Internacional para Meio Ambiente e Desenvolvimento.



“A competição por terra está se tornando cada vez mais global e desigual. Governo fraco, corrupção e falta de transparência na tomada de decisões, que são fatores-chave do ambiente típico no qual aquisições de terra em larga escala acontecem, significam que os pobres ganham poucos benefícios desses acordos, mas pagam custos altos”, concordou Madiodio Niasse, diretor do secretariado da ILC.



A análise indica que enquanto acordos comerciais internacionais oferecem proteção jurídica a grandes investidores, não há muita proteção para pequenos usuários de terras, que são justamente aqueles que dificilmente conseguem representação legal. Os governos, legitimando essa situação, costumam favorecer proprietários e fazendas de escala industrial em vez de propriedades de pequena escala.



“Há pouco nas nossas descobertas para sugerir que o termo ‘grilagem de terras’ não seja amplamente merecido”, comentou Michael Taylor, gestor do programa do secretariado do ILC. E embora o texto afirme que “a desapropriação e marginalização dos pobres rurais não é algo novo”, o relatório sugere que a atual disputa por terras está acelerando e agravando esta condição.



Mas o documento aponta que há medidas para contornar esse problema, como fazer com que as leis de direitos humanos funcionem para os pobres, tornar as decisões sobre terra transparentes, inclusivas e responsáveis e garantir a sustentabilidade ambiental nas decisões sobre terra e água de aquisições e investimentos.



O estudo ressalta também que os modelos de investimentos não devem envolver aquisições de terra em larga escala, colocando a pequena produção no centro das estratégias de desenvolvimento agrícola e reconhecendo e respeitando os direitos de terra e de recursos da população rural, para que a produção agrícola desta população possa contribuir para suprir a demanda de alimentos e recursos no futuro.



Segundo o relatório, já há exemplos de iniciativas que estão movendo a população contra grandes acordos de terra, como ocorreu em agosto deste ano no Sudão, quando foi lançada uma campanha contra o que teria sido o maior acordo de terra do país – o arrendamento de 600 mil hectares por uma empresa norte-americana. Já em novembro, agricultores se reuniram em Mali para uma conferência internacional para combater a disputa por terras.



“De modo otimista, pode-se até esperar que as comunidades rurais em muitas partes do mundo sejam capazes de finalmente atingirem um acesso seguro e controlarem sua terra através de lutas catalisadas pela crescente demanda de terra. É de se esperar que a disputa por terras agirá como um alerta, provocando uma reconsideração do caminho em que estamos”, concluiu a ILC.

 Fonte: Extraido do site Envolverde

* Publicado originalmente no site do CarbonoBrasil

Leia também a  " Disputa pela Terra em Copenhague"