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terça-feira, 5 de junho de 2012

De Olho na Governança Global da Água

04/06/2012
A jornalista Zilda Ferreira entrevista José Antonio Silvestre Fernandes Neto (*) 

A Governança Global da Água contraria os princípios da sustentabilidade local.

Urubici - Santa Catarina

 Essa foi a tese de doutorado do pesquisador José Antonio Silvestre Fernandes Neto, a partir do desenvolvimento de um modelo original baseado em suas experiências na comunidade de Urubici, Santa Catarina.

A tese Modelo Urubici de Governança da Água e do Território: uma Tecnologia Social a Serviço do Desenvolvimento Sustentável Local voltada para a obtenção do grau de doutor em engenharia ambiental, tem como princípio fundamental políticas públicas para sensibilizar e capacitar comunidades locais para governança da água e do território.

Min. Izabella Teixeira
Diante da possibilidade do "Pacto pelas Águas", previsto para ser lançado pela ministra Izabella Teixeira, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, reforçar o processo privativista da água em curso no Brasil, procuramos entrevistar justamente um pesquisador que pudesse ostentar um trabalho técnico sobre a governança local da água alinhado com os perfís mais consequentes daquilo que entendemos por desenvolvimento sustentável.

Alem disso, já se sabe que a disputa pela água vai nortear de maneira explícita ou subliminar a Rio+20. No VIº Fórum Mundial da Água, ocorrido em Marselha, em março deste ano, as multinacionais e o Banco Mundial não tiveram pudor algum em defender a Governança Global da Água, deixando claro que reforçariam essa reivindicação na Rio +20. O que mais chocou os defensores do Direito Humano à Água e ao Saneamento, conforme Resolução da ONU A/RES/64/292, aprovada em julho de 2010, foi o apoio da delegação brasileira - a mais numerosa, com nada menos de 250 pessoas, chefiada pela mesma Izabella Teixeira, nossa ministra do Meio Ambiente - à essa reivindicação de grandes corporações que visa, antes de mais nada, facilitar ao máximo o processo de privatização de vastos recursos de água.

Antonio Silvestre enfatiza nessa entrevista nos concedida por e-mail que a privatização da água contraria o Direito Humano à Água e ao Saneamento: "Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele". Também defende uma governança sul-americana da água, mas de carater público, pois nas questões relativas a água, a soberania de alguns países se entrelaçam de tal forma que, nesse capítulo "a América Latina tem chance de mostrar ao mundo que, embora possa estar diante de possíveis conflitos fronteiriços por conta de temas ligados ao controle dessas fontes e mananciais, somos perfeitamente capazes de perceber que a ameaça comum das grandes corporações capitalistas é maior."

Por conta dessa convicção, tal governança servirá para "proteger em escala sul ou latino-americana as zonas essenciais à preservação dos recursos de água." (em As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 3/3 - Nenhum Bem da Terra Pertence a Alguém )


Mas vamos à entrevista:
1- Educom - Na Rio+20, a principal disputa será a governança da Água. O senhor é favorável a um organismo internacional para a gestão da Água?
- Antonio Silvestre - Não.

2- Educom - Na sua tese de doutorado, o modelo desenvolvido de Governança da Água e do Território, usando uma tecnologia social de desenvolvimento local é baseada numa experiência comunitária?
- Antonio Silvestre - Sim. A tese originou-se de um trabalho de conscientização e empoderamento das comunidades para sua atuação qualificada nos processos que visam ao desenvolvimento sustentável local realizado no município catarinense de Urubici durante os anos de 2007 a 2009, no contexto de um projeto denominado "Tecnologias Sociais para a Gestão da Água".

3- Educom - O senhor pode resumir esse modelo?
- Antonio Silvestre - A experiência em Urubici consistiu na implementação das estratégias previstas no conceito de governança adotado, estruturadas sob a forma de um modelo, cuja aplicação prática foi facilitada por sua inserção como uma das tecnologias sociais propostas no projeto Tecnologias Sociais para a Gestão da Água. Esta intervenção organizou-se em cinco etapas, concebidas e praticadas como ciclos de aprendizagem, a saber:
- Acordo Inicial;
- Economia de Experiência;
- Comunidade de Aprendizagem;
- Estratégias de Governança e
- Avaliação e Prospecção.

Cada um dos ciclos desdobrou-se com um foco de aprendizagem, em que a comunidade se organizou para aprender novos conhecimentos, seja na forma de um conceito, uma metodologia, uma técnica ou mesmo uma experiência prática. Foram realizadas três grandes Oficinas e um Seminário para marcar a transição entre os ciclos de aprendizagem, além de 30 encontros ao longo do processo.

Na primeira oficina, as lideranças locais de Urubici propuseram as demandas sociais específicas que deram origem a quatro grupos temáticos de governança: Saneamento, Turismo Educativo, Águas Nascentes e Proteção da Floresta de Araucárias, para os quais a aplicação do modelo gerou distintos encaminhamentos.

4- Educom - Essa tecnologia social usada no modelo Urubici/SC, de Governança da Água e do Território depende de saberes empíricos da comunidade. Ela pode ser aplicada em todo país?
- Antonio Silvestre - Sim. A ideia de um modelo de governança que seja apropriado pelas comunidades como uma tecnologia social comporta exatamente essa possibilidade, a de ser replicada para dinamizar as estruturas comunitárias locais, empoderando-as.

5- Educom - A sua tese está relacionada à preocupação da Governança do Aquífero Guarani, junto à comunidade?
- Antonio Silvestre - Sim, principalmente pelo fato de que o município catarinense de Urubici, onde foi aplicado o modelo que originou a tese, está localizado sobre áreas definidas como sendo zonas de recarga direta do Aquífero Guarani, possui grandes remanescentes contínuos de Mata Atlântica (florestas de Araucárias) e nascentes de rios que compõem importantes bacias hidrográficas brasileiras, além contar com uma população implicada que há mais de uma década envolve-se em processos participativos de gestão local.

6- Educom - As nossas bacias Amazônica e do Prata, as maiores do mundo, e nossos rios ultrapassam fronteiras e são sul-americanas. O senhor acha viável a governança sul-americana da água para fortalecer a defesa de nossos recursos hídricos?
- Antonio Silvestre - Sim, desde que a abordagem de governança atue fortalecendo apenas a ideia de integração cultural dos povos sul-americanos que possuem características comuns, das comunidades locais, seus saberes e práticas, sem fomentar interesses mercantilistas e que comprometam a soberania dos países.

7- Educom - É possível que a Governança Global da Água, proposta no VIº Fórum Mundial da Água, em Marselha, que deve ser reforçada na Rio+20 pelos países ricos e o Banco Mundial, afete a soberania brasileira, o país mais rico em água do planeta?
- Antonio Silvestre - Não vejo essa possibilidade.

8 - Educom - Como a população poderá exigir das autoridades que cumpram a resolução da ONU, aprovada , em julho de 2010, que determina água e saneamento como direito humano?
- Antonio Silvestre - Tomando assento qualificado em processos participativos legítimos que compõem as instâncias de governança que tratam do tema, onde este pode ser debatido, divulgado e as cobranças feitas e fiscalizadas.

9- Educom - Por que os tecnocratas brasileiros estão fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos de apropriação e reapropriação social da água, defendendo as propostas do mercado?
- Antonio Silvestre - É sempre muito difícil elucubrar com certeza os interesses que estão movendo tecnocratas e especialistas que em um dado momento se posicionam contra temas relevantes como proteção das florestas, gestão social da água, fortalecimento de arranjos produtivos e criativos locais, etc. Entretanto, imagino que esses movimentos estejam de uma forma geral sempre muito sintonizados com lógica do pensamento e algumas teorias clássicas que "favorecem" a degradação, como aquelas enunciadas por Adam Smith e Henry Ford.


10- Educom - Há a possibilidade de ser cumprida a resolução da ONU, água e saneamento como direito humano, se a água for privatizada?
- Antonio Silvestre - Um direito é algo inerente ao ser. Não se deve pagar por ele. Qualquer complexidade instituída, ao impactar no livre fluxo dessa prerrogativa, produz perturbações.

(*) mestre e doutor em engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina

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