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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Copom sobe Selic na surdina

06/9/2013 - Por Paulo Kliass, de Paris - Jornal Correio do Brasil

Em seu 6° encontro deste ano, 27-28/ago, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC

Muito pouca gente parece ter se dado conta do acontecimento.

As páginas de economia dos jornalões e os minutos de televisão preferiram não comemorar muito o fato. Afinal, parte da população já começa a perceber os prejuízos que a grande maioria sofre a cada vez que o governo resolve pelo caminho da elevação da taxa oficial de juros.

Apesar disso, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito.

Em seu sexto encontro desse ano, realizado em 27 e 28 de agosto, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC. Assim, a taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano. Tratava-se da quarta elevação em reuniões seguidas, em uma trajetória de alta que começou em 17 de abril desse ano. Naquela época, a SELIC estava em 7,25% e desde então passou a sofrer a espiral um novo aumento a cada 45 dias, periodicidade de reuniões do colegiado.

Mas como aquela semana estava totalmente tomada por outros fatos da conjuntura política e econômica, pouca atenção foi dada à decisão. O governo parece completamente perdido no quesito “diretrizes de política econômica”. 

Fica um pouco girando feito biruta de aeroporto, à mercê das mudanças repentinas dos ventos e sem uma linha de conduta racional e coerente a seguir.

As notícias do mundo real da economia não apresentavam nenhuma indicação de risco de descontrole das variáveis econômicas, que pudesse justificar a decisão pelo aumento dos juros oficiais. Essa alternativa não se colocava nem mesmo sob a ótica conservadora, resultado de uma suposta necessidade de promover um controle sobre um possível excesso de demanda.

Elevação da SELIC: o equívoco e o custo
Nesse caso, a estratégia de aumento da taxa oficial de juros obedeceu apenas e tão somente aos interesses da finança. Os únicos a lucrarem com essa política monetária extemporânea são os bancos e as demais instituições do sistema financeiro.

De um lado, se beneficiam pela maior remuneração que passam a receber pela aplicação de seus ativos em títulos da dívida pública. E de outro lado, ganham muito mais ainda pela elevação das taxas cobradas nas operações de crédito e empréstimo concedidas a indivíduos, famílias e empresas.

Em sumo, o que se vê é o governo estimulando e premiando a atividade parasitária do financismo em nossas terras, contra o empreendedorismo da economia real.

Ora, se a Presidenta Dilma estava insatisfeita com o quadro observado até então e reclamando que a economia não deslanchava, algum assessor tinha de lhe explicar que uma das razões para tanto era justamente o problema do elevado custo financeiro das atividades empresariais e o limite para maior nível de endividamento, atingido também pelo lado do consumo. Em tais condições, deve parecer óbvio – até para quem não estudou economia – que aumentar a taxa de juros tem o significado de um verdadeiro tiro no pé. 

Ganham os bancos e os especuladores. Perdemos todos os demais.
Por outro lado, o aumento da taxa de juros também apresenta uma fatura pesada para as próprias finanças públicas.

A taxa SELIC é a que se utiliza, como piso mínimo, para calcular a remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Considerando-se que o total do estoque da dívida atual é de aproximadamente R$ 2 trilhões, conclui-se sem maiores dificuldades o tamanho da encrenca.

Esse aumento de 0,5% implicará um dispêndio adicional de R$ 10 bilhões no orçamento anual da União, apenas a título de novas despesas com juros. Ora, se a própria Presidenta elegeu o Pacto nº 1 como sendo o de austeridade fiscal, fica evidente que seus próprios auxiliares diretos já começam a descumprir suas recomendações.

Afinal, gastar recurso do Estado – supostamente escasso na atual conjuntura – com rubricas de dimensão financeira não pode ser considerado como bom sinal de rigor no controle da despesa pública.

Semana carregada: de Obama a Donadon
A conjuntura política e econômica estava bastante conturbada. A agenda estava tomada por uma série de eventos e processos de elevada sensibilidade. Terminaram por atrair mais a atenção do que essa reunião do COPOM. Já estava na pauta da política internacional a ameaça dos EUA em invadir a Síria, com a desculpa do suposto uso de armas químicas do governo de Assad contra as oposições. Ainda no plano das relações internacionais, veio à cena as “trapalhadas” dos responsáveis pela diplomacia brasileira na Bolívia, com a fuga espetacular do senador condenado pela justiça, com o auxílio e apoio do embaixador substituto.

A saia justa custou o posto do Ministro Patriota e colocou a nossa Presidenta em dificuldades frente ao Presidente Morales e aos demais parceiros. Por outro lado, vale lembrar que as denúncias de espionagem que a sociedade e o governo brasileiros estão sendo vítimas por parte dos norte-americanos tampouco haviam sido esclarecidas, com a participação direta do Presidente Obama.

Na política interna, o foco estava dividido entre dois pontos. De um lado, a negativa do STF em conceder os embargos dos condenados no caso do mensalão. De outro lado, a verdadeira vergonha nacional, patrocinada pelo plenário da Câmara dos Deputados, ao não proporcionar quórum para a cassação do deputado-presidiário Donadon.

Com uma coleção de itens tão candentes como esses, é até um pouco compreensível que “apenas mais uma reunião do COPOM” não estivesse tão à frente na lista de prioridades de cobertura e preocupação da grande imprensa.

Mas o ponto a se indagar é que até pouco tempo antes do encontro, a queixa generalizada era que a economia continuava patinando e que o Brasil não conseguia decolar para patamares mais interessantes de seu ritmo de atividade.

Mas, como costuma acontecer com certa frequência, as vozes ouvidas pelas editorias de economia dos meios de comunicação foram apenas aquelas vinculadas ao mundo do financismo. Criou-se, assim, mais uma vez o falso consenso em torno do modelito do monetarismo inescapável.

A lógica embutida no raciocínio favorável a mais essa elevação da SELIC voltava-se para os possíveis riscos derivados do movimento de desvalorização cambial. Mas isso não representava novidade alguma. Essa hipótese já estava posta na mesa há muito tempo.

Todos sabiam que o processo de valorização artificial de nossa moeda frente ao dólar norte-americano – e demais moedas estrangeiras consideradas “fortes” – estava com seus dias contados.

Além de ser extremamente perverso para nossa economia, o real valorizado combinava apenas com o interesse do capital especulativo internacional, que para cá se dirige em busca da rentabilidade estratosférica.

Mas o problema é que a equipe econômica há muito tempo se acomodou ao real sobrevalorizado. Os dividendos políticos fáceis derivados da farra dos eletrônicos chineses importados e da festa das famílias de classe média na ponte aérea para Miami devem ter falado mais alto. Valia manter a popularidade alta das pesquisas a qualquer custo.

Desvalorização cambial e a tensão no ar
No entanto, agora que a economia norte-americana começa a dar sinais de reaquecimento, a situação muda de figura. O FED (Banco Central dos EUA) cogita de um aumento na sua taxa básica de juros, depois de um longo período com taxas quase próximas a zero. Com isso, o diferencial de rentabilidade dos especuladores pelo mundo afora muda de patamar. Uma parte dos recursos sai do circuito terceiro-mundista e se volta para lá, em busca dessa alternativa de menor risco e menor remuneração.

Esse movimento de redução da enxurrada de dólares em nossa direção provoca uma tendência de desvalorização do real, no caminho de uma taxa de câmbio mais realista. Normal, é isso mesmo que se espera de uma política cambial menos fantasiosa.

O problema é que esse rearranjo provoca uma elevação de nossos preços internos, em razão da presença forte de produtos e componentes importados em nossa economia. E a inflação ameaçada, atiça os nervos dos monetaristas, que começam a clamar por elevação dos juros. O ciclo se fecha. 

E o COPOM resolve atender aos pleitos das finanças, aumentando outra vez os juros.

Mas o fato é que o governo perdeu a oportunidade de efetuar esse choque de câmbio necessário em um ambiente mais tranquilo, como até há poucos meses atrás. Agora terá de fazê-lo com mais cuidado, pois a inflação já havia iniciado um fase de alta, arriscando chegar na banda superior da meta.

De qualquer forma, existem outros mecanismos de evitar o alastramento da alta de preços provocados pela desvalorização.

E não será a elevação da SELIC a corrigir esse fato. Estão aí outros instrumentos, como o aumento do depósito compulsório dos bancos, a substituição de produtos importados mais sensíveis e a ação mais incisiva do governo junto às empresas e corporações.

Afinal, o mais importante é não se deixar amedrontar pela chantagem e pelo pânico.

Quem não se lembra da “terrível” semana da inflação do tomate, quando tudo parecia perdido, a nos orientarmos pelos editoriais dos grandes meios de comunicação. Amedrontado, o governo também havia cedido às pressões à época e aumentou a SELIC por conta disso.

Mas a safra dos hortifrutigranjeiros obedece a uma dinâmica que nada tem a ver com as decisões do COPOM. Assim, logo depois o tomate voltou aos preços de antes, até mais baixos. O pequeno detalhe é que, apesar disso, a SELIC não baixou.

As informações oriundas da economia real tampouco são muito claras para se perceber uma tendência firme de retomada das atividades no patamar exigido pelo País.

Apesar das boas notícias relativas ao PIB do segundo trimestre (crescimento de 1,5% na comparação com o mesmo período do ano passado), as estatísticas da produção industrial ainda são titubeantes. Em julho ela voltou a recuar 2%, acumulando um crescimento de apenas 0,6% ao longo de 12 meses.

Muito pouco para as nossas necessidades! Frente a esse quadro, a elevação dos juros é um das poucas decisões que o governo deve evitar sem nenhuma vacilação.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/copom-sobe-selic-na-surdina/642493/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20130907

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A guerra que pode matar uma nação

03/09/2013 - Saul Leblon - Carta Maior

Variáveis macroeconômicas são ingredientes à espera de um projeto de Nação. 

Quem decide a receita do desenvolvimento e da sociedade é a luta política.

Uma arma crucial do embate é a formação das expectativas.

No Brasil hoje, são elas que podem mover ou travar a engrenagem decisiva do investimento na esfera industrial e na infraestrutura.

Num caso, o país retoma o crescimento ancorado em bases consistentes. 

No outro, o pessimismo estreita o horizonte do futuro e afoga a Nação na liquidez rentista. A espiral descendente do emprego e do consumo cuida do resto, conflagrando a inquietação social.

É a disjuntiva dos dias que correm.

A guerra das expectativas dispara mísseis que cruzam os céus do imaginário social ininterruptamente.

A quarta frota desta guerra é a área na qual a influencia conservadora desequilibra o jogo a seu favor: o comando do noticiário em geral; o da
economia, em particular.

Dados auspiciosos do IBGE sobre o PIB do segundo trimestre foram recepcionados com um muxoxo pela emissão conservadora: ‘resultado surpreende o mercado’.

Modéstia.

O resultado não surpreende, ele o decepciona.

Um desastre econômico de proporções ferroviárias é vaticinado há meses pela endogamia da mídia com a corriola das consultorias e a pátria financeira. 

O lubrificante ora é o dólar no mercado futuro. Ora a AP 470. Ora a 'invasão' da saúde pública por 'escravos de Fidel', desembarcados de ‘aviões negreiros’. Assim por diante.

A impressionante expansão de 9% do investimento no 2º trimestre, comparado ao mesmo período de 2013, trouxe ao crescimento de 1,5% do PIB uma qualidade há muito requerida pelo país. 

O incremento de capacidade produtiva avançou bem acima da variação do consumo das famílias (2,3%) e o do governo (1%). 

É a calibragem correta para uma expansão de longo curso.

Aquela que não desanda em pressões inflacionárias porque a oferta caminha adiante da demanda.

Não significa que a matriz de um novo ciclo está consolidada. Estamos longe disso.

O Brasil acumula pendências cambiais e de logística que emperram o motor do seu desenvolvimento. 

A economia tem gargalos objetivos; oscila em altos e baixos à procura de uma nova coerência, como mostra a montanha-russa do desempenho industrial.

Mas o PIB que surpreendeu a narrativa derrotista comprova que a fatalidade conservadora não é um dado de natureza.

É um ingrediente da luta política em curso, abastecida com a pólvora das expectativas. 

O conjunto manipula a incerteza intrínseca ao cálculo econômico de longo prazo no regime capitalista.

A sinalização financeira a quem caberia clarear a neblina do futuro, age para cegar. Seu alto-falante midiático cuida de afligir.

Um lucra com a especulação nutrida pela incerteza; o segundo, com o rebate conservador que o pânico injeta nas pesquisas eleitorais.

Significa dizer que a batalha do crescimento não será vencida no âmbito exclusivo das medidas econômicas.

Se o governo não se despir do economicismo, perderá a guerra. Ainda que tome as medidas tecnicamente adequadas à retomada do crescimento.

O contrafogo das expectativas negativas pode por tudo a perder.

Guardadas as proporções, vale lembrar: Puttin, na Rússia, colocou no ar uma emissora estatal que dispõe de orçamento de US$ 300 milhões/ano. E um quadro de dois mil contratados.

Guardadas as devidas motivações, cumpre insistir: esse é o tamanho do jogo. 

Nunca é demais repetir: a coerência macroeconômica quem dá é a correlação de forças da sociedade, que tem na formação das expectativas um de seus
ordenadores decisivos.

Quem fizer a leitura política do noticiário econômico enxergará a queda de braço em curso.

De um lado, iniciativas oficiais procuram desbastar o caminho para um novo ciclo histórico, ancorado no impulso do investimento com maior equidade social.

De outro, os interesses que tentam direcionar a encruzilhada atual para a regressão ao modelo dos anos 90: privatizações, Estado mínimo, arrocho
social, alinhamento carnal com geopolítica e a economia imperial norte-americana. 

Nunca será fácil converter as conquistas e aspirações de uma época à paz salazarista cobiçada pelos ‘mercados’.

A saber: um cemitério social rígido como o eletrocardiograma de um morto, associado à apoteose rentista da nação à serviço do dinheiro. 

Fomentar a crise de confiança é a pedra basilar dessa arquitetura. 

Dar a isso a abrangência de um sentimento coletivo de baixa autoestima, é a sua argamassa.

Fazer da descrença no país, em suas lideranças, no Estado e organizações sociais um acontecimento de natureza política e econômica, o vigamento
superior.

Naturalizar esse jogral a ponto torna-lo uma profecia autorrealizável, a cumeeira do processo.

Leve tudo ao forno da inquietação social movida a denuncismo e vaticínios de desastre iminente no desempenho do PIB e dos índices de inflação. 

Não importa que os resultados do mês em curso os desmintam. 

O núcleo duro dessa usina de sombras e abismos é afinado por um jogral de pluralidade ideológica irrisória.

Em entrevista recente, o colunista do Estadão, José Paulo Kupfer, admite o viés que afina o noticiário econômico: 

"Fiz uma pesquisa de fontes em alguns principais jornais: Estadão, O Globo, Folha. Captei 500 participações. 85% das citações eram de consultorias, departamentos de economia (alinhados) a escolas neoliberais. Fica tudo com uma visão só”, afirmou.

Como enfrentar essa guarda pretoriana sem um antídoto da envergadura daquele ostentado pelo projeto da ‘Russia Today’?

Difícil.

O PIB do segundo trimestre revelou uma taxa de investimento ainda abaixo dos 20%, tido como um requisito para acelerar a máquina do crescimento.

Mas cravou 18,6%, em ascensão, tendo como pano de fundo cerca de R$ 3,8 trilhões em novos projetos investimentos privados e grandes obras de
infraestrutura.

A previsão é do BNDES para o período 2014 e 2018. 

O valor, apreciável em qualquer latitude do globo, separa a linha entre o país viável e aquele cronicamente inviável, disseminado pelo jogral dos ‘85%’ identificados por Kupfer.

Não só. O conjunto incide sobre um mercado de 200 milhões de habitantes.

Significa que o país tem hoje uma população equivalente a dos EUA nos anos 70. E uma renda pouco superior a 1/3 daquela dos norte-americanos nos anos 30. 

Com uma distinção dinâmica não negligenciável.

A distribuição, no caso brasileiro, é melhor que a registrada na sociedade norte-americana, atropelada então por 14 milhões de desempregados da crise de 29.

Essa obra prima dos livres mercados é um pouco o que a turma dos ‘85%’ quer ressuscitar no Brasil do século 21. 

Precisa para isso torturar de morte ingredientes dificilmente compatíveis com a sua receita de nação: uma população jovem, uma imensa demanda não
atendida, trilhões de reais mobilizáveis e recursos estratégicos abundantes, a exemplo do pré-sal.

A macroeconomia pura e simples jamais diria que estamos diante dos ingredientes de um fracasso, como aquele vaticinado dia e noite pela emissão
conservadora.

Mas a guerra das expectativas pode matar uma Nação.

Se conseguir convencê-la a rastejar por debaixo de suas possibilidades históricas.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1311

Leia também:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/09/04/ajustamos-o-termostato-do-planeta-para-nos-gratinar-lentamente/