por Bego Astigarraga, da IPS
“Israel advertiu os diplomatas estrangeiros em Tel Aviv que se preparem para encarar as consequências”, afirma um comunicado divulgado pelo comitê coordenador da iniciativa Rumo a Gaza. O jornal israelense Haaretz revelou planos para uma abordagem com comandos especiais e franco-atiradores contra a “odiosa flotilha”, que só quer “confrontar as Forças de Defesas de Israel, criar uma provocação midiática e deslegitimizar o Estado israelense”, segundo afirmou no dia 19 o comandante da marinha de guerra deste país, Eliezer Marom. O barco que levará 50 pessoas da Espanha – incluída esta repórter – foi batizado com o nome de Guernica e levará a Gaza uma reprodução livre, feita por vários artistas bascos, do famoso quadro que Pablo Picasso pintou em 1937 após o bombardeio conjunto alemão e italiano sobre a cidade basca de Guernica.
O governo espanhol evitou dar declarações à imprensa. Mas a ministra de Assuntos Exteriores, Trinidad Jiménez, disse que a melhor maneira de ajudar Gaza é com pressão diplomática no lugar de flotilhas. “É fortemente desaconselhável embarcar em qualquer navio da iniciativa Rumo a Gaza devido ao grave perigo que pode acarretar para os participantes dessa flotilha”, afirma um aviso colocado no site da chancelaria espanhola.
Israel impôs o bloqueio à Faixa de Gaza em fevereiro de 2006, pouco depois que o radical Hamas (Movimento de Resistência Islâmico) venceu as eleições gerais na Palestina, e que foi endurecendo nos anos seguintes, sobretudo após a ofensiva militar Chumbo Derretido, lançada no final de 2008. As autoridades israelenses têm preparadas as prisões para receber os participantes da Flotilha, que supostamente seriam detidos e encarcerados por violarem o bloqueio.
“No ano passado, 15 dias antes de partir, sabíamos que, se a comunidade internacional não agisse, haveria uma matança, como comprovamos mais tarde”, disse à IPS o ativista Manuel Tapial, coordenador da iniciativa Rumo a Gaza na Espanha e um dos viajantes da flotilha de 2010. Na madrugada de 31 de maio do ano passado, o barco capitânia da primeira Flotilha da Liberdade, o Mavi Marmara, foi abordado por comandos israelenses a partir de helicópteros militares, e nove ativistas foram assassinados, 50 ficaram feridos e o restante dos 750 passageiros acabaram detidos sem acusação em Israel por um dia e meio, sendo deportados em seguida.
Israel não tem base legal para deter as embarcações ou impedir que entreguem a carga humanitária que transportam, afirmam juristas especializados em direito internacional. “Israel só tem jurisdição sobre suas águas territoriais, que são as 12 milhas náuticas, e as águas de Gaza não são de sua competência, como tampouco o são as águas internacionais”, disse à IPS o professor de direito internacional da Universidade do País Basco, Juan Soroeta. “Nenhuma resolução da ONU autoriza o bloqueio de Gaza. Pelo contrário, é uma medida ilegal e unilateral imposta pela força por parte de Israel no contexto de uma ocupação igualmente ilegal do território palestino”, acrescentou.
A resolução 1860 do Conselho de Segurança da ONU, de 8 de janeiro de 2009, determina que “sejam garantidos o fornecimento e a distribuição sem entraves da ajuda humanitária, incluídos alimentos, combustível e tratamento médico, em toda Gaza”. Porém, os informes de todas as organizações humanitárias internacionais que trabalham no terreno confirmam que esse ponto não é cumprido.
“Pedimos reiteradamente aos nossos governos e aos órgãos internacionais que revisem, mediante observadores, os barcos, a carga de ajuda humanitária que levamos e os passageiros, tanto nos portos como em alto mar, mas até agora ninguém respondeu a esta proposta”, disse Tapial. Estava previsto que o navio Mavi Marmara participasse desta segunda viagem, mas sua proprietária, a Fundação de Ajuda Humanitária da Turquia (IHH), afirmou que os reparos dos danos sofridos no ano passado não estão finalizados e a embarcação não tem condições de realizar a travessia.
Há especulações quanto a esta decisão se relacionar de algum modo com as conversações reservadas entre Turquia e Israel. Mas o fato de a viagem prosseguir descarta o argumento de que esta campanha foi organizada pela islâmica IHH, à qual Israel acusa de ter “vínculos com o terrorismo”. Por outro lado, dentro de Israel “surgiu um debate aberto sobre o que fazer, e alguns defendem que deveriam nos deixar passar porque somos civis, levamos apenas ajuda humanitária, e o bloqueio, segundo Israel, se refere unicamente a armas”, disse Tapial.
Apesar das dificuldades, o comboio rebatizado de Segunda Flotilha da Liberdade – Continuamos Sendo Humanos – em honra ao pacifista italiano Vittorio Arrigoni, assassinado em abril em Gaza – tem a intenção de entregar sua carga, composta por materiais de construção, escolar e sanitário. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina “nos enviou uma carta informando que não poderiam receber nossa carga para Israel não ter motivos de acusá-la de ser parte do conflito”, contou Tapial. “Mas, se chegarmos até lá, acredito que aceitarão os materiais e os distribuirão equitativamente”, acrescentou.
As dez mil toneladas de ajuda humanitária que era transportada pela primeira Flotilha da Liberdade foram confiscadas por Israel junto com os pertences pessoais dos passageiros e os equipamentos de trabalho dos jornalistas. Nada disso foi devolvido aos seus proprietários, o que representa uma “pilhagem ao mais puro estilo da pirataria”, afirmou o advogado espanhol Enrique Santiago, responsável pela denúncia apresentada contra Israel pelo ataque à Flotilha em águas internacionais.
Entretanto, o apoio civil à segunda viagem se fortaleceu e recebeu o apoio de milhares de personalidades de todo o mundo, como as ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz, Rigoberta Menchú (Guatemala), Mairead Maguire (Irlanda do Norte), Jody Williams (Estados Unidos) e Shirin Ebadi (Irã). As quatro destacadas ativistas pela paz e pelos direitos humanos pediram ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que convença os governos dos países envolvidos na missão a adotar as medidas necessárias para garantir sua segurança. Envolverde/IPS
(IPS)