sábado, 25 de agosto de 2012

Oitava carta às esquerdas: as últimas trincheiras

21/08/2012 - Boaventura de Sousa Santos (*) - Carta Maior

Faço um apelo aos governos brasileiro, equatoriano, venezuelano e argentino para que abandonem o projeto da reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

E o apelo é especialmente dirigido ao Brasil dada a influência que tem na região.
(Boaventura de Sousa Santos)

Quem poderia imaginar há uns anos que partidos e governos considerados progressistas ou de esquerda abandonassem a defesa dos mais básicos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, ao trabalho e à liberdade de expressão e de associação, em nome dos imperativos do desenvolvimento”? Acaso não foi por via da defesa desses direitos que granjearam o apoio popular e chegaram ao poder? Que se passa para que o poder, uma vez conquistado, se vire tão fácil e violentamente contra quem lutou para que ele fosse poder? Por que razão, sendo um poder das maiorias mais pobres, é exercido em favor das minorias mais ricas? Porque é que, neste domínio, é cada vez mais difícil distinguir entre os países do Norte e os países do Sul?

Os fatos
Nos últimos anos, os partidos socialistas de vários países europeus (Grécia, Portugal e Espanha) mostraram que podiam zelar tão bem pelos interesses dos credores e especuladores internacionais quanto qualquer partido de direita, não parecendo nada anormal que os direitos dos trabalhadores fossem expostos às cotações das bolsas de valores e, portanto, devorados por elas. Na África do Sul, a polícia ao serviço do governo do ANC, que lutou contra o apartheid em nome das maiorias negras, mata 34 mineiros em greve para defender os interesses de uma empresa mineira inglesa. Bem perto, em Moçambique, o governo da Frelimo, que conduziu a luta contra o colonialismo português, atrai o investimento das empresas extrativistas com a isenção de impostos e a oferta da docilidade (a bem ou a mal) das populações que estão sendo afetadas pela mineração a céu aberto.

Na India, o governo do partido do Congresso, que lutou contra o colonialismo inglês, faz concessões de terras a empresas nacionais e estrangeiras e ordena a expulsão de milhares e milhares de camponeses pobres, destruindo os seus meios de subsistência e provocando um enfrentamento armado. Na Bolívia, o governo de Evo Morales, um indígena levado ao poder pelo movimento indígena, impõe, sem consulta prévia e com uma sucessão rocambolesca de medidas e contra-medidas, a construção de uma auto-estrada em território indígena (Parque Nacional TIPNIS) para escoar recursos naturais. No Equador, o governo de Rafael Correa, que corajosamente concede asilo político a Julian Assange, acaba de ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter garantido os direitos do povo indígena Sarayaku em luta contra a exploração de petróleo nos seus territórios. E já em maio de 2003 a Comissão tinha solicitado ao Equador medidas cautelares a favor do povo Sarayaku que não foram atendidas.

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita ao Brasil, mediante uma medida cautelar, que suspenda imediatamente a construção da barragem de Belo Monte (que, quando pronta será a terceira maior do mundo) até que sejam adequadamente consultados os povos indígenas por ela afetados. O Brasil protesta contra a decisão, retira o seu embaixador na Organização dos Estados Americanos (OEA), suspende o pagamento da sua cota anual à OEA, retira o seu candidato à CIDH e toma a iniciativa de criar um grupo de trabalho para propor a reforma da CIDH no sentido de diminuir os seus poderes de questionar os governos sobre violações de direitos humanos. Curiosamente, a suspensão da construção da barragem acaba agora de ser decretada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília) com base na falta de estudos de impacto ambiental.

Os riscos
Para responder às questões com que comecei esta crônica vejamos o que há de comum entre todos estes casos. Todas as violações de direitos humanos estão relacionadas com o neoliberalismo, a versão mais anti-social do capitalismo nos últimos cinquenta anos. No Norte, o neoliberalismo impõe a austeridade às grandes maiorias e o resgate dos banqueiros, substituindo a protecção social dos cidadãos pela protecção social do capital financeiro. No Sul, o neoliberalismo impõe a sua avidez pelos recursos naturais, sejam eles os minérios, o petróleo, o gás natural, a água ou a agro-indústria. Os territórios passam a ser terra e as populações que nelas habitam, obstáculos ao desenvolvimento que é necessário remover quanto mais rápido melhor.

Para o capitalismo extrativista a única regulação verdadeiramente aceitável é a auto-regulação, a qual inclui, quase sempre, a auto-regulação da corrupção dos governos. As Honduras oferecem neste momento um dos mais extremos exemplos de auto-regulação da atividade mineira onde tudo se passa entre a Fundação Hondurenha de Responsabilidade Social Empresarial (FUNDAHRSE) e a embaixada do Canadá. Sim, o Canadá que há vinte anos parecia ser uma força benévola nas relações internacionais e hoje é um dos mais agressivos promotores do imperialismo mineiro.

Quando a democracia concluir que não é compatível com este tipo de capitalismo e decidir resistir-lhe, pode ser demasiado tarde. É que, entretanto, pode o capitalismo ter já concluído que a democracia não é compatível com ele.

O que fazer?
Ao contrário do que pretende o neoliberalismo, o mundo só é o que é porque nós queremos. Pode ser de outra maneira se a tal nos propusermos. A situação é de tal modo grave que é necessário tomar medidas urgentes mesmo que sejam pequenos passos. Essas medidas variam de país para país e de continente para continente ainda que a articulação entre elas, quando possível, seja indispensável. No continente americano a medida mais urgente é travar o passo à reforma da CIDH em curso. Nessa reforma estão particularmente ativos três países com quem sou solidário em múltiplos aspectos de seu governo, o Brasil, o Equador, a Venezuela e a Argentina. Mas no caso da reforma da CIDH estou firmemente ao lado dos que lutam contra a iniciativa destes governos e pela manutenção do estatuto actual da CIDH. Não deixa de ser irônico que os governos de direita, que mais hostilizam o sistema interamericano de direitos humanos, como é o caso da Colômbia, assistam deleitados ao serviço que os governos progressistas objectivamente lhes estão a prestar.

O meu primeiro apelo é aos governos brasileiro, equatoriano, venezuelano e argentino para que abandonem o projeto da reforma. E o apelo é especialmente dirigido ao Brasil dada a influência que tem na região. Se tiverem uma visão política de longo prazo, não lhes será difícil concluir que serão eles e as forças sociais que os têm apoiado quem, no futuro, mais pode vir a beneficiar do prestígio e da eficácia do sistema interamericano de direitos humanos. Aliás, a Argentina deve à CIDH e à Corte a doutrina que permitiu levar à justiça os crimes de violação dos direitos humanos cometidos pela ditadura, o que muito acertadamente se converteu numa bandeira dos governos Kirchner na política dos direitos humanos.

Mas porque a cegueira do curto prazo pode prevalecer, apelo também a todos os ativistas de direitos humanos do continente e a todos os movimentos e organizações sociais - que viram no Fórum Social Mundial e na luta continental contra a ALCA a força da esperança organizada - que se juntem na luta contra a reforma da CIDH em curso. Sabemos que o sistema interamericano de direitos humanos está longe de ser perfeito, quanto mais não seja porque os dois países mais poderosos da região nem sequer subscreveram a Convenção Americana de Direitos Humanos (EUA e Canadá), Também sabemos que, no passado, tanto a Comissão como a Corte revelaram debilidades e seletividades politicamente enviesadas. Mas também sabemos que o sistema e as suas instituições têm vindo a fortalecer-se, atuando com mais independência e ganhando prestígio através da eficácia com que têm condenado muitas violações de direitos humanos.

Desde os anos de 1970 e 1980, em que a Comissão levou a cabo missões em países como o Chile, a Argentina e a Guatemala e publicou relatórios denunciando as violações cometidas pelas ditaduras militares, até às missões e denúncias depois do golpe de estado das Honduras em 2009; para não falar nas reiteradas solicitações para o encerramento do centro de detenção de Guantanamo. Por sua vez, a recente decisão da Corte no caso "Povo Indígena Kichwa de Sarayaku versus Equador”, de 27 de Julho passado, é um marco histórico de direito internacional, não só a nível do continente, como a nível mundial. Tal como a sentença “Atala Riffo y niñas versus Chile” envolvendo a discriminação em razão da orientação sexual.

E como esquecer a intervenção da CIDH sobre a violência doméstica no Brasil que conduziu à promulgação da Lei Maria da Penha?

Os dados estão lançados. À revelia da CIDH e com fortes limitações na participação das organizações de direitos humanos, o Conselho Permanente da OEA prepara um conjunto de recomendações para serem apresentadas para aprovação na Assembleia Geral Extraordinária, o mais tardar até Março de 2013 (até 30 de Setembro, os Estados apresentarão as suas propostas). Do que se sabe, todas as recomendações vão no sentido de limitar o poder da CIDH para interpelar os Estados em matéria de violação de direitos humanos. Por exemplo: dedicar mais recursos à promoção dos direitos humanos e menos à investigação de violações; encurtar de tal modo os prazos de investigação que tornam impossível uma análise cuidada; eliminar do relatório anual a referência a países cuja situação dos direitos humanos merece atenção especial; limitar a emissão e extensão de medidas cautelares; acabar com o relatório anual sobre a liberdade de expressão; impedir pronunciamentos sobre violações que pairam como ameaças mas ainda não foram concretizadas.

Cabe agora aos ativistas de direitos humanos e a todos os cidadãos preocupados com o futuro da democracia no continente travar este processo.

(*) Sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5737

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Em 2005, as empresas que abasteciam o Valerioduto

23/08/2012 - Por Stanley Burburinho - fonte Luis Nassif online



Visanet e teles de Dantas depositaram para DNA (Reuters, 27 de julho de 2005).

O levantamento feito pela CPI foi entregue à Reuters na noite de terça-feira [21/08] por um parlamentar, com o compromisso de não ser identificado.

Confira os valores dos depósitos feitos por cada empresa na conta da DNA.

Três empresas de telefonia ligadas ao Opportunity, de Daniel Dantas, e o consórcio controlador dos cartões Visanet foram identificados pela CPI dos Correios como origem de mais de dois terços dos depósitos de terceiros recebidos no Banco do Brasil pela DNA Propaganda Ltda.

A DNA é uma das empresas com participação acionária de Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser operador do suposto pagamento de propinas a políticos conhecido como "mensalão".

Um levantamento feito pela CPI foi entregue à Reuters na noite de terça-feira [21/08] por um parlamentar, com o compromisso de não ser identificado. O documento mostra que a conta 601.999 da DNA Propaganda na agência 3608 do Banco do Brasil (BB) recebeu no período analisado (últimos cinco anos) R$ 230 milhões em depósitos.

A própria DNA abasteceu a conta com depósitos e transferências que somam R$ 71 milhões. Os demais R$ 159 milhões resultam de depósitos de 27 empresas, na maioria identificadas como clientes ou empresas de comunicação, e de órgãos do governo de Minas Gerais. O maior depósito individual de uma empresa para a DNA, no valor de R$ 44,217 milhões, tem como origem a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, segundo o relatório da CPI.

Trata-se de uma associação criada em 1995 pela Visa Internacional, Banco do Brasil, Bradesco e Banco Real, responsável pelos cartões de pagamento eletrônico Visanet. A assessoria de imprensa da DNA informou que a agência detém, desde 1994, a conta publicitária dos cartões de crédito do Banco do Brasil, que operam pelo sistema Visanet.

Outra operadora de cartões, a Servinet, depositou R$ 6,4 milhões. A Redecard fez dois depósitos que somam R$ 144 mil. A Telemig Celular e a Amazônia Celular, controladas pelo Opportunity, fizeram nove depósitos que somam R$ 61,3 milhões. Outra controlada do Opportunity, a Brasil Telecom, fez um depósito de R$ 823 mil.

A estatal Eletronorte fez três depósitos que somam R$ 16,5 milhões. O governo de Minas Gerais fez depósitos na conta da DNA por meio de sua conta única, da Secretaria de Fazenda e da Secretaria de Saúde, no valor de R$ 2,7 milhões.

Prestação de serviços
A assessoria de imprensa da DNA disse à Reuters que os depósitos correspondem ao pagamento pela prestação de serviços a essas empresas, incluindo criação, produção e veiculação de publicidade. Segundo a assessoria, a DNA tem condições de provar a execução de todos os serviços.

O levantamento da CPI também inclui três depósitos da Fiat Automóveis, totalizando R$ 4,6 milhões. A assessoria da DNA informou que a agência fez trabalhos de publicidade para a Fiat até abril deste ano. Dois depósitos da Construtora Norberto Odebrecht totalizam R$ 149 mil e também referem-se a prestação de serviços de publicidade, segundo a assessoria da agência DNA.

O Sistema Pitágoras de Ensino depositou R$ 186 mil. A família do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, é acionista da empresa, que também é cliente da DNA Propaganda.

Empresas de comunicação
O relatório da CPI identificou dois depósitos da TV Globo, somando R$ 3,6 milhões e dois da Globosat, que somam R$ 180 mil. A assessoria da DNA disse que nos dois casos os depósitos correspondem ao pagamento de comissões e bônus pela veiculação de publicidade em emissoras de televisão aberta e a cabo. A Editora Abril é identificada como responsável por um depósito de R$ 303 mil.

O relatório da CPI demonstra que a DNA também fez transações bancárias com as empresas de comunicação Folha da Manhã (Folha de S. Paulo), Ogilvy Brasil, Grupo Três (IstoÉ), For Comunicação, Símbolo Editora e Editora JB (Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil).

O relatório informa que a DNA autorizou transferências eletrônicas (TEDs) para a Folha da Manhã, Editora JB e Grupo Três que, por algum tipo de erro, foram devolvidas à conta da agência e contabilizadas como depósitos. A assessoria da DNA informou que compra regularmente espaço publicitário dessas empresas para seus diversos clientes.

Fonte:
http://www.advivo.com.br/node/1016293


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22/08/2012 - Bob Fernandes - JG - A Farsa do Mensalão - fonte YouTube

Nada mais oportuno do que esse video: Escândalos que não aparecem na mídia

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Terra, Território e Dignidade!

22/08/2012 - Encontro Unitario lança declaração histórica
em defesa da Reforma Agrária - extraído do site do MST

Leia a declaraçao final do Encontro Nacional Unitario dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas.

Por Terra, Território e Dignidade!

Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.

Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.

Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no campo.

Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.

Nós estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.

A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.

Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.

O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.

Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.

Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.

Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.

O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.

Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.

Diante disto, afirmamos:
1) a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

2) a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e formas de produção e reprodução, que marcam e dão identidade ao território.

3) a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.

4) a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.

5) a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à cooperação, agroindustrialização e comercialização.

6) a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.

7) a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.

8) a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.

9) a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.

10) a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.

Nos comprometemos:
1 a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.

2 a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.

3 a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.

4 a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.

5 a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.

6 a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.

7 a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.

8 a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

9 a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.

10 a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.

11 a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.

Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.

Brasília, 22 de agosto de 2012.

Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)
Associação das Mulheres do Brasil (AMB)
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC
Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Plataforma Dhesca
Rede Cefas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO DF
Terra de Direitos
Unicafes
VIA CAMPESINA BRASIL

Fonte:
http://www.mst.org.br/content/encontro-unitario-lan%C3%A7a-declara%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-em-defesa-da-reforma-agr%C3%A1ria

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

QUANDO OS SOLDADOS PREFEREM MORRER

21/08/2012 - Mauro Santayana em seu blog

Em julho passado, revelam fontes oficiais, 38 militares norte-americanos se mataram. Um aumento de mais de 100% sobre os casos de suicídio do mês anterior.

Vinte e dois deles se encontravam em serviço. Os demais haviam voltado para casa, mas já não se sentiam em seus lares.

Eram outros homens, desfeitos e refeitos pelo horror.

Provavelmente não se sentissem combatentes por sua pátria ou suas idéias, e, sim, meros mercenários, enviados para assassinar em nome de interesses que nada têm a ver com os de seu povo.

Salvo nas duas guerras mundiais, quando justa era a luta contra os alemães e o nazismo, os soldados ianques lutam por Wall Street.

O genocídio inútil de Hiroxima e Nagasáki, ao manchar com a desonra o combate pelos valores humanos, confirmou os exércitos dos EUA como bandos de pistoleiros do imperialismo.

Os Estados Unidos nunca tiveram que lutar em seu solo, a não ser na Guerra da Independência. Sempre invadiram o solo alheio, a partir da guerra contra o México, em 1846, quando anexaram mais de 40% do território do país vencido. A Guerra da Independência, bem antes, se travara contra homens iguais, da mesma etnia, da mesma fé, e poderíamos dizer, quase das mesmas idéias. O mesmo veio a ocorrer no conflito interno, o da Guerra da Secessão, apesar da crueldade dos combates e a bandeira ética do Norte contra a escravocracia do Sul.

Esse enorme privilégio – o de não conhecer as botas dos ocupantes estrangeiros – transformou-se em maldição.

Os militares ianques já não encontram na alma, desde a derrota no Vietnã, quaisquer razões para a luta.

Assim, são corroídos pela depressão, ou se transformam em animais, como os que se deixaram fotografar em Abu Ghraib, com seus cães.

A depressão os leva a desertar das fileiras, de forma absoluta, ao estourar a cabeça ou o coração com suas próprias armas.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset tem uma tese interessante sobre os militares e as guerras. Ele considera o cerco de Granada, pelos Reis Católicos, em 1492 – o mesmo ano da descoberta da América por Colombo – como o fim do soldado que combatia com honra, e o início do soldado “técnico”, que atua como simples extensão de sua arma.

No cerco de Granada, e na vitória que se seguiu, os castelhanos usaram o planejamento tático e estratégico, superando, e em muito, os gregos e os romanos no projeto de suas operações.

Segundo Ortega, ali morreu a bravura, e nasceu o combatente moderno, mera máquina de matar, sem honra e sem sentimentos, a não ser os do ódio induzido.

Os soldados americanos que se matam, torturados pelo remorso, talvez sigam o lema que os japoneses inscrevem nos sabres destinados ao harakiri: saiba morrer com honra quem com honra não soube viver.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/08/quando-os-soldados-preferem-morrer.html

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A imprensa seletiva

02/08/2012 - Por Washington Araujo (*), no Observatório da Imprensa

A imprensa brasileira pode ser acusada de tudo, menos de não ser seletiva.

O cardápio de notícias apresentado diariamente à sociedade brasileira também pode ser recriminado por tudo, menos pela repetição do prato principal.

Refiro-me à Ação Penal 470, no linguajar jurídico, e ao mensalão, no linguajar dos jornalões.

A depender da grande imprensa, o dia 2 de agosto de 2012 passa a ter mais importância que o 7 de setembro de 1822 e, por isso, merece ser eternizado em nosso calendário cívico como a verdadeira data da independência do Brasil.

É aqui que começa a seletividade monocórdia, a opção desabrida pelo que merece ser visto como o início de uma nova era para os brasileiros: a imprensa julgou o assunto antes do Supremo Tribunal Federal e espera deste nada menos que a sua validação.

Exarada a sentença nos noticiários das emissoras de rádio do Sistema Globo de Comunicação, proferida repetidas vezes do alto da audiência de que desfruta em todo o país o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, impressa em alto relevo em capas, páginas coloridas e colunas de fofocas que pretendem tratar de política da revista Veja, o carro-chefe – um tanto avariado, é verdade – da Editora Abril, em tudo o foco é um só: a Ação Penal 470 só desembocará em julgamento justo se dispensar o arcabouço jurídico a ser brandido pelas diversas teses de defesa, e se desconsiderar os aspectos técnicos mais comezinhos e indispensáveis a uma ação jurídica dessa envergadura.

Dois golpes
Desde os últimos dias de julho parecemos estar vivendo aquela última semana de dezembro de todos os anos: retrospectivas para um só gosto. Explico: a título de informar as pessoas sobre o julgamento do mensalão, são pinçadas não mais que as cenas que demonizem os réus, marquem suas frontes com ferro em brasa a insculpir a palavra “culpado”, imputem-lhes todas as iniquidades não republicanas e expiem o Himalaia de atos condenáveis que tão somente nossa legislação eleitoral poderia conter.

As retrospectivas do Jornal Nacional e da rádio CBN, ambos veículos de grande audiência, pertencem à família Marinho. A mais chamativa retrospectiva dos veículos impressos tem a chancela da Folha de S.Paulo, pertencente à família Frias. E os mais variados “renascimentos” do mensalão têm como sala de obstetrícia as redações da Editora Abril, de propriedade dos Civita. É impressionante como o monopólio dos meios de comunicação do Brasil é capaz de competir na batalha por corações e mentes em condições de paridade com o Poder Judiciário e sua mais elevada instância, o Supremo Tribunal Federal.

Chama a atenção como a parcialidade no noticiário pode ser nociva à própria ideia de democracia. E como o pensamento único pode ser danoso, além de cruel, à realização do ideal de justiça. E a AP-470 deve merecer, em futuro não muito distante, alentadas teses acadêmicas sobre a natureza e amplitude da influência que os meios de comunicação podem ter em um país que se diz moderno e, no entanto, se comporta de maneira partidarizada e sempre contundente graças ao elevado estado de concentração e aos efeitos pernósticos de um monopólio cada vez mais insustentável.

Enquanto isso, agentes do Direito, em especial do Ministério Público, sentem-se insuflados pelos meios de comunicação a subverter o real significado de eventos históricos de nossa tumultuada vida política. Para ilustrar à perfeição, encontramos ampla repercussão na imprensa dessa injuriosa frase à história do Brasil, proferida pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel: “O mensalão é o maior escândalo da história do Brasil”. Será mesmo? Ou por trás de tão absurda declaração não existe a vaidade escancarada de se sentir partícipe de evento de tão grande magnitude?

Ainda bem que o ilustre procurador não é autor de livros didáticos de história usados por estudantes do ensino fundamental; do contrário, milhões de crianças e jovens aprenderiam que o processo em vias de julgamento no STF eclipsou em importância nada menos que o escândalo de 1954, urdido por Carlos Lacerda (provavelmente o melhor aprendiz de Nicolau Maquiavel da política brasileira recente) para derrubar Getúlio Vargas e que, ao final, custou-lhe a vida, a eternização da expressão “mar de lama” e a beleza poética da carta-testamento do presidente suicida, certamente um dos mais importantes documentos políticos da história do Brasil.

Considerar o mensalão “o maior escândalo da história” é transformar os dois golpes de Estado ocorridos em 1955, ainda na esteira do suicídio de Vargas, em não mais que tempestades em copo d’água.

Dever divino
Poderia aproveitar o gancho e discorrer por alguns outros episódios que facilmente seriam impostos pelos fatos para ganhar a medalha de ouro, o lugar máximo do pódio de nossas crises e escândalos políticos: a chamada Intentona Comunista dos idos de 1935; o golpe militar que apeou do poder o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura cruel (nada de “ditabranda”, como preferem alguns) que ceifou 20 anos da vida brasileira, exilou intelectuais, podou a criação artística, instaurou julgamentos sumaríssimos nos famigerados DOI-CODIs; e as imagens ainda vívidas da esteira de escândalos que envolveram personagens carimbados de nossa história recentíssima, como Fernando Collor de Mello, Pedro Collor, PC Farias, os Jardins da Babilônia recriados na Casa da Dinda, o Fiat Elba amarelo, a Operação Uruguay – todos episódios que culminaram com o primeiro impeachment de um presidente do Brasil, legitimamente eleito e legitimamente destituído do cargo.

Quer dizer, então, que nenhum desses eventos nefastos e seus terríveis desdobramentos não passaram de meros exercícios mentais, meros esboços de escândalos e crises políticas ante a AP-470? Sim, mas na abalizada visão jurídica do procurador-geral da República Roberto Gurgel tudo isso foi, vamos dizer, fichinha. A tese do senhor procurador-geral é por demais impertinente e falseia a história como um todo – porque o que falseia a parte, falseia o todo.

Nada contra o procurador-geral se equivocar. Nada mais natural, nada mais humano. Mas não deixa de ser curioso observar que esse seu equívoco de julgamento é realmente fichinha se comparado aos longos três anos que Sua Excelência consumiu para se posicionar ante os robustos resultados apresentados pelas operações da Polícia Federal de nomes Vegas e Monte Carlo, e que culminaram na prisão do meliante-mor Carlinhos Cachoeira, na cassação do mandato do senador Demóstenes Torres, e que deve levar ao fio da navalha o mandato do governador goiano Marconi Perillo, além de manchar reputações de personagens de menor projeção política.

O problema é a forma entusiástica com que a grande imprensa encampou a declaração do procurador-geral: repercutiu em primeiras páginas, foi à escalada dos telejornais noturnos, recebeu o destaque que as frases grandiloquentes costumam ganhar por parte dos ditos colunistas de política.

Mas não ficou por aí.

Com essa frase sobre “o maior escândalo da história” se turbinou na mídia uma nova fase do game “Detonando o mensalão”: retrospectivas, operações Lázaro (aquela que ressuscita mortos-vivos políticos) e se colocou, do cabo à lâmina, a faca nos pescoços de nossos supremos julgadores, os integrantes do STF.

O poeta e filósofo romano Quinto Horácio Flaco (65 a.C.-8 d.C.) foi contundente quando afirmou: “Ousa saber! Começa!” (Sapere aude!)

E ousar saber e começar nada mais é que o irrecusável convite a que saiamos da estagnação mental e partamos para o conhecimento das leis, deixando ao largo todas as pressões – desde aquelas que gritam mais que mil comícios do III Reich nazista até as que, ao amparo da liberdade de imprensa, exercem seu divino dever de usar a liberdade de pressão para fazer valer suas teses, ideologias e mesmo anseios tardios por vingança, aquele velho prato que na literatura anglo-saxã sempre deveria ser servido frio.

(*) Jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org

Fonte:
http://tudosobreomensalao.com.br/?p=503