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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

As duas facetas da grande mídia

11/02/2014 - A alteridade cínica da grande mídia
Venício A. de Lima - de Brasília - Jornal Correio do Brasil

A Rede Globo de Televisão recomendou a seus jornalistas, inclusive os que trabalham em suas 122 (cento e vinte e duas) emissoras afiliadas, “que a Copa e a seleção brasileira são uma paixão nacional, mas que irregularidades deverão ser denunciadas e ‘pautas positivas’ deverão ser evitadas, a não ser que ‘surjam naturalmente’."

"Reportagens que mostram como a Copa está beneficiando grupos de pessoas, como os comerciantes vizinhos a estádios, já não estão sendo produzidas para o Jornal Nacional” (ver aqui, e aqui a resposta da Globo).

No telejornal SBT Brasil, a âncora fez aberta apologia de “justiceiros” vingadores que espancaram, despiram e acorrentaram pelo pescoço um suspeito adolescente, de 15 anos, a um poste no Flamengo, no Rio de Janeiro (ver aqui).

A recomendação da Globo e a posição defendida no SBT – concessionárias do serviço público de radiodifusão – teriam alguma relação com o aumento da violência urbana?

Mídia e violência

Em artigo recente, neste Observatório [da Imprensa], comentei a “pauta negativa” do jornalismo regional em Brasília que chamei de “jornalismo do vale de lágrimas” (ver "O vale de lágrimas é aqui").

O que me traz de volta ao tema é, especificamente, a alteridade cínica do jornalismo do vale de lágrimas na cobertura da violência urbana.

Esse tipo de jornalismo “faz de conta” de que a mídia não tem qualquer responsabilidade em relação ao que ocorre na sociedade brasileira.

Ela seria apenas uma observadora privilegiada cumprindo o seu papel de tornar pública a violência e cobrar mais policiamento dos governos local e federal – como se a solução da violência fosse um problema apenas de mais ou menos policiamento.

Por várias vezes tratei dessa alteridade cínica neste Observatório [da Imprensa], sobretudo em função das evidências acumuladas ao longo de anos de pesquisa em vários países que relacionam a violência ao conteúdo da programação da mídia, sobretudo da televisão (ver “A violência urbana e os donos da mídia“, “A responsabilidade dos donos da grande mídia“, “As lições do caso Santo André“, “A liberdade de comunicação não é absoluta“, “A mídia e a banalização da violência“ e “A lógica implacável da mercadoria“).

Ainda na década de 1990, em palestra que fez na Universidade de Brasília, Jo Groebel [foto] – professor da Universidade de Utrecht, na Holanda, e representante da Sociedade Internacional de Pesquisa sobre Agressão nas Nações Unidas – não deixou dúvidas sobre a existência de uma relação entre a predominância da violência na programação da televisão e a tendência para a agressividade de jovens e adultos.

Baseado em mais de 20 anos de pesquisa ele afirmou que a televisão “faz com que as pessoas pensem que a violência é normal” e que “quanto mais desigual a estrutura da sociedade maior o impacto da violência mostrada na TV”.

Nos Estados Unidos, os “National Television Violence Studies”, financiados pela National Cable Television Association (NCTA), também realizados nos anos 1990 por um pool de grandes universidades – Califórnia, Carolina do Norte, Texas e Wisconsin –, confirmaram as conclusões de Groebel e geraram uma série de recomendações sobre o conteúdo da programação para a indústria de entretenimento.

Em 2008, foram divulgados os primeiros resultados de uma longa pesquisa realizada por professores da Rutgers University, nos EUA, que vincula violência na mídia e agressividade em jovens.

No estudo, foram entrevistados 820 adolescentes do estado de Michigan. Destes, 430 eram alunos do ensino médio de comunidades rurais, suburbanas e urbanas.

Outros 390 eram delinquentes juvenis detidos em instituições municipais e estaduais, distribuídos equilibradamente entre os sexos masculino e feminino. Pais ou guardiões de 720 deles também foram entrevistados, assim como os professores ou funcionários que lidavam com 717 dos jovens.

A pesquisa revelou que mesmo considerando outros fatores como talento acadêmico, exposição à violência na comunidade ou problemas emocionais, a “preferência por mídia violenta na infância e adolescência contribuiu significativamente para a previsão de violência e agressão em geral”. 

E conclui: “você é o que assiste”, quando se trata da população jovem.

Certamente outras pesquisas atualizam e confirmam esses resultados, além de incluir também o cinema e os videogames, estes últimos um fenômeno mais recente.

Será que a presença maciça da violência na programação de entretenimento da mídia eletrônica e da televisão brasileira (aberta e paga), em especial, não é um dos fatores que contribui para o aumento da violência urbana?


A mídia e a Constituição
Um dos artigos não regulamentados da Constituição de 1988, o 221, reza:

A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Será que praticando o jornalismo do vale de lágrimas, excluindo a pauta positiva e defendendo os “justiceiros” vingadores, a grande mídia brasileira está cumprindo a Constituição de 1988?

A quem cabe a fiscalização dos contratos de concessão desse serviço público?

Com a palavra o Ministério Público e o Ministério das Comunicações.

(*) Venício A. de Lima, é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado)

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/a-alteridade-cinica-da-grande-midia/684148/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20140212

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O vale de lágrimas é aqui

21/01/2014 - Venício Lima - Carta Maior
- Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Assim como outros milhares da minha geração, nascidos em famílias católicas, ainda criança aprendi a popular oração “Salve Rainha” que inclui a súplica: “A vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas” [Ad te clamamus, exsules filii Hevae, ad te suspiramus, gementes et flentes in hac lacrimarum valle].

Segundo a Wikipedia, “a autoria da oração é atribuída ao monge Hermano Contracto, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenan, na Alemanha.

Naquela época, a Europa central passava por calamidades naturais, epidemias, miséria, fome e a ameaça contínua dos povos nômadas do Leste, que invadiam os povoados, saqueando-os e matando”. 

Cresci repetindo mecanicamente esta súplica sem saber o que poderia ser “um degredado filho de Eva” ou, muito menos, por que razão estaríamos todos a “suspirar, gemer e chorar” num “vale de lágrimas”.

Com o tempo, ensinaram-me que o “pecado original” nos tornava a todos “degredados”, e que a expressão “vale de lágrimas” tinha sua origem numa passagem do Salmo 84 [na numeração da Bíblia Hebraica], conhecido como Salmo dos Peregrinos.

Anos mais tarde, me dei conta de que, no Salmo 84, o significado literal de “vale de lágrimas” é muito diferente daquele que prevalece na interpretação cristã dominante.

[Registro, embora este não seja o objetivo aqui, que palavras e expressões mudam de significação ao longo do tempo, da mesma forma que palavras são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.

Ver, por exemplo, “A linguagem seletiva do ‘mensalão’“.]

Baca e as lágrimas
A tradução literal da passagem do Salmo 84 no original hebraico é:

“Bem-aventurados os homens cuja força está em Ti, em cujo coração os caminhos altos passando pelo vale de Baca, fazem dele um lugar de fontes; e a primeira chuva o cobre de bênçãos.”

Na Vulgata Latina (Salmo 83), no entanto, que serve de referencia para as interpretações cristãs, o “vale de Baca” é substituído por valle lacrimarum:

Beatus vir cui est auxilium abs te ascensiones in corde suo disposuit in valle lacrimarum in loco quem posuit etenim benedictiones.”

Na verdade, a palavra hebraica “baca” significa tanto lágrima, choro, como bálsamo.

As “balsameiras” (amoreiras) são árvores que “choram” porque produzem uma resina de cheiro agradável, o bálsamo, palavra que, figurativamente, significa conforto, lenitivo, alívio.

Esta é razão pela qual o vale, ao norte de Enom, recebeu o nome de Baca: é o vale das árvores que “choram”.

Ele era também a última etapa da peregrinação, na encruzilhada das estradas que vinham do norte, do oeste e do sul, com destino ao Templo em Jerusalém [foto].

Os peregrinos, que chegavam até Baca, depois de uma longa caminhada, eram bem-aventurados e poderiam transformar as chuvas em fontes (de água) e de bênçãos.

Na pregação cristã, ao contrário, o “vale das árvores que choram” foi se transformando no “vale de lágrimas” e até mesmo no “vale da morte”, uma condição inescapável da vida humana, uma sequência de sofrimento e purgação para os pecadores na busca do perdão de Deus.

Um pastor presbiteriano assim descreve o vale de Baca:

“É muito indesejável.
a) É árido. Não tem rios de alegria; os poços, cavados por alguns dos peregrinos que nos antecederam ou por nós mesmos são, muitas vezes, “cisternas rotas que não retêm as águas” (Jeremias 2.13).
b) É pedregoso. Os peregrinos conseguem remover as pedras menores, não as grandes; a caminhada é muito sofrida; muitos tropeçam e caem.
c) É escuro. As trilhas serpenteiam entre rochas de angústia e montanhas de pecado; o Sol da Justiça esconde-se por trás destas e o vale fica muito sombrio.
d) É extenso. Os peregrinos sabem que Sião está à frente, mas não podem vê-la; a caminhada parece não ter fim. Muitos ficam desencorajados.
e) É infestado. Há espíritos maus neste vale. Eles tentam; fazem insinuações malditas e sugestões blasfemas: armam ciladas, lançam os “dardos inflamados do maligno” (Efésios 6.11,16) [ver aqui].

Esta é a significação que “vale de lágrimas” (Baca) tem na oração “Salve Rainha”. É um mundo pleno de misérias e obstáculos.

Ajuda divina
Toda essa introdução é para observar que um visitante estrangeiro que desembarque no Brasil e que tome como referência as notícias diariamente veiculadas na grande mídia brasileira se convencerá de que o “vale de lágrimas” da interpretação cristã do Salmo 84 é aqui, hoje e agora.

No enquadramento padrão do jornalismo praticado entre nós, até mesmo as notícias eventualmente “boas” são acompanhadas de comentários irônicos e jocosos insinuando que alguma coisa deu ou dará errado, mantendo-se o “clima geral” de que estamos vivendo numa permanente e irrecorrível sequência de sofrimento e purgação de pecados.

Dia desses, fiz um teste assistindo ao noticiário local da concessionária de televisão líder de audiência do Distrito Federal.

Além das chamadas de abertura e passagem, nos três blocos de notícias, cada um com três matérias, todas tinham um enquadramento negativo e crítico:

- o hospital universitário, que finalmente iniciaria uma necessária reforma na sua maternidade, criava um novo problema para as grávidas, pois elas teriam que procurar outros hospitais;
- o subsecretário de Segurança era criticado (justamente) por referir-se a uma pessoa desaparecida e encontrada morta sob suspeita de ter sido assassinada por policiais como “um zé”;
- um incêndio no Cerrado, incomum nesta época do ano, tinha causado uma enorme fumaça e atrapalhado a visibilidade dos motoristas, mesmo combatido e controlado pelo Corpo de Bombeiros;
- em algumas regiões do Distrito Federal faltavam vagas para crianças de zero a cinco anos, perto de suas casas, nas creches públicas;
- as chuvas estavam provocando buracos nas ruas de uma cidade satélite onde as “bocas de lobo” estão entupidas e com as tampas quebradas;
- em outra satélite há um cruzamento onde a falta de um semáforo tem dificultado a travessia e provocado acidentes;
- e, por fim, o retrato falado de um suspeito de praticar sequestros relâmpago é divulgado com o inescapável comentário sobre a crise na segurança pública.

Por óbvio, o “vale de lágrimas” não é a única característica do jornalismo brasileiro que omite e/ou enfatiza seletivamente aquilo que atende mais ou menos aos seus interesses, implícitos e/ou explícitos.

De qualquer maneira, o noticiário televisivo do Distrito Federal, escolhido aleatoriamente, é apenas um exemplo de um padrão que se repete várias vezes ao dia, todos os dias.

Não haveria nada de positivo eventualmente acontecendo e merecedor de ser noticiado neste pedaço do planeta “descoberto” por Cabral?

No jornalismo do “vale de lágrimas” que vem sendo praticado pela grande mídia, salvar o Brasil, só com ajuda divina.

Vamos todos rezar o “Salve Rainha”.

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio, Paulus, 2013, entre outros livros

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-vale-de-lagrimas-e-aqui/30055

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Política e debates na rede - Maurício Caleiro

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Imprensa e rolezinho

15/01/2014 - Imprensa e rolezinho, machismo e irresponsabilidade
- Por Luciano Martins Costa na edição 781 do Observatório da Imprensa
- Comentário para o programa radiofônico de 15/01/2014

Com exceção da Folha de S. Paulo, os principais jornais de circulação nacional não parecem fazer um grande esforço para compreender o novo fenômeno social, conhecido como “rolezinho”.

Na edição de quarta-feira (15/1), o Globo ignora o assunto e o Estado de S. Paulo se limita a reproduzir manifestações de autoridades da segurança pública e entidades que representam os shopping centers.

A Folha busca as origens do movimento e produz sua própria versão da nova forma de protagonismo de jovens da periferia.

A iniciativa de marcar encontros que podem reunir centenas, milhares de jovens e adolescentes nos espaços abertos dos centros de compra tem origem nas redes sociais digitais e faz parte da consolidação, no espaço físico, de relacionamentos desenvolvidos no chamado ambiente virtual.

O que acontece a seguir é da natureza dos protagonistas: gargalhadas, gritos, movimentos bruscos, manifestações exageradas de entusiasmo.

Farra, muita farra, que pode incluir correrias e longas filas pelos corredores dos shoppings – o antigo “trenzinho”, que agora se chama “bonde”.

Como muitas manifestações culturais que surgiram nas comunidades oprimidas por traficantes e pelo poder corrompido da polícia, os “bondes” representam a mobilização coletiva dos marginalizados.

A expressão foi cunhada por traficantes nas favelas do Rio, com o sentido de blitz, de carga ligeira nos confrontos com seus concorrentes ou contra a polícia.

Daí, a palavra evoluiu para definir os “arrastões” na praia [Ipanema, 11/1 sábado de verão, ao lado] e, em seguida, a formação de grupos que se dirigiam aos bailes funk em áreas inseguras.

Os “bondes” dos jovens paulistanos que desembarcam em multidões nos shopping centers têm simplesmente o sentido da reunião, da ação coletiva cujo propósito é o de apenas realizar fisicamente a interação experimentada nas redes digitais e manifestar a alegria do encontro.

Acontece que esses palácios de consumo foram planejados para explorar a soma dos desejos individuais no ato da compra, e não estão preparados para funcionar como palcos de manifestações massivas.

Elitismo e preconceito
A Folha de S. Paulo produz uma reportagem interessante sobre alguns protagonistas desse movimento, mas ao tentar se aproximar de um universo que seus jornalistas desconhecem, comete uma parcialidade e um erro grave.

A parcialidade consiste em definir os “rolezinhos” apenas como encontros entre meninos muito populares na rede social e suas admiradoras ou “amigas” do Facebook – a interpretação é machista e limitada à ideia de que os meninos, machos, têm a iniciativa e as meninas são apenas as “tietes” que se deslocam para encontrar seus ídolos.

O erro grave consiste em expor a identidade e a imagem de um jovem de 17 anos, inimputável perante a lei, como sendo o “organizador” da concentração ocorrida no Shopping Center Itaquera no sábado (11/1).

O adolescente aparece no alto da primeira página, em fotografia destacada ao lado da manchete do jornal, e na página interna é mostrado novamente, com seu perfil descrito junto ao de outros supostos líderes dos “rolezinhos” entre eles, um menino de 13 anos, apontado como um dos promotores do evento.

Além de submeter esses protagonistas à exibição pública, contrariando as normas legais, trata-se de mau jornalismo, pelo simples fato de que tais concentrações ocorrem numa cadeia de conexões cujo centro é impossível definir.

Ao identificar três ou quatro jovens, e principalmente ao destacar um deles na primeira página, a Folha aponta o dedo e abre a possibilidade de que sejam visados por policiais, agentes de segurança dos shopping centers e até mesmo por criminosos com interesse em promover saques, com as consequências que se pode imaginar.

Aquilo que parece uma interessante sintonia do jornal com o mundo dos adolescentes da periferia não passa de manifestação machista – presente na afirmação de que os “rolezinhos” são feitos por meninas em ato de tietagem, negando a possibilidade de que elas também estejam apenas realizando seu direito de exercer a sociabilidade onde quiserem.

A versão de que o fenômeno se limita aos encontros de garotas devotadas a “don juans” da internet não é apenas machista: é também elitista, ao abrigar um mal disfarçado preconceito, presente na afirmação de que não há nenhuma “grande ideia” por trás do movimento.

Ora, para quem vive em comunidades com poucas opções de lazer, uma farra no shopping [Itaquera, foto acima] pode ser a melhor ideia da temporada e uma chance rara de protagonismo social.

Fonte:
http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/imprensa_e_rolezinho_machismo_e_irresponsabilidade

sábado, 25 de maio de 2013

Cobertura rala, redações alienadas



Por Luciano Martins Costa em 24/05/2013 na edição 747

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 24/5/2013

   
O Globo reproduz, na edição de sexta-feira (24/5), resumo de artigo publicado no dia 15/5 na versão digital da revista britânica The Lancet, que os clichês da imprensa chamam de "a Bíblia da medicina". O texto informa que o programa Bolsa Família reduziu a mortalidade de crianças de zero a cinco anos de idade no Brasil, no período de 2004 a 2009.

O artigo, assinado pelos pesquisadores Davide Rasella, Rosana Aquino, Carlos Santos, Rômulo Paes-Souza e Maurício Barreto, está disponível em inglês, gratuitamente, no no site da publicação da publicação, para leitores registrados. Segundo o estudo, o programa social de transferência condicional de renda contribuiu com 17% na redução da mortalidade infantil em todo o Brasil.

Nos 2.800 municípios com maior número de beneficiários, os pesquisadores constataram que houve uma queda de 19,4% no número de óbitos, e uma das conclusões é de que a transferência de renda para a população miserável tem contribuição decisiva para melhorar a expectativa de vida da população em geral, particularmente por diminuir o total de mortes relacionadas à pobreza, como desnutrição e diarreia, além dos casos de problemas respiratórios.

Os pesquisadores consideram que o efeito positivo foi mais forte porque o governo não apenas manteve o programa como aumentou a área de cobertura no período estudado. Com maior visibilidade, as condições de vida da população mais pobre puderam ser melhoradas com outras iniciativas, como a inserção das famílias em programas oficiais de vacinação, acompanhamento pré-natal e outras medidas preventivas.

O artigo também observa que, mesmo um subsídio de baixo valor, como é o caso do Bolsa Família, produz efeitos significativos porque representa um reforço substancial, proporcionalmente à renda das famílias mais vulneráveis. Por outro lado, os pesquisadores consideram que foi possível produzir um estudo consistente pela grande disponibilidade de informações de qualidade adequada em muitos municípios atendidos pelo Bolsa Família. Além disso, concluem que a exigência de que os beneficiários do programa levem as crianças regularmente aos postos de saúde e as gestantes façam o acompanhamento pré-natal, como condições para receber a ajuda financeira, teve um efeito educativo de largo espectro sobre as famílias mais pobres.

De olhos vendados

O artigo foi publicado na revista científica há mais de uma semana. O Globo foi o único dos grandes jornais a dar algum espaço para o assunto, que foi tema de seminário em Brasília na quinta-feira (23/5). De modo geral, a imprensa tem evitado confrontar os resultados de certas políticas públicas adotadas a partir de 2003, como o Bolsa Família, a diplomacia menos dependente dos Estados Unidos, o fortalecimento dos bancos estatais como estratégia para estimular a concorrência no sistema financeiro, pela oferta de crédito, e outras mudanças que fazem a diferença entre o modelo adotado após o Plano Real e as políticas implementadas na última década.

Mesmo considerando que a mortalidade infantil começou a cair mais fortemente há quinze anos, o que faz justiça a medidas tomadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, os jornais não parecem interessados em analisar as políticas sociais. Nem mesmo para reconhecer o trabalho desenvolvido pela falecida ex-primeira dama Ruth Cardoso, que deu uma contribuição fundamental para a compreensão dos efeitos econômicos e políticos de programas sociais: seu livro intitulado Comunidade Solidária: fortalecendo a sociedade, promovendo o desenvolvimento, publicado em 2002, é tido como inspirador de alguns dos autores do Bolsa Família.

Além disso, têm acontecido desde 2006 importantes seminários anuais sobre os resultados econômicos das políticas de distribuição condicional de renda, muitos deles promovidos por um instituto cultural ligado a um dos grandes bancos privados do país, com sucessivas demonstrações de que a orientação social da economia reduz desigualdades e produz mais riqueza do que o modelo inspirado na absoluta liberdade do mercado.

Curiosamente, é o Valor Econômico, principal jornal especializado em economia e negócios, que tem dado mais destaque a essa questão. A imprensa generalista hegemônica segue achando que o Bolsa Família é uma herança das políticas clientelistas tradicionais – sendo que esse cordão umbilical já havia sido cortado por Ruth Cardoso ao oficializar o papel das organizações não-governamentais no desenvolvimento econômico-social.

Agarradas a dogmas do mercado, as redações se alienam da realidade.

Fonte: Observatório da Imprensa

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um passo à frente, a hora e a vez

16/04/2013 - Um passo à frente - Venício Lima (*)
- Carta Maior - publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Liberdade de expressão é um conceito em disputa. Uma de suas versões – a liberal – tem sido empunhada como bandeira de luta pelo sistema privado oligopolizado.

Paradoxalmente, em nome da liberdade de expressão, interdita-se o debate democrático sobre ela própria.
(Venício Lima)

Chegou a hora de dar um passo à frente na questão da regulamentação das comunicações no Brasil. Certamente atingimos um ponto de esgotamento no que se refere ao diagnóstico básico da situação e à identificação de atores e de suas posições.

As preliminares estão postas. É necessário avançar.

Os fatos conhecidos
Que a legislação do setor está defasada e que normas e princípios constitucionais aguardam regulamentação há quase 25 anos, é fato.

Que as TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação], sobretudo a internet, nunca foram reguladas, é fato.

Que, ao longo dos anos, consolidou-se no Brasil a hegemonia de um sistema privado oligopolizado de comunicações consequência da ausência de qualquer limite legal à propriedade cruzada, é fato.

Que esse sistema é, direta ou indiretamente, vinculado a políticos no exercício de mandatos eletivos (deputados estaduais e federais, senadores, governadores, prefeitos e vereadores), é fato.

Que boa parte dos recursos que sustentam e reproduzem esse sistema oligopolizado se origina de verbas oficiais de publicidade, é fato.

Que a política de distribuição de recursos oficiais e publicidade tem dificultado o surgimento e/ou a consolidação de sistemas alternativos de comunicações, é fato.

Que o poder econômico e político que o sistema privado oligopolizado conquistou e preserva (mesmo após o surgimento das mídias digitais), pela própria natureza da atividade de comunicações, impede qualquer alteração real na sua estrutura, é fato.

Que uma das consequências dessa realidade é a perpetuação da exclusão histórica das vozes da maioria da população brasileira do debate público e a corrupção da opinião pública, é fato.

Que o governo da presidenta Dilma Rousseff anunciou publicamente que não enfrentará essa questão, é fato.

Que os empresários do setor – concessionários do serviço público de radiodifusão e/ou proprietários de jornais e revistas e/ou donos de agências de publicidade – interditam, sem mais, qualquer tentativa de se debater publicamente essas questões como se elas constituíssem uma proposta de censura e ameaçassem a liberdade de expressão, é fato.

Conceito em disputa

Diante desses fatos, simultaneamente à campanha liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) –

Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo”–

e ao esforço para a elaboração de uma proposta que possa se transformar em Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), devemos qualificar e verticalizar o debate público sobre a liberdade de expressão.

É necessário trazer para o contexto histórico do liberalismo brasileiro o debate sobre as ideias de liberdade de expressão e de opinião pública.

Essa questão está praticamente ausente da longa tradição de estudos sobre o liberalismo e sobre algumas de suas aparentes contradições – como, por exemplo, a convivência com a escravidão e/ou com regimes autoritários – consolidada dentro da filosofia política e da história das ideias no Brasil.

A hegemonia do conceito liberal de liberdade tem sido a principal responsável não só pela paradoxal interdição do debate público sobre a liberdade de expressão, como também pela ausência da mídia nas teorias democráticas e ainda pela permanente desqualificação da opinião pública.

A liberdade liberal tem sua matriz no liberalismo que se constrói a partir do século 17 na Inglaterra, depois como reação conservadora à Revolução Francesa e se consolida no século 19 em complemento à ideia de mercado livre, isto é, à liberdade privada de produzir, distribuir e vender mercadorias.

Prevalece o caráter pré-político da liberdade, como um direito exclusivo da esfera privada. A versão mais conhecida dessa perspectiva é a que reduz a liberdade à ausência de interferência externa na ação do indivíduo, a chamada liberdade negativa.

A liberdade republicana, ao contrário, se associa historicamente à democracia clássica grega, à república romana e ao humanismo cívico do início da Idade Moderna.

Nela prevalece a ideia de liberdade associada à vida ativa, ao livre-arbítrio, ao autogoverno e à participação na vida pública.

São tradições distintas: a republicana se origina em Atenas, passa por Roma e se filia modernamente a pensadores como Maquiavel, John Milton e Thomas Paine. A liberal, em Hobbes, Locke, Benjamin Constant e, mais recentemente, em Isaiah Berlin.

Chegou a hora de estudar a construção histórica da hegemonia do conceito liberal de liberdade em busca de suas peculiaridades no Brasil.

Liberdade de expressão é um conceito em disputa.
Apesar disso, uma de suas versões – a liberal – tem sido empunhada como bandeira de luta exatamente pelos representantes do sistema privado oligopolizado de comunicações.

Paradoxalmente, em nome da liberdade de expressão, interdita-se o debate democrático sobre ela própria.

Talvez compreendendo melhor as peculiaridades do liberalismo brasileiro e suas consequências possamos avançar no debate e na formulação de propostas que possibilitem, afinal, que mais vozes sejam ouvidas e participem da consolidação de um republicanismo verdadeiramente democrático entre nós.

A ver.

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6051

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Credibilidade de blogueiro tem preço

15/01/2013 - O preço da credibilidade nos blogs de jornais
- Por Carlos Castilho - Observatório da Imprensa

A maioria dos jornais adotou em massa a solução dos blogs autorais como forma de personalizar conteúdos informativos a baixo custo, mas agora os editores começam a ter dores de cabeça com a cobrança de rigor jornalístico por parte de leitores.

Este é o teor do desabafo do ombudsman do The Washington Post, Patrick Pexton, que constatou ser impotente a corrida dos autores de blogs em agir rápido para manter a fidelidade dos leitores, ao mesmo tempo em que as redações e os leitores cobram precisão, objetividade, isenção e ineditismo com base no patrimônio editorial da revista ou jornal.

Trata-se de um conflito de duas lógicas e que dificilmente será resolvido com base apenas nas normas vigentes nas redações.

Os blogs têm uma dinâmica, um formato e um objetivo diferentes dos de uma reportagem, notícia ou comentário impressos. A grande maioria dos blogs é um produto individual, enquanto o material de um jornal, revista, ou telejornal é resultante de um trabalho coletivo.   

Os blogs precisam ter uma alta rotatividade de textos para manter a fidelidade de seus leitores porque espaços muito grandes entre uma atualização e outra abrem a possibilidade de que o usuário seja atraído por outro blog.

A narrativa dos blogs também é muito mais informal e coloquial do que de uma notícia de jornal. Idealmente, eles seriam conversas entre o autor e os leitores, ao contrário dos textos impressos, que funcionam mais como comunicados.

Finalmente temos a questão do objetivo, pois os blogs vivem mais da informação segmentada e do comentário opinativo do que de uma pauta geral e ampla, como a de um jornal diário.

Essas diferenças fazem com que não seja possível avaliar um blog com a mesma régua usada pelos leitores para medir as informações de um jornal.

Mas a cultura predominante na audiência da imprensa escrita e dos veículos audiovisuais ainda é a do século 20.

Daí a cobrança de uma exatidão, isenção e credibilidades impossíveis de serem alcançadas pelos blogs.

Os blogueiros são hoje uma solução e um problema para a maioria dos jornais.

Solução porque permitem diversificar, dinamizar e personalizar o cardápio informativo do veículo.

Um problema porque nem o autor e nem a redação conseguem conferir no detalhe todas as informações publicadas no blog, quando ele está hospedado num jornal ou revista.

O próprio ombusdman do The Washington Post reconhece que a checagem detalhada das informações inseridas num blog obrigaria o seu autor a publicar em média um texto a cada 15 dias, o que segundo os entendidos é a rota mais curta para a perda de leitores.

Assim, a convivência com o erro é inevitável e só pode ser tolerada se for entendida pelos leitores como um esforço para chegar à credibilidade e não como a expressão acabada da verdade.

Os leitores não terão outra alternativa senão desenvolver as suas próprias técnicas de leitura crítica para poder comparar blogs e identificar seus erros ou deficiências.

Implica uma atitude mais ativa do que o comportamento passivo imposto pela impossibilidade de interagir mais intensa e rapidamente com as redações convencionais.

As redações, por seu lado, estão descobrindo na prática como é difícil, quase impossível, manter o férreo controle do produto editorial de um veículo impresso ou audiovisual.

Quando as redações eram grandes, o controle ainda era possível, mas com a crise elas foram reduzidas quase “ao osso”, justo no momento em que a oferta informativa passou a crescer freneticamente.

A solução do dilema entre a rapidez e a exatidão só pode ser alcançada se o conteúdo de blogs e jornais for avaliado em seu contexto especifico, levando em conta as exigências comuns de credibilidade, exatidão, relevância e pertinência.

Não se trata de ser mais tolerante com os erros de blogueiros, porque em matéria de credibilidade o leitor tem toda a razão ao exigir tolerância zero. Mas também não adianta cobrar o impossível.

Uma possibilidade é ver os blogs como algo parcial, fluido, incompleto e diverso.

Um insumo para análise e reflexão mais do que um padrão a ser seguido. Ver os blogs como um conjunto, onde as partes podem ser contraditórias e conflitantes.

Avaliá-los como se fossem intervenções num debate público em que cada leitor tira depois as suas conclusões pessoais.

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/o_preco_da_credibilidade_nos_blogs_de_jornais

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Por que o governo deve apoiar a mídia alternativa

15/01/2013 - Venício A. de Lima - Observatório da Imprensa
- edição 729

Em audiência pública na Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada em 12 de dezembro último, o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, defendeu que 30% das verbas publicitárias do governo federal sejam destinadas às pequenas empresas de mídia.

Dirigentes da Altercom também estiveram em audiência com a ministra da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), Helena Chagas, para tratar da questão da publicidade governamental.

Eles argumentam que o investimento publicitário em veículos de pequenas empresas aquece toda a cadeia produtiva do setor.

Quem contrata a pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência publicitária, a pequena produtora de vídeo, são os veículos que não estão vinculados aos oligopólios de mídia.

Além disso, ao reivindicar que 30% das verbas publicitárias sejam dirigidas às pequenas empresas de mídia, a Altercom lembra que o tratamento diferenciado já existe para outras atividades, inclusive está previsto na própria lei de licitações (Lei nº 8.666/1993).

Dois exemplos:


1. Na compra de alimentos para a merenda escolar, desde a Lei nº 11.947/2009, no mínimo 30% do valor destinado por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, gestor dessa política, deve ser utilizado na aquisição “de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.

2. No Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento da atividade audiovisual, criado pela Lei nº 11.437/2006 e regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, a distribuição de recursos prevê cota de participação para as regiões onde o setor é mais frágil.

Do total de recursos do FSA, 30% precisam ser destinados ao Norte, Nordeste e Centro Oeste. Vale dizer, não se podem destinar todos os recursos apenas aos estados que já estão mais bem estruturados (ver aqui, acesso em 11/1/2013).

A regionalização das verbas oficiais
A reivindicação da Altercom é consequência da aparente alteração do comportamento da Secom-PR em relação à chamada mídia alternativa.

A regionalização constitui diretriz de comunicação da Secom-PR, instituída pelo Decreto n° 4.799/2003 e reiterada pelo Decreto n° 6.555/ 2008, conforme seu art. 2°, X:

Art. 2º – No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características da ação:

X – Valorização de estratégias de comunicação regionalizada.”

Dentre outros, a regionalização tem como objetivos “diversificar e desconcentrar os investimentos em mídia”.

De fato, seguindo essa orientação a Secom-PR tem ampliado continuamente o número de veículos e de municípios aptos a serem incluídos nos seus planos de mídia. Os quadros abaixo mostram essa evolução.



Fonte: Núcleo de Mídia da Secom, acesso em 11/1/2013
Trata-se certamente de uma importante reorientação histórica na alocação dos recursos publicitários oficiais, de vez que o número de municípios potencialmente cobertos pulou de 182, em 2003, para 3.450, em 2011, e o número de veículos de comunicação que podem ser programados subiu de 499 para 8.519, no mesmo período.

Duas observações, todavia, precisam ser feitas.
Primeiro, há de se lembrar que “estar cadastrado” não é a mesma coisa que “ser programado”.

Em apresentação que fez na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), São Paulo, em 16 de julho de 2009, o ex-secretário executivo da Secom-PR, Ottoni Fernandes Júnior, recentemente falecido, citou como exemplo de regionalização campanha publicitária em que chegaram a ser programados 1.220 jornais e 2.593 emissoras de rádio – 64% e 92%, respectivamente, dos veículos cadastrados.

Segundo e, mais importante, levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo, a partir de dados da própria Secom-PR, publicado em setembro de 2012, revela que nos primeiros 18 meses de governo Dilma Rousseff (entre janeiro de 2011 e julho de 2012), apesar da distribuição dos investimentos de mídia ter sido feita para mais de 3.000 veículos, 70% do total dos recursos foram destinados a apenas dez grupos empresariais (ver “Globo concentra verba publicitária federal”, CartaCapital, 13/9/2012, acesso em 12/1/2013).

Vale dizer, o aumento no número de veículos programados não corresponde, pelo menos neste período, a uma real descentralização dos recursos.

Ao contrário, os investimentos oficiais fortalecem e consolidam os oligopólios do setor em afronta direta ao parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que reza:
Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de oligopólio ou monopólio”.

Democracia em jogo

A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de audiência e CPM (custo por mil).

A prevalecerem esses critérios, ela estará sufocada financeiramente, no curto prazo.

Trata-se, na verdade, da observância (ou não) dos princípios liberais da pluralidade da diversidade implícitos na Constituição por intermédio do direito universal à liberdade de expressão, condição para a existência de uma opinião pública republicana e democrática.

Se cumpridos esses princípios (muitos ainda não regulamentados), o critério de investimentos publicitários por parte da Secom-PR deve ser “a máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais vozes sejam ouvidas e participem ativamente do espaço público.

Como diz a Altercom, há justiça em tratar os desiguais de forma desigual e há de se aplicar, nas comunicações, práticas que já vêm sendo adotadas com sucesso em outros setores.

Considerada a centralidade social e política da mídia, todavia, o que está em jogo é a própria democracia na qual vivemos.

Não seria essa uma razão suficiente para o governo federal apoiar a mídia alternativa?

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed729_por_que_o_governo_deve_apoiar_a_midia_alternativa

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.